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HIV/AIDS Descrição Inicial e Epidemiologia Em 1981 vários casos de uma pneumonia incomum causada por PCP foram registrados em homossexuais do sexo masculino na área de São Francisco, Califórnia, seguidos pelo reconhecimento de uma forma agressiva do sarcoma de Kaposi em uma população semelhante na cidade de Nova York. Desde aqueles casos iniciais a AIDS continua até hoje, mais de 20 milhões de pessoas morreram em todo o mundo e mais de 30 milhões estão atualmente infectadas. Observava-se que as pessoas infectadas evoluíam a óbito pelas assim chamadas infecções oportunistas e por neoplasias raras que foram denominadas subsequentemente de neoplasias oportunistas. HIV/AIDS NO BRASIL O Brasil já registrou mais de 800 mil casos de Aids (fase avançada da infecção), sendo 65% no sexo masculino e 35% no feminino. A maioria ocorreu na região Sudeste, e a faixa etária mais acometida, em ambos os sexos, foi de 25 a 39 anos. Atualmente, a prevalência de pessoas vivendo com HIV/Aids é de 0,4% da população. A taxa de incidência de Aids tem média nacional de 20 casos novos/100 mil habitantes-ano, e vem se mantendo estável ao longo da última década. Já o coeficiente de mortalidade atual é de 5,6 óbitos/100 mil habitantes-ano, refletindo uma queda de 5% nos últimos dez anos. Na faixa etária entre 15-19 anos, por exemplo, a incidência de Aids mais que triplicou nos últimos anos. ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO Vírus da Imunodeficiência Humana O principal vírus envolvido na AIDS é o vírus humano linfotrópico da célula T (HTLV-III/LAV), comumente conhecido como o tipo 1 do vírus da imunodeficiência humana (HIV-1). O HIV é uma partícula esférica, que mede de 100 a 120 nm de diâmetro, pertencente ao gênero Lentivirinae e família Retroviridae, apresentando em seu núcleo duas cópias de RNA de cadeia simples, encapsuladas por uma camada proteica ou núcleo-capsídeo, capsídeo e um envelope externo composto por uma bicamada fosfolipídica. O genoma do HIV inclui três principais genes que codificam as proteínas estruturais e enzimas virais: gag, env e pol. O HIV é um retrovírus humano envelopado da família lentivírus. Foram descritas duas cepas de HIV, o HIV-1 e HIV-2. O HIV-2, a cepa menos virulenta é encontrada principal mente na África Ocidental. Classificação filogenética do HIV A classificação do HIV é feita por meio da análise filogenética de consequências nucleotídicas dos vírus. A classificação atual é hierárquica e consiste em tipos, grupos, subtipos, sub-subtipos e formas recombinantes . O HIV-1 e o HIV-2 são tipos distintos do vírus, mais distantes filogeneticamente. O HIV-1 é subdividido em 4 grupos: grupo M (do inglês, major ou majoritário), grupo N (do inglês, new ou non-M, non-O, ou novo, não-M, não-O), grupo O (do inglês, outlier) o mais divergente dentre os grupos, e ainda o grupo P. A maioria das infecções ocorre com HIV-1 do grupo M, o qual é diferenciado em subtipos (A, B, C, D, F, G, H, J e K). Os subtipos A e F, por sua vez, são subdivididos em A1, A2, A3, A4 e A5, e em F1 e F2, respectivamente. Quando um indivíduo é portador de uma infecção mista, composta por dois ou mais vírus de linhagens (subtipos) diferentes, pode ocorrer a transferência de material genético entre eles, dando origem às formas recombinantes (RF, do inglês recombinantforms). A variação genética do HIV tem implicações tanto na biologia do vírus e sua transmissão, quanto na reatividade e reação cruzada em testes diagnósticos que detectem a presença de anticorpos específicos para os antígenosG virais. Subtipos do HIV-1 A epidemia HIV/aids no Brasil é complexa quanto à distribuição e prevalência dos diferentes subtipos de HIV-1, se comparada aos outros países da América do Sul. O subtipo B do HIV-1 tem sido descrito como o mais prevalente no Brasil, seguido pelo F1 e formas recombinantes únicas B/F1 nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, enquanto que na região Sul observa-se uma alta prevalência do subtipo C, com valores que variam de um estado a outro, e do CRF31_BC. Além desses, já foram relatados alguns casos de infecções pelos subtipos A, D, CRF02_AG e genomas mosaicos em