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Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Inflamação e anti-inflamatórios A inflamação é uma resposta normal do corpo em proteção a lesão tecidual causada de diversas formas. É a tentativa do organismo em expelir o agente agressor e reparar o tecido lesionado. A inflamação também pode decorrer da ativação imprópria do sistema imune, resultando em doenças imunomediadas. As manifestações clinicas do processo inflamatório são: dor, eritema, edema, hiperplasia e limitação funcional. A resposta inflamatória é caracterizada por 3 fases: 1. Aguda: caracterizada por uma vasodilatação arteriolar e venular no local, aumento da permeabilidade vascular e surgimento de edema; 2. Subaguda: tem-se a migração dos leucócitos e fagócitos; 3. Crônica proliferativa: instalada entre 36 e 48h após o estimulo que ocorrem sinais de regeneração e reconstrução da matriz conjuntiva – originam a degeneração tecidual e a fibrose. É comum que quando há a desnaturação proteica, causada pela liberação de enzimas líticas, tendo por consequência a atuação de fagócitos. A alteração das proteínas, sintetizam e liberam substâncias intermediária de lesão como histamina, serotonina, bradicinina, prostaglandinas, leucotrienos e outros. Prostaglandinas Em geral, elas atuam localmente nos tecidos, onde são sintetizadas, sendo rapidamente metabolizadas em produtos inativos em seus locais de ação. Portanto, as PGs não circulam em quantidades significativas no sangue. O ácido araquidônico é o principal precursor das PGs e dos compostos relacionados. Ele é componente dos fosfolipídeos das membranas celulares. O ácido araquidônico livre é liberado dos fosfolipídeos teciduais pela ação da fosfolipase A2 por um processo controlado por hormônios e outros estímulos. Existem duas vias principais para a síntese de eicosanoides a partir do ácido araquidônico: a via da cicloxigenase e a da lipoxigenase. 1. Via da cicloxigenase: são descritas duas isoformas relacionadas das enzimas cicloxigenases: a cicloxigenase-1 (COX-1) é responsável pela produção fisiológica de prostanoides, e a COX-2 provoca o aumento da produção de prostanoides em locais de doença e inflamação crônicas. A COX-1 é uma “enzima constitutiva” que regula os processos celulares normais, como a citoproteção gástrica, a homeostase vascular, a agregação plaquetária e as funções reprodutiva e renal. A COX-2 é expressa de maneira constitutiva em tecidos, como cérebro, rins e ossos. Sua expressão em outros locais aumenta durante os estados inflamatórios crônicos. 2. Via da lipoxigenase: Alternativamente, várias lipoxigenases podem atuar no ácido araquidônico formando leucotrienos. As PGs e seus metabólitos, atuam como sinalizadores locais que fazem o ajuste fino da resposta de um tipo celular específico. Suas funções variam, dependendo do tecido e das enzimas específicas daquela via e que estão disponíveis naquele local específico. As PGs têm seu papel principal na modulação da dor, da inflamação e da febre. Elas também controlam várias funções fisiológicas, como a secreção ácida e a produção de muco no trato gastrintestinal (TGI), a contração uterina e o fluxo de sangue nos rins. As PGs também estão entre os mediadores químicos liberados nos processos alérgicos e inflamatórios. Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) Os AINEs são um grupo de fármacos quimicamente heterogêneos que se diferenciam na sua atividade antipirética, analgésica e anti- inflamatória. As prostaglandinas são as mais frequentes, e que devem ser inibidas por fármacos anti-inflamatórios. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 Eles atuam, principalmente, inibindo as enzimas cicloxigenase que catalisam o primeiro estágio da biossíntese de prostanoides. Isso leva à redução da síntese de PGs, com efeitos desejados e indesejados. OBS.: diferenças na segurança e na eficácia dos AINEs podem ser explicadas pela seletividade relativa das enzimas COX-1 ou COX-2. A inibição da COX-2 parece levar aos efeitos anti-inflamatório e analgésico dos AINEs, ao passo que a inibição da COX-1 é responsável pela prevenção dos eventos cardiovasculares e pela maioria dos eventos adversos. • Ácido acetilsalicílico (AAS) e outros anti- inflamatórios não esteroides O AAS pode ser