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Ricardo de Vasconcelos - DO MODELO KEYNESIANO FORDISTA AO SISTEMA DE ACUMULA+ç+âO

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DO MODELO KEYNESIANO-FORDISTA AO SISTEMA DE ACUMULAÇÃO 
FLEXÍVEL: MUDANÇAS NO PERFIL DO TRABALHO E NA QUALIFICAÇÃO 
 
 
Ricardo Afonso Ferreira de VASCONCELOS 
 PGTE – Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) 
Domingos Leite Lima Filho 
 PGTE – Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) 
 
 
 
RESUMO: Nas ultimas décadas do século XX ocorreram significativas 
mudanças no sistema produtivo e na estrutura da sociedade e economia 
capitalista. O modelo Keynesiano e fordista passou a ser questionado pelo 
neoliberalismo. Desenvolveu-se o modelo de produção flexível e as relações de 
trabalho foram seriamente afetadas e modificadas. E tais alterações ocorridas 
na relação entre capital e trabalho revelaram-se através de uma mudança de 
correlação de forças nitidamente desfavorável aos trabalhadores, pois, o 
término do século passado e início do novo milênio revelaram uma nova 
roupagem de dominação capitalista baseada na flexibilização, na produção e 
nas relações de trabalho e, consequentemente, também trouxe a precarização 
do trabalho, traduzida em novos cenários de desemprego estrutural, 
desregulamentação social e da legislação do trabalho, aumento do emprego 
temporário e terceirização. Por conseguinte, novas exigências de perfil 
qualificação do trabalhador foram impostas e consequentemente, tornaram o 
mundo do trabalho mais hostil às camadas exploradas e excluídas da 
sociedade capitalista. Portanto, além de um breve estudo sobre as mudanças 
ocorridas no mundo do trabalho desde o modelo produtivo Taylorista-Fordista 
até o modelo de acumulação flexível, pretende-se analisar, a questão do novo 
perfil de qualificação do trabalhador ligado aos conceitos de competência e 
empregabilidade, relacionando-o com a política de educação profissional 
adotada em meados dos anos 90 no Brasil. 
 
 PALAVRAS-CHAVE: Mudanças no trabalho; competência e educação 
profissional. 
 
 
1. Introdução 
 
 
 Este artigo pretende discutir algumas das principais mudanças ocorridas 
no mundo do Trabalho e a partir delas refletir sobre a situação e desafios no 
que concerne a formação dos trabalhadores na atualidade. 
O artigo está dividido em três partes. Em primeiro lugar discute - se 
aspectos referentes à crise e as mudanças ocorridas no capitalismo durante os 
anos 70 e 80 e que estão associadas à crise do modelo Keynesiano-Fordista e 
ao surgimento do modelo de acumulação flexível. 
O segundo tópico trata do perfil de trabalhador exigido a partir da 
reestruturação produtiva das últimas décadas e as novas exigências de 
qualificação profissional. 
Finalmente, no terceiro e último tópico discute-se o processo de 
reestruturação produtiva no Brasil e os seus desdobramentos no âmbito da 
redefinição do perfil de qualificação profissional e na reestruturação das 
políticas públicas voltadas para a educação profissional e que foram 
implantadas nos anos 90 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. 
 
 2. Mudanças no capitalismo: crise do modelo Keynesiano-fordista 
Até meados dos anos 60 o modelo Keynesiano-Fordista vigorou 
plenamente estável nos EUA e países aliados da Europa Ocidental. No 
entanto, segundo Harvey (1992) e Antunes, (1999) o final da década de 1960 
marcou o início da crise de hegemonia deste modelo em decorrência do 
aumento da demanda de produção por parte dos países da Europa Ocidental e 
do Japão. Estas regiões centrais do capitalismo experimentaram 
modernizações em seus parques industriais e passaram a oferecer produtos 
(gêneros manufaturados) a preços e custos mais competitivos pressionando a 
demanda em nível mundial. 
 Assim é descrito este novo cenário: 
 
Em primeiro lugar, o grande deslocamento do capital para as 
finanças foi a conseqüência da incapacidade da economia real, 
especialmente das indústrias de transformação, de proporcionar 
uma taxa de lucro adequada. Assim, o surgimento de excesso de 
capacidade e de produção, acarretando perda de lucratividade nas 
indústrias de transformação a partir do final da década de 1960, foi 
a raiz do crescimento acelerado do capital financeiro a partir do 
final da década de 1970 [...] As raízes da estagnação e da crise 
atual estão na compressão dos lucros do setor manufatureiro que 
se originou no excesso de capacidade e de produção fabril, que era 
em si a expressão da acirrada competição internacional 
(BRENNER apud ANTUNES, 1999, p. 30). 
 