potencial, envolvendo recombinação ou infecção dupla entre B/F1, B/C e F1/D e pelo menos 5 CRFs_BF1 (28, 29, 39, 40 e 46) e o CRF31_BC. TRANSMISSÃO E FATORES DE RISCO O vírus é transferido pelo sangue e fluidos corporais. Sangue, sêmen, secreções vaginais, leite materno. Desta forma, o HIV pode ser transmitido por contato sexual, compartilhamento de agulhas, transfusão de sangue ou de seus produtos, transplante. O HIV pode ser transmitido da mãe para o filho durante a gestação (23-30% dos casos), durante o parto (50-65%) ou durante o aleitamento (12-20%). Levando em conta pequenas discrepâncias da literatura, podemos afirmar que na ausência de qualquer intervenção profilática cerca de 15-45% das mães infectadas, em média, transmitem o HIV para as suas crianças! O sexo anal é a forma mais eficiente de transmissão sexual (~ 1,4% por coito desprotegido)! O sexo oral é ainda menos eficiente, porém NÃO é isento de risco! Há casos bem documentados de transmissão do HIV para pessoas que receberam sexo oral de alguém contaminado, bem como para pessoas que realizaram esta forma de sexo em portadores do vírus. FISIOPATOLOGIA ENTRADA E TRANSPORTE DO VÍRUS NO ORGANISMO Os macrófagos e as células dendríticas em geral não são destruídos pelo HIV, entretanto, podem servir como reservatórios transportando o vírus para outras partes do corpo (tecido linfoide e sistema nervoso central). Passo 1: Após entrar no organismo, as células dendríticas carregam o vírus principalmente em sua superfície, sem se infectar, e leva o HIV até os linfonodos para montagem da resposta adaptativa. Passo 2:Este tráfego demora entre 4 e 14 dias e a infecção dos linfócitos ocorrerá então neste linfonodo regional e uma quantidade enorme de vírus será lançada na circulação sanguínea. Passo 3: Estes vírus livres no plasma vão se replicar em órgãos linfoides e se concentrar especialmente no trato gastrintestinal, o maior órgão linfoide do corpo humano, que alberga mais de 50% dos linfócitos de nosso organismo.O principal tropismo desse vírus é pela célula T CD4. LIGAÇÃO DO VÍRUS A UM CORRECEPTOR A partícula viral contém dois filamentos separados idênticos de RNA genômico e três enzimas; integrase, protease e transcriptase reversa. Elas estão empacotadas no antígeno p24, uma nucleoproteína, todas elas estão circundadas pela proteína de matriz p17. O envelope viral que é derivado da membrana celular do hospedeiro apresenta glicoproteínas virais incluindo gp120 e gp41, que são decisivas para a infecção A gp120, que está ligada à proteína transmembrana gp41, tem alta afinidade por células que expressam CD4 (macrófagos/monócitos e células dendríticas, bem como células T CD4+). Depois de se ligar à CD4, a gp120 passa por uma mudança conformacional e se ligar a uma segunda molécula (um correceptor), na superfície da célula alvo, para que o HIV penetre na célula. O correceptor escolhido dependerá do tipo de gp120, isto é, do tropismo dela para determinado correceptor. Existem HIV com tropismo para quimiocinas de: macrófagos (CCR5), HIV linfotrópico usa CXCR4. O CCR5 é um receptor de quimiocinas e incidentalmente fundamental para a entrada do HIV na célula. Algumas atividades pró-inflamatórias do organismo são inteiramente dependentes do receptor CCR5. Acredita-se que na infecção primária o CCR5 seja o principal receptor daí o vírus se replica atingindo macrófagos e células dendriticas dos tecidos da MALT. (DOENÇA OPORTUNISTAS) Entrada do vírus na membrana Em seguida há uma alteração para a forma linfotrópica disseminando a infecção. Após a ligação de gp120 a CD4 e ao seu correceptor (CCR5 e CXCR4), gp41 penetra na membrana celular permitindo a fusão do envelope viral com a membrana celular e subsequente entrada viral. No hospedeiro o RNA viralé replicado para uma cópia de cDNA pela enzima viral transcriptase reversa. O cDNA pode permanecer no citoplasma ou penetrar no núcleo e ficar integrado ao genoma do hospedeiro, como um provírus, com a ajuda da enzima viral integrase. A replicação viral continua em baixo nível, às vezes por vários anos, de modo que a infecção por HIV permanece em uma fase relativamente, mas não verdadeiramente, “latente”. Transcrição do vírus O genoma do