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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever o papel da história da matemática como metodologia de ensino da disciplina. > Relacionar a história da matemática com a metodologia de projetos na sala de aula na educação básica. > Reconhecer a história da matemática como área de conhecimento e investigação científica no campo de pesquisa da educação matemática. Introdução A história da matemática destaca-se enquanto metodologia de ensino pelo seu caráter de ordem prática, revelando quais problemas foram originários de determinados conteúdos matemáticos. Ao estudar a história da matemática, constatamos que ela não está pronta e acabada, mas em constante processo de construção. Como metodologia de ensino, a história da matemática auxilia em muitas necessidades educacionais, dando ênfase ao valor da matemática em sala de aula, contribuindo para que os estudantes percebam o que perpassa os cálculos (ALVES, 2016). Neste capítulo, você verá a história da matemática como uma importante ferramenta metodológica para o ensino da matemática em sala de aula. Conhecerá diferentes métodos, como o da falsa posição, o teorema de Thales, as proporções de Eudoxo e o teorema de Pitágoras, bem como os problemas associados a eles. Você verá que a metodologia de projetos na sala de aula da educação básica, mesmo quando dentro de um projeto maior, multidisciplinar, História da matemática Cristiane da Silva pode ser excelente para a inserção da história da matemática como elemento fundamental nos problemas culturais de cada época. Além disso, estudará a história da matemática como área de conhecimento e investigação científica no campo de pesquisa da educação. A história da matemática como metodologia de ensino A discussão sobre o ensino de matemática bastante presente especialmente no que se refere à abordagem didático-pedagógica dos conteúdos na educação básica. No entanto, é importante destacar que há um movimento histórico até chegar na forma como vemos e entendemos a matemática atualmente. Nesta seção, será descrito o papel da história da matemática como metodologia de ensino da disciplina. Os conteúdos matemáticos dos problemas a serem solucionados têm origem histórica e dispõem de métodos históricos para sua resolução. Um mesmo tipo de problema pode ser resolvido por métodos diferentes. Isso ocorre devido ao desenvolvimento do conhecimento matemático, à medida que métodos foram aprimorados e novos foram surgindo com o avanço dos trabalhos de estudiosos (BRANDEMBERG, 2019). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a área de matemática reforçam a importância do acesso ao conhecimento matemático que viabilize de fato a inserção dos alunos como cidadãos no mundo do trabalho, das relações sociais e da cultura. A matemática faz parte da vida das pessoas enquanto criação humana, por isso é importante mostrar que ela tem sido desenvolvida para dar respostas às necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos (BRASIL, 1998). Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) alerta para a necessidade de haver um contexto significativo para os alunos no ensino da matemática, não apenas considerando o cotidiano, mas também outras áreas do conhecimento e da própria história da matemática. É importante incluir a história da matemática como recurso para despertar interesse e representar um contexto significativo para aprender e ensinar matemática. Na fase final do ensino fundamental, é importante estimular os estudantes para a compreensão, análise e avaliação da argumentação matemática, isso envolve a leitura de textos matemáticos e o desenvolvimento do senso crítico em relação à argumentação neles utilizada (BRASIL, 2018). História da matemática2 Na Antiguidade, a matemática era dividida em dois ramos: um que en- volvia a resolução de problemas práticos relacionados às necessidades da época, que desencadeou o que chamamos de aritmética; e outro mais ligado a problemas envolvendo observação e explicação de fenômenos naturais, que se consolidou como geometria. Uma maior interação entre essas duas vertentes se deu em meados do século XIX, quando a álgebra assumiu o papel de ligação entre os aspectos aritméticos e geométricos, garantindo maiores avanços para a matemática, tanto