Harvey aponta neste contexto de aumento de demanda uma rigidez do 
modelo Keynesiano - Fordista: 
 
De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez 
mais evidente a incapacidade do Fordismo e do Keynesianismo de 
conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, 
essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: 
rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital 
fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em 
massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e 
presumiam crescimento estável em mercados de consumo 
invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação 
e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor 
“monopolista”). (HARVEY, 1992, p. 135) 
 
O início dos anos 70 agravou o quadro de instabilidade em decorrência 
da eclosão da Crise do Petróleo de 1973. a diminuição da oferta deste insumo 
energético fez aumentar os gastos com energia das nações industrializadas. 
Em médio prazo, ocorreu o aumento dos juros em âmbito financeiro 
internacional o que contribuiu para o encarecimento dos empréstimos aos 
países pobres e especialmente, as nações emergentes ou em “via de 
desenvolvimento”. A economia do Brasil, a exemplo, neste período – final dos 
anos 70 - foi marcada pelo rápido e substancial crescimento da dívida externa 
e do processo inflacionário, bem como o inicio do processo recessivo com 
aumento do desemprego e do arrocho salarial para a classe trabalhadora. 
Em âmbito mundial, a segunda metade dos anos 70 marcou o início de 
um período de recessão, particularmente na economia norte-americana. A 
partir daí as bases do modelo Keynesiano – Fordista foram questionadas. 
No âmbito da produção, a crise instaurada demonstrou que o Fordismo 
era um sistema rígido que não conseguiu dar respostas rápidas para superar 
os obstáculos que se apresentavam naquele novo contexto. No Japão, ao 
contrário, onde a produção baseava-se no modelo Toyotista a produção já 
adotava os princípios da flexibilidade produtiva, por conseguinte, um sistema 
produtivo mais ágil e capaz de responder de forma mais eficiente às novas 
exigências de um mercado em crise e com profundas contradições. Dessa 
forma, comparando com o Fordismo, Harvey assim delineia os traços da nova 
estrutura produtiva: 
 
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um 
confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na 
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, 
dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo 
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas 
maneiras de fornecimentos de serviços financeiros, novos 
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação 
comercial, tecnológica e organizacional. (Idem, p.140). 
 
No âmbito do Estado Keynesiano, o aumento dos gastos 
governamentais e a crise fiscal decorrente de uma maior emissão de moeda 
resultaram nos Estados Unidos em uma crise de estagflação - estagnação 
econômica associada à inflação. As diretrizes econômicas do Estado 
Keynesiano tornaram-se inflacionárias, sendo que as despesas públicas 
cresciam enquanto a capacidade fiscal estagnava. E, em decorrência deste 
quadro de crise as idéias ligadas ao Welfare State passam a ser criticadas por 
intelectuais conservadores vinculados às idéias monetaristas e neoliberais. 
 
 O ajusteneoliberal da crise preconiza a defesa do mercado 
livre, como pressuposto da liberdade civil e política; a 
desregulamentação da economia e administração; a configuração 
do estado mínimo, subordinados às prerrogativas do mercado; e, 
finalmente, oposição e crítica aos sistemas de proteção social [...] 
O neoliberalismo tem seus princípios expressos na economia de 
mercado, na regulação estatal mínima e na formação de uma 
cultura que deriva liberdade política da liberdade econômica 
(MOTA apud ALMEIDA; ALENCAR, 2001, p.100). 
 
O final dos anos 70 e início dos anos 80 marcou a subida ao poder de 
Ronald Reagan e Margareth Tatcher, respectivamente nos Estados Unidos e 
Inglaterra. O conservadorismo destes governos deu início ao longo processo 
de estruturação de uma hegemonia ideológica de caráter neoliberal. 
 