considerado um AINE tradicional, mas ele apresenta efeito anti- inflamatório apenas em dosagens relativamente altas, raramente usadas. Ele é mais usado em dosagens baixas para a prevenção de eventos cardiovasculares, como o acidente vascular encefálico (AVE) e o infarto do miocárdio (IM). O AAS é diferenciado dos outros AINEs, frequentemente, por ser um inibidor irreversível da atividade da cicloxigenase. Mecanismo de ação: O AAS é um ácido orgânico fraco que acetila irreversivelmente e, assim, inativa a cicloxigenase. Todos os outros AINEs são inibidores reversíveis da cicloxigenase. Os AINEs, inclusive o AAS, realizam três ações terapêuticas principais: reduzem a inflamação (afeito anti-inflamatório), a dor (efeito analgésico) e a febre (efeito antipirético). 1. Ação anti-inflamatória: A inibição da cicloxigenase diminui a formação de PGs e, assim, modula os aspectos da inflamação nos quais as PGs atuam como mediadoras. OBS.: Os AINEs inibem a inflamação na artrite, mas não evitam o avanço da doença nem induzem remissão. 2. Ação analgésica: Acredita-se que a PGE2 sensibiliza as terminações nervosas à ação da bradicinina, da histamina e de outros mediadores químicos liberados localmente pelo processo inflamatório. Assim, diminuindo a síntese de PGE2, a sensação de dor pode diminuir. Como a COX-2 é expressa durante inflamações e lesões, parece que a inibição dessa enzima é responsável pelo efeito analgésico dos AINEs. OBS.: Os AINEs são usados, principalmente, para combater dores de leves a moderadas originadas de distúrbios musculosqueléticos. 3. Ação antipirética: A febre ocorre quando o “ponto de referência” do centro termorregulador hipotalâmico anterior é aumentado. Isso pode ser causado pela síntese da PGE2, que é estimulada quando agentes endógenos causadores de febre (pirógenos), como as citocinas, são liberados pelos leucócitos ativados por infecção, hipersensibilidade, câncer ou inflamação. Os AINEs diminuem a temperatura corporal em pacientes febris, impedindo a síntese e a liberação da PGE2. Isso rapidamente baixa a temperatura corporal de pacientes febris, aumentando a dissipação do calor como resultado da vasodilatação periférica e da sudoração. OBS.: Os AINEs não têm efeito sobre a temperatura normal do organismo. Usos terapêuticos: ➢ Usos anti-inflamatório e analgésico: Esses fármacos também são usados para tratar condições comuns que requerem analgesia (p. ex., cefaleia, artralgia, mialgia e dismenorreia). O acréscimo de AINEs pode levar a um efeito poupador de opioide, ao permitir o uso de dosagens menores desse fármaco. Os salicilatos exibem apenas atividade analgésica em dosagens baixas. Somente em dosagens mais altas eles têm atividade anti-inflamatória (por exemplo, dois comprimidos de 325 mg de AAS administrados quatro vezes ao dia produzem analgesia, ao passo que 12-20 comprimidos diários de 325 mg produzem analgesia e atividade anti-inflamatória). ➢ Uso antipirético: AAS, ibuprofeno e naproxeno podem ser usados para combater a febre. ➢ Aplicações cardiovasculares: O AAS é usado para inibir a aglutinação plaquetária. Doses baixas de AAS inibem a produção de TXA2 mediada por COX-1, reduzindo, assim, a vasoconstrição e a aglutinação de plaquetas mediada porTXA2 e o Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 subsequente risco de eventos cardiovasculares. Doses baixas de AAS são usadas profilaticamente para (1) reduzir o risco de eventos cardiovasculares recorrentes e/ou morte em pacientes com IM prévio ou angina de peito instável; (2) reduzir o risco de ataques isquêmicos transitórios (AITs) recorrentes ou AVEs; e (3) reduzir o risco de eventos cardiovasculares ou morte em pacientes de alto risco, como aqueles com angina estável crônica ou diabetes. OBS.: Como o AAS inibe irreversivelmente a COX-1, o efeito antiplaquetário persiste por toda a vida da plaqueta. O uso crônico de doses baixas assegura a inibição continuada conforme novas plaquetas vão sendo produzidas. O AAS também é usado para diminuir o risco de morte em IM agudo e em pacientes submetidos a certos procedimentos de revascularização. Efeitos adversos: Devido aos eventos adversos, é preferível usar os AINEs na menor dosagem eficaz e pelo menor tempo possível. ➢ Efeitos TGI: Normalmente, a produção de PGI2 inibe a secreção de