na academia quanto no contexto escolar (BRANDEMBERG, 2019). No final do século XX as escolas brasileiras passaram a supervalorizar o ensino de álgebra. Essa forte influência na educação básica permitiu que muitos métodos de resolução de problemas aritméticos ou geométricos, interessantes e profícuos, de simples aprendizagem e vasta aplicabilidade, fossem retirados do espaço da sala de aula. Um dos métodos de grande relevância é o método (ou regra) da falsa posição, originário do Antigo Egito (BRANDEMBERG, 2019). Esse método é historicamente considerado um procedimento aritmético. Ele consiste em uma técnica ou procedimento aritmético que parte de um número “escolhido”, denominado valor inicial falso, e a partir do qual se busca o valor que será a verdadeira solução do problema. Para ficar mais claro, podemos recorrer aos problemas 24 e 26 do papiro de Rhind: “Uma quantidade adicionada de sua sétima parte resulta 19” e “Uma quantidade e sua quarta parte perfazem 15” (BRANDEMBERG, 2019, p. 18). De acordo com Brandemberg (2019), este tipo de problema do primeiro grau, que envolve apenas operações de adição, subtração, multiplicação e divisão é bastante antiga. Um dos documentos mais antigos que faz referência ao método é o papiro de Rhind, por volta de 1650 a.C. (Figura 1). Cabe destacar que sempre houve relutância em tomar o método da falsa posição como um procedimento algébrico. No problema 26, utilizando o método da falsa posição, somos levados a escolher o quatro como solução inicial, assim, temos 4 + 1 = 5, e para obtermos 15, basta multiplicarmos 5 por 3. De onde, é possível inferir que, multiplicando o valor inicial 4 por 3 se obtém 12, que é a solução desejada (BRANDEMBERG, 2019). História da matemática 3 Figura 1. Papiro de Rhind. Fonte: Kniss (2015, p. 21). Na resolução do problema 24, o raciocínio é análogo: 19 = 8( )2 + 14 + 1 8 Logo, para obter a solução desejada, faz-se: 7( )2 + 14 + 1 8 Aqui, utilizamos a notação das frações unitárias que são típicas do Antigo Egito (BRANDEMBERG, 2019). Vejamos um exemplo utilizando o método da Falsa Posição. Aqui jaz Diofanto, que viveu bastante (x). Cuja infância ocupou a sexta parte de sua existência ( )6 . Sua juventude durou cerca de um duodécimo de sua vida ( )12 . Durante um sétimo de sua vida foi casado ( )7 . Após 5 anos, nasceu seu filho; o qual viveu a metade da vida de seu pai ( )2 . Triste, Diofanto morreu 4 anos depois de enterrar seu filho. Qual a idade de Diofanto? História da matemática4 Solução: O número a ser escolhido para evitar o cálculo com frações, “temido” pelos egípcios, deve ter como divisores 6, 12, 7 e 2. Nossa escolha recai em 84. Que, coincidentemente, é a solução desejada. Em linguagem algébrica temos a equação: = 6 + 12 + 7 + 5 + 2 + 4 Resolvendo a equação, obtemos que Diofanto viveu 84 anos. Além disso, podemos afirmar que ele se casou aos 21, foi pai aos 38, e perdeu seu filho aos 80 anos. (BRANDEMBERG, 2019). Brandemberg (2019) explica que podemos tomar o método válido para problemas que envolvam equações lineares do tipo ax = b. Caso tenhamos problemas que recaiam em uma equação do tipo ax + d = c, é possível rees- crever como ax = b, em que b = c – d. Podemos afirmar que o método da falsa posição, em sua origem, consiste em tentar resolver problemas partindo de uma solução provisória e conveniente para depois modificá-la por meio de um raciocínio que envolve proporções, em uma similaridade a problemas geométricos que envolvem relações de semelhança. Os gregos herdaram o conhecimento da matemática em grande parte do Egito e da Mesopotâmia. A matemática grega eraprioritariamente geométrica, sem muito interesse em questões práticas e aritméticas de contagem e medida. Conforme afirmam historiadores, os primeiros matemáticos gregos foram Thales de Mileto e Pitágoras de Samos, e eles teriam aprendido matemática com os egípcios e babilônicos (BRANDEMBERG, 2019). Thales de Mileto, nascido no início do século VI a.C., foi considerado o primeiro dos filósofos naturais, e possuía grande habilidade tanto na política quanto na produção de fazeres práticos. Também foi o primeiro matemático grego a tentar uma demonstração geométrica, usando o caso de congruência de triângulos (ALA) para medir a distância até pontos inacessíveis (alturas de pirâmides, largura