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Estabilizadores de Humor

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Estabilizadores de Humor
Os transtornos do humor podem ser divididos em
duas grandes classes: transtornos depressivos e
transtornos bipolares. Os transtornos depressivos são
caracterizados pela predominância de humor
deprimido, enquanto que os bipolares se caracterizam
pela transição entre episódios de humor deprimido e
de humor otimista/eufórico, ou seja, episódio de
mania.
De acordo com a DSM-5, os transtornos bipolares
podem ser classificados em três tipos:
Tipo I: maior gravidade, onde o paciente vai oscilar
entre episódios de depressão severa e de mania (dois
extremos mais distantes)
Tipo II: manifestação mais amena, onde o paciente vai
ciclar entre a depressão grave e a hipomania, um
episódio de mania com sintomas atenuados
Transtorno ciclotímico: a oscilação de humor é um
pouco menos intensa, na qual o paciente oscila entre
episódios depressivos leves e episódios de hipomania.
Uma vez que estamos falando de um transtorno, essas
oscilações são de uma intensidade suficiente para
afetar significativamente a qualidade de vida dos
indivíduos. Na maioria das vezes, eles necessitam de
tratamento farmacológico, principalmente porque é o
principal tipo de transtorno neuropsiquiátrico
associado a suicídio (mais que transtorno depressivo e
outros).
Episódio Maníaco
É caracterizado por:
● Humor persistentemente elevado, expansivo
ou irritável;
● Excesso de auto-estima;
● Prolixidade (fala várias vezes a mesma coisa);
● Fuga de ideias (raciocínio rápido e desconexo);
● Menor necessidade de sono;
● Dispersão;
● Inconsequência (abuso de drogas, sexo sem
proteção – susceptibilidade a IST, gasto
excessivo de dinheiro);
● Leves sintomas psicóticos.
Após um episódio maníaco extremo, vem um episódio
depressivo. Nesse momento, o paciente olha pra trás
e se dá conta de tudo o que fez e aí vem o alto risco
de suicídio. Por isso, há uma necessidade de
tratamento e acompanhamento desses indivíduos.
O transtorno bipolar tem prevalência mundial de
1-3%, pode ter início na infância, porém o diagnóstico
ocorre principalmente na fase adulta (30-40 anos).
Possui um alto risco de suicídio e sua etiologia e
substrato neural ainda são pouco elucidados.
Tratamento farmacológico: estabilizadores do humor.
Não são nem antidepressivos e nem tratam apenas os
sintomas de mania, sua ação equilibra e previna as
oscilações de humor.
Carbonato de Lítio
Indicações:
● Profilaxia do distúrbio bipolar (tanto episódios
maníacos, quanto depressivos) – principal
indicação;
● Eficácia maior em pacientes com sintomas
clássicos do transtorno (ausência de psicose);
● Tratamento da mania aguda e de episódios
hipomaníacos (segunda escolha – primeira
escolha é o valproato);
● Eficácia cruzada em membros de mesmas
famílias (se um paciente tem histórico familiar
de transtorno bipolar e esse parente próximo
respondeu bem a terapia, a chance desse
indivíduo responder bem também é bastante
alta e isso pode ser considerado critério de
escolha pra prescrição);
● Lento início de ação (cerca de 2 semanas).
O grande problema da utilização clínica do carbonato
de lítio é seu baixo índice terapêutico. O lítio é um
cátion monovalente com o menor raio iônico de todos
os cátions, ou seja, ele vai passar por qualquer canal
iônico permeável a cátions devido ao seu pequeno
raio. Isso faz com que ele tenha um alto volume de
distribuição no nosso organismo, se difundindo pra
vários tecidos onde tem ações diversas, afetando os
equilíbrios eletrolíticos, principalmente nesses
mecanismos que dependem de sódio, potássio e
cálcio.
A maioria dos pacientes apresenta uma boa resposta
com níveis séricos de lítio entre 0,6 e 1,0 mmol/L. É
extremamente recomendado que esses níveis séricos
sejam monitorados constantemente.