ácido gástrico, e a PGE2 e a PGF2α estimulam a síntese de muco protetor no estômago e no intestino delgado. Fármacos que inibem a COX-1 diminuem os níveis benéficos dessas PGs, resultando em aumento da secreção de ácido gástrico, diminuição da proteção da mucosa e aumento do risco de sangramento GI e ulcerações. Fármacos com maior seletividade relativa para a COX-1 podem ter maior risco de eventos GI se comparados àqueles com menor seletividade pela COX-1 (isto é, maior seletividade pela COX-2). OBS.: Os AINEs devem ser tomados com alimento ou líquido para diminuir o desconforto GI. OBS.: Se os AINEs forem usados em pacientes com risco alto de eventos GI, inibidores da bomba de prótons ou misoprostol devem ser usados concomitantemente para prevenir úlceras induzidas pelos AINEs. ➢ Aumento do risco de sangramentos (efeito antiplaquetário): O TXA2 aumenta a aglutinação das plaquetas, ao passo que a PGI2 a reduz. O AAS inibe irreversivelmente a formação de TXA2 mediada por COX-1, e outros AINEs a inibem reversivelmente. Como resultado da diminuição de TXA2, a aglutinação plaquetária (o primeiro estágio da formação do trombo) é reduzida, produzindo efeito antiplaquetário com aumento do tempo de sangramento. Por esse motivo, o uso do AAS é suspenso ou não é administrado por pelo menos uma semana antes de uma cirurgia. Além do AAS, outros AINEs não são usados por seu efeito antiplaquetário, mas podem prolongar o tempo de sangramento. OBS.: Os AINEs podem bloquear a ligação do AAS à cicloxigenase se forem usados simultaneamente. Pacientes que usam AAS para a cardioproteção devem evitar, se possível, o uso concomitante de AINEs. ➢ Ação sobre os rins: Os AINEs previnem a síntese de PGE2 e PGI2, PGs responsáveis pela manutenção do fluxo sanguíneo renal. A diminuição da síntese de PGs pode resultar na retenção de sódio e água e, consequentemente, causar edema em alguns pacientes. ➢ Efeitos cardíacos: Fármacos como o AAS, com alto grau de seletividade pela COX-1, mostraram efeito protetor cardiovascular provavelmente devido à redução na produção de TXA2. Fármacos com maior seletividade relativa para a COX-2 são associados ao aumento do risco de eventos cardiovasculares, possivelmente por diminuir a produção de PGI2 mediada pela COX-2. OBS.: O aumento do risco de eventos cardiovasculares, incluindo IM e AVE, é associado a todos os AINEs, com exceção do AAS. O uso de AINE, exceto AAS, é desaconselhado em pacientes com doença cardiovascular estabelecida. ➢ Toxicidade: A intoxicação por salicilatos pode ser leve ou grave. A forma leve é denominada de salicilismo, sendo caracterizada por náuseas, êmese, hiperventilação acentuada, cefaleia, confusão mental, tontura e zumbidos (zunidos e ruídos auriculares). Doses elevadas de salicilatos podem causar intoxicação grave gerando agitação, delírio, alucinação, convulsão, coma, acidose respiratória e metabólica e até morte por insuficiência respiratória. Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 • Celecoxibe É um inibidor seletivo da COX-2, significativamente mais seletivo para inibir a COX-2 do que a COX-1. A inibição da COX-2 é reversível. Usos terapêuticos: No tratamento da dor, a eficácia do celecoxibe é similar à dos AINEs. Efeitos adversos: Cefaleia, dispepsia, diarreia e dor abdominal são os efeitos adversos mais comuns do celecoxibe. Quando usado sem o tratamento concomitante com AAS, o celecoxibe provoca menos sangramento GI e dispepsia do que outros AINEs. O celecoxibe oferece risco de eventos cardiovasculares similar ao de outros AINEs. Ele deve ser usado com cautela em pacientes alérgicos a sulfonamidas. Os pacientes que apresentaram reações anafilactoides ao AAS ou aos AINEs não seletivos correm o risco de apresentar efeitos similares com celecoxibe. Os inibidores do CYP2C9, como fluconazol e fluvastatina, podem aumentar os níveis séricos de celecoxibe. • Paracetamol (Acetaminofeno) Ele inibe a síntese das PGs no SNC. Exerce menor efeito sobre as cicloxigenases nos tecidos periféricos devido à inativação periférica, o que contribui para a sua fraca atividade anti- inflamatória. Esse fármaco não afeta a função plaquetária nem aumenta o tempo de sangramento. O paracetamol não é considerado um AINE. Usos terapêuticos: é um substituto adequado para os efeitos analgésicos e