de rios). Ele buscou justificativa para os resultados obtidos, não por demonstrações formais, mas por meio de uma argumentação do processo de descoberta associando intuição e dedução (BRANDEMBERG, 2019). História da matemática 5 Brandemberg (2019) afirma que a maneira como Thales calculou a distância de um navio até a costa (Figura 2) pode não ter sido inovadora, mas Thales apresentou uma justificativa do tipo generalização de casos particulares observados empiricamente, como a observação de que os objetos projetam sombras que em algum momento são iguais às suas alturas. Figura 2. Medição da distância de um navio até a costa. Fonte: Brandemberg (2019, p. 28). A justificativa usava a congruência de triângulos, baseando-se no processo de deslocamento de triângulos de tal forma a obter uma sobreposição. É im- portante observar que a verificação de Thales resolve problemas envolvendo elementos (segmentos, grandezas) comensuráveis. Para maior generalização, é necessário conhecer as proporções de Eudoxo (BRANDEMBERG, 2019). Os matemáticos gregos tinham conceitos aritméticos limitados que não possibilitava associar as figuras geométricas, números para medir suas áreas e volumes. Para determinar quadraturas (áreas) ou cubaturas (volumes) de figuras geométricas, os matemáticos gregos, especialmente Eudoxo, Euclides e Arquimedes, produziam uma razão com outra figura conhecida (quadrados e cubos). Para isso, os gregos desenvolveram uma sofisticada teoria de gran- dezas (magnitudes) e proporções (BRANDEMBERG, 2019). Brandemberg (2019) explica que o matemático e filósofo Eudoxo foi aluno de Platão e trabalhou nas cortes do Egito. Sua teoria das proporções foi descrita no livro V dos Elementos de Euclides de Alexandria (300 a.C.). A teo- ria das proporções de Eudoxo baseia-se nas noções de parte e múltiplo e da definição de razão. Trata-se de uma teoria considerada inovadora, pois se aplica a grandezas comensuráveis e incomensuráveis. Eudoxo de Cnido idealizou um método para relacionar magnitude de uma área (ou volume) de uma figura curvilínea com o “limite” das áreas progressivas de polígonos. Ele História da matemática6 demonstrava que é possível encontrar um polígono na sucessão cuja área difere da requerida grandeza por uma diferença tão pequena quanto se queira. O método de exaustão de Eudoxo, atualmente denominado axioma de Eudoxo-Arquimedes, se torna a principal ferramenta na resolução de pro- blemas de quadraturas e cubaturas que envolvem questões infinitesimais, empregando uma forma de demonstração indireta e evitando a necessidade de continuar indefinidamente as comparações das magnitudes envolvidas. Eudoxo também é citado na astronomia, em função de suas explicações do movimento das estrelas e dos planetas em esferas concêntricas, tendo a Terra como centro, e, pelo cálculo, a circunferência terrestre (BRANDEMBERG, 2019). Um método anterior ao de Eudoxo, de grande aplicação e relevância histórico-cultural para o desenvolvimento da matemática, é o teorema de Pitágoras. Pitágoras foi um filósofo grego do século VI a.C. Evidências históri- cas sugerem que o teorema que leva seu nome já era conhecido por diversas culturas da antiguidade, pois foi encontrado em diferentes documentos egípcios, babilônicos, árabes, chineses e gregos. Acredita-se que o teorema tenha sido introduzido na Grécia por Pitágoras, mas que provavelmente ele não o tenha descoberto (BRANDEMBERG, 2019). Quando se estudam as culturas antigas é possível encontrar trios de nú- meros inteiros que funcionam como lados de um triângulo retângulo, o mais famoso deles é: 3, 4 e 5. Entretanto, esses trios não são fáceis de identificar, especialmente quando se trata de números maiores. Veja o exemplo a seguir, encontrado em um tablete de argila. Um lado de um triângulo retângulo mede 119m de comprimento, enquanto o lado maior mede 169m de comprimento. Qual é o com- primento do outro lado? Como 1692 – 1192 = 14.400 = 1202, obtemos o trio: 119, 120 e 169 (BRANDEMBERG, 2019). No livro dos elementos de Euclides, na proposição 47, há um enunciado do teorema de Pitágoras que diz o seguinte: “Nos triângulos retângulos, o quadrado sobre o lado que se estende sob o ângulo reto é igual aos qua- drados sobre os lados que contém o ângulo reto” (BRANDEMBERG, 2019, p. 39). Observe a