Reações adversas:
● Tremor fino de extremidades (primeiros sinais,
uma vez que esse sinal é dose-dependente),
acne (aumento da oleosidade da pele)
● Diabetes insipidus (sede, poliúria e edema) –
maior eliminação de lítio da urina (inibe ação
do ADH) e, ao mesmo tempo, leva a retenção
de sódio;
● Hipotireoidismo (ganho de peso devido à
queda de T3 e T4) – raro e geralmente
assintomático
● Hiperparatireoidismo (hipercalemia) – esse
aumento está relacionado a fraqueza
muscular, a perda de apetite, fadiga, pode
levar a perda de peso e, principalmente,
hipercalcemia
● Teratogênese (anomalia de Ebstein, uma
anomalia cardíaca na qual o bebê nasce com
um alargamento dos átrios e diminuição dos
volumes dos ventrículos, podendo levar a
necessidade de uma cirurgia cardíaca logo
após o nascimento ou a morte) – alerta
durante o período gestacional. Estudos mais
recentes têm demonstrado que a incidência
dessas alterações devido a utilização de lítio
na gestação é extremamente baixa e ele tem
um menor potencial terapêutico quando
comparado ao fármaco alternativo
(valproato). Isso tem levado a se considerar a
manutenção do tratamento com carbonato de
lítio durante o período gestacional.
Mecanismo de ação:
O lítio age por vários mecanismos. Em resumo, não se
sabe exatamente por qual mecanismo ele é capaz de
estabilizar o humor dos pacientes. Por ser um cátion
extremamente pequeno, ele vai interferir com
diversos processos celulares. A nível extracelular, ele
vai diminuir liberação de glutamato, glutamina,
acetilcolina e glicina e potencializar liberação de GABA
no SNC. De que forma e até que ponto essas atuações
em diversos neurotransmissores estão envolvidas na
estabilização do humor pelo lítio não é claro. Além
disso, ele entra facilmente nas células e no meio
intracelular vai interferir com diversas cascatas de
sinalização com muitos efeitos distintos.
O que se sabe é que, somando todos esses efeitos,
principalmente os efeitos intracelulares, ele tende a
deslocar a balança pra mecanismos mais de
sobrevivência neuronal, arborização dendrítica e
neuroproteção e levar a uma inibição de mecanismos
de morte neuronal ou apoptose. Então, acredita-se
que o mecanismo de ação do lítio esteja relacionado a
neuroproteção.
Um dos mecanismos que parece ser relevante, tanto
pros efeitos antidepressivos quanto estabilizadores de
humor do lítio, parece ser a sua capacidade de
modular enzimas que estão envolvidas na cascata de
sinalização que é ativada pelo Trk B, que é o receptor
do BDNF no SNC. O BDNF é um peptídeo neurotrófico
responsável por induzir aumento de arborização
dendrítica, sobrevivência neuronal e age nos
neurônios através da ligação ao seu receptor
específico Trk B. Esse Trk B vai ativar uma via de
sinalização intracelular, onde irá estimular a atividade
da quinase PI3K, que irá estimular a ação da Akt. A Akt
vai inibir uma enzima chamada GSK-3-Beta, que é
importante pra indução de mecanismos de apoptose
do SNC. Assim, uma vez que a GSK-3-Beta está inibida,
temos o favorecimento das respostas de sobrevivência
neuronal, neuroplasticidade e neurogênese.
O lítio vai estimular a ação da Akt e vai inibir a ação da
GSK-3-Beta. Por ambos os mecanismos, ele vai
contribuir pra esse aumento da neuroplasticidade e
sobrevivência celular. O valproato também é um
inibidor da GSK-3-Beta e parece ter sua eficácia como
estabilizador do humor também relacionada a essa
cascata de sinalização.
Um outro mecanismo proposto está envolvido a via de
reciclagem do PIP2. A ativação de receptores
metabotrópicos acoplados a proteína Gq leva a
ativação da fosfolipase C, que vai transformar o PIP2
em IP3 e DAG. O IP3 depois de exercer suas ações vai
ser reciclado e sequencialmente desfosforilado,
gerando IP2, IP1, inositol, Pi, até que vai formar
novamente PIP2 e daí por diante. O lítio é capaz de
inibir dois passos dessa via de restauração do PIP2,
que seria a conversão do IP2 em IP1 e a conversão do
IP1 em inositol. Dessa forma, ele leva a uma depleção
dos níveis de inositol na célula acompanhado de um
acúmulo dos níveis de IP3 no meio intracelular. Esse
desbalanço parece ter um papel importante pra
melhoria da função mitocondrial e prevençãoda
apoptose, contribuindo pra um mecanismo
neuroprotetor.
