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1 CARDIOLOGIA – TORTO taquiarritmias _____________________________________________________________________________ Definição e classificação Taquicardia são ritmos cardíacos com mais de 100 bpm, independente de ser sinusal ou não. As arritmias, quando há alteração desse ritmo, podem ser causadas por um distúrbio de formação do impulso elétrico, distúrbio na condução do impulso ou uma associação de ambos. Eles podem ser classificados conforme seu local de origem: ✓ QRS estreito → origem supraventricular; exceção são as taquicardias fasciculares (raras). ✓ QRS largo → origem ventricular; exceção são as TSV com bloqueio de ramo antigo (comuns). Fisiopatologia Eletrofisiologia normal O ritmo cardíaco normal é formado nas células autônomas do nó sinoatrial (NSA), localizado no átrio direito. A despolarização gerada percorre os feixes intermodais e desce para o nó atrioventricular (NAV). Aqui há um atraso fisiológico do pulso, a fim de manter a contratilidade rítmica. A despolarização ventricular é guiada pelo sistema His-Purkinje, que garante uma condução rápida e equânime por todo a parede ventricular. O automatismo das células formadoras de pulso são decorrentes de seu baixo limiar de despolarização e da existência de canais inespecíficos (If), que permitem rápido influxo de íons positivos para que ocorra a despolarização até atingir o limiar. A partir dai, são abertos canais lentos de Ca2+, os quais mantém a despolarização. A repolarização segue por meio da abertura de canais de K+, os quais efluem das células. Já as células contráteis do coração são dependentes do estímulo gerado pelas células autônomas. Na fase 0, há um influxo de Na+ pela abertura de canais voltagem dependentes, causando a despolarização; na fase 1, há uma queda rápida da despolarização, mas essa é rapidamente mantida na fase 2 pelo influxo de cálcio, formando o platô. A fase 3 e 4 compreende a repolarização, em que a celula entra em um 2 CARDIOLOGIA – TORTO estado de refratariedade. A refratariedade absoluta é quando aquela célula torna-se momentaneamente inexcitável; já a refratariedade relativa, é que um estado de hiperrepolarização, em que a celula pode ou não ser despolarizada quando houver um estímulo apropriado. Arritmogênese Os principais mecanismos responsáveis pelas arritmias cardíacas são: ✓ Anormalidades na geração de impulso: alterações do automatismo normal; automatismo anormal; atividade deflagrada (pós- potenciais precoces e pós- potenciais tardios). ✓ Anormalidades na condução do impulso: lentificação da condução e bloqueios; reentradas (reentrada ordenada ou ocasional, adição e inibição); bloqueio de condução, eletrotônico e reflexão. ✓ Anormalidades mistas: condução na fase 4 da despolarização; parassístoles. Fibrilação atrial (FA) Definição e classificação É causada por uma desorganização elétrica nos átrios, com despolarizações atriais desordenadas. Isso gera contrações inefetivas dos átrios. Toda FA com duração menor do que 48h é considerada aguda; aquelas com um período maior que esse, são crônicas. Quanto a sua classificação, a FA pode ser: ✓ Isolada (primeiro episódio): geralmente agudas e paroxísticas, em pacientes < 60 anos e sem substrato clínico ou ecocardiográfico de cardiopatia. ✓ Paroxística: toda FA revertida espontaneamente em até 7 dias. ✓ Persistente: toda FA que exigiu cardioversão, seja ela química ou elétrica. ✓ Permanente: toda FA não revertida a RS, apesar da utilização de medidas químicas ou elétricas OU toda FA sem indicação de reversão. No ecg Para se definir uma FA no ECG são necessários os seguintes achados: ✓ RR irregular (essencial); ✓ Ausência de ondas P (essencial); ✓ Presença de ondas f com frequência entre 300 a 600 bpm. 3 CARDIOLOGIA – TORTO FA – RR irregular, sem ondas P e com ondas f (a derivação é DII). Tratamento Os objetivos do tratamento da FA são o controle da resposta ventricular, a restauração do ritmo sinusal (se possível) e a prevenção de fenômenos tromboembólicos a longo prazo. 1. Identificar e tratar os fatores determinantes: hipertireoidismo, valvopatia mitral, infecção sistêmica, consumo exagerado de álcool, TEP, pericardite etc. 2. FA com alta resposta ventricular com repercussão hemodinâmica: necessariamente deve ser feita a cardioversão elétrica (CVE), iniciando com 120 J. Se possível, sedar o paciente com etomidato antes do procedimento. OBS: os sinais de repercussão hemodinâmica são → hipotensão arterial, alteração no nível de consciência, choque cardiogênico, precordialgia anginosa (sinais de isquemia miocárdica), sinais de insuficiência cardíaca (congestão pulmonar e dispneia). 