HIV tem uma região de repetição terminal longa (LTR) em cada extremidade. A LTR é necessária à integração viral e tem locais de ligação para proteínas reguladoras. Quando a célula T é ativada pelo antígeno, uma cascata de reações provoca a ativação do fator de trancrição NF-kB. O NF-kB se liga à região promotora em LTR, ativando a transcrição do provírus pelo RNA polimerase do hospedeiro. A transcrição do provírus produz um longo transcrito de mRNA que é cortado em sítios alternativos para a síntese de diferentes proteínas. As duas primeiras proteínas produzidas são tat e rev. Tat e Rev: proteínas produzidas Tat: penetra no núcleo, onde atua como um fator de transcrição. Liga-se à região LTR e aumenta a taxa de transcrição viral. Rev: também atua no núcleo, ligando-se ao elemento que responde a Rev no transcrito de mRNA viral. A ligação de rev aumenta a taxa de transporte do RNA para o citoplasma. Quando o mRNA é transportado mais rapidamente para o citoplasma, ocorre menos quebra no núcleo e diferentes proteínas podem então ser produzidas a partir dessas formas de mRNA. Nesta segunda onda de síntese de proteína viral, os componentes estruturais do core e envelope virais são produzidos em forma precursora. Na terceira onda, o RNA não quebrado é transportado para o citoplasma e serve como RNA para as novas partículas virais e para a tradução de gag e pol: Gag: codifica a p24, p17 e p7/p9; Pol: codifica a protease, a transcriptase reversa e a integrase virais. A protease cliva estes produtos de gag e pol, que são inicialmente sintetizados como uma poliproteína única. Consequências da inflamação provocada pelo HIV em humanos Pequenas proteínas virais, como TAT, NEF e VPU, causam a inflamação sistêmica . O GALT, tecido linfoide é destruído na infecção pelo HIV! Com isso, a parede do tubo digestivo se torna mais propensa à invasão por germes da microbiota intestinal (ex.: enterobactérias Gram-negativas, fungos), o que faz com que produtos oriundos desses micro-organismos ― como o lipopolissacarídeo das bactérias Gram-negativas, um potente indutor da resposta inflamatória― tenham seus níveis aumentados no sangue do paciente. A inflamação crônica proporcionada pelo HIV leva, de maneira geral, à deterioração de diversos órgãos e tecidos do organismo. No sistema nervoso central, levando à atrofia encefálica com aparecimento de alterações cognitivas e depressão. Leva também à degeneração do sistema cardiovascular com fenômenos ateroscleróticos, insuficiência coronariana e disfunção ventricular esquerda. Leva também à osteopenia com fraturas patológicas, à deterioração da função hepática e renal, bem como à insuficiência endócrina múltipla. FASES E QUADRO CLÍNICO Curso Clínico: FASES Infecção Aguda : Define-se infecção aguda pelo HIV como o intervalo entre o contágio e o surgimento de anticorpos anti-HIV (soroconversão). Infecção inicial com HIV, muitos pacientes são assintomáticos. Outros mostram uma doença semelhante ao resfriado caracterizada por febre, dor de garganta e mal-estar generalizado que se inicia duas ou quatro semanas após a infecção e dura de uma a duas semanas. Durante este tempo, ocorre viremia (vírus no sangue periférico) e uma queda acentuada no número de células T CD4+ circulantes. O sistema imunológico responde gerando CTLs (Linfócitos T Citotóxicos ou CD8) e anticorpos específicos para o vírus. Os CTLs que destroem as células infectadas pelo vírus são parcialmente responsáveis pela queda do número das células T CD4. Nesta ocasião, o paciente apresentará soroconversão e expressará anticorpo detectável específico para as proteínas do HIV. O número de células T CD4+ no sangue periférico se recupera parcialmente. As células dendríticas e os macrófagos infectados disseminam os vírus pelo tecido linfoide através do corpo. Em média, transcorrem cerca de dez anos entre a infecção primária e o surgimento da Aids. O fato é que durante a soroconversão costuma surgir a Síndrome Retroviral Aguda (SRA). A SRA ocorre em 50-90% dos indivíduos infectados pelo HIV. Trata-se de um conjunto de sinais e sintomas inespecíficos , comum a diversas viroses sistêmicas, que reflete o desenvolvimento de uma poderosa resposta imune contra o