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Análise de Cenários Econômicos W B A 0 5 0 6 _ V 1. 2 Análise de Cenários Econômicos Autoria: Roberto Resende Simiqueli Como citar este documento: SIMIQUELI, Roberto. Análise de Cenários Econômicos. Valinhos: 2017. Sumário Apresentação da Disciplina 03 Unidade 1: Os fundamentos da análise macroeconômica 05 Unidade 2: O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira 37 Unidade 3: As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações 69 Unidade 4: Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia 98 22/236 Unidade 5: Concorrência: fundamentos e estruturas 129 Unidade 6: A Concorrência em Perspectiva Estratégica 153 Unidade 7: Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90 179 Unidade 8: Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000 206 3/236 Apresentação da Disciplina Nesta disciplina apresentaremos os fun- damentos teóricos e metodológicos para a análise da conjuntura econômica nacio- nal e internacional, dedicando especial atenção aos agregados macroeconômicos e a seu comportamento, ao impacto de de- cisões governamentais sobre os mercados e à dinâmica da concorrência entre as em- presas em um determinado setor. Num se- gundo momento, estudaremos brevemente a evolução recente da economia brasileira e internacional, aplicando o que aprendemos nas primeiras unidades para construir uma análise do cenário econômico atual. A Análise de Cenários Econômicos envolve não só o conhecimento aprofundado dos fundamentos da reflexão macroeconômica e microeconômica, mas a aplicação desta reflexão às transformações constantes dos mercados nacionais e internacionais. Assim, é fundamental que você se mantenha atual- izado sobre os rumos da economia brasile- ira e suas relações com os mercados inter- nacionais. Diferentes posições dos agentes governamentais, mudanças em ministérios chave, representação de diferentes setores na Câmara e no Senado, mudanças na con- juntura política internacional, a atenção da imprensa a determinadas figuras do execu- tivo ou do judiciário – todos estes elemen- tos podem contribuir para a performance de uma dada economia, ou comprometer o ritmo de crescimento econômico dos anos anteriores. Com as ferramentas teóricas proporcionadas por esta disciplina e um conjunto confiável e abrangente de fontes 4/236 de informação, esperamos que você possa analisar em detalhe as transformações da nossa economia. 5 Unidade 1 Os fundamentos da análise macroeconômica Objetivos 1. O objetivo desta unidade é apresentar fundamentos da análise macroeco- nômica, destaque para: os agregados macroeconômicos e as relações esta- belecidas entre eles; os condicionan- tes do equilíbrio no mercado de bens; a relação entre a renda, a produção, e as formas de gasto autônomo; e a operação do multiplicador keynesia- no. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica6/236 Introdução Nossos estudos em Análise de Cenários Econômicos começam por uma pequena, porém importante, definição – a perspecti- va a partir da qual observamos a economia. Qualquer investigação sobre a performan- ce econômica recente (ou mesmo passa- da) parte desse mesmo ponto. Então, nos questionaremos: Qual escopo adotaremos? Quais as nossas unidades de análise? Quais as informações relevantes? E, finalmente, o que pretendemos adotando essa perspecti- va em particular? No caso da economia, essas observações sobre escopo, unidades de análise e pers- pectiva são ainda mais importantes do que o usual. Não se trata apenas da dicotomia entre enxergar as árvores, mas não a flo- resta, ou vice-versa, mas de observarmos essa realidade a partir de óticas bastante distintas. 1. Famílias, empresas, mercados, setores e nações Você deve acompanhar a cobertura jorna- lística sobre a performance da economia Link Para uma bem-humorada introdução à histó- ria do pensamento econômico e a algumas de suas principais tradições intelectuais e proble- mas teóricos, veja 60 Second Adventures in Eco- nomics (combined). Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica7/236 brasileira. Provavelmente também lê sobre os investimentos em infraestrutura e os in- dicadores econômicos da sua região. E cer- tamente tem informações sobre a conjun- tura econômica internacional. O próximo passo é desconstruir um argumento recor- rente, defendido por muitos jornalistas eco- nômicos: o de que a economia de um país pode ser analisada a partir de metáforas com o orçamento familiar ou com as contas de uma empresa. Essa desconstrução passa pela revisão das bases da reflexão e do debate econômico. Em economia, partimos de uma distinção fundamental entre dois grandes campos de estudo: a macroeconomia e a microe- conomia. Como você pode imaginar, a microecono- mia se preocupa com as dinâmicas micro, ou seja, o comportamento dos agentes eco- nômicos, das menores unidades de análise possíveis, em situações de concorrência. A abordagem microeconômica é comumen- te empregada para analisar as escolhas dos consumidores entre dois produtos concor- rentes, a interação entre empresas rivais num dado mercado, a precificação de di- ferentes produtos, situações específicas de concorrência e as circunstâncias em que uma empresa continua ou interrompe suas atividades. Logo, a microeconomia se ocu- pa de consumidores e firmas, da demanda desses consumidores, calcada em suas ne- cessidades e em seu orçamento, e da oferta de produtos pelas firmas, a partir de consi- Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica8/236 derações sobre preços, custos e estruturas de mercado. A macroeconomia parte de outro universo de categorias e preocupações. Parte de uma perspectiva fundamentalmente macroscó- pica: para a análise macroeconômica, pou- co importa a decisão do consumidor entre uma ou outra marca de margarina. Isso quer dizer que esses consumidores não existem para os economistas especializados nesse campo? Seriam preços, custos de produção, oferta, demanda e escolhas individuais in- significantes para os macroeconomistas? Então todo o referencial adotado pela mi- croeconomia é invalidado nas investiga- ções macroeconômicas? A resposta a esses questionamentos é não, de forma alguma. A diferença fundamental, como enfatizamos anteriormente, é de escopo – a macroeco- nomia não se preocupa com estes objetos, mas não os ignora completamente. Apenas parte de outras unidades de análise, traba- lhando com um conjunto de informações relevantes diverso do empregado pelos microeconomistas, com intenções radical- mente distintas. O objeto central da macroeconomia é a per- formance da economia nacional e interna- cional, medida a partir do comportamento de um conjunto de agregados macroeconô- micos. Você certamente já ouviu falar deles – são as informações cruciais para que com- preendamos a situação econômica global e o posicionamento das diferentes economias nos mercados internacionais. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica9/236 Um primeiro agregado é o produto interno bruto (PIB), indicativo de tudo que é produ- zido numa dada economia. Esse produto é resultado do investimento nos diferentes setores, que garante níveis específicos de emprego e desemprego. O emprego de tra- balhadores e de capital (remunerados, res- pectivamente, por salários e juros) é recom- pensado com o pagamento da renda, que, por sua vez, corresponde ao consumo. Nem tudo que é recebido como renda é consu- mido, de modo que algumas camadas da sociedade acumulam rendas passadas e constituem uma poupança para necessida- des futuras ou para que possam dela aufe- rir rendimentos financeiros. Essa dinâmica é complicada pela relação dessa economia com o mercado externo, pautada pela taxa de câmbio e pelo balanço de pagamentos (um resumo de todas as transações entre a economia nacional e o resto do mundo), e pelo mercado financeiro, estrutura funda- mental na determinação da taxa de jurose, por consequência, do investimento. A macroeconomia parte dessas grandes unidades de análise e desses conjuntos de informações para atender a finalidades dis- tintas da microeconomia: a intervenção so- bre a economia nacional a partir da política econômica. Essa intervenção pode atender a uma multiplicidade de objetivos específi- cos – a manutenção da estabilidade de pre- ços, popularizada no discurso econômico brasileiro como o “combate à inflação”; o crescimento e desenvolvimento econômi- co, entendido como a elevação gradual do Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica10/236 PIB com diversificação das atividades realizadas na economia nacional; o combate ao desempre- go, que comprometeria a situação econômica como um todo, se em nível elevado; e a distribui- ção de renda, seja por considerações de justiça redistributiva (i.e., o entendimento de que todas as pessoas que vivem e trabalham nessa economia teriam direito a um patamar digno de renda), seja pela sua importância para a performance dessa economia. De forma análoga, enquanto a microeconomia oferece ferramentas para a tomada de decisões por firmas e agentes individuais, a macroeconomia se pauta por proporcionar um vasto leque de opções a agentes governamentais: prefeitos, governadores, ministros, secretários, presidentes. Para saber mais A reflexão em macroeconomia é marcada, historicamente, pelas contribuições de John Maynard Ke- ynes, importante economista britânico e autor da Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda. Ainda que alguns dos economistas anteriores a Keynes se preocupassem com os ciclos de crescimento e estagnação de uma dada economia e com as condições para que as sociedades alcançassem patama- res mais elevados de produção e bem-estar material, esse autor é o primeiro a sistematizar a reflexão macroeconômica em uma teoria abrangente, voltada para a intervenção sobre a economia por meio de orientações políticas claras. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica11/236 Por outro lado, seu estudo garante aos empresários (ou aos membros de uma dada organização empenhados no planejamento econômico e/ou financeiro) condições de prever os desdobra- mentos prováveis de decisões de política econômica, podendo desenhar melhores respostas às mudanças no cenário macroeconômico. Agora talvez esteja um pouco mais claro o porquê de afirmarmos que a economia nacional é algo vastamente diferente do orçamento familiar ou das contas de uma empresa. Tratamos, em cada caso, de diferentes unidades de análise, recorrendo a diferentes informações, e atendendo a di- ferentes finalidades. Mas como essas unidades interagem? Qual o peso e a importância dessas informações? Quais as consequências esperadas de diferentes escolhas de política econômica? É disso que trataremos ao longo desta seção. Link Além de recomendarmos a leitura da Teoria Geral, um dos textos fundamentais em economia, sugerimos a introdução feita por Jorge Miguel Cardoso Ribeiro de Jesus, em A Economia de John Maynard Keynes: uma pequena introdução. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica12/236 2. Produto, Consumo e Renda Essa breve introdução serviu ao propósito de apresentar a problemática fundadora da macroeconomia e as diferenças fundamen- tais entre enfoques micro e macro, em eco- nomia. Mas nosso propósito, ao dar os nos- sos primeiros passos além da introdução, é apresentar o que seria o referencial central da reflexão em macroeconomia: as relações entre os agregados. Partamos de uma identidade bastante sim- ples. Como mencionamos alguns parágra- fos atrás, um dos agregados fundamentais em qualquer economia é o produto, i.e., tudo que é produzido numa unidade econô- mica. O produto reúne os resultados dos di- ferentes setores (agroextrativista, indústria e comércio/serviços). Logo, representa (1) a articulação constante de fatores de pro- dução na criação de novas mercadorias, ou na prestação de serviços e (2) a oferta des- sas mercadorias para a sociedade, para que elas sejam consumidas. Assim, o produto é resultado da atuação de uma multidão de trabalhadores e de mon- tantes expressivos de capital, dois dos fa- tores de produção mencionados acima. A articulação desses fatores na produção não depende, porém, somente da boa vontade de trabalhadores e capitalistas – é realizada somente mediante a remuneração por seu emprego, a renda. Essa mesma renda paga aos trabalhadores e aos capitalistas é des- pendida na compra de bens necessários à vida, ou consumo. Estabelece-se, de prin- Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica13/236 cípio, uma identidade entre produto, con- sumo e renda. Tudo que é produzido seria, teoricamente, consumido com a renda paga pela participação dos fatores na produção. Sob outra ótica, a demanda de trabalhado- res e capitalistas por bens e serviços criaria incentivos para a produção, que ocuparia trabalho e capital, remunerando-os. A essas considerações deu-se o nome de fluxo circu- lar da renda. Em síntese, trata-se da ideia de que produto, consumo e renda estão intima- mente ligados, e conformam uma identida- de macroeconômica. Essas identidades são centrais para a reflexão, sendo geralmente representadas algebricamente por: Produto Nacional = Consumo Agregado = Remuneração dos fatores Agora, vamos retomar rapidamente a ex- plicação que demos acima sobre a circu- laridade da renda. Cada um dos diferentes enquadramentos possíveis abre diferentes caminhos para interpretação e análise. Pri- vilegiaremos, nesse primeiro momento, a ótica do dispêndio, i.e., esse circuito de ren- da, produto e consumo se moveria a partir dos determinantes do consumo e de suas especificidades. Se falamos em consumo em geral, talvez nos venha à mente apenas o consumo das famílias (C), aquela forma usual de consumo que desempenhamos no nosso dia a dia. A compra de mantimentos e peças de vestu- ário, o pagamento de serviços de manuten- ção, limpeza e estética, a aquisição de bens supérfluos para lazer, o pagamento de servi- Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica14/236 ços de entretenimento, entre outros. Esse é o consumo que prontamente identificamos como tal. Agora, essa economia é marcada por outras formas de consumo também. É preciso considerar a despesa realizada pelas empresas para ampliação da produção fu- tura, na forma de novas instalações, novos maquinários, ou à variação de estoques. Ao dispêndio das empresas para a finalidade produtiva damos o nome de investimento (I) e você provavelmente já percebeu que esse agregado, apesar de elencado como parte do consumo agregado, é radicalmente dis- tinto do consumo pessoal das famílias. São outros determinantes, outras finalidades, e outras decisões de gasto. Soma-se, a essas duas categorias de consumo, o consumo público do governo (G). Diferentemente do consumo das famílias e do investimento, o consumo do governo não é garantido pela remuneração direta aos fatores, mas pela arrecadação de impostos e pelo gasto au- tônomo. Discutiremos suas possibilidades e condicionantes posteriormente. Por ora, cabe frisar que nessa primeira abertura so- bre o consumo, podemos afirmar que a de- manda total por bens (Z) seria equivalente ao consumo agregado, correspondente à soma do consumo pessoal das famílias (C), do investimento (I) e do consumo do gover- no (G). Algebricamente, temos: Z = C + I + G Uma última ressalva é que devemos consi- derar, também, a parcela do produto que é demandada por agentes no exterior e a por- ção do consumo interno atendida pelo mer- Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica15/236 cado externo. Logo, é preciso incorporar as exportações (X), a parcela do produto ven- dida para o exterior, e as importações (M), os bens consumidos e investidos produzi- dos por estrangeiros. Assim, temos uma re- visão da identidade exposta anteriormente: Z = C + I + G + (X – M) 3. Oferta, demanda e o multipli- cadorNas páginas anteriores, construímos um primeiro conjunto de identidades e relações entre agregados que nos permitem analisar parte da performance de uma dada eco- nomia. As considerações sobre demanda, consumo, investimento, despesas do gover- no, exportações e importações garantem alguns indicativos da demanda total por bens, dado importante de qualquer análi- se sobre a economia, mas esses indicativos ainda são muito superficiais. Nossa inten- ção, agora, é avançar em profundidade até que cheguemos ao referencial fundamental da reflexão em macroeconomia: um modelo econômico. Comecemos, mais uma vez, pelo consumo das famílias. Estudamos a importância des- se consumo na determinação do produto. Mas o que determina o consumo? Uma pri- meira resposta envolve dois fatores: (1) a participação do governo na renda, por im- postos ou subsídios, e (2) o comportamento dos consumidores: Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica16/236 YD = Y – T C = C(YD) C = c0 + c1Yd Assim, a renda disponível (Y d ) representa o restante da renda após a aplicação do saldo entre impostos e subsídios (T). Se há mais subsídios do que impostos, eleva-se a ren- da disponível; caso contrário, ela é reduzi- da (e essa redução é incorporada às receitas do governo). A função função de consumo C(Y D ) representa a disposição dos consumi- dores em despender sua renda disponível em consumo. Um refinamento dessa função diz respeito à divisão do consumo entre a despesa necessária para a subsistência (c 0 , constante, invariável) e uma proporção da renda disponível – a propensão marginal a consumir (c 1 ). É fácil analisar esse agregado e seus componentes se pensarmos na nossa despesa doméstica: há os gastos essenciais, inevitáveis, correspondentes a um padrão mínimo para a sobrevivência (alimentos, peças básicas de vestuário, habitação), e há gastos proporcionais à renda disponível para além do indispensável (aquela despe- sa decorrente do que resta uma vez feitas as compras do mês e pagas as contas). Diferentemente do consumo, o investimen- to (I) será tomado, por enquanto, como uma variável exógena. O que isso quer dizer? En- quanto o consumo é determinado endoge- namente (i.e., dentro do modelo), deixare- mos a determinação do investimento como externa, ao menos até termos condições de discutir os fatores que influem na decisão de investir. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica17/236 Após expor a determinação da renda dispo- nível, temos duas representações do gover- no nessa economia hipotética: a despesa do governo (G) e a influência dos impostos e subsídios sobre a renda (T). Essas duas va- riáveis são especiais (e exógenas) por uma série de motivos. Em primeiro lugar, os go- vernos não mantêm a mesma regularidade que as empresas ou os consumidores, quan- do se trata da atuação econômica; suas po- líticas mudam a cada período do tempo, e não há uma explicação interna ao modelo para essas mudanças (lembrando: são deci- sões políticas e econômicas externas à lógi- ca do modelo). Em segundo lugar, uma das finalidades da macroeconomia é justamen- te a reflexão sobre as consequências de de- cisões de gastos e tributação por parte do governo. A essas decisões damos o nome de política fiscal. Assim, podemos expandir nossa fórmula da demanda por bens: Z = c0 + c1(Y-T) + I + G Se nos lembrarmos da identidade entre produção, consumo e renda, somos levados a outro ponto importante do desenvolvi- mento desse raciocínio: a ideia de que a de- manda por bens tenderia (hipoteticamente) ao equilíbrio com sua oferta, ou seja, que a demanda geral por bens (Y) eventualmente equivaleria à produção (Y): Y = Z Y = c0 + c1(Y-T) + I + G Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica18/236 Há duas decorrências importantes desse último enunciado. A primeira é que ele ga- rante a circularidade produção-consumo- -renda ao representar tudo que é produzido como função da demanda, e essa demanda como função da renda. A segunda é resulta- do de uma pequena manipulação algébrica sobre a equação de equilíbrio: Y = c 0 + c 1 (Y-T) + I + G Isolando a renda/produção, temos condi- ções de analisar a influência das demais va- riáveis (investimento, despesa do governo e tributação) sobre este agregado. Ou seja, temos uma fórmula que nos garante indica- tivos das consequências de variações posi- tivas ou negativas do investimento, da des- pesa do governo e da relação entre tributos e subsídios na produção e na renda dessa economia. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica19/236 Uma primeira conclusão é que a produção e a renda, nesse modelo, são dependentes das variá- veis exógenas (investimento, gasto do governo e tributação). Logo, a única forma de se garantir crescimento econômico, a curto prazo, é por meio de elevações no investimento ou no gasto do governo (os subsídios – redução de T – seriam uma possibilidade algébrica, mas exploraremos suas insuficiências no futuro). Para saber mais Vamos parar por um minuto para analisar as implicações dessas relações: • Variações positivas no investimento resultariam em elevações na renda e na produção, por maior de- manda de matérias primas, máquinas e bens intermediários. • Variações positivas na despesa do governo representariam a entrada de novos recursos na economia, visando à ampliação da infraestrutura ou dos serviços públicos. O consumo do governo proporciona- ria uma elevação na demanda, a qual corresponderia uma elevação na oferta. • De forma inversa, uma elevação na carga tributária impactaria sobre a demanda agregada, reduzin- do-a, com consequências negativas sobre a renda e a produção. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica20/236 Mas há algo de grande importância que dei- xamos de lado. A que ritmo essa economia cresce, com variações positivas no investi- mento e na despesa governamental? Você percebeu a mudança do papel desempe- nhado pela propensão marginal a consumir, nessa nova apresentação da produção? Reflita por um momento sobre essa propen- são. No modelo, ela é representada como parte da função consumo das famílias, e nos dá um indicativo do percentual da ren- da incorporado à demanda pelo consumo. Assim, considerando que as famílias dessa economia consumam 90% do que recebem, como renda, sua propensão marginal a con- sumir (c 1 ) seria 0,9 (c 1 =0,9). De toda a ren- da recebida por essas famílias, 90% seria reincorporada à demanda, proporcionando estímulo à produção e gerando nova ren- da. Mas e os 10% restantes? Qual o destino dessa parcela da renda? Renda não consumida é renda poupada. Logo, o restante da renda (representado por 1- c 1 , uma vez que c 1 varia entre 0 e 1) é denominado propensão marginal a poupar (s 1 ). Como a renda é dividida entre poupan- ça e consumo, é importante lembrar que: c1 + s1 = 1 s1 = 1 - c1 E uma elevação nessa propensão seria uma coisa boa, não? Da mesma forma que no or- çamento familiar, renda excedente e poupa- da deve ser algo muito positivo, não? Não! Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica21/236 Esse é um dos motivos para aquela breve digressão no início da seção sobre as dife- renças entre a economia nacional e o or- çamento familiar. Diferentemente do que o senso comum nos leva a crer, uma maior propensão à poupança não é uma coisa boa, da perspectiva do crescimento econômico. Por que isso acontece? Vamos voltar a nosso esboço de modelo. Tomemos por base duas economias hipo- téticas – as chamaremos Consumistão e Poupância. Em uma, a população apresen- ta elevada propensão marginal a consumir (c1 = 0,8). Isso é indicativo de uma socieda- de em que a maior parte da renda ainda é destinada ao consumo, e geralmente cor- responde ao perfil de economias em de- senvolvimento. Y = (1/0,2) [c0 + I + G – c1T] Y = 5 [c0 + I + G – c1T] Logo, a elevada propensão a consumir do Consumistão proporciona, a cada elevação pontual no investimento ouno gasto do go- verno, uma variação cinco vezes maior na renda. Caso radicalmente distinto é observado em Poupância, uma nação desenvolvida, em que a propensão marginal a consumir é baixíssima (c1 = 0,2, logo s1 = 0,8). Como consequência disso, variações na renda são muito mais discretas: Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica22/236 Y = (1/0,8) [c0 + I + G – c1T] Y = 1,25 [c0 + I + G – c1T] Assim, variações positivas no investimento ou na despesa do governo ainda proporcio- nariam uma elevação na renda, mas essa elevação seria apenas uma fração (25%) do incremento original. Você deve estar se perguntando – para além da álgebra elementar mobilizada nessas equações, qual o motivo para isso? O moti- vo dessa diferença de ritmo de crescimen- to entre as duas economias é a atuação de algo que os economistas denominam mul- tiplicador keynesiano dos gastos (k = 1/(1- c 1 ) ou k = 1/s 1 ). O multiplicador nos dá uma medida da variação da renda em função da variação das diferentes formas de gasto autônomo, ou seja, do quanto a renda e a produção de uma nação variam a partir de elevações no investimento ou nos gastos do governo. A demonstração de sua atuação demandaria um pouco mais de tempo e es- paço, mas pode ser encontrada em muitos dos materiais de apoio referenciados na nossa bibliografia. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica23/236 A consequência prática é que sociedades empenhadas no consumo de sua renda geralmente apresentam maiores taxas de crescimento econômico, a partir de variações positivas no gasto governamental ou no investimento. Essa é a razão para a repetição de “milagres” econômicos em que países relativamente atrasados se modernizam rapidamente. Vivenciamos essa realidade, no Brasil, entre os anos 1940 e 1970, e casos similares foram observados no Japão pós-guer- Link Ao longo da seção, mobilizamos criticamente a ideia equivocada de que uma economia nacional seria comparável ao orçamento de uma família, para discussão e análise. Apesar da fácil demonstração dos erros presentes nessa identidade, esse é um mito persistente, e é muito difícil encontrar jornalistas eco- nômicos que não incorram nessa falácia. Se você se interessou por esse tema, recomendo a leitura de um artigo do economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Nele, o professor explora os equívocos resultantes dessa comparação, tecendo comentários sobre a importân- cia do gasto público e o impacto de tentativas recentes de ajuste fiscal na economia brasileira. Comparar orçamento público e orçamento doméstico é uma falácia, por Pedro Paulo Zahluth Bastos. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica24/236 ra, na China pós-revolução, na Coréia, na segunda metade do século XX, e em tantas outras economias que se modernizaram ao longo do último século. Para saber mais Curiosamente, economistas apontam a existên- cia de um paradoxo da poupança. Quanto mais desenvolvida economicamente a sociedade, mais renda excedente ela produz, e menos dessa ren- da é comprometida com a finalidade de consumo. Assim, eleva-se tendencialmente a propensão marginal a poupar, no longo prazo, o que reduz os efeitos de investimentos ou despesas governa- mentais sobre a produção. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica25/236 Glossário Gasto autônomo: o nome dado às variáveis exógenas do modelo; por partirem de decisões dos investidores e do governo, investimento (I) e gastos do governo (G) são considerados formas de gasto autônomo. Macroeconomia: campo da reflexão econômica preocupado com o comportamento dos agrega- dos macroeconômicos, com a performance da economia nacional e internacional, e com prog- nósticos de política econômica. Multiplicador keynesiano dos gastos: razão em que uma economia é abalada por variações (positivas ou negativas) do gasto autônomo. Decorrente das propensões marginais a consumir e a poupar em uma dada economia. Questão reflexão ? para 26/236 Quando discutimos o multiplicador keynesiano dos gastos, tra- balhamos com duas nações hipotéticas com diferentes propensões marginais a consumir e a poupar. Como consequência, cada uma dessas nações apresentaria diferentes respostas à elevação dos gastos autônomos. Agora, o que aconteceria se esses dois gru- pos não fossem nações, mas parcelas de uma mesma sociedade? Poderíamos pensar nas camadas de baixa renda, com maior pro- pensão a consumir (c1 = 0,8 e s1 = 0,2, replicando o exercício anteri- or e facilitando seus cálculos), e camadas de alta renda, com maior propensão a poupar (c1 = 0,2 e s1 = 0,8)? Tomando o crescimento econômico (i.e., elevação da produção e da renda – Y) como objetivo central da atuação governamental, em qual camada da sociedade o governo deveria concentrar seus gastos e subsídios? Qual poderia ser tributada com menor impacto para a economia como um todo? 27 Considerações Finais (1/2) • A economia é dividida em dois grandes campos de análise – a microeconomia, que se preocupa com a interação entre firmas e consumidores, por mecanismos de escolha e concorrência, e a macroeconomia, preocupada com o comporta- mento de agregados – renda, consumo, produção, investimento, desemprego – que nos dão indicativos da performance da economia nacional e dos mercados internacionais. Por enquanto, nos ocuparemos da análise macroeconômica. • A macroeconomia está assentada sobre a ideia de fluxo circular da renda: toda renda gerada num dado sistema econômico impulsionaria a demanda, gerando consumo, que, por sua vez, estimularia a produção (gerando mais renda). • Dessa ideia simples deriva-se uma série de considerações sobre a demanda de bens, especificamente quanto ao perfil do consumo das famílias (C = c 0 + c 1 Y d ; Y D = Y – T), do investimento e do gasto do governo (variáveis exógenas, gasto autônomo). Dessas considerações emerge a equação de equilíbrio do mercado de bens: 28 Considerações Finais (2/2) Y = Z Y = c 0 + c 1 (Y-T) + I + G Y = 1 1-C 1 [c 0 +I+G-c 1 T] • O multiplicador keynesiano dos gastos (k = 1/(1-c1) ou k = 1/s1) dá indícios do ritmo em que uma dada economia cresce, a partir de variações no gasto autôno- mo. É maior ou menor de acordo com a propensão marginal a consumir e a pro- pensão marginal a poupar (c1 e s1, respectivamente, lembrando que c1 + s1 = 1). • Começamos a construir um primeiro modelo analítico, referencial base em- pregado pelos economistas para a análise de cenários econômicos. Partindo do equilíbrio no mercado de bens, discutiremos na próxima seção as outras di- mensões dessa economia – o mercado financeiro e o mercado de trabalho. Mu- nidos de considerações sobre esses três mercados, completaremos nosso mod- elo e teremos condições de partir para a análise. Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica29/236 Referências BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999. JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo- mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011. KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007. SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999. VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001. 30/236 1. Dentre os vários componentes da demanda geral por bens, dois são con- siderados representantes do gasto autônomo. São eles: a) Consumo e investimento. b) Investimento e poupança. c) Propensão marginal a consumir e propensão marginal a poupar. d) Investimento e despesa do governo. e) Despesa do governo e consumo. Questão 1 31/236 2. Assinale a alternativa que melhor explica a função consumo das famí- lias. a) O consumo das famílias é uma das variáveis de gasto autônomo, sendo, portanto, exógena ao modelo. b) O consumo das famílias é função direta da tributação e das importações, uma vez que de- pende dastarifas cobradas pelo governo sobre bens importados. c) O consumo das famílias pode ser desmembrado em dois componentes: uma parcela cons- tante, invariável, que representa o mínimo de subsistência, e outra, composta pela parcela da renda destinada ao consumo (e correspondente à propensão marginal a consumir). d) O consumo das famílias varia exclusivamente em função da poupança e dos subsídios go- vernamentais. e) Variável exógena ao modelo, o consumo das famílias é tomado como dado para os períodos de análise, e permanece invariável. Questão 2 32/236 3. Tomando por base uma economia hipotética, com famílias com propen- são marginal a consumir de 90% (c 1 = 0,9) e propensão marginal a poupar de 10% (s 1 = 0,1), assinale a alternativa que apresenta o multiplicador ke- ynesiano de gastos: a) 5. b) 2,25. c) 0,11. d) 3. e) 10. Questão 3 33/236 4. Suponha que uma economia cuja propensão marginal a poupar seja de 20% (s 1 = 0,2) apresentou elevação das despesas governamentais da ordem de dois bilhões de reais (R$2.000.000.000,00). Mantidas todas as demais variáveis constantes, assinale a alternativa que seria a elevação resultante da produção e da renda. a) Dez bilhões de reais (R$10.000.000.000,00). b) Um bilhão de reais (R$1.000.000.000,00). c) Cinco bilhões de reais (R$5.000.000.000,00). d) Dois bilhões de reais (R$2.000.000.000,00). e) Quinhentos milhões de reais (R$500.000.000,00). Questão 4 34/236 5. Assinale a alternativa que representa corretamente o equilíbrio do mer- cado de bens: a) Y = (1/(1-c 1 ))(c 0 + I - G + c 1 T). b) Y = (1/(1-c 1 ))(c 0 + I + G - c 1 T). c) Y = (1/(1+c 1 ))(c 0 + I + G - c 1 T). d) Y = (1/(1-s 1 ))(c 0 + I + G - c 1 T). e) Y = (1-c 1 )(c 0 + I + G - c 1 T). Questão 5 35/236 Gabarito 1. Resposta: D. Investimento (I) e despesa do governo (G) são as variáveis exógenas ao modelo, deter- minadas externamente. Como tal, são tam- bém conhecidas como variáveis de gasto autônomo, ou seja: representantes de deci- sões de gasto que não são definidas exclusi- vamente pelo montante da renda disponível ou por condicionantes internos ao modelo. 2. Resposta: C. O consumo das famílias pode ser desmem- brado em dois componentes: uma parce- la constante, invariável, que representa o mínimo de subsistência, e outra, composta pela parcela da renda destinada ao consu- mo (e correspondente à propensão margi- nal a consumir). Isso garante a forma usual dessa função: C = c 0 +c 1 (Y-T) 3. Resposta: E. O multiplicador keynesiano dos gastos pode ser calculado a partir da propensão marginal a consumir (k = 1/(1-c1)) ou a par- tir da propensão marginal a poupar (k = 1/ s1). Como c1 = 0,9 e s1 = 0,1, qualquer uma das duas formas nos levaria a k = 1/0,1 , ou seja: k = 10. 4. Resposta: A. Partindo das fórmulas elencadas na res- olução do exercício anterior (k = 1/(1-c1) e k 36/236 Gabarito = 1/s1), temos que k, para s1 = 0,2, é igual a 5. Mantidas todas as demais variáveis con- stantes, uma variação de G seria acompan- hada por uma variação 5 vezes maior de Y – logo, os dois bilhões em gastos governa- mentais resultariam em dez bilhões de el- evação da produção e da renda. 5. Resposta: B. A fórmula correta é Y = (1/(1-c 1 ))(c 0 + I + G - c 1 T). A renda e a produção variam pos- itivamente em função do investimento e do gasto do governo, e negativamente em função da tributação. Essas variações são mediadas pela razão inversa da propensão marginal a poupar (1/(1-c 1 )). 37 Unidade 2 O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira Objetivos 1. O objetivo desta unidade é apresentar as determinações do investimento, no modelo keynesiano básico, sua im- portância para a demanda agregada e a centralidade das incertezas e da di- nâmica financeira no funcionamento da economia. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira38/236 Introdução Ao discutir os fundamentos do modelo ke- ynesiano básico – a principal ferramenta que empregaremos na construção de aná- lises macroeconômicas de conjuntura – en- fatizamos, em vários momentos, a prepon- derância e o protagonismo da demanda nesse modelo. A demanda move o sistema econômico, garantindo que a produção seja consumida, e que trabalhadores e máqui- nas sejam devidamente empregados ou ocupados. Qualquer flutuação negativa na demanda é motivo de alerta; se deixado à própria sorte, o sistema pode não encon- trar meios de corrigir essa insuficiência e a economia em questão pode rapidamente se encontrar numa espiral de estagnação e desemprego. Como discutimos de forma breve, essa de- manda é compreendida, num primeiro mo- mento, como a resultante de três grandes conjuntos de despesas – o consumo das famílias (C), os gastos do governo (G) e o investimento (I). Na unidade anterior, ex- ploramos em algum detalhe a determina- ção do consumo, sua relação inversa com a poupança e a construção do multiplicador keynesiano do gasto, mas também apre- sentamos um dado importante sobre duas dessas variáveis: seu papel como elementos de gasto autônomo no modelo. O gasto autônomo é importante justamen- te por sua independência relativa frente à renda. O consumo, em sua compreensão usual, depende diretamente do montante de recursos à disposição das famílias; já Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira39/236 investimento e gastos do governo pode- riam ser realizados mesmo em patamares deprimidos de renda, configurando veícu- los interessantes para a recuperação dessa economia, em momentos de estagnação e/ ou crise. Mas dizer que o gasto autônomo é relati- vamente independente da renda não é o mesmo que dizer que ele é determinado de forma alheia ao sistema. Muito pelo con- trário. Tanto investimento quanto despesas governamentais obedecem a uma série de limites e condicionantes, e só são realiza- dos em circunstâncias peculiares. Ao longo desta unidade, discutiremos a importância do investimento para as economias capita- listas contemporâneas, sua relação direta com a taxa de juros, a determinação da taxa de juros no mercado de capitais e algumas dinâmicas peculiares do chamado “lado monetário” da economia. As aspas em torno do “lado monetário” são indispensáveis justamente pelas conside- rações de John Maynard Keynes sobre o in- vestimento e a dinâmica capitalista: crítico da usual dicotomia entre “lado real” (bens e serviços, produção, mercado de trabalho) e “lado monetário” (mercados de capitais, taxa de juros, mercados de divisas) na análi- se econômica, Keynes compreendia as eco- nomias contemporâneas como “economias monetárias da produção”, em que o cha- mado lado real responderia diretamente às flutuações experimentadas no lado mone- tário, e vice versa. Ainda que tenhamos se- parado essas dimensões em duas unidades, Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira40/236 só o fizemos para facilitar a exposição e a leitura – o mercado de capitais e o mercado de bens e serviços estão intimamente liga- dos, e não podem ser separados, se quere- mos realmente entender o funcionamento da economia. 