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DIREITOS HUMANOS - CONCEITO, NOMENCLATURA E FUNDAMENTAÇÃO

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DIREITOS HUMANOS - CONCEITO, NOMENCLATURA E FUNDAMENTAÇÃO
Direitos humanos: limites linguísticos, abordagem epistemológica e ontológica
1.1	Conceito; estrutura; evolução; interpretação 
1.2	Nomenclaturas: direitos naturais, direitos fundamentais, direitos subjetivos, direitos públicos subjetivos, direitos individuais, liberdades públicas
1.3	A fundamentação dos direitos humanos
Fontes: 1) André Carvalho Ramos; 2) apostila Gran; 3) slides Duarte
1. DIREITOS HUMANOS: CONCEITO 
Problemas da conceituação de direitos humanos: sentido equívoco e plurívoco; impreciso e indeterminado; expressão com forte carga ideológica, usada, por vezes, como instrumento de combate, embebida de carga emotiva. 
Conceituação Tautológica: “direitos humanos são os que correspondem ao ser humano pelo fato de ser”.
Conceituação formalista: “direitos humanos são os que pertencem a todos os homens e de que nenhum homem pode ser privado”.
Conceituação Teleológica – conforme a finalidade a ser atingida: “aqueles imprescindíveis para o aperfeiçoamento humano, para o progresso social e para o desenvolvimento da pessoa humana”.
Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. 
No dizer de Joaquín Herrera Flores, os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Invocam, nesse sentido, uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana. 
Para Carlos Santiago Nino, os direitos humanos são uma construção consciente vocacionada a assegurar a dignidade humana e a evitar sofrimentos, em face da persistente brutalidade humana5. 
Para Luigi Ferrajoli, os direitos humanos simbolizam a lei do mais fraco contra a lei do mais forte, na expressão de um contrapoder em face dos absolutismos, advindos do Estado, do setor privado ou mesmo da esfera doméstica6.
Segundo André Carvalho Ramos, direitos humanos são: Conjunto de diretos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. São os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna.
ONU: Os direitos humanos são inerentes a todos os seres humanos, qualquer que seja a nacionalidade, local de residência, sexo, origem nacional ou étnica, cor, religião, língua ou qualquer outro estatuto. Todos têm igualmente direito aos direitos humanos, sem discriminação. Esses direitos estão todos interligados, interdependentes e indivisíveis. Os direitos humanos universais são frequentemente expressos e garantidos legalmente, na forma de tratados, no direito internacional consuetudinário, nos princípios gerais e em outras fontes do direito internacional. O DIDH [direito internacional dos direitos humanos] impõe aos governos a obrigação de agir de determinada forma ou de abster-se de determinados atos a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais de indivíduos ou grupos.
Elementos comuns:
1) Conjunto de direitos: não é um direito singular e não é um rol fechado
2) Delimitação subjetiva pela titularidade: os direitos humanos se aplicam a todos os seres humanos universalidade; se qualificam por serem titularizados por todos;
3) Delimitação objetiva: nem todos os direitos titularizados pelos seres humanos são diretos humanos, mas somente aqueles que integram a base essencial para a vida digna e proteção contra violações;
2. CONTEÚDO DOS DIREITOS HUMANOS:
São valores essenciais, explícita ou implicitamente retratados nas Constituições ou nos tratados internacionais. 
Seu caráter fundamental deriva de duas dimensões: formal ou material.
· Formal: previsão desses direitos no rol de proteção das Constituições ou tratados;
· Material: mesmo que não expressamente previsto, indispensável para a promoção da dignidade humana.
3. PROPRIEDADES DISTINTIVAS DOS DIREITOS HUMANOS
1. Universalidade: são direitos de todos; não são admitidas as ideias de privilégios, castas ou qualquer tipo de hierarquização entre os sujeitos; também não são permitidas exclusões;
2. Essencialidade: são valores indispensáveis e que devem ser protegidos por todos;
3. Superioridade normativa (preferenciabilidade): são superiores às demais normas; não se admite o sacrifício de um direito essencial para atender a outros fins; são preferências preestabelecidas que prevalecem diante de outras normas;
4. Reciprocidade: implicam na união dos seres humanos, em razão da titularidade universal (todos são titulares de direitos humanos) e na sujeição passiva (todos devem respeitar os direitos humanos); logo, a reciprocidade se faz necessária para a construção e respeito dos direitos humanos.
4. FORMAS DE IMPLEMENTAÇÃO
1. Implementação subjetiva: a realização dos direitos humanos pode ser de incumbência do Estado ou de particulares (teoria da eficácia horizontal dos direitos humanos), ou de ambos (ex.: meio ambiente).
2. Implementação objetiva: a conduta exigida para cumprir os direitos humanos pode ser ativa (comissiva) ou passiva (omissiva). Também podem ser combinadas (ex.: direito à vida – conduta omissiva abster-se de matar; comissiva impedir que outrem viole a vida).