pico inicial de viremia. Curso Clínico: FASES Fase Latente : Embora a resposta imunológica pareça padrão para uma infecção viral, ela apenas contém o vírus em vez de erradicá-lo. A extremamente alta taxa de mutação do vírus pode explicar a ineficácia da resposta imunológica. Uma fase “latente” é estabelecida podendo durar até 10 anos. Durante este período relativamente assintomático continua a ocorrer replicação viral, e declínio de células T CD4+. Os linfonodos constituem a localização predominante das células infectadas onde as células infectadas apresenta-os aos linfócitos T e B gerando linfadenopatia (hiperplasia) característica dessa fase. Por fim as células T infectadas sofrem lise e diminuem a concentração sanguínea de CD4 deixando o número de CD8 maior o que é um indicativo de infecção viral. Neste caso o paciente passa a ser sintomático, entrando na fase crítica, AIDS. Curso Clínico: FASES Fase Crítica (imunodeficiência progressiva): À medida que a competência imunológica se reduz (pela queda na contagem de CD4), infecções típicas do indivíduo imunocompetente começam a aparecer com frequência A AIDS foi originalmente reconhecida pela manifestação clínica de infecções incomuns e neoplasias; elas continuam sendo as marcas registradas da doença manifesta. O diagnóstico de qualquer uma delas (ou o limite definido do nível da célula T CD4 <200 células/ul ou <14% de células T) identifica o paciente como portador de AIDS ao invés de estar meramente infectado com o HIV. As doenças podem ser classificadas em três categorias neoplasias incomuns, infecções oportunistas e síndromes debilitantes gerais refletindo os principais efeitos do HIV sobre o sistema imunológico e o SNC. MANIFESTAÇÕES CLINICAS: RESPIRATÓRIAS: Pneumonia bacteriana: O agente etiológico mais comum é o pneumococo. Pneumocistose pulmonar (PCP). Causado por fungo unicelular Pneumocystis jiroveci (que vive como saprófita nas vias aéreas e é transmitido de pessoa a pessoa). Queixas inespecíficas do tipo febre, fadiga, tosse seca (ou com pouco escarro claro), dispneia aos esforços, dor torácica retroesternal e perda ponderal. AO diagnóstico definitivo requer a demonstração do fungo em material obtido da via aérea. Tuberculose: Em países endêmicos como o Brasil, a TB sempre foi tão ou mais frequente que a PCP em pacientes HIV+. O risco de tuberculose nesses indivíduos é cerca de 100 vezes maior que na população geral, e a tuberculose é a principal causa de óbito em pessoas que vivem com HIV/Aids (a letalidade da coinfecção gira em torno de 6%). Paracoccidioidomicose (PCM) : é a infecção fúngica sistêmica mais prevalente no Brasil, principalmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. febre, tosse e infiltrado reticulo-nodular no RX de tórax, esses pacientes desenvolvem linfadenopatia, hepatoesplenomegalia e lesões cutâneo-muco. Criptococose: o paciente costuma apresentar febre, tosse e dispneia, eventualmente hemoptise. O RX de tórax revela a presença de infiltrado intersticial em > 90% dos casos. Aspergilose: NÃO É uma infecção típica da Aids, exceto se houver neutropenia ou uso de glicocorticoides. A candidíase também NÃO costuma afetar os pulmões do paciente comAids. Histoplasmose Progressiva Disseminada (PDH): Nesta condição as queixas respiratórias costumam ser mínimas (tosse e dispneia somente em 1/3 dos casos), e a doença tende a cursar com sinais e sintomas multiorgânicos: febre, linfadenopatia periférica, hepatoesplenomegalia, pancitopenia e lesões mucocutâneas. PNEUMONITE INTERSTICIAL. Esta condição se manifesta no paciente HIV+ por meio de dois padrões principais: (1) Pneumonite Intersticial Linfocítica – PIL; (2) Pneumonite Intersticial Não Específica – PINE. A PIL é típica das crianças (< 1% dos adultos HIV+ desenvolve PIL), sendo caracterizada por uma infiltração linfocítica difusa de todo o parênquima pulmonar, geralmente oligo/assintomática. Acredita-se que a PIL decorra do processo de ativação imunoinflamatória exagerada induzido pelo HIV. MANIFESTAÇÕES CLINICAS CARDIOVASCULARES: Doença coronariana obstrutiva e IAM: hiperlipidemia (principalmente aumento de triglicerídeos e diminuição do HDL) e tabagismo. A replicação viral, aumenta o risco