Figura 3. História da matemática 7 Figura 3. Proposição 47 do livro dos elementos de Euclides. Fonte: Clavius (2012, documento on-line). Leia mais sobre os métodos históricos para resolução de problemas matemáticos na obra Métodos históricos: sua importância e aplicações ao ensino de matemática, de Brandemberg (2019). Nesta seção, constatamos a importância da história da matemática como metodologia de ensino da disciplina por meio do estudo de métodos surgidos na antiguidade, aperfeiçoados posteriormente e que contribuíram com avanços importantes para a história. Também conhecemos o método da falsa posição, o teorema de Thales, as proporções de Eudoxo e o teorema de Pitágoras. Na próxima seção, aprofundaremos o estudo da história da matemática com a metodologia de projetos. História da matemática8 Metodologia de projetos Estabelecendo continuidade do estudo da história da matemática, faremos aqui uma relação com a metodologia de projetos na sala de aula na educa- ção básica. O propósito é oferecer subsídios aos professores de modo que as aulas tenham mais proximidade com a vivência dos estudantes e façam sentido dentro de um contexto que vem desde a Antiguidade. Para tanto, será apresentado o exemplo a seguir, de Garnica e Souza (2011). Garnica e Souza (2011) relatam a experiência realizada por meio de um pro- jeto com alunos de uma turma de 3º, uma de 4º e uma de 5º ano da educação básica no grupo escolar Eliazar Braga, que funcionou de 1920 a 1975, onde hoje fica o prédio da atual Escola Municipal Eliazar Braga, no município de Pederneiras, em São Paulo. Os autores têm como metodologia norteadora a história oral, e buscam produzir uma gama diversificada de fontes e situações a partir das quais determinado objeto possa ser tematizado e investigado. Professores de matemática podem desenvolver projetos cujo tema não seja necessariamente um conteúdo matemático, como, por exemplo, projetos que proponham situações em que a historicidade possa ser problematizada, para que o aluno seja capaz de se perceber como ser histórico. Nesse contexto, Garnica e Souza (2011) desenvolveram um estudo em que a proposta foi integrar várias comunidades e, ao mesmo tempo, fazer funcionar vários projetos. Os resultados dos projetos seriam compartilhados não somente com os membros da comunidade acadêmica, mas também com o grupo de colaboradores da pesquisa. Nesse projeto, o município permitiu livre acesso ao acervo dos documentos do arquivo inativo do período de vigência do grupo escolar durante a pes- quisa. Uma importante parceria que permitiu aos pesquisadores selecionar informações que apoiariam entrevistas com antigos professores e diretores do grupo escolar. Além disso, os alunos que ocupavam as salas do antigo prédio puderam contribuir formulando questões que seriam integradas ao roteiro das entrevistas. Foram recuperadas e estudadas antigas fotografias e edições do jornal escolar, e fez-seuma campanha para resgatar materiais dispersos (GARNICA; SOUZA, 2011). História da matemática 9 Alguns projetos foram desenvolvidos com alunos do ensino fundamental. Um dos projetos tinha como objetivo aproximar os estudantes do conceito de historicidade, ou seja, que eles pudessem se perceber como seres históricos, situados em um espaço marcado pela historicidade, seja sua escola, família, cidade, comunidade, etc. O projeto tinha como propósito explorar a noção de história local tendo a oralidade como meio tanto para conhecer quanto para divulgar histórias. As fases previstas para o projeto eram (GARNICA; SOUZA, 2011): a) a exploração do prédio onde as crianças estudavam e a busca por alguns objetos ou espaços da época do grupo escolar; b) ouvir e contar histórias sobre objetos e curiosidades encontradas durante a busca; c) instigar as crianças a buscar histórias sobre a época de funcionamento do grupo escolar junto a seus pais, avós e vizinhos; d) motivá-las a procurar por fotos, livros ou cadernos da época; e) narrar as histórias ouvidas, os materiais coletados e os processos de busca; f) organizar um roteiro para entrevistar uma ex-aluna do grupo escolar; g) assistir ao vídeo resultante desta entrevista. Na primeira semana do projeto, organizou-se um bate-papo com as crianças proporcionando discussão e oferecendo possibilidade de criar, conhecer e narrar