3. Controle da frequência ventricular: deve-se verificar a função ventricular antes. ✓ Se disfunção ventricular: tratar com digitálicos e/ou amiodarona em doses baixas. ✓ Se não houver disfunção ventricular: amiodarona, verapamil, diltiazen ou metoprolol. 4. Devo reverter para ritmo sinusal? ✓ Na FA aguda, a cardioversão está indicada. Ela pode ser feita eletricamente (120 J) ou quimicamente (amiodarona, propafenona, diltiazen). ✓ Na FA crônica, deve-se fazer uma anticoagulação por 4 a 6 semanas antes de se tentar a cardioversão (elétrica ou química), em função da possibilidade de já existir um trombo na parede atrial. OBS: a cardioversão é contraindicada nos casos de → valvopatia mitral descompensada, átrio esquerdo muito dilatado, disfunção ventricular severa (FE < 35%), contra-indicações para anticoagulação oral. Nesse caso, os pacientes serão classificados com FA permanente. 5. Pacientes com FA permanente: deve-se estimar o risco de acidente vascular encefálico por meio do CHA2DS2VASC: 4 CARDIOLOGIA – TORTO = 0 (baixo risco) → AAS ou nada = 1 (intermediário) → AAS ou ACO > ou = 2 (alto risco) → ACO Qual anticoagulante usar? ✓ Varfarina é a principal escolha. Deve-se ajustar a dose visando manter INR ideal de 2 a 3. Principal escolha para as FA valvares. ✓ Novos anticoagulantes orais: apenas pode ser usado em FA não valvar. Vantagem de não necessitar de monitorização laboratorial, mas exige correção de dose nas disfunções renais. Flutter atrial Definição e tipos São arritmias causadas por mecanismo de macrorreentrada atrial. É geralmente paroxístico e transitório, mas pode ser uma arritmia crônica também. Ele pode ser dividido em: TÍPICO: apresenta frequência habitual entre 240 a 340 bpm. ✓ Anti-horário (mais comum): onda f negativa em D2, D3 e aVF, mas positiva em V1. ✓ Horário: onda f positiva em D2, D3 e aVF, mas negativa em V1. AÍPICO: frequência muito elevada, entre 340 e 430 bpm. NO ecg ✓ Ondas f rápidas com aspecto de “dente de serra”, mais visíveis nas derivações inferiores e V1. ✓ Geralmente acompanha BAV fisiológico 2:1. FLUTTER TÍPICO: 5 CARDIOLOGIA – TORTO FLUTTER ATÍPICO: TRATAMENTO ✓ Flutter atrial agudo: cardioversão elétrica (100J). ✓ Flutter atrial crônico: controle da resposta ventricular (amiodarona, verapamil, diltiazen ou metoprolol) + anticoagulação por 4 a 6 semanas para realizar a cardioversão. OBS: na contra-indicação de anticoagulação oral, seguir com AAS. Taquicardia atrial paroxística Presença de ondas P precedendo todo QRS, com frequência elevada, com morfologia geralmente diferente daquela observada no ritmo sinusal. O intervalo PR é curto (< 0,12), ou seja, as ondas P “grudam” no complexo QRS. TAP – ondas P de morfologia diferente do usual; PRi curto (<0,10 seg) Taquicardia atrial multifocal Taquicardia com FC > 100 bpm, com 3 ou mais morfologias diferentes de ondas Pem uma mesma derivação qualquer. Pode também ocorrer variação do PRi e do i RR. É comum em pacientes hipoxêmicos (DPOC) e geralmente se degenera para FA. O Tratamento é focado no controle da doença base, uso de betabloqueadores, verapamil ou amiodarona e rádio-ablação. Taquicardia paroxística supraventricular por reentrada nodal Definição É causado por um mecanismo de microrreentrada nodal que acontece no próprio NAV. Inclui 50% das TPSV (excluindo a FA e o flutter). 6 CARDIOLOGIA – TORTO Exige duas vias interligadas de condução, além da presença de um bloqueio unidirecional: ✓ Via alfa → via de velocidade de condução lenta e período refratário curto; ✓ Via beta → via de velocidade de condução rápida e período refratário longo. Ela possui um fator precipitante: extrassístole qualquer, seja atrial, seja ventricular. É comum em jovens, particularmente mulheres. No ecg ✓ Átrios e ventrículos são estimulados ao mesmo tempo, geralmente com FC alta > 170 bpm. ✓ A ativação atrial retrógrada faz com que a onda P seja englobada dentro do QRS, não sendo visível. ✓ EM alguns casos, a onda P retrógrada pode ser vista na porção terminal do QRS, formando um r’ em V1 ou s’ em D2 e aVF. TPRN comum: Ondas P após o QRS r’ em V1 7 CARDIOLOGIA – TORTO tratamento ✓ Se estável: manobra vagal > adenosina > antiarrítmicos (verapamil/amiodarona) ✓ Se instável ou insucesso nas terapias anteriores: cardioversão elétrica (100J). Tpsv por macro-reentrada nodal Definição e ecg A reentrada se faz por uma via acessória (um feixe anômalo) que liga anatomicamente o átrio ao ventrículo. De acordo com a trajetória do pulso, onde ele entra e onde ele retorna ao átrio é possível classificar em: ✓ Ortodrômica: desce pelo NAV e retorna ao átrio pelo feixe anômalo (apresenta QRS estreito, já que se origina no átrio). ✓ Antidrômica: desce pelo feixe anômalo e retorna ao átrio pelo nó AV (QRS largo por entrar por uma via mais lenta). No ECG, observa-se a inscrição de uma onda P retrógrada após o QRS da taquicardia, sendo o intervalo entre o início do QRS e a onda P retrógrada (P’) > 100 ms. TPSV ortodrômica: Ritmo regular, com a onda p’ logo após o QRS, o qual é estreito. Em alguns casos, após a reversão da taquicardia para ritmo sinusal, é possível verificar a presença de um sinal de pré- excitação ventricular → a onda delta. A onda delta, sinal de pré-excitação ventricular, é vista como uma “rampinha” logo antes de começar a onda R. Tratamento ✓ Se ortodrômica: manobra vagal > adenosina > verapamil/amiodarona > cardioversão elétrica. ✓ Se antidrômica: mesmo tratamento da taquicardia ventricular. 