cardiovascular pela síntese de fatores pró-trombóticos e disfunção endotelial. Cardiomiopatia induzida pelo HIV: possivelmente uma miocardite direta pelo próprio vírus. A clínica é de uma síndrome de insuficiência cardíaca congestiva (anasarca, dispneia aos esforços, ortopneia, DPN). MANIFESTAÇÕES CLINICAS DIGESTÓRIAS: Lesões do esôfago: Devem ser suspeitadas em todo paciente com dor retroesternal e odinofagia (piora da dor à deglutição), sendo mandatório realizar uma EDA para esclarecer o diagnóstico. As principais etiologias são: (1) Candida; (2) CMV; e (3) Herpes-simplex. Lesões do estômago: De um modo geral são infrequentes na infecção pelo HIV, ainda que a acloridria seja um achado comum. Lesões dos intestinos por: Bactérias:Salmonella, Shigella e Campylobacter são mais comuns em homossexuais masculinos, causando doença mais grave na vigência de Aids (maior risco de bacteremia). Protozoários: que mais provocam diarreia (geralmente crônica) no paciente HIV+ são: (1) Cryptosporidia; (2) Microsporidia; e (3) Isospora. Vírus: colite por Citomegalovírus (CMV) acomete 5-10% dos portadores de Aids na ausência de TARV. Fungos: histoplasmose, coccidioidomicose e penicilinose também podem cursar com diarréia, dor abdominal e febre, geralmente num contexto de doença disseminada. LESÕES HEPATOBILIARES: Atualmente, cerca de 15% das mortes em portadores de HIV/Aids se relaciona de alguma forma à existência de problemas hepáticos. As principais condições envolvidas são: (1) hepatites virais crônicas; (2) esteatose hepática; (3) toxicidade/ hipersensibilidade medicamentosa; (4) síndrome da reconstituição imune (geralmente na forma de uma “hepatite granulomatosa”). LESÕES PANCREÁTICAS: Em geral são causadas por toxicidade medicamentosa. As drogas mais comumente envolvidas são o ddI e a pentamidina. O CMV é uma causa importante de pancreatite aguda infecciosa. Infecções fúngicas disseminadas (ex.: histoplasmose) também podem cursar com pancreatopatia RENAIS: Nefropatias GENITAIS: Candidíase e Sífilis ENDOCRINAS: Lipodistrofia. Esta síndrome é caracterizada pela combinação de hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, aumento de apolipoproteína B e resistência à insulina (, acompanhada por mudanças estereotipadas na distribuição do tecido adiposo corporal: afinamento do panículo adiposo nas extremidades, nádegas e rosto; e lipo-hipertrofia central – acúmulo de gordura no abdome, tronco, mamas e dorso (ex.: corcova de búfulo). Síndrome da antidiurese inapropriada: Hiponatremia por Secreção Inapropriada de ADH (SIADH) costuma aparecer no paciente HIV+ no contexto de doenças oportunistas do pulmão (ex.: PCP) ou do SNC (ex.: TB, linfoma). Tireoidopatia: A forma mais comum de tireoidopatia na Aids é o hipotireoidismo subclínico, presente em até 10% dos usuários de TARV. Hipogonadismo: A disfunção gonadal é um problema típico dos homens HIV+. Cerca de 20-50% dos homens HIV+ desenvolvem sinais e sintomas compatíveis com hipoandrogenismo (ex.: perda da libido, disfunção erétil, hipotrofia muscular). REUMATOLÓGICAS E OSTEOARTICULARES: Artralgia é um sintoma referido por cerca de 1/3 dos portadores do HIV. Em 5-10% dos casos, um quadro de franca artrite (aumento de volume articular) pode ser encontrado! Osteopenia e a osteoporose, que aumentam o risco de “fraturas de fragilidade. HEMATOPOIÉTICAS: Anemia é a alteração hematológica mais comum na Aids. Leucopenia, pode-se dizer que a linfopenia é um evento esperado no decorrer da infecção pelo HIV, devido à queda na contagem de linfócitos T CD4+. A neutropenia também pode ser encontrada, mas raramente é grave o bastante para justificar infecções bacterianas. Trombocitopenia é um achado bastante comum no paciente HIV+, sendo habitualmente assintomática. DERMATOLÓGICAS: Herpes-zoster, psoríase, hanseníase, Molusco contagioso e condiloma acuminado , farmacodermias. NEUROLÓGICA: AVC, neuropatia dolorosa, meningite por criptococose, neurotoxoplasmose, reativação da doença de chagas. MANIFESTAÇÕES NEOPLÁSICAS SARCOMA DE KAPOSI: Apesar de genericamente classificado como câncer, o Kaposi é uma doença essencialmente angioproliferativa que, pelo menos em suas fases iniciais, não apresenta transformação