histórias. Foi solicitado às crianças que perguntassem aos pais, avós e vizinhos sobre o grupo escolar e, sendo possível, que trouxessem fotos, livros, ou outros registros daquela época. Na semana seguinte, os alunos reporta- ram seus sucessos ou fracassos na identificação dos locais fotografados e expostos a eles no encontro anterior. A cada projeção de fotos fazia-se um esclarecimento sobre sua localização no prédio e um histórico sobre o objeto e sua função hoje e à época em que ali funcionava o grupo escolar Eliazar Braga (GARNICA; SOUZA, 2011). Os próximos encontros oportunizaram espaço nas aulas dedicado aos contadores de história. As crianças descobriram, em conversas com pais e avós, histórias sobre o grupo escolar e se inscreviam para narrá-las. Surgia, então, um cenário de lendas urbanas, uniformes, merendas, divisão de salas por gênero, presença de pipoqueiros próximos ao portão de saída, o pomar, o comportamento dos alunos frente aos professores, memórias de toda uma comunidade (GARNICA; SOUZA, 2011). História da matemática10 Garnica e Souza (2011) relatam que de todo esse movimento desenca- deado pelo projeto e pelas descobertas das crianças surgiram dúvidas e curiosidades sobre como o espaço em que estudam foi vivenciado por seus pais e avós. As discussões que foram surgindo foram elencadas e elaborado um roteiro com temas que estavam mobilizando aquele momento a partir da seguinte questão: “Se pudessem conversar, neste momento, com alguém que estudou aqui na sua escola antes de 1975, o que perguntariam?”. A partir dessa pergunta, foram elencadas as seguintes questões: 1. Em que época estudou no grupo escolar Eliazar Braga? 2. Os alunos eram educados, comportavam-se em sala de aula? 3. O que acontecia com eles quando faziam artes, quando não faziam as tarefas? 4. Como eram as salas de aulas, as carteiras? 5. O que era o mata-borrão? Do que era feito? 6. Estudou no grupo na época em que tinha um pomar? 7. Os alunos tinham acesso a esse pomar? Podiam pegar as frutas? 8. E o uniforme, como era? 9. A escola fazia bastante festas, por exemplo, como agora, que é tempo de festa junina? 10. Tinha quadra de esportes? 11. Tinha educação física? 12. Dizem que a merenda era paga, você lembra mais ou menos o valor? 13. Matemática era difícil? 14. Os professores costumavam desenvolver projetos com as crianças? 15. O que tinha no porão? 16. Por que meninos estudavam em salas separadas das meninas? Esse foi o roteiro utilizado para entrevistar a ex-aluna do grupo escolar Eliazar Braga, a ex-diretora da Escola Municipal Eliazar Braga e, naquele momento, a secretária de Educação e Cultura do município de Pederneiras. A entrevista gerou um vídeo que seria apresentado às crianças (GARNICA; SOUZA, 2011). Garnica e Souza (2011) destacam que, embora o projeto aqui relatado tenha se centrado mais especificamente na historicidade do ambiente escolar, ele pode ser ampliado para incluir outros enfoques, como a vizinhança da escola, a rua, o bairro, a cidade, a região, etc. A proposta evidencia possibilidades nas práticas cotidianas dos professores das séries iniciais que podem envolver toda a comunidade escolar. História da matemática 11 Em propostas como a de Garnica e Souza (2011), professores de mate- mática podem desenvolver pequenos projetos em que o tema central não é a matemática em si, ainda que alguns projetos possam tê-la como tema de fundo, mas propor situações em que a historicidade possa ser problematizada, proporcionando um ambiente em que o aluno possa conceber-se como ser histórico, reconhecer o seu presente, seja em sua singularidade ou em sua coletividade, revisitando o passado e criando perspectiva de futuro (GARNICA; SOUZA, 2011). Projetos na sala de aula na educação básica podem ser desenvolvidos por uma equipe de professores de disciplinas distintas, e podem ser coordenados por professores de matemática sem qualquer problema. As propostas podem ser interdisciplinares, pois, ao mesmo tempo, mobilizam conceitos e permitem problematizar objetos, situações e posturas que se situam na interseção de vários campos do saber (GARNICA; SOUZA, 2011). Conforme Garnica e Souza (2011), estudar a história local contribui para que o aluno se sinta inserido em sua comunidade, contribui para a percepção de sua historicidade e criação