Sinais precoces de intoxicação: sonolência, vômito,
secura da boca, dor abdominal, tremores finos,
letargia, tontura e fala dificultada.
Sobredosagem:
● Náusea e vômito persistentes, sincinesias
faciais, síncopes, convulsões, sintomas
psicóticos, falência circulatória aguda, coma
● Casos mais graves levam a convulsões
generalizadas e morte
● Conduta na sobredosagem: lavagem gástrica,
hemodiálise (não existe antagonista)
Outros fármacos utilizados no tratamento do
transtorno bipolar
● Pro tratamento de episódios agudos de
mania, podem ser utilizados os antipsicóticos
de segunda geração: aripiprazol, clozapina,
quetiapina, olanzapina, risperidona e
ziprazidona. A quetiapina é um antipsicótico
de segunda geração que parece ter um efeito
antidepressivo também, o que a torna
bastante adequada pro caso de pacientes com
transtorno bipolar.
● Anticonvulsivantes: carbamazepina, valproato
e lamotrigina. Atualmente o valproato é o
fármaco mais prescrito pro tratamento do
transtorno bipolar.
Existem 3 situações distintas em que os fármacos
devem ser manejados de formas diferentes.
Episódios Agudos de Mania
● Suspender o uso de antidepressivo: pode levar
a virada mania, na qual o paciente passa
abruptamente de um quadro depressivo pra
um quadro de mania bastante intenso. Isso é
bastante comum em casos de diagnóstico
impreciso, no qual o médico não faz um
acompanhamento adequado, o paciente
chega no consultório em episódio depressivo
agudo, o médico não espera uma segunda
consulta pra uma prescrição adequada e nem
levanta um histórico preciso do paciente e
prescreve um antidepressivo. Se esse paciente
apresentar um transtorno bipolar, ele pode ter
uma virada maníaca.
● Investigar histórico de sintomas psicóticos
(critério de escolha)
● Fármacos de primeira escolha:
✔ Valproato (sem histórico de episódios
psicóticos)
✔ Antipsicóticos: aripiprazol, asenapina,
cariprazina, paliperidona, quetiapina,
risperidona
● Fármacos de segunda escolha: lítio,
carbamazepina ou haloperidol
● Associações: lítio ou valproato + antipsicótico
(caso o paciente não responda a terapia
inicial)
● Manter por no mínimo 2 meses após
estabilização
Episódios Agudos de Depressão
● Fármacos de primeira escolha (antipsicóticos):
quetiapina ou lurasidona. A quetiapina, como
dito anteriormente, além de ser um
antipsicótico, atua como antidepressivo,
sendo preferível a fim de evitar virada
maníaca.
● Nunca utilizar antidepressivo como
monoterapia (risco de episódio maníaco)
● Associar terapia cognitivo comportamental
(nunca como monoterapia – risco de suicídio)
● Fármaco de segunda escolha: olanzapina
● Associações:
✔ Olanzapina + Fluoxetina
✔ Lítio + Lamotrigina
✔ Lítio + Lamotrigina + Fluoxetina
● Manter por no mínimo 6 meses após
estabilização
Terapia de Manutenção (Profilática)
● Considerar a polaridade predominante
● Fármacos de primeira escolha:
✔ Lítio (ambas predominâncias)
✔ Predominância maníaca: aripiprazol,
olanzapina, paliperidona, quetiapina
ou risperidona
✔ Predominância depressiva: fluoxetina
ou lamotrigina
● Associar terapia cognitivo comportamental
● Associações:
✔ Lítio + carbamazepina
✔ Quetiapina + lítio ou valproato
✔ Lítio ou valproato + olanzapina ou
aripiprazol
● Transição gradual

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