sarcomatosa verdadeira. Altos títulos de citocinas pró-inflamatórias estimulam a proliferação de células vasculares imaturas previamente “transformadas” pelo HHV-8 (Herpes 8). As lesões tendem a surgir primeiro em regiões expostas ao sol (ex.: ponta do nariz) ou após traumas locais (o clássico fenômeno de Koebner). Os sítios mais acometidos são: pele, linfonodos, trato gastrointestinal(sangramento, obstrução intestinal e colangite) e pulmões (dispnéia e derrame plural) . Tratado com radioterapia se local e se sistêmico com INF-alfa. LINFOMA NÃO HODGKIN (LNH). Na ausência de TARV, cerca de 5% dos pacientes HIV+ acaba desenvolvendo um LNH. Os três subtipos de LNH mais frequentes nesse contexto são: (1) linfoma imunoblástico – 60%; (2) linfoma de Burkitt – 20%; (3) linfoma primário do SNC – cerca de 20%. DIAGNÓSTICO Gerações de imunoensaios Primeira geração: tem o formato indireto , ou seja, a presença de anticorpos específicos é detectada por um conjugado constituído por um anticorpo anti-IgG humana. São pouco específicos e, pelo fato de detectarem apenas IgG, também são menos sensíveis do que os ensaios de gerações posteriores. Segunda geração: tem formato indireto; porém, utiliza antígenos recombinantes ou peptídeos sintéticos derivados de proteínas do HIV. Em comparação com os ensaios de primeira geração, os de segunda geração são mais sensíveis e específicos, por conterem uma maior concentração de epítopos imunodominantes relevantes. Terceira geração : tem o formato “sanduíche” (ou imunométrico). A característica desse ensaio é utilizar antígenos recombinantes ou peptídeos sintéticos tanto na fase sólida quanto sob a forma de conjugado. Esse formato permite a detecção simultânea de anticorpos anti-HIV IgM e IgG . Quarta geração: O ensaio de quarta geração detecta simultaneamente o antígeno p24 e anticorpos específicos anti-HIV. O componente de detecção de anticorpo tem o formato de “sanduíche”; portanto, detecta todas as classes de imunoglobulinas contra proteínas recombinantes ou peptídeos sintéticos derivados das glicoproteínas gp41 e gp120/160. Testes rápidos (TR) São imunoensaios (IE) simples, com resultados em até 30 minutos, realizados preferencialmente de forma presencial (teste realizado na presença do indivíduo ou presencial em ambiente não laboratorial com amostra de sangue total obtida por punção digital ou amostra de fluido oral. Existem vários formatos de TR, e os mais frequentemente utilizados são: dispositivos (ou tiras) de imunocromatografia de fluxo lateral, imunocromatografia de duplo percurso (DPP) e imunoconcentração. Testes complementares Estão incluídos nessa categoria: western blot (WB), imunoblot (IB) ou imunoensaios em linha (LIA, do inglês line immunoassay), incluindo o imunoblot rápido (IBR)e imunofluorescência indireta (IFI). Mais recentemente, os testes moleculares (TM) também foram incluídos como testes complementares, uma vez que auxiliam no esclarecimento dos resultados da infeção aguda pelo HIV, como nos casos de reatividade no teste de 4ª geração por detecção do antígeno (p24) e ausência de anticorpos circulantes (CDC, 2014). O WB e o IB empregam proteínas nativas do HIV separadas por eletroforese e transferidas para uma membrana (WB), ou proteínas recombinantes ou peptídeos sintéticos impregnados diretamente em membranas (IB). Os anticorpos presentes na amostra se ligam especificamente às proteínas imobilizadas nas membranas do WB ou IB e esses anticorpos anti-HIV específicos ligados às proteínas são detectados por anticorpos secundários. A maioria desses ensaios detectam apenas IgG e por isso não são recomendados para confirmar a presença de anticorpos IgM HIV específicos (ensaios de terceira ou quarta geração) ou a presença do antígeno p24 (ensaios de quarta geração). Diagnóstico por detecção direta do HIV A infecção pelo HIV pode ser diagnosticada por meio da detecção direta de componentes do vírus, como o antígeno p24, ou com testes moleculares (TM) que detectam RNA ou DNA pró-viral. A detecção do antígeno p24 do HIV-1, de RNA ou DNA, desempenha um papel importante quando a detecção de anticorpos não é possível. Esses testes são especialmente úteis para o diagnóstico em crianças