da sua identidade. Além disso, possibilita, a partir do cotidiano, ações investigativas, facilita a participação em atividades sob várias perspectivas: econômica, política, social e cultural. Também contribui para a percepção de mudanças e permanências na história. Nesse tipo de projeto é importante que toda a escola participe, sugere-se uma programação de atividades que possa incluir, a cada ano, uma ou duas séries diferentes, para que todos participem e contribuam com as atividades do projeto. Quanto às entrevistas que fazem parte do projeto, é interessante dividir a sala em grupos de 4 a 6 pessoas, dessa forma, um aluno fica como observador e relata posteriormente o que julgou significativo. Ainda, é fun- damental que o professor organize as atividades propostas conforme a série dos estudantes, de modo que as tarefas do projeto estejam de acordo com cada faixa etária, dada a complexidade que algumas oferecem (GARNICA; SOUZA, 2011). No caso do professor de matemática, ele pode envolver-se nas atividades de caráter mais geral e pensar em complementar a proposta tematizando, por exemplo, programas, métodos e legislações específicas para a aula de matemática. Também refletir sobre os recursos didáticos e as diferentes exigências que cada época impõe às crianças (GARNICA; SOUZA, 2011). História da matemática12 Você pode saber mais sobre propostas de projetos na educação básica consultando a obra Historicidade e escola: propostas de projetos com crianças e adolescentes, de Garnica e Souza (2011). Com base na proposta apresentada, podemos pensar em diversas alter- nativas que permitem relacionar a história da matemática com a metodologia de projetos na sala de aula na educação básica. Com as crianças pequenas, pode-se refletir sobre os brinquedos que eram comuns à época, quais suas formas, cores, tamanhos, qual era a proposta de cada brinquedo. Com crianças maiores, podemos planejar medições, como, por exemplo: as salas de aula eram do mesmo tamanho? O espaço externo estava dividido de que forma? Como o tempo era organizado no espaço escolar (havia intervalo)? Usava-se calculadoras? Como eles calculavam? Isso se seguirmos pensando na proposta do ambiente escolar, entretanto, é possível, ainda, ampliar paraoutros enfoques, como: compreender como as famílias organizavam seu orçamento (quem trabalhava? homens ou mulheres?); descobrir se a maioria dos matemáticos eram homens ou mulheres; fazer um levantamento de dados, buscar informações por meio de entrevistas, usar recursos tecnológicos, sites governamentais com séries históricas. Como você viu, são muitas as possibilidades de projetos envolvendo a história na matemática e a história da matemática, respeitando o conheci- mento dos alunos, instigando-os para que fiquem cada vez mais curiosos por avançar no projeto proposto. Conforme aponta Skovsmose (2015), o trabalho com projetos pode ser um veículo para que os aspectos políticos da educação matemática possam emer- gir. O autor defende um ensino da matemática em que a principal atividade do estudante não é frequentar aulas, mas, sim, gerar e desenvolver projetos com base em interações com professores e com delimitações preestabelecidas. Ele argumenta que é essencial que a educação matemática busque caminhos que a desviem da educação tradicional dos estudantes, tornando-os mais críticos. Nesta seção, conhecemos a metodologia de projetos que pode ser empre- gada na sala de aula na educação básica. Partimos da discussão da relevância da história oral e vimos que a historicidade pode ser problematizada de modo que o estudante seja capaz de se perceber como ser histórico. Neste contexto, podemos perceber que o professor de matemática, assim como de outras História da matemática 13 áreas do conhecimento, tem fundamental importância no desenvolvimento da metodologia de projetos. Conhecimento científico Nesta seção, veremos a história da matemática como área de investigação científica no campo de pesquisa da educação matemática. Um dos principais meios de divulgação de pesquisas na área, é a Sociedade Brasileira de His- tória da Matemática (SBHMat). Ela foi fundada em 1999, e tem como objetivo promover levantamentos, pesquisas e estudos para divulgar dados, reflexões e informações no que diz respeito à história da matemática. A SBHMat