antipiréticos dos AINEs em pacientes com problemas ou riscos gástricos, nos quais o prolongamento do tempo de sangramento não é desejável, e naqueles que não necessitam da ação anti-inflamatória dos AINEs. Efeitos adversos: em dosagens altas, a glutationa disponível no fígado se esgota, e a NAPQI reage com o grupo sulfidrila das proteínas hepáticas, formando ligações covalentes. Pode ocorrer necrose hepática, uma condição muito grave e potencialmente fatal. Os pacientes com doença hepática, hepatite viral ou história de alcoolismo correm mais riscos de hepatotoxicidade induzida pelo paracetamol. Anti-inflamatórios esteroides Glicocorticoides são hormônios sintéticos que mimetizam as ações do cortisol endógeno, secretado pela zona cortical da glândula adrenal. São obtidos por modificações na estrutura química do hormônio original. A pesquisa farmacológica gerou grande número de glicocorticoides com diferentes potências, alguns atributos especiais e amplo uso terapêutico. Eles têm propriedade imunomoduladoras e linfolíticas sendo aproveitados em terapias imunossupressoras. Glicocorticoides são os mais eficazes anti- inflamatórios; pois promovem a melhora sintomática de uma série de manifestações clínicas, sem afetar a evolução da doença básica. Os corticoides difundem-se a quase todas as células e ligam-se a proteínas receptoras citoplasmáticas, com alto grau de afinidade e especificidade, para regular expressão de genes responsivos a corticoides. Eles determinam Moisés Santos|@eumoisesantos_ Odontologia UFPE – Farmacologia IV – 2020.2 modificação conformacional nos receptores e sua translocação ao núcleo, onde ativam a transcrição gênica por meio de interação com específicas sequências de DNA. Processa-se mRNA que, no citoplasma, ativa síntese de proteínas específicas e peptídeos reguladores que controlam a função celular. Embora geralmente haja aumento na expressão de genes-alvo, os corticoides podem diminuir a transcrição desses genes, como ocorre com a de algumas citocinas, cuja regulaçãoinibitória tem papel nas ações anti-inflamatórias· e imunomoduladoras de corticoides. Como certo tempo é requerido para que ocorram alterações de expressão gênica e síntese proteica, os efeitos dos corticoides não são imediatos, só ocorrendo após várias horas. Dentre as proteínas corticoide-induzidas, estão vasocortina e lipocortina que inibem, respectivamente, a liberação de substâncias vasoativas e fatores quimiotáticos e a enzima fosfolipase A2, responsável pela transformação de fosfolipídios de membrana em ácido araquidônico. Com isso, não há síntese de prostaglandinas e prostaciclinas (rota da cicloxigenase) e leucotrienos (rota da lipoxigenase), elementos da reação inflamatória. Em altas concentrações teciduais, os corticoides estabilizam lisossomas, impedindo a liberação de enzimas lipolíticas e proteolíticas. Inibem a resposta de acúmulo de macrófagos, induzida pelo fator de inibição de migração (MIF), liberado pelos linfócitos durante a interação antígeno-anticorpo. Com isso, há diminuição da fagocitose e digestão dos antígenos. Ainda ocorre inibição da produção de IL1 e IL2 a partir dos macrófagos, impedindo a replicação de linfócitos T que se segue ao estímulo antigênico. Como moduladores da reação imunitária, esses compostos alteram predominantemente subpopulações de linfócitos. Indicações: ➢ Em doenças ou manifestações responsivas a eles; ➢ Devem ser usados em última opção; ➢ Sempre se deve usar as menores doses eficazes, pelo menor tempo possível; ➢ A melhora de sintomas e o não retorno da doença no futuro deve ser o objetivo terapêutico; ➢ A suspensão de um tratamento prolongado deve ser feita de maneira lenta e gradual. Usos terapêuticos: • Em procedimentos cirúrgicos, para suprimir a inflamação aguda; • Contra reações alérgicas, como coadjuvantes de epinefrina; • Pode ser usado de maneira tópica; Referências: EDITORIA DE WANNMACHER, Lenita; FERREIRAS, Maria Beatriz Cardoso (editora). Farmacologia clínica para dentistas. 3.ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. 545. p GOODMAN & GILMAN. As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 12ª Ed. Rio de Janeiro; Editora Guanabara Koogan. 2012. WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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