com idade inferior a 18 meses e na infecção aguda em adultos. Outra aplicação importante para os TM é o diagnóstico precoce da infecção pelo HIV em crianças com exposição perinatal. Crianças nascidas de mães soropositivas adquirem anticorpos anti-HIV passivamente e, dessa forma, ensaios baseados em anticorpos não podem ser utilizados para confirmar ou descartar a infecção pelo HIV em crianças com idade inferior a 18 meses. A contagem de CD4 é o principal preditor do risco de progressão para Aids e óbito no paciente HIV+... CD4 e carga viral TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAIS A droga viral ideal seria aquela que interferisse na replicação viral sem afetar os processos metabólicos celulares normais. De acordo com Sethi, as drogas antivirais agem em vários estágios da replicação viral, como indicado a seguir: 1. Inibição ou interferência na ligação viral ao receptor da célula hospedeira, na penetração do vírus e no desnudamento viral. 2. Inibição de enzimas associadas aos vírus, tais como DNA polimerase e outras. 3.Inibição dos processos de transcrição. 4.Inibição dos processos de tradução. 5.Interferência com proteínas virais reguladoras. 6.Interferência com glicolisação, fosforilação, sulfatação etc. 7. Interferência com a compactação das proteínas virais. 8. Interferência com a liberação de vírus da membrana celular superficia ANTIRRETROVIRAIS Decorrente da mutabilidade do HIV, aliado a falta de adesão ao tratamento por parte de inúmeros pacientes, existia uma maior dificuldade das medicações antirretrovirais cumprir seu papel adequadamente. Os indivíduos HIV, porém assintomáticos, são submetidos à terapia antiviral de agente tríplice, chamada terapia antirretroviral altamente ativa (HAART). As drogas principais utilizadas na terapêutica combinada são: Inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa: (zidovudina, abacavir, didanosina, lamivudina, estavudina e zalcitabina). Inibidores da protease do HIV: (amprenavir, atazanavir, nelfinavir). Inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa: (delavirdina, efavirenz e nevirapina) Inibidores de entrada Enfuvirtida | Inibidor de fusão: O medicamento capaz de interferir na fusão do vírus à célula hospedeira é a enfuvirtida. São moléculas complexas e de difícil produção em larga escala. Maraviroque (MVC): é um inibidor do correceptor celular CCR5. Para que seu uso seja efetivo é necessária a prévia realização de teste de tropismo para a caracterização do HIV como cepa com tropismo para receptor CCR5 (cepa R5) ou receptor CXCR4 (cepa X4). Inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa do HIV Após captação pelas células do hospedeiro, os análogos nucleosídicos são transformados em suas formas de trifosfato pelas cinases celulares. As formas de trifosfato dos fármacos possuem elevada afinidade pela transcriptase reversa do HIV-1 e competem com os substratos naturais da enzima pela ligação à transcriptase reversa (RT). Os trifosfatos dos fármacos são incorporados à cadeia de DNA em crescimento, provocando o término prematuro da cadeia. Reações adversas : Podem ocorrer reações hematológicas tais como neutropenia, leucopenia e anemia macrocítica. A supressão da medula óssea depende da dose e da reserva medular do paciente. A mielossupressão é rara (4%) em pacientes que recebem 500-600 mg/m2/dia de zidovudina se a infecção pelo HIV ainda não lesou a medula óssea. Ainda podem ser observadas cefaleia, insônia e mialgia. O metabólito 3␣-amino-3␣-desoxitimidina pode ser responsável por algumas reações adversas do AZT. Inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa Os inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa incluem compostos de diferentes composições químicas. Esses inibidores de RT não necessitam de fosforilação ou de processamento intracelular para se tornarem ativos. São inibidores de RT não competitivos e provocam inibição alostérica da função enzimática, através da ligação em locais distintos dos locais de ligação dos nucleosídios. Outros efeitos adversos comuns são representados por náusea, diarreia, fraqueza e elevação das enzimas hepáticas. Inibidores de protease A protease ou proteinase do HIV é uma enzima