5. ESTRUTURA DOS DIREITOS HUMANOS:
Podem ser de 4 espécies:
a) Direito-pretensão: busca de algo, gerando a obrigação, para outrem, de prestar. Significa ter direito a algo, enquanto a outra parte (Estado ou particular) tem o dever de não violar esse direito. Ex.: direito à educação (art. 208, I, CF).
b) Direito-liberdade: faculdade de agir que acarreta na ausência de direito para outro ente ou pessoa. Ex.: liberdade de credo (art. 5º, VI, CF), incorre na ausência de direito do Estado ou de outrem de exigirem que alguém tenha credo diferente ou não tenha nenhuma religião.
c) Direito-poder: é a relação de poder de alguém de exigir determinada sujeição do Estado ou de outrem. Ex.: ao ser presa, uma pessoa tem o poder de exigir a assistência da família e do advogado, sujeitando o Estado a fornecer meios para tanto.
d) Direito-imunidade: autorização dada por uma norma a certa pessoa, impedindo que outra interfira em seu direito. Ex.: as pessoas são imunes à prisão, a não ser em flagrante delito ou nos casos de transgressão militar ou crime militar, impedindo a outros agentes públicos de alterar essa imunidade. 
6. EVOLUÇÃO
a) Antiguidade
Séculos VIII a II a.C.: filósofos abordaram e defenderam os direitos dos indivíduos, como Confúcio e Buda, pregando a adoção de códigos de comportamento baseados no amor e respeito ao outro.
Do ponto de vista normativo, é possível identificar o reconhecimento de direitos individuais em algumas fontes:
· Codificação de Menes (3100-2850 a.C.), no Egito;
· Código de Hammurabi (1792-1750 a.C.): considerado o primeiro código de normas de condutas, com menção a direitos individuais como o direito à vida, propriedade, honra, consolida os costumes e a aplicação da lei a todos os súditos do Império da Babilônia. Também é notória a Lei do Talião, que preceitua a reciprocidade no tratado de ofensas;
· Cilindro de Ciro (Ciro II, na Suméria e Pérsia, século VI a.C.): declaração de boa governança;
· Grécia: 
· Direitos políticos: democracia direta ateniense; participação política dos cidadãos;
· Platão – “A República”: igualdade e bem comum;
· Aristóteles – “Ética a Nicômaco”: justiça e bem comum;
· Reflexões sobre a superioridade de determinadas normas, mesmo que contrárias à vontade daqueles que detêm o poder (“Antígona”, de Sófocles é um exemplo”
· Roma:
· O direito romano consagrou diversos direitos essenciais aos ordenamentos jurídicos modernos, especialmente os ocidentais;
· Sedimentação do princípio da legalidade;
· Lei das Doze Tábuas: a lei escrita determina as condutas – vedação ao arbítrio;
· Propriedade, liberdade, personalidade jurídica, predomínio da razão;
· Ius gentium – direito das gentes: aplicação do direito a todos, romanos ou não fundamento do direito internacional;
b) Antigoe Novo Testamento e Cristianismo na Idade Média
· Torah: solidariedade e preocupação com o bem-estar de todos;
· Antigo Testamento: respeito a todos, especialmente aos vulneráveis;
· Cristianismo: igualdade e solidariedade; importância de filósofos católicos como São Tomás de Aquino;
c) Idade Média, Moderna e Contemporânea:
· Maga Carta (1215): direitos dos indivíduos contra o Estado; proteção contra abusos dos monarcas; governo representativo; direito de ir e vir em tempos de paz; julgamento por pares; acesso à justiça e proporcionalidade entre crime e pena;
· Declaração da Virgínia (Declaração de Independência dos EUA) (1776): igualdade; liberdade; poder emanado do povo; vida, busca da felicidade;
· Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): igualdade, liberdade, fraternidade; soberania popular; sistema de governo representativo; igualdade perante a lei; presunção de inocência; propriedade, segurança, liberdade de consciência, de opinião, de pensamento, dever do Estado Constitucional de garantir os Direitos Humanos. Primeira com vocação universal.
· Projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), de Olympe de Gauges: igualdade de direitos de gênero.
· Movimentos socialistas no século XIX na Europa: 
· Marx: direitos humanos defendidos até então focavam no indivíduo voltado para si mesmo, mas deveriam atender “a cada um segundo sua necessidade e exigindo de cada um segundo a sua possibilidade”.
· August Bebel (1881): na nova sociedade socialista, a mulher deveria ser completamente independente, social e economicamente.
· Constitucionalismo do século XX: introdução dos direitos sociais
· Constituição do México (1917) e Constituição de Weimar (Alemanha) (1919);
· Criação da OIT (1919);
· Pós-IIGM: 
· Criação da ONU (1945): Carta de São Francisco: respeito universa e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;
· Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) (ONU):
· Direitos políticos e liberdades civis: direito à vida e à integridade física, igualdade, propriedade, liberdade de pensamento, consciência, religião, opinião, expressão e de reunião.
· Direitos sociais: segurança social, trabalho, livre escolha da profissão e educação.
7. TERMINOLOGIA
A partir da evolução da proteção dos direitos humanos, vista anteriormente, também se modificou a terminologia utilizada para se referir a esse conjunto de previsões. Por isso, há multiplicidade de nomenclaturas, mas é necessário fazer atenção à periodização do surgimento de cada uma delas.
· Direito natural: concepção dos direitos humanos como inerentes à natureza do homem; superada em razão da constatação da historicidade de cada um desses direitos;
· Direitos do homem: utilizada no contexto das revoluções liberais do século XIX. Atualmente prefere-se “direitos da pessoa humana” em razão da impressão sexista e excludente dessa nomenclatura.
· Direitos individuais: refere-se à primeira geração de DH (estudada posteriormente), que inclui vida, igualdade, liberdade e propriedade apenas. Portanto, é excludente.
· Direitos de liberdade pública: expressão típica da escola francesa, que não compreende os direitos econômicos e sociais.
· Direitos públicos subjetivos: escola alemã; índia direitos contra o Estado, que limitam a atuação estatal em benefício do indivíduo. 
Nos séculos XX e XXI, as nomenclaturas mais utilizadas são direitos humanos e direitos fundamentais.
A diferença fundamental entre elas é que os direitos humanos seriam aqueles previstos na ordem internacional (em tratados e declarações), enquanto os fundamentais seriam os positivados no direito interno por meio da Constituição. 
Há parte da doutrina que defende que os direitos humanos não seriam automaticamente exigíveis no plano interno, e os fundamentais sim. Essa corrente é amplamente descreditada, tendo em vista a possibilidade de cobrar os Estados por descumprimento de normas internacionais, como ocorre nos sistemas interamericano e europeu de direitos humanos.
Atualmente existe também a utilização de nomenclatura mista, como “direitos humanos fundamentais”, que indicam a crescente aproximação do direito internacional e do interno na proteção dos DH.
8. FUNDAMENTAÇÃO
Qual é a razão de ser dos direitos humanos? Por que existem?
1. Fundamentação jusnaturalista
Jusnaturalismo: corrente do pensamento jurídico segundo a qual existe um conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de noras fixadas pelo Estado (direito posto).
São Tomás de Aquino: a lei humana deve obedecer a lei natural, oriunda de Deus.
Hugo Grotius: existência de um conjunto de normas ideais, fruto da razão humana, que limita, portanto, os direito positivados, na medida em que o direito dos legisladores humanos só é válido se compatível com os mandamentos daquela lei imutável e eterna. Consagra a razão e a laicidade nas normas de direito natural.
Iluministas (Locke e Rousseau principalmente): jusnaturalismo contratualista, fundado no racionalismo e no individualismo. A razão é a fonte dos direitos, e devem prevalecer os direitos individuais sobre o Estado, supremacia essa fundada no contrato social. os direitos humanos são atemporais, inerentes à qualidade de homem. 
Traço comum do jusnaturalismo: cunho metafísico dos direitos preexistentes, que são divinos (direito natural de razão divina) ou derivados da natureza inerente do ser humano (direito natural moderno).
Críticas à teoria jusnaturalista:
a) Não é possível encontrar comprovação empírica ou teórica para os direitos naturais; 
b) Há clara dificuldade em explicar a imutabilidade dos direitos naturais em razão da constante mudança no conteúdo dos direitos essenciais aos indivíduos ao longo dos séculos.
2. Positivismo
Positivistas: a inserção dos direitos humanos tidos como naturais (segundo o jusnaturalismo) na Constituição os tornou direitos positivados. Então, o ordenamento jurídico produzido pelo homem é o fundamento dos direitos humanos, isto e: os direitos humanos existem porque estão positivados no texto da leis, e seu pressuposto de validade é sua edição conforme as regras do processo legislativo.
Positivismo nacionalista: os direitos humanos devem estar positivados em regras internas para que sejam oponíveis aos Estados. Séculos XIX e XX.
Diferença entre jusnaturalistas e positivistas:
Para os jusnaturalistas, a lei natural é superior à norma escrita, independentemente da lisura do seu processo de edição.
Para os positivistas, essa lei sequer existe, pois não está prevista no ordenamento jurídico, de modo que não pode ser superior ao texto positivado.
3. Negacionistas
Para os autores da corrente negativista, não possível encontrar fundamento para os direitos humanos em razão da amplitude de seu conteúdo e da historicidade que os caracteriza. 
Norberto Bobbio é um dos expoentes dessa corrente, pois argumenta que é inviável perseguir na procura de um fundamento absoluto para a existência dos direitos humanos, que já são uma categoria posta, sendo necessário, na realidade, discutir sua aplicabilidade. Peres Luño diz que não é possível apontar o fundamento dos direitos humanos porque eles decorrem de juízos de valor, são escolhas decorrentes de opções morais que não podem ser justificadas ou comprovadas.
Ressalte-se que essa corrente não nega a existência dos direitos humanos, mas questiona a necessidade de encontrar uma fonte única para sua fundamentação.
4. Fundamentação objetiva: existem valores, regras ou princípios que possuem validade objetiva, absoluta, universal, e independente da experiência dos indivíduos e de sua consciência valorativa.
5. Fundamentação subjetiva: autonomia humana é a fonte de todos os valores.
6. Fundamentação intersubjetiva: valores intrinsecamente obtidos por meio