pro- move seminários, eventos, edita e divulga publicações brasileiras no campo da história da matemática, da história da educação matemática e afins. Nas publicações da SBHMat, encontramos anais de seminários e encontros rea- lizados em diferentes cidades brasileiras, além de livros e periódicos como a revista brasileira de história da matemática (RBHM), a revista história da matemática para professores (RHMP) e a revista de história da educação matemática (HISTEMAT). Além disso, é possível conhecer vários grupos de pesquisa que atuam na área. Valente (2013) desenvolveu um estudo que trata de oito temas relativos à história da educação matemática. O autor mostra como o Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática (GHEMAT), que foi fundado em 2000, vem orientando suas investigações e produzindo conhecimento histórico sobre a educação matemática. Temas como o significado de produzir história da educação matemática, justificando a sua necessidade; o papel da história da educação matemática na formação de professores; história cultural da educação matemática; história oral; história comparativa; história do presente; e fontes de pesquisa para a história da educação matemática foram tratados de modo a levar em conta a educação matemática em perspectiva histórica. Como primeiro tema “o que é história da educação matemática”, o GHEMAT deixa claro que considera a história da educação matemática um tema dos estudos históricos, uma especificidade da história da educação — o que implica na necessidade de apropriar-se e fazer uso do ferramental teórico- -metodológico elaborado por historiadores para escrita da história. Isso significa considerar que o aparato conceitual utilizado pelas clássicas pes- quisas da história da matemática e os aportes levados em conta pela didática da matemática, dentro do estudo dos processos de ensino e aprendizagem da disciplina no tempo presente; e, a elaboração de cunho filosófico sobre História da matemática14 a produção histórica não dão conta de tratar adequadamente o estudo do passado da educação matemática, seja ele o mais longínquo ou próximo de nossos dias. A história não é uma cópia do que aconteceu no passado, e sim uma construção do historiador, a partir de vestígios que o passado deixou no presente, a história é uma produção. Sendo assim, a história da educação matemática é a produção de uma representação sobre o passado da educação matemática construída pelo historiador (VALENTE, 2013). O segundo tema, “para que serve a história da educação matemática”, poderia gerar uma afirmação de que a história da educação matemática é importante para entender os problemas do presente. No entanto, não há uma transmissão direta, linear, do passado para o presente. A história não é regida por leis de causa e consequência. O historiador da educação matemática constrói ultrapassagens de relações ingênuas, míticas, românticas sobre práticas do ensino de matemática e afirma que um professor que mantenha uma relação histórica com seus antepassados profissionais, apropriando-se da história, irá relacionar-se de modo menos fantasioso e mais científico com esse passado. Assim, é possível que altere suas práticas cotidianas de modo a fazê-las mais consistentemente (VALENTE, 2013). No terceiro tema, “história da educação matemática na formação do profes- sor de matemática”, o autor destaca a necessidade de aprofundar os estudos sobre questões epistemológicas relativas à matemática e à matemática escolar (VALENTE, 2013). Principalmente, buscar a compreensão das relações entre matemática científica e matemática escolar, ao longo do tempo, em termos da produção dos saberes elementares matemáticos. O GHEMAT adota uma postura teórico-metodológica, estuda a matemática escolar como elemento produzido historicamente no embate da cultura escolar com outras culturas, em especial com a cultura matemática, vista como a matemática acadêmica, uma cultura do ensino de matemática em nível superior. É fundamental que o professor em formação tenha ciência de como a matemática que ele irá ensinar em sua prática docente organizou-se e reorganizou-se, levando em conta as suas alterações durante as diferentes épocas escolares (VALENTE, 2013). Como o quarto tema, “história cultural da educação matemática”, Valente (2013) destaca