1. Investimentos e incertezas Você já considerou a possibilidade de abrir seu próprio negócio? Quais considerações estariam envolvidas nessa decisão? O que é necessário para que um cidadão brasileiro se estabeleça como microempreendedor e passe a atuar de forma autônoma, ofere- cendo bens ou prestando serviços em mer- cados variados? Provavelmente, se já considerou essa pos- sibilidade, você pensou em algum mercado em visível expansão. Afinal, o número cres- cente de estabelecimentos em um determi- nado setor deve ser indicativo de sua saúde econômica. Não haveria tantos pet shops, escolas de idiomas, hamburguerias, cerve- jarias e food trucks se esses mercados ou nichos não se mostrassem mais rentáveis. Esse é um dos cânones de toda a reflexão em economia – os agenteseconômicos es- tão sempre em busca da realização de seus próprios interesses materiais, e, assim, mo- ver-se-iam para ramos de atividade em que esses interesses fossem melhor atendidos. Logo, por mais que talvez você não tenha se informado em profundidade sobre as margens de lucro ou o valor agregado em Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira41/236 um dado negócio contrastando-as com seu ramo atual de atividade, provavelmente es- timou esses fatores, fez alguns cálculos rá- pidos, considerou os números e as evidên- cias claras de sucesso desses ramos, e en- tão optou por lançar-se ou não a essa nova forma de atuação. Ainda que abrir um negócio próprio seja o sonho de muitas pessoas, essa escolha tam- bém é marcada por uma série de dificulda- des, e por um conhecimento muito espe- cífico. Um empresário deve considerar seu mercado cuidadosamente, dimensionando produção e produtos para atender de for- ma adequada à demanda e não incorrer em custos e riscos desnecessários. Deve, tam- bém, estar bem informado sobre seus con- correntes existentes ou potenciais, e sobre a dinâmica nos setores dos quais é consu- midor (seus fornecedores) ou com os quais concorre indiretamente. Os empresários também refletem, a todo momento, sobre o retorno obtido por seus investimentos no setor em que atuam, pon- derando sobre o estado geral da economia e de sua área de atuação, em meio a tan- tas outras; momentos de crise ou depres- são econômica apresentam impacto mais duro sobre alguns setores, enquanto repre- sentam possibilidades de crescimento para outros. Consideram, também, o contraste entre as despesas realizadas no presente e seu potencial de retorno futuro – ou seja, como os investimentos realizados agora poderiam significar um reposicionamento das suas empresas nos próximos meses ou Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira42/236 anos. Agora, além de considerar todos es- ses elementos, os empresários fazem algo cuja dificuldade é ainda maior – eles de- cidem. E não há ninguém que possa fazer isso por eles. Donos de empresas, acionistas e adminis- tradores sempre podem contratar multi- dões de economistas para que estes deem o suporte necessário em funções de plane- jamento econômico, coleta e manipulação de dados, mas ainda cabe a eles a escolha entre investir ou não, entre produzir neste ou naquele patamar, entre contratar novos funcionários ou enxugar a folha de paga- mento. E apesar de poderem considerar to- dos os elementos que elencamos acima nas suas decisões, há um ponto importante so- bre essas escolhas que não será nunca re- presentado nas estatísticas, e também não está sob seu controle: os dados econômicos mobilizados para a tomada de decisões re- fletem o passado do sistema; as consequên- cias dessas decisões, seu futuro. Logo, os empresários decidem produzir ou não, empregar ou não, investir ou não co- nhecendo somente o passado da economia, mas suas decisões não atuarão diretamente sobre esse referencial pretérito – os resulta- dos de suas escolhas serão julgados em um futuro que ainda permanece, para todos os efeitos, oculto para os envolvidos na toma- da dessas decisões. Isso pode parecer uma obviedade gritante, mas não é; trata-se, na verdade, de uma das principais contribuições keynesiana para a análise econômica: a afirmação de que as Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira43/236 decisões de investir são tomadas em meio à incerteza estrutural quanto ao futuro da economia. Essa incerteza pode ser adminis- trada, reduzida, por vezes mitigada parcial- mente, mas nunca completamente elimina- da. É ela que torna as economias capitalistas contemporâneas máquinas tão complexas, de compreensão por vezes tão difícil. Como os empresários decidem investir ou não, num sistema marcado por algo tão assombroso quanto essa incerteza sobre o futuro? A resposta é mais simples do que parece. Eles decidem a partir de expectati- vas sobre esse mesmo futuro. Ponderam os dados à sua disposição, consideram as va- riáveis em jogo, avaliam a rentabilidade es- perada de seu investimento, contrastam-na com seu custo, e, quando não há mais nú- meros a consultar, consultam a si mesmos, consultam a seus pares, consultam às suas esperanças e anseios sobre o futuro. Um empresário que acredita em uma melho- ra da performance da economia, no futuro próximo, está obviamente mais inclinado a investir em seu negócio do que um capita- lista descrente na atuação recente de seu setor. É por isso que você já deve ter ouvido, por vezes, que “os investidores estão receo- sos”, ou que “os mercados estão apreensi- vos” com uma dada decisão de política eco- nômica; o estado mental dos investidores é um elemento importante da dinâmica capi- talista e, infelizmente, esse mesmo elemen- to é de mensuração quase impossível. Ainda assim, há partes mensuráveis dessa decisão. E, dessa forma, podemos estimar o Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira44/236 comportamento dos investimentos a partir de dois fatores decisivos – a taxa de retorno esperada (em que a adjetivação “esperada” dá conta do papel das expectativas) e a taxa de juros, ou seja: I = f(taxa de retorno esperada; taxa de juros) Essa taxa de retorno esperada, por sua vez, é entendida como a eficiência marginal do capital (EMC) – uma taxa que liga o preço de aquisição do investimento ao valor presente dos retornos líquidos esperados ao longo do tempo. O contraste fundamental, na deci- são de investir, é entre essa eficiência mar- ginal e a taxa de juros. Ou seja: ao escolher investir ou não, os investidores contrastam o retorno esperado por acréscimos infinite- simais na produção (i.e., quais seriam os ga- nhos de eficiência desse capital, na margem – a eficiência marginal do capital) ao custo do empréstimo para a compra de um bem de capital (a taxa de juros do mercado – i), que também representa o retorno que seria obtido se esses mesmos recursos, investi- dos na produção, fossem aplicados no mer- cado financeiro. Logicamente, • Se EMC > i, o acréscimo no montante de capital (i.e., o investimento) apre- senta eficiência marginal maior do que a taxa de juros; ou seja, seu retor- no é superior ao preço pago pelo em- préstimo. É vantajoso investir! • Se EMC < i, o acréscimo no montante de capital (i.e., o investimento) apre- senta eficiência marginal menor do Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira45/236 que a taxa de juros; ou seja, seu retorno é inferior ao preço pago pelo empréstimo. Não é vantajoso investir! Apresentada de forma esquemática, a decisão de investir representada na função Investimento (I = f(EMC, i)) possibilita maior compreensão dos determinantes subjacentes à eficiência margi- nal do capital e à taxa de juros, conforme ilustra a figura 1. Figura 1- Decisão de investir. FONTE: adaptado de Vasconcellos (2001, p.282) Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira46/236 Partindo do diagrama acima para entender a determinação do investimento, somos con- frontados por uma série de questões objeti- vas. A primeira delas é o contraste entre fa- turamento esperado e custos de operação e manutenção do equipamento (energia, de- preciação, mão de obra); obviamente, caso esses custos de operação sejam superiores ao faturamento esperado, o investimento não é sequer considerado. Subtraído dos custos, esse faturamento passa a ser en- tendido como o valor presente dos retornos líquidos esperados, agora contraposto ao preço de aquisição dos bens de capital em questão. Da oposição desses elementos, te- mos a Eficiência Marginal do Capital – i.e., qual o ganho de eficiência, na margem, pela incorporação daquela unidade adicional de maquinário. Essa variável mede o retorno esperado pela incorporação de novosinves- timentos à produção, num dado momento, a partir das expectativas dos investidores quanto aos retornos proporcionados no fu- turo por esses investimentos. Do outro lado, temos a taxa de juros do mer- cado (i). Mas o que determina essa taxa de juros? Analisaremos então. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira47/236 2. O Banco Central e a Oferta de Moeda Em última instância, a taxa de juros pode ser compreendida com o preço de equilí- brio entre a oferta e a demanda de moe- da. Mas, antes de chegarmos ao equilíbrio desse mercado peculiar, é necessário que entendamos os fundamentos da teoria monetária contemporânea e dos vários fa- tores envolvidos nessa dimensão da dinâ- mica econômica. A moeda é, por si só, um elemento peculiar. No limite, é compreendida como um ati- vo financeiro de aceitação geral, garantida por lei, utilizado na troca de bens e serviços. A existência de uma moeda estabelecida é pré-requisito para as relações econômicas travadas nas economias capitalistas con- temporâneas, por uma série de motivos. Essa moeda se configura em meio ou ins- trumento de troca, indispensável a virtu- almente todas as transações econômicas; Link A relação entre taxa de juros e investimento é um dos pontos altos das teorias propostas por John Maynard Keynes, na primeira metade do século XX. Sobre as relações entre investimentos, juros e poupança, recomendamos este breve artigo: A relação entre investimento, poupança e taxa de ju- ros: um panorama do debate sobre financiamento de longo prazo de F. Valente. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira48/236 ao mesmo tempo, é lida como a unidade de conta desse sistema – todas as outras mer- cadorias são mensuradas a partir de seu preço, expresso em unidades monetárias; e, por fim, estabelece-se como reserva de valor: a moeda representa o direito, por seu possuidor, de adquirir outras mercadorias, podendo ser guardada para uso posterior (forma poupança). Se pensarmos no total de moeda disponível para utilização em uma dada economia, en- contraremos uma multiplicidade de defini- ções, hierarquizadas em níveis de complexi- dade e liquidez. Num primeiro momento, é importante que consideremos o estoque de moeda disponível para uso da coletividade a qualquer momento, também conhecido como meios de pagamento (M). O saldo dos meios de pagamento compreende tanto a moeda em poder do público (PP), o dinhei- ro portado pelos agentes de uma dada eco- nomia, quanto o saldo dos depósitos à vis- ta (DV), mantidos no sistema bancário, mas resgatáveis a qualquer instante. Assim: M = PP + DV Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira49/236 Para saber mais Moeda em poder do público e depósitos à vista não são os únicos agregados monetários de interesse. A macroeconomia contemporânea considera uma sequência de agregados correspondentes a diferentes graus de liquidez (i.e., de capacidade de liquidação ou venda, ou possibilidade de utilização como moe- da). São eles: M1 = PP + DV (haveres monetários; concepção usual de oferta de moeda) M2 = M1 + depósitos especiais remunerados + depósitos de poupança + títulos emitidos por instituições depositárias M3 = M2 + quotas de fundos de renda fixa + operações compromissadas registradas no SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) M4 = M3 + títulos públicos de alta liquidez Conforme avançamos de M1 a M4, menos líquido é o agregado, e maior a sua rentabilidade em juros. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira50/236 Não faria muito sentido falarmos em oferta de moeda se essa mesma moeda não pu- desse ser criada ou destruída; é pelos me- canismos de criação e destruição de moeda que as autoridades monetárias regulam o montante de dinheiro à disposição da eco- nomia (logo, a oferta de moeda). Há vários mecanismos de criação de moeda, ou de expansão da base monetária, tais como a troca de dólares por reais no banco cen- tral, por exportadores, e os empréstimos dos bancos comerciais ao setor privado. Os mecanismos de destruição de moeda ge- ralmente seguem o caminho inverso, como nos casos da troca de reais por dólares por importadores, e o resgate de empréstimos bancários. Ainda que a imagem de dinheiro sendo criado ou destruído seja talvez per- turbadora, na verdade estamos falando da expansão ou contração da base monetária de uma economia – criação/destruição de moeda não representam mais que uma ele- vação ou redução da quantidade de moeda disponível na economia. Link Para maiores detalhes sobre os diferentes agre- gados monetários, sua mensuração e seu estado em diferentes momentos do histórico recente, recomendamos as Notas Técnicas do Banco Cen- tral. O site do Banco Central do Brasil é um recur- so valioso para qualquer interessado na dinâmica financeira das economias capitalistas contempo- râneas. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira51/236 A regulação da quantidade de moeda ofer- tada numa economia repousa, em última instância, sob a autoridade do Banco Cen- tral. Para controlar esse importante ele- mento da dinâmica econômica, essa ins- tituição dispõe de algumas ferramentas, como: (1) as emissões monetárias (o direito de cunhagem ou impressão de moeda para circulação); (2) o estabelecimento dos pa- tamares de reservas obrigatórias dos ban- cos comerciais (percentual dos recursos dos bancos comerciais que devem ser mantidos constantes, depositados); (3) a realização de operações de mercado aberto (com- pra/venda de títulos governamentais; (4) o afrouxamento ou recrudescimento da polí- tica de redescontos (empréstimos aos ban- cos, taxas de juros específicas); e, finalmen- te, (5) a regulamentação e controle de cré- dito (estabelecimento da institucionalidade básica de crédito numa economia). 2. A Demanda de Moeda e a De- terminação da Taxa de Juros A demanda por moeda, apesar de envolver uma multiplicidade de motivos, é de expli- cação relativamente simples. Reduzidas aos mínimos denominadores comuns, as razões para demanda de moeda são geralmente a realização de transações econômicas pe- los agentes, a precaução frente a um futuro econômico estruturalmente incerto, e a es- peculação, em que a moeda demandada é empregada pelo valor nela contido. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira52/236 A demanda de moeda por motivo de tran- sações (Md T ) é estipulada a partir do nível geral de preços (P), da renda ou produto real (y) e de um coeficiente, comumente conhe- cido como coeficiente marshalliano ou co- eficiente de Cambridge (k T ). Seguindo essa lógica, temos: MdT = kTPy De forma análoga, a demanda de moeda por motivo de precaução (MdP) é entendi- da como resultado de um coeficiente (kP) que meça a parcela da renda retida para precaução, pelo receio dos agentes frente à performance da economia. O coeficiente kP é maior ou menor de acordo com a con- fiança dos agentes na performance recente da economia nacional, com correspondente efeito sobre a demanda por moeda. Como kT e kP se assemelham, e as fórmulas para ob- tenção de MdT e MdP diferem somente nos coeficientes empregados, podemos uni-las em uma só função: MdP = kPPy MdT+P = kT+PPy = kPy Por essa lógica, k passa a ser um coeficiente geral, que agrega a demanda por moeda a partir da renda monetária (Py) para os mo- tivos de transação e precaução. Mais complexa, dentre as razões para a de- manda por moeda, é a demanda por moti- vo de especulação (Md E ). Em que consistiria esse motivo para demanda por moeda? Se- gundo Keynes, a demanda por moeda para especulação corresponderia à moeda reti- da para operações financeiras com imóveis, Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira53/236 títulos e outros ativos, visando à constitui-ção de um portfólio de ativos passíveis de liquidação no futuro. Logo, ela está direta- mente relacionada à possibilidade de ganho financeiro, e à taxa de juros num dado mo- mento, que corresponde ao rendimento que esse agente obteria da compra de títulos. Em outros termos, a taxa de juros é o preço implícito ou custo de oportunidade da re- tenção de moeda. Quanto maior a taxa de juros, menor a retenção de moeda para esse motivo, e maior a compra de títulos para es- peculação. Assim sendo: MdE = f(i) , supondo que ∆MdE /∆i < 0 Desta forma, teríamos uma função deman- da de moeda total (Md) estabelecida a partir dos três motivos para demanda por moeda: Md = MdT+P + MdE Md = kT+PPy + f(i) Md = f(Py,i) Ou seja: de forma sucinta, a demanda por moeda é afetada pela renda nominal e pela taxa de juros. Quão maior for a renda nomi- nal, maior será demanda por moeda. Quão maior for a taxa de juros, menor será de- manda por moeda. Temos condições, a partir dessas considera- ções, de elaborar um primeiro conjunto de conclusões sobre o equilíbrio no mercado de moeda. A oferta é fixada arbitrariamen- te, dependendo das autoridades de política monetária. Se considerássemos tão somen- te precaução e transações, teríamos: Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira54/236 Oferta de moeda Ms = M0 Demanda de moeda Md = kPy Equilíbrio Ms = M0 = Md = kPy M0 = (1/V)Py ou MV = Py Essa é a chamada equação quantitativa da moeda, em que V expressa a velocidade-renda da moeda, a quantidade de giros da base monetária para uma dada renda y e um nível de preços P (é também o inverso do coeficiente marshalliano – k ; k é a retenção de moeda, ao passo que V reflete sua utilização, em relação à renda nacional). Se levarmos em conta o motivo especulação, temos: Oferta de moeda Ms = M0 Demanda de moeda Md = f(Py, i) Equilíbrio Ms = M0 = Md = f(Py, i) M0 = f(Py, i) Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira55/236 Para saber mais Vamos parar por um minuto para analisar as implicações dessas relações: Se considerarmos somente precaução e transações, elevações de M promoveriam aumentos no nível ge- ral de preços (P), no curto prazo, já que V e y tenderiam a permanecer constantes. Caso a renda nacional (y) apresente potencial para crescimento, variações da base monetária poderiam estimulá-la. Como também consideramos o elemento especulação, é preciso ter em conta um impacto mais direto da política monetária sobre a renda. Dá-se a esse fenômeno o nome de Efeito Keynes, e ele pode ser descrito da seguinte forma: com uma elevação da base monetária, fica mais barato financiar investimentos (já que um aumento de M promove uma redução da taxa de juros, i); essa redução de i garante uma elevação dos investimentos (I), o que, por sua vez, eleva a demanda agregada e a renda nacional (y). Com isso, eleva- ções na oferta de moeda (M) não necessariamente resultariam em inflação. Quanto mais sensíveis forem os investimentos à taxa de juros, maior será a eficácia da política monetária. De forma inversa, quanto mais sensível for a demanda de moeda à taxa de juros (pelo motivo especula- ção), menor será a eficácia da política monetária. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira56/236 Para saber mais Keynes propôs também uma situação peculiar, em que uma elevação na oferta de moeda não conduziria necessariamente ao aumento dos in- vestimentos. O nome dado a esse cenário especí- fico é Armadilha da Liquidez. Em uma situação de armadilha da liquidez, uma economia deprimida e com taxas de juros muito baixas levaria a uma elevada retenção de moeda para fins especulati- vos, sem investimento na atividade produtiva. Os especuladores julgam que a taxa de juros já está em seu limite mínimo, e só poderá recuperar-se no futuro. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira57/236 Glossário Demanda de moeda: a demanda, pelo sistema econômico, de moeda para diferentes motivos – transações, precaução e especulação. Os motivos transação e precaução são relativamente simples, e envolvem a operação de um coeficiente fixo (k ou 1/V) a partir do nível geral de preços e da renda nacional (Py). O motivo especulação é uma função da renda e da taxa de juros, e é um dos elementos mais complexos do modelo. Investimento: o “consumo das empresas”; a parcela da despesa agregada realizada com vistas à elevação dos patamares futuros de bem-estar e produção de uma dada economia. A decisão de investir é de grande importância para a demanda agregada: entendida como parte dos gastos autônomos do modelo, é de difícil determinação, e depende fundamentalmente da taxa de juros e das expectativas dos investidores quanto ao futuro. Oferta de moeda: volume de meios de pagamento colocados à disposição da economia nacional como um todo, a partir das políticas implementadas pelo Banco Central. Falamos na expansão ou contração da oferta monetária como criação ou destruição de moeda – medidas de criação de moeda envolveriam a liberação de moeda na economia, enquanto medidas de destruição de moeda sua retirada de circulação. Questão reflexão ? para 58/236 As determinações da oferta e da demanda de moeda são comple- xas, e seus resultados são, muitas vezes, inesperados. É preciso que os agentes econômicos considerem cuidadosamente o nível geral de preços (P) da economia, as possibilidades de expansão da ren- da (y), assim como o patamar atual da taxa de juros (i), do investi- mento (I) e das expectativas dos investidores. Como a escolha do investimento ainda depende das perspectivas desses investidores quanto ao rendimento futuro, qual seria a consequência usual de uma maior oferta de moeda (seja por emissão, seja por redução dos encaixes compulsórios, seja por compra de títulos etc.) numa eco- nomia nacional com baixas expectativas? Como a redução da taxa de juros seria percebida pelos agentes? Como se comportaria o in- vestimento? 59 Considerações Finais (1/2) • O investimento é um dos componentes centrais da demanda agregada, e sua importância é ainda maior quando consideramos seu papel enquanto variável de gasto autônomo – i.e., sua independência relativa frente à renda. • A decisão de investir é uma escolha complexa, e envolve uma série de fatores. Marcadamente, investidores consideram a taxa de juros (i), o custo de con- tração de empréstimos ou aquisição de novo capital, e a eficiência marginal do capital (EMC), uma estimativa do retorno desse investimento, no futuro, comparando-o com a despesa envolvida em sua realização e manutenção. • A taxa de juros é determinada no mercado de moeda, em que a oferta de moeda é definida arbitrariamente, pelo Banco Central, e a demanda de mo- eda depende da quantidade de moeda demandada pela economia para os motivos transação, precaução e especulação. 60 Considerações Finai (2/2) • Em situações normais (fora do pleno emprego dos fatores), elevações na oferta de moeda resultariam em uma redução da taxa de juros, com con- sequente elevação do investimento, da demanda agregada e da renda na- cional. Porém, há situações em que (A) a economia nacional já se encontra em pleno emprego de fatores de produção, e a elevação de M só promove elevação do nível geral de preços (inflação), ou (B) as expectativas dos in- vestidores quanto ao futuro estão tão baixas que a redução da taxa de juros não conduz a uma elevação dos investimentos, promovendo um misto de estagnação e inflação. Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira61/236 Referências BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999. JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo- mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011. KEYNES, J. A teoria geral do emprego,do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007. SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999. VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001. 62/236 1. Assinale a alternativa que define corretamente as funções da moeda nas economias capitalistas. a) Compras e trocas. b) Meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. c) Representação impressa do valor das mercadorias. d) Medida básica dos preços e do valor de troca. e) Meio de conta, unidade de troca e reserva de valor. Questão 1 63/236 2. Assinale a alternativa correta. Keynes denominava a economia capitalista por economia monetária da produção. Essa denominação é explicada: Questão 2 a) Pela separação entre lado real e lado monetário, na economia. b) Pela determinação monetária da produção. c) Pela ênfase dada pelo autor à Teoria Quantitativa da Moeda e às suas consequências. d) Pelo impacto da política emissionária sobre o nível geral de preços. e) Pela ligação fundamental entre lado real e lado monetário da economia, em que o mercado de moeda determina a taxa de juros e é determinado pelos movimentos da produção. 64/236 3. Na equação Quantitativa da Moeda (MV = Py), os termos M e V represen- tam, respectivamente: Questão 3 a) O nível geral de preços e a renda. b) Os meios de pagamento e o nível de produção. c) Os meios de produção e o nível geral de preços. d) Os meios de pagamento e a velocidade-renda da moeda. e) A renda nacional e a velocidade-renda da moeda. 65/236 4. Partindo da equação Quantitativa da Moeda (MV = Py) e considerando uma economia em pleno emprego de fatores, uma elevação de 10% na base monetária, com renda e velocidade-renda da moeda constantes, re- sultaria em: Questão 4 a) Uma elevação de 10% no nível de emprego. b) Uma redução de 10% na renda. c) Uma elevação de 10% nos preços. d) Uma redução de 10% nos preços. e) Uma redução de 10% nas taxas de juros. 66/236 5. “A decisão de investir é uma escolha complexa, e envolve uma série de fatores. Marcadamente, investidores consideram __________, o custo de contração de empréstimos ou aquisição de novo capital, e _________, uma estimativa do retorno desse investimento, no futuro, comparando-o com a despesa envolvida em sua realização e manutenção.” Escolha a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto: Questão 5 a) a demanda de investimentos (I); a oferta de capital (K). b) a taxa de juros (i); o faturamento esperado (f). c) a eficiência marginal do capital (EMC); a taxa de juros (i). d) o preço de aquisição do bem de capital (p); a a eficiência marginal do capital (EMC). e) a taxa de juros (i); a eficiência marginal do capital (EMC). 67/236 Gabarito 1. Resposta: B. A moeda é reconhecida por suas três fun- ções básicas: a de meio de troca, funda- mental para a comercialização de bens e serviços; a de unidade de conta, já que ela é a referência numérica básica de todos os preços, em uma dada economia; e a de re- serva de valor, já que a moeda representa a garantia institucional de certa quantia, de- finida pelo governo. 2. Resposta: E. Um dos dados fundamentais da reflexão ke- ynesiana é a ligação fundamental entre lado real e lado monetário da economia, em que o mercado de moeda determina a taxa de juros e é determinado pelos movimentos da produção. Lado real e lado monetário não podem ser pensados independentemente. 3. Resposta: D. Os termos em questão representam, res- pectivamente, os meios de pagamento e a velocidade-renda da moeda. Esses elemen- tos explicam a relação entre expansão da base monetária e elevação do nível geral de preços. 4. Resposta: C. Ao movimento em questão corresponderia uma elevação de 10% nos preços, explicada pelo fato da economia em questão encon- trar-se em pleno emprego e pela constância 68/236 Gabarito das outras variáveis. A TQM se pauta, justa- mente, pela exploração dessa correlação; medidas emissionárias resultariam, muitas vezes, em uma elevação do nível geral de preços. 5. Resposta: E. A passagem em questão, com as lacunas devidamente preenchidas: “A decisão de investir é uma escolha complexa, e envolve uma série de fatores. Marcadamente, inves- tidores consideram a taxa de juros (i), o cus- to de contração de empréstimos ou aquisi- ção de novo capital, e a eficiência marginal do capital (EMC), uma estimativa do retorno desse investimento, no futuro, comparan- do-o com a despesa envolvida em sua reali- zação e manutenção.” 69 Unidade 3 As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações Objetivos 1. O objetivo desta unidade é apresentar algumas considerações gerais sobre a interação entre uma economia nacio- nal e o mercado externo, mediada por algumas variáveis fundamentais: taxa de câmbio, importações e exporta- ções. Essa relação é pensada a partir do modelo de análise econômica que construímos nas duas unidades ante- riores, e contribui para a reflexão que propusemos até aqui. Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações70/236 Introdução Até o presente momento, pensamos as questões referentes à economia nacional a partir de um viés peculiar – o de uma eco- nomia fechada. O que isso quer dizer? Ain- da que tenhamos considerado as determi- nações do consumo, do investimento e das despesas governamentais, que tenhamos nos aventurado pelo equilíbrio no merca- do de moeda, e que possamos, com base nesse referencial, tecer algumas conside- rações gerais sobre a performance da eco- nomia brasileira nos últimos anos, nem essa economia nem nenhuma outra no planeta existe de forma completamente isolada das demais. Um dado fundamental do capita- lismo contemporâneo é a interdependência entre uma multitude de sistemas econômi- cos, cada qual contribuindo para a riqueza do conjunto, ou se apropriando de parcelas maiores ou menores desta. As relações econômicas entre os países, entendidas nos termos de nosso modelo, são o objeto desta unidade. Nas páginas seguintes, discutiremos os motivos pelos quais as economias se encontram cada vez mais internacionalizadas, as consequências da globalização produtiva, e as formas pe- las quais a interação com outras economias nacionais interferem sobre a nossa econo- mia. Nesse sentido, daremos prioridade a três variáveis centrais – a taxa de câmbio, que orienta as relações de compra e ven- da da moeda nacional e/ou estrangeira, as importações, que representam o montante de nossa demanda atendida no exterior, e as exportações, demanda de outras econo- mias atendida pela nossa produção. Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações71/236 Mas como e quando as economias nacionais passaram a interagir internacionalmente? A pergunta é tão antiga quanto sua resposta. Sistemas de trocas internacionais existem desde os tempos da Antiguidade, em que diferentes reinos e impérios atuavam eco- nomicamente em diferentes capacidades. O Egito, por exemplo, contava com expressiva produção de cereais e de papiro, comercia- lizado ao longo do Mediterrâneo; ânforas, azeite e vinhos gregos abasteciam as mesas de diferentes povos; e as tinturas comer- cializadas pelos fenícios (eles mesmos exí- mios comerciantes) serviam de base para a diferenciação entre o vestuário das pessoas simples e da aristocracia de cada uma des- sas sociedades. Esse primeiro sistema internacional dá indí- cios da primeira consideração fundamental no estudo das trocas econômicas entre na- ções: a tendência à especialização. Mas, an- tes que nos aprofundemos sobre esse pon- to, é necessário que mencionemos outro ponto – a dependência, desses sistemas, de uma institucionalidade econômica comum. E, geralmente, de um mantenedor dessa institucionalidade; uma força política que disciplina e, muitas vezes, domina e orga- niza esse sistema. As relações econômicas internacionais estão diretamente ligadas às relações políticas internacionais,e é impos- sível compreender um aspecto sem estudar o outro. Na Antiguidade, o comércio “internacional” é organizado, a partir de certo momento, Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações72/236 pelo Império Romano. A bem da verdade, esse comércio passa a ser realizado pelas di- ferentes províncias do Império – já que esta estrutura política controla, em seu auge, todo o litoral do Mediterrâneo, o comércio entre os diferentes povos reunidos no Im- pério é feito sob os olhos das legiões. Com a decadência do Império e seu saque pelas tribos bárbaras, no século V d.C., o comércio internacional é relegado ao segundo plano; ainda que as feiras locais persistam duran- te toda a Idade Média, o comércio de lon- ga distância não tem a mesma sorte. Dois circuitos mercantis renascem, por volta dos séculos X e XI – a longa rota que trazia as especiarias por terra e mar do Oriente, con- trolada, em seu extremo, pelos mercadores italianos; e as rotas de comércio do norte da Europa, mantidas pela chamada Liga Han- seática, uma associação de mercadores ho- landeses, alemães e escandinavos. No meio do caminho, a Feira de Champagne, que reunia a produção dos diferentes espaços do mundo conhecido – pimenta, temperos e seda da Índia e da China, peles da Rússia, bacalhau da Noruega, azeite e vinhos da Es- panha, da Grécia e da Itália, e uma série de outras especialidades regionais. Mas o comércio internacional só é impul- sionado de forma definitiva nos primeiros séculos da Idade Moderna: com a crise do mundo feudal e a emergência dos Estados Dinásticos Modernos, comerciantes e ban- queiros ganham papel de destaque na bus- ca dos soberanos por riqueza. É nesse mes- mo período (séculos XVI e XVII) que o mundo Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações73/236 do comércio se expande e incorpora novos continentes: as Américas e a Oceania. Aqui, a especialização definida nas etapas ante- riores ganha novos contornos: sob a égide do colonialismo, os novos territórios são or- ganizados exclusivamente para a produção de gêneros agrícolas e extração de riquezas minerais. A institucionalidade do sistema é garantida pelo reconhecimento do valor dos metais preciosos, pela legitimidade conferi- da aos impérios coloniais e pelas redes mer- cantis e financeiras que interligavam esses territórios; ainda que portugueses e espa- nhóis dominassem as terras americanas, os holandeses eram os grandes financistas desse período, e Amsterdam era a capital econômica do mundo ocidental. Uma nova etapa é marcada pela ascensão dos ingleses, que se estabelecem, entre os séculos XVIII e XIX, como potência hegemô- nica no cenário internacional. Sua hegemo- nia se deve à rápida transformação da pro- dução na Inglaterra, país pioneiro na Revo- lução Industrial, e centro do comércio e das finanças internacionais. Berço dos primei- ros economistas, o Reino Unido estabelece uma nova institucionalidade para as trocas: a ciência econômica, e os estudos de uma série de economistas sobre comércio inter- nacional. Adam Smith e David Ricardo são dois dos primeiros nomes, numa longa linha de estudiosos nesse tema. A especialização avança e se aprofunda, defendida agora pe- los termos da Teoria das Vantagens Compa- rativas. Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações74/236 Para saber mais A reflexão sobre comércio internacional já era realizada séculos atrás, quando as primeiras Monarquias Absolutistas procuravam formas de aumentar o tesouro real e assim financiar guerras e obras públicas. Assim, esse tema sempre foi caro aos economistas. Uma primeira abordagem sistemática, nas linhas do que expusemos nesse capítulo, é a chamada Teoria das Vantagens Absolutas, proposta por Adam Smith na Riqueza das Nações. Segundo o pensador escocês, uma nação buscaria adquirir produtos em cuja pro- dução não demonstrasse a mesma eficiência que as demais. Esse ponto é elaborado e refinado, poste- riormente, por David Ricardo, no que foi denominado de Teoria das Vantagens Comparativas. Ricardo é o proponente original da noção de especialização de diferentes economias nacionais apresentada nesta unidade; cada nação se engajaria quase que exclusivamente na produção dos bens em que apresentasse maior eficiência. Assim, todo o sistema internacional sairia ganhando. Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações75/236 Para saber mais A ordem internacional foi marcada por uma série de paradigmas políticos e econômicos. Um desses mo- mentos, de especial interesse para o estudo das relações econômicas internacionais na contemporanei- dade, é o período marcado pela hegemonia do Império Britânico e pela constituição do padrão-ouro. Entre o fim do século XVIII e a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra foi a principal potência política e econômica do mundo ocidental; sob o domínio inglês, as relações comerciais e financeiras entre os países ganharam uma nova institucionalidade. Adotando uma estratégia hoje compreendida como Imperialismo do Livre Comércio, os ingleses mantinham uma série de nações independentes em sua zona de influência, tornan- do-se os parceiros econômicos preferenciais de economias como a brasileira ou a argentina. Pautadas pela exportação de produtos primários, essas economias periféricas se posicionavam de forma subalter- na, nesse sistema, e se especializavam quase que exclusivamente nos gêneros agrícolas ou minerais que costumavam vender para os ingleses. Além de serem os grandes promotores do liberalismo econômico e da supressão de barreiras comerciais, no período, os ingleses também defendiam a conversibilidade das moedas nacionais em ouro, como forma de estabilizar suas flutuações. Após adotarem esse padrão com a libra, outras moedas, dependentes da moeda inglesa, seguiram o mesmo padrão. Com isso, esses gover- nos abdicavam do controle sobre a sua política monetária e atrelavam o câmbio à performance da libra. Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações76/236 A radicalização da concorrência entre as grandes economias capitalistas leva a uma ruptura dessa institucionalidade, com as disputas entre os imperialismos na virada do século XIX para o século XX. Com a Pri- meira Guerra Mundial, a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial, o sistema inter- nacional toma um severo golpe, do qual se recupera com dificuldade; a reconstrução da economia internacional a partir dos es- combros da Era Vitoriana é uma tarefa difí- cil, e só se torna possível a partir da criação de um novo conjunto de instituições econô- micas e financeiras internacionais. Merece destaque a conferência de Bretton Woods, de 1944, que define os termos básicos de operação do sistema econômico interna- cional no pós-guerra. O período imediatamente posterior à Se- gunda Guerra Mundial é marcado por uma série de novidades – a descolonização de territórios antes controlados pelos gran- Link Uma etapa fundamental da institucionalização das relações econômicas internacionais no pós- -guerra é a conferência de Bretton Woods, rea- lizada em 1944. O economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo explora em detalhe seu significado e a crise originada do abandono desse paradigma em O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados ‘globalizados’. Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações77/236 des impérios, a emergência de uma série de novas potências em ascensão, a divisão do mundo entre capitalistas e socialistas (in- terrompida em 1989), as disputas entre pri- meiro e terceiro mundo. Mas precisaremos deixar alguns dos detalhes dessa história para outra ocasião. Por ora, é importante lembrar que esse sistema, como os ante- riores, é marcado pela especialização das economias nacionais, agora organizadas
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