aspartílica que é essencial para a clivagem pós-tradução da poliproteína gag e gag-pol. Diversas proteínas virais, inclusive as que formam os componentes proteicos do cerne viral, a própria protease, a RT e a integrase são sintetizadas como poliproteínas que exigem clivagem pela protease viral a fim de produzir as proteínas maduras. Os inibidores da protease bloqueiam a clivagem necessária dessas poliproteínas nos últimos passos do ciclo de replicação viral, causando a produção de partículas virais defeituosas e imaturas. os inibidores de protease não precisam de processamento intracelular para serem ativados. Os efeitos adversos do saquinavir são representados por diarreia, náusea, desconforto abdominal e dispepsia. Em 2017, o Ministério da Saúde mudou mais uma vez suas recomendações para tratamento do HIV no Brasil. Agora, para pacientes adultos virgens de TARV, o esquema inicial de escolha consiste na associação 2 ITRN/ITRNt + inibidor de integrase (ITRN = Inibidor de Transcriptase Reversa Análogo de Nucleosídeo; ITRNt = Inibidor de Transcriptase Reversa Análogo de Nucleotídeo). A dupla de escolha é a associação de tenofovir com lamivudina (TDF/3TC). O tenofovir é o único ITRNt em uso clínico. Ele possui meia-vida longa, o que permite administração em dose única diária. Sua principal desvantagem é a nefrotoxicidade, sendo contraindicado em pacientes nefropatas ou com risco aumentado de nefropatia. A lamivudina raramente causa efeitos colaterais importantes, e também pode ser ministrada uma vez ao dia. A combinação TDF/3TC é ativa contra o vírus da hepatite B, sendo também a dupla de escolha se houver coinfecção HIV/HBV. O inibidor de integrase de escolha para o tratamento inicial é o Dolutegravir (DTG). Suas principais vantagens são: (1) elevada potência; (2) segurança (pouco efeitos colaterais); (3) alta barreira genética; e (4) posologia ideal (dose única diária) PROFILAXIA CONTRA O HIV PROFILAXIA ANTIRRETROVIRAL PÓS-EXPOSIÇÃO AO HIV (PEP) E PRÉ-EXPOSIÇÃO AO HIV (PrEP) 1- Avaliação do risco: O PEP deve ser iniciado em até 2 horas após o evento. O período máximo para se iniciar a PEP é de 72 horas após a exposição. Acima de 72h a PEP passa a ser contraindicada, pois não existe benefíciodocumentado. A PEP só poderá ser indicada nas exposições que efetivamente acarretarem risco de transmissão. 2- Avaliação do status: Status Sorológico do Indivíduo Exposto: A sorologia anti-HIV do paciente exposto SEMPRE deve ser determinada. Isso porque se o resultado for positivo (isto é, paciente previamente infectado pelo HIV) não fará sentido instituir a PEP (neste caso, o paciente precisa ser encaminhado para dar início ao tratamento de longo prazo)! O método de escolha é o teste rápido, cujo resultado fica pronto em 30min. Status Sorológico da Fonte: Sempre que possível o status sorológico da fonte também deve ser avaliado, e o método de escolha é igualmente o teste rápido. Um resultado negativo contraindica a realização de PEP, a não ser que a fonte possua história de possível exposição ao HIV nos últimos 30 dias (neste caso, a PEP passa a ser indicada, devendo-se reavaliar a sorologia da fonte após esse período). Quando o status sorológico da fonte for desconhecido, indica-se a realização de PEP no paciente com exposição de risco. 3- PRESCRIÇÃO DO ESQUEMA ARV: Foi definido um único esquema ARV preferencial para todas as situações onde a PEP está indicada, independentemente do material biológico e do tipo de exposição. Esse esquema consiste de: Profilaxia pré-exposição (PrEP) A se refere à estratégia (cuja segurança e eficácia já foram cientificamente comprovadas) de uso diário de drogas ARV, com o intuito de prevenir a infecção pelo HIV, por pessoas com risco elevado de adquirir o vírus. O uso diário e regular da PrEP maximiza sua eficácia. Outro ponto que precisa ser lembrado: a PrEP não previne outras DST nem as hepatites virais. São necessários 7 dias de uso de PrEP para que o indivíduo possa ser considerado protegido contra a transmissão do HIV por relações anais, e 20 dias para que se alcance a proteção contra a transmissão por relações vaginais. O seguimento clinicolaboratorial dos usuários de PrEP deve ser feito a cada três meses.