que os estudos históricos culturais da educação matemática deveriam se caracterizar pelas pesquisas que buscam entender como histo- ricamente foram construídas representações sobre os processos de ensino e aprendizagem da matemática e de que forma tais representações passaram a ter um significado nas práticas pedagógicas dos professores em seus mais diversos contextos e épocas. História da matemática 15 Quanto ao quinto tema, “história oral da educação matemática” destaca-se que a história oral é uma metodologia que pode existir em qualquer disciplina, ela não constitui um campo de saber. O GHMAT, converge com esta perspectiva e afirma que não existe uma história oral da educação matemática para além de uma história da educação matemática (VALENTE, 2013). No sexto tema, “[...] história local, história global, história comparativa da educação matemática”, (VALENTE, 2013, p. 41) ressalta que se os estudos locais de educação matemática forem realizados em articulação com formas mais amplas, haverá contribuição relevante à história da educação matemática. O sétimo tema, “fontes e acervos para a história da educação matemática”, trata dos vestígios para a produção histórica, da necessidade de reconhecer no presente, traços deixados pelo passado. No caso da história da educação matemática não é difícil enumerar tipos de documentos importantes para investigação, no entanto, nem sempre é fácil obtê-los para pesquisa. Isso ocorre por várias razões, dentre elas o fato de não haver uma tradição de guarda de documentação escolar (cadernos, materiais, livros,documentos de congressos, etc.). Apenas recentemente alguns países vêm constituindo seus museus escolares e elaborando bancos de dados sobre a documentação de ensino (VALENTE, 2013). No oitavo tema, “história do presente da educação matemática”, aborda-se a produção crescente de trabalhos, teses, dissertações, artigos, entre outros na área de história da educação matemática. Esse movimento aumenta a responsabilidade dos pesquisadores com a educação matemática. A prática da história da educação matemática do presente poderá levar a uma altera- ção paradigmática das perspectivas para o campo da educação matemática (VALENTE, 2013). Uma excelente fonte de pesquisa no que diz respeito à história da matemática é o Centro Brasileiro de Referência em Pesquisa sobre História da Matemática (CREPHIMat). Ao acessar o site da instituição, você encon- trará informações sobre as produções de pesquisas em história da matemática realizadas no Brasil, publicações e materiais didáticos relativos à temática de estudos científicos. História da matemática16 Nesta seção, reconhecemos a história da matemática como área de co- nhecimento e investigação científica no campo de pesquisa da educação matemática. Adicionalmente, abordamos a importância do conhecimento de métodos históricos para aprofundar os conceitos matemáticos que são estudados na educação básica e vimos a história da matemática como meto- dologia de ensino. Também destacamos como é possível incorporar a história da matemática em projetos. Referências ALVES, J. M. S. Dos mínimos quadrados à regressão linear: atividades históricas sobre função afim e estatística usando planilhas eletrônicas. 2016. 305 f. Dissertação (Mes- trado) — Centro de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/21304. Acesso em: 9 fev. 2021. BRANDEMBERG, J. C. Métodos históricos: sua importância e aplicações ao ensino de matemática. São Paulo: Livraria da Física, 2019. v. 6. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Dis- ponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 9 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Bra- sília: MEC, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao. pdf. Acesso em: 9 fev. 2021. CLAVIUS, C. Christopher Clavius's Edition of Euclid's Elements. In: MATHTREASURES. [S. l.: s. n.], 2012. Disponível em: https://mathtreasures.blogspot.com/2012/06/chris- topher-claviuss-edition-of-euclids.html. Acesso em: 9 fev. 2021. GARNICA, A. V. M.; SOUZA, L. A. Historicidade e escola: propostas de projetos com crianças e adolescentes. Natal: Sociedade Brasileira de História da Matemática, 2011. KNISS, P. O ensino da trigonometria e a história da matemática. 2015. 85 f. 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