2 – O Modelo de Acumulação Flexível e as mudanças no mundo do 
trabalho 
 Segundo Antunes (1997, p.17) “atribui-se a Sobel e Piore o pioneirismo 
na tese da especialização flexível”. Tal sistema em comparação ao Fordismo 
apresenta vantagens compatíveis com as novas demandas do capital, 
especialmente a partir dos anos 80. Tal modelo produtivo – o de acumulação 
flexível - engendrou uma série de mudanças produtivas dentre elas: 
-Na Produção, busca maior produtividade e flexibilidade através da produção 
em pequenos lotes, com diminuição do tempo de giro de produção decorrente 
do uso de novas tecnologias. Também ocorrem mudanças no âmbito 
gerencial/organizacional permitindo a implantação do sistema Just-in-time, ou 
seja, aquele sistema no qual o produto ou matéria prima chega ao local de 
utilização somente no momento exato em que for necessário, sendo que os 
mesmos somente são fabricados ou entregues a tempo de ser vendidos ou 
montados. 
-Novas formas de gestão da mão-de-obra, pois, trabalhadores passam a 
vivenciar um novo ambiente tendo por base o princípio do maior envolvimento 
destes com o processo de controle de qualidade da produção. De acordo com 
a linguagem da ciência administrativa, a departamentalização e a verticalização 
- próprias do Fordismo - são substituídas pela horizontalização e maior 
participação dos trabalhadores, tanto no controle de produção como no 
processo de gestão participativa dos grupos de trabalho. 
-Precarização do Trabalho, ou seja, a estruturação do modelo de produção 
flexível implicou diretamente na expansão do Desemprego Estrutural. Seja nos 
países centrais do capitalismo ou nos países periféricos constata-se desde os 
anos 80 a progressiva expansão do desemprego, em especial, aquele ligado as 
mudanças tecnológicas e organizacionais implantadas pelas empresas. 
Exemplos significativos desta situação são enumerados por Antunes (1997, p. 
41-47) no que se refere a retração dos contingentes de “trabalhadores da 
industria manufatureira”. Tal cenário trouxe também como novo elemento a 
questão da “desproletarização do trabalho fabril”, ou seja, o movimento de 
redução do operário industrial e o “aumento do subproletariado “. Países como 
Estados Unidos, Itália, Canadá têm enfrentado tal fenômeno econômico-
produtivo. O referido autor também indica que ocorreu uma drástica redução de 
“emprego por tempo completo” e o aumento dos empregos “em tempo parcial”. 
Outro aspecto de mudança ocorrida no universo do trabalho diz respeito ao 
aumento da presença feminina no mercado de trabalho. No entanto, tal 
mudança não significa um resgate da dignidade da mulher ou ainda a 
aceitação deste gênero no sistema produtivo em condições de igualdade em 
relação a força de trabalho masculina. Efetivamente, as mulheres estão sendo 
utilizadas como força de trabalho “depreciada”, em atividades parciais, cada 
vez mais precarizadas e insalubres (HIRATA, 1996, p. 54). Além disso, as 
mudanças ocorridas no âmbito do trabalho também colocam em evidência a 
questão da qualificação do trabalhador. Isto ocorre por causa das “mutações no 
universo da classe trabalhadora que varia de ramo para ramo, de setor para 
setor etc.”. Desqualificou-se o trabalho em vários ramos ou atividades. 
Paralelamente a esta tendência se acrescenta outra, dada pela 
“desqualificação de inúmeros setores operários, atingidos por uma gama 
diversa de transformações que levam de um lado, a desespecialização do 
operário industrial oriundo do fordismo”. (ANTUNES, 1997, p. 52). 
- Mudanças no perfil do Estado, ou seja, a partir da crise do modelo 
Keynesiano - Fordista e das modificações impostas pelas grandes corporações 
capitalistas dentre as quais: demissões para enxugamento de pessoal, 
reestruturação na linha de produção, políticas de redução de salários e 
benefícios sociais, além das reformas governamentais com cortes nos gastos 
públicos, especialmente na área social, aumento de impostos e políticas 
antiinflacionárias ocasionaram reações dos trabalhadores. Por outro lado, 
muitas empresas iniciaram programas de reestruturação tendo como modelo a 
acumulação flexível. Já, sob a hegemonia do modelo flexível cada vez mais 
adotado pelas empresas do Ocidente a partir dos anos 80 e que desde os anos 
60 vinha sendo estruturado no Japão sob a forma do “Toyotismo”. Foram 
desenvolvidos os programas de controle de Qualidade, o Kanban, o Jus-in-time 
e outros mecanismos de reestruturação produtiva objetivando otimizar lucros e 
aumentar a rentabilidade na produção. No âmbito das relações trabalhistas o 
modelo flexível japonês provocou mudanças no tratamento dispensado aos 
sindicatos. Combinando repressão com cooptação, o sindicalismo de empresa 
teve como contrapartida à sua subordinação patronal, a obtenção do emprego 
vitalício [...] e também ganhos salariais decorrentes da produtividade... 
(ANTUNES, 1997: p. 25). 
 Segundo Hirata (1996, p. 54-55) dentre as mudanças recentes no 
modelo japonês de relações industriais e de organização da empresa estão: a 
expansão do trabalho feminino e do emprego de estrangeiros. Sobre este 
último é importante ressaltar que geralmente são trabalhadores recrutados para 
trabalho não-qualificado ou semi-qualificado, na condição de ilegalidade e 
recrutados em países asiáticos ou ainda imigrantes descendentes de 
japoneses oriundos do Brasil, Argentina e Peru. 
 
3 – O novo perfil de trabalhador 
 Na perspectiva do paradigma de produção Taylorista – Fordista o perfil 
de mão-de-obra exigido por este sistema produtivo diz respeito a um 
trabalhador especializado, geralmente semi-qualificado e voltado para a 
execução de tarefas simples, parceladas e repetitivas. Por conseguinte - nesta 
perspectiva – os cursos de treinamento tinham como função especializar o 
trabalhador numa determinada etapa da produção específica de um 
determinado ramo industrial. Pouco se falava sobre conhecimento 
generalizante. Também pouco se falava sobre desenvolvimento de iniciativa, 
de concepção ou geração de idéias referentes ao processo de gerenciamento 
ou planejamento da produção. De maneira que, em poucas ocasiões os 
trabalhadores eram ouvidos no que concerne ao processo produtivo como um 
todo ou sobre os rumos da produção e gestão da empresa. Ao contrário, o 
cotidiano do trabalhador possibilitava apenas a execução de tarefas. 
Com o surgimento e desenvolvimento do sistema de acumulação flexível 
ocorreram mudanças na estrutura produtiva. Tendo como referência principal o 
Toyotismo desenvolveu-se, pois, um novo modelo ou perfil de trabalhador: 
polivalente, mais participativo e mais envolvido no processo de controle de 
qualidade e produtividade em seu ambiente de trabalho. Além disso, a 
constituição de Círculos de Controle de Qualidade induzem o trabalho em 
equipe, com maior espaço para discussão, crítica e auto-crítica (feedback), 
uma estrutura mais “horizontalizada” e, por conseguinte, menos 
departamentalizada/verticalizada. Também, exige-se do trabalhador 
conhecimentos mais abrangentes e diversificados, uma postura mais coletiva e 
dinâmica.Hirata (1996, p. 47) ressalta que no modelo japonês toyotista predomina 
“a prática da polivalência generalizada (fabricação, manutenção, controle de 
qualidade e gestão dos fluxos assegurada pelo mesmo operário de produção) e 
de um rodízio bastante amplo de tarefas”, diferenciando-se, portanto, do 
modelo fordista clássico em decorrência do “envolvimento do trabalhador no 
processo produtivo” (idem). 
Não obstante, tais exigências de polivalência, flexibilidade, versatilidade, 
com sólida e atualizada formação profissional e cultural não garantem ao 
trabalhador salários mais elevados. A preferência das empresas que recrutam 
trabalhadores recai sobre aqueles que estão dispostos a aceitar postos de 
trabalho precarizados e com baixos rendimentos. Além do que, o espírito crítico 
e de iniciativa do pretendente ao emprego não deve extrapolar os limites da 
inconveniência de questionar a exploração empresarial ou ainda suscitar o 
espírito de combatividade ou militância sindical. A respeito deste novo perfil de 
trabalhador afirma-se que: 
 
As características da organização do trabalho da empresa 
japonesa em ruptura com o taylorismo e o fordismo são 
essencialmente o trabalho cooperativo em equipe, a falta de 
demarcação das tarefas a partir dos postos de trabalho e tarefas 
prescritas a indivíduos, o que implica num funcionamento fundado 
sobre a polivalência e a rotação de tarefas (de fabricação, de 
manutenção, de controle de qualidade e de gestão de produção). O 
trabalhador japonês, polivalente e multifuncional, Não tem uma 
visão parcial e fragmentada, mas uma visão de conjunto do 
processo de trabalho em que se insere (J. Megaud e K. Sugita, 
1992). Tal visão de conjunto é necessária para julgar, discernir, 
intervir, resolver problemas, propor soluções a problemas concretos 
que surgem cotidianamente no interior do processo de trabalho. 
(HIRATA: 1996, p. 130). 
 
4 - O novo modelo de competências 
 Como já foi mencionado antes, o novo modelo de produção flexível 
exige novas atitudes e habilidades no processo produtivo. Por isso, a produção 
flexível requer um perfil diversificado de trabalhador, criando assim, novas 
demandas de formação e qualificação profissional. 
 Se antes, no modelo taylorista/fordista, predominava o conceito de 
qualificação do emprego, já no modelo de acumulação flexível desenvolve-se o 
novo conceito de competência, intrinsecamente associado aos novos cenários 
de empregabilidade e flexibilidade. “As mudanças decorrentes do processo de 
globalização e a adoção de novos padrões de produção industrial – 
caracterizado, principalmente, pela flexibilidade – impõe a necessidade de 
reestruturar a educação profissional, visando sua adequação aos novos 
requisitos exigidos dos trabalhadores [...]” (OLIVEIRA, 2003:32). 
 O novo perfil de competência tem a ver com o aumento do desemprego 
– em particular o estrutural – e com ele, “a crise da noção de postos de 
trabalho” (Zarifian apud Hirata, 1996, p. 133). A competência remete, assim, a 
um sujeito e a uma subjetividade, e nos leva a interrogar sobre condições 
subjetivas (e intersubjetivas) da produção (idem: 133). 
 Portanto, no modelo Taylorista/Fordista a qualificação estava 
intimamente ligada à lógica de produção baseada na relação intrínseca entre 
qualificação e posto de trabalho, bem como entre qualificação e trabalho 
especializado, havendo regras mais claras e objetivas de perfil de trabalhador. 
Já, o modelo de acumulação flexível carrega em si certos padrões de 
subjetividade, valorizando determinados atributos pessoais ligados a 
individualidade, tais como: espírito de liderança, capacidade de relacionar-se 
em grupo, espontaneidade etc. Isso, abre espaço para avaliações arbitrárias e 
apreciações baseadas em critérios nada objetivos que se refere a 
determinação de perfil do trabalhador para determinada realidade da empresa. 
 
5. O Brasil dos anos 80 e 90 e a reestruturação produtiva. 
 No âmbito econômico, a crise do Milagre Econômico desencadeada em 
meados dos anos setenta, deixou como herança para a década seguinte – os 
anos oitenta – o aumento da inflação, a crise fiscal do Estado e a recessão 
econômica. Era o quadro econômico definido como “estagflação”. 
 Depois de um breve período de reaquecimento econômico, nos anos de 
1984 e 1985, o fracasso dos Planos Econômicos: Cruzado I e II, Verão e 
outros, durante o governo Sarney (1985-1989) desencadearam forte crise 
inflacionária marcando os anos oitenta como a “década perdida”, em 
decorrência do persistente quadro recessivo em nosso país. 
 O início da década de noventa foi marcado pela ascensão de governos 
de tendência neoliberal. Collor, Itamar e Fernando Henrique representaram 
governos comprometidos com ajustes econômicos, políticos e sociais que 
promoveram medidas de controle fiscal e antiinflacionária e ajustes econômicos 
de acordo com o receituário dos organismos internacionais (Banco Mundial, 
FMI) e sintonizaram o Brasil com o novo processo de hegemonia capitalista em 
curso: a globalização ou mundialização e o neoliberalismo. E foi neste contexto 
das décadas de 1980 e 1990 que ocorreram importantes mudanças produtivas 
no Brasil. 
O processo de reestruturação produtiva no Brasil ocorreu de maneira 
efetiva no início da década de 1990. Antes desse período, segundo Márcia de 
Paula Leite (1994: p. 565-566), no início dos anos oitenta ocorreram algumas 
experiências de mudanças baseadas na difusão do CCQs (Círculos de 
Controle de Qualidade), que foram adaptações da experiência japonesa no 
Brasil e em decorrência da resistência dos gerentes em criar esquemas 
participativos para os trabalhadores e a tentativa de desviar o ímpeto 
participativo dos trabalhadores para formas alternativas de organização que 
contassem com maior controle gerencial acabaram por esvaziar tais 
experiências levando-as ao fracasso (Idem, p. 566 ). 
Na segunda fase, que ocorre em 1984-1985 percorrendo a segunda 
metade da década de 80, foi caracterizada por Leite (1994: p.565- 567), como 
o período da “rápida difusão dos equipamentos” com base nas “MFCN 
(máquinas-ferramentas de controle numérico), robôs e sistemas CAD/CAM”. 
Também, foram implementadas novas formas organizações tais como: controle 
de Qualidade na Produção, o just-in-time e as células de fabricação 
(organização das máquinas a partir de fluxos de produção). E, não obstante os 
avanços deste período, vários problemas ocorreram, entre eles: a resistência 
do empresariado em lidar com a maior participação dos trabalhadores nos 
processos de decisão; distorção do conceito original de just-in-time criando um 
perfil de trabalhador padronizado e polivalente (apenas para alimentar várias 
máquinas). Estabeleceu-se um “just-in-time taylorizado” com menos 
compromisso dos trabalhadores e mais uso da “coerção e pressão” por parte 
das gerências (Idem, p. 565-567). E, ao contrário do Japão onde havia para 
parcela dos trabalhadores a estabilidade no emprego, aqui, permaneceu a alta 
rotatividade da mão-de-obra no mercado. 
O início dos anos noventa marcou a terceira fase de mudanças produtiva 
no Brasil. Caracterizada por maior difusão dos Programas de Qualidade Total e 
busca por maior competitividade e produtividade, maior processo de 
terceirização e precarização das condições de trabalho ou seja, com menor 
nível de salário, de benefícios sociais, maior jornada de trabalho, maior 
negligência quanto ao uso de equipamentos de segurança ou cuidados em 
atividades e prevenções em insalubres (Leite: 1994 , p. 373 e se.). 
 
6. Mudanças na política de educação profissional 
 A mudança na política educacional ocorrida em meados dos anos 90 no 
Brasil não deve ser vista como uma iniciativa isolada. Tal mudança está 
inserida no contexto maior da política de reformas neoliberais colocadas em 
prática pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Sobre a orientação 
ideológica neoliberal dessareforma, Lima Filho (1999, p. 123) afirma: 
 
 Um dos pontos nodais da reforma estrutural é a redefinição do 
papel do Estado, sob os paradigmas da desregulamentação, 
flexibilização e privatização. Essa é a concepção, centrada na 
lógica do mercado, que passa a orientar as políticas públicas, e é 
neste contexto e nestes limites que se inscrevem as reformas 
educacionais em curso no Brasil. 
 
 
 Esta nova política educacional teve como pressupostos as idéias 
de que: a) seria necessário racionalizar recursos na área de educação; b) 
redirecionar investimentos educacionais priorizando a educação voltada para a 
profissionalização e para atender as novas demandas de “competências” 
exigidas pelo mercado de trabalho; c) reestruturar o ensino técnico-profissional 
desvinculando-o da educação de ensino médio e direcionando aluno para o 
mercado de trabalho logo após a conclusão do curso técnico ou tecnológico. 
 A reforma educacional teve como seu principal instrumento 
jurídico-normativo o Decreto no. 2.208/97 de 17.04.97. Para Lima Filho uma 
das principais funções dessa reforma é: 
 ... a de proporcionar uma alternativa ao ensino superior. Esta 
função contenedora [sic] é buscada pela oferta de cursos pós-
médios para a formação de tecnólogos. A reforma, ao mesmo 
tempo que redireciona a demanda para estes cursos, vincula às 
necessidades imediatas do mercado a oferta de cursos, a 
flexibilização de currículos e a própria organização e gestão das 
instituições educacionais. Enfim, a relação educação-trabalho é 
reduzida ao paradigma fornecedor-cliente, no qual a escola é 
associada ao primeiro e a empresa ao segundo. Os produtos – 
educandos, assessorias etc., são como outras mercadorias, que 
tem suas ofertas, demandas e valores de troca regulados conforme 
as relações de mercado. (Idem: 126). 
 
O mesmo decreto de reforma também permitiu a estruturação de cursos 
em módulos de curta duração e a separação entre a rede de educação 
profissional e a estrutura educacional regular, reforçando o velho sistema de 
dualidade escolar, no qual, a educação profissional desde a sua implantação 
no Brasil sempre foi vista como uma estrutura à parte, separada do sistema 
regular de ensino e destinada à profissionalização dos filhos de camadas 
pobres ou menos favorecidas. 
A análise de Lima Filho conclui que a reforma educacional de 1997 
contribuiu para aumentar a exclusão social. Além disso, pode-se afirmar que, 
esta reforma contribui para reforçar o modelo de educação pautado na Teoria 
do Capital Humano, que prioriza investimentos na área educacional, visando 
fornecer mão-de-obra a ser utilizada pelos empresários capitalistas no mercado 
de trabalho. 
 
7. Considerações Finais 
Durante o desenvolvimento do capitalismo a questão da qualificação do 
trabalhador frequentemente foi influenciada pelas mudanças produtivas. Tais 
mudanças frequentemente trouxeram à tona a contradição: 
qualificação/desqualificação. 
No modelo taylorista-fordista foi construído um perfil de trabalhador 
especializado e, dependendo da atividade produtiva, atributos ou necessidades 
de maior ou menor qualificação. Por conseguinte, em torno das necessidades 
de qualificação estrutura-se um determinado perfil profissional geralmente 
delineado nas escolas e cursos de formação profissional. 
A partir do advento do sistema flexível passou-se a exigir um perfil 
modificado de mão-de-obra, mais versátil, multifuncional. As exigências do 
mercado para as profissões passam a mudar muito rapidamente, aumentando 
o descompasso entre a qualificação fornecida pela escola e a desqualificação 
efetiva do mundo do trabalho. Além do que, em vista da constante mudança 
definida pela crescente flexibilização do trabalho, define-se a partir dos anos 
oitenta do século passado, um novo perfil de trabalhador baseado no modelo 
de competências. 
 Inserido nesta dinâmica, em sua origem, o ensino técnico no Brasil foi 
profundamente marcado pela necessidade imposta pelas elites dominantes de 
formar uma mão-de-obra disciplinada, dócil, domesticada e adaptada ao 
sistema de produção fabril. E, no processo de industrialização do Brasil assim 
como o SENAI serviu aos interesses dominantes de formação e treinamento e 
recrutamento de mão-de-obra para a indústria, também as instituições de 
ensino técnico serviram ao interesse de formar um staff ou quadro de 
profissionais especializados, geralmente em nível médio de estudo, para 
atuarem no processo produtivo-industrial em curso no país. 
Portanto, mesmo sob nova roupagem denominada de competências, as 
mudanças de perfil da mão-de-obra continuam sendo peças constituintes da 
engrenagem de exploração capitalista utilizadas para otimizar e renovar a 
extração de mais-valia do trabalhador e servem para mascarar as injustas e 
desiguais relações capitalistas de produção. 
 
8. Referências 
 
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Troster, Roberto Luis. Introdução a Economia. S. Paulo: Pearson Makron 
Books, 2004.

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