8 CARDIOLOGIA – TORTO Taquicardias ventriculares Definição São ritmos que se originam nos ventrículos e não nos átrios no NSA ou na junção AV. Portanto, apresentam-se com QRS alargado, aberrante, com frequência maior que 100 bpm, mantendo o padrão regular. Geralmente indica a presença de uma cardiopatia estrutural grave associada a fibrose cicatricial intramiocárdica (como, por exemplo, uma sequela de IAM). OBS: o achado no ECG de uma sequência de pelo menos 3 extrassístoles já configura uma TV! Na apresentação clínica, é comum o paciente manifestar sinais e sintomas de baixo débito cerebral e outros sinais de instabilidade. Classificação A classificação é importante para se decidir a conduta. Ela é feita com base na duração do quadro: ✓ TV sustentada: duração superior ou igual a 30 segundos, geralmente associada a sintomas de baixo débito. ✓ TV não sustentada: duração inferior a 30 segundos. No ECG As taquicardias ventriculares possuem duas formas de apresentação características: ✓ Monomórfica: ✓ Polimórfica: Além disso, é possível utilizar os critérios do Algoritmo de Brugada para um diagnóstico de TV de alta acurácia, além de facilitar o descarte de diagnósticos diferenciais. 9 CARDIOLOGIA – TORTO Tratamento ✓ Se houver instabilidade hemodinâmica: cardioversão elétrica com início em 100J. ✓ Se não houver instabilidade hemodinâmica: - Adenosina (6 mg em bolus único); - Amiodarona OBS: é importante lembrar que a taquicardia ventricular lenta após o tratamento de um IAM é um marcador de reperfusão cardíaca bem sucedida, sendo geralmente transitória e indicando bom prognóstico. Fibrilação ventricular É uma despolarização incoordenada do ventrículo esquerdo, resultado na interrupção abrupta do débito cardíaco. É uma emergência, que geralmente evolui com parada cardiorrespiratório e exige atendimento rápido. NO ECG, é possível visualizar uma completa desordem, impossível de identificar padrões comuns ao ritmo sinusal ou as demais taquiarritmias. O tratamento da FV é suporte avançado de vida, exigindo desfibrilação imediata de 200 J. Informações estudo dirigido Questão i As taquicardias paroxísticas são geralmente bem toleradas, não cursando com instabilidade hemodinâmica. Entretanto, podemos esperar repercussão hemodinâmica nas taquicardias de alta frequência (> 150 bpm) e naquelas cujos pacientes são portadores de cardiopatias estruturais, especialmente valvulopatia (estenose aórtica e mitral importantes) ou disfunção ventricular importante (FE < 35%). Nestas, as manifestações podem aparecer mesmo em FC mais baixas. Questão ii As taquicardias supraventriculares apresentam QRS estreito em cerca de 90% dos casos. Cerca de 10 % dos pacientes com TSV apresentam aberrância da condução intraventricular, seja por um bloqueio de ramo prévio, seja por um bloqueio de ramo frequência-dependente. Esses casos entram em diagnóstico diferencial das taquicardias de QRS largo (> 120 ms), cujos diagnósticos diferenciais principais são a taquicardia ventricular, TSV pré-excitada, taquicardia por macrorreentrada nodal antidrômica da Síndrome de Wolf-Parkinson-White e taquicardias mediadas ou conduzidas por marcapasso cardíaco. 10 CARDIOLOGIA – TORTO Questão iii A fibrilação atrial é a arritmia isoladamente mais prevalente e caracteriza-se pela irregularidade dos intervalos R-R. No entanto, o flutter atrial, a taquicardia atrial com condução atrioventricular variável e a taquicardia atrial multifocal também podem apresentar tal irregularidade, apesar de em menor frequência. Questão iv Quando a taquicardia paroxística supraventricular (TPSV) não responde a medidas farmacológicas, mesmo estando estável hemodinamicamente, devemos revertê-la com cardioversão elétrica sincronizada. Questão v Diante de uma necessidade de cardioversão elétrica, devemos proceder a sedação do paciente previamente ao procedimento, sendo o etomidato a droga de escolha inicial, já que possui menor potencial de exacerbar a já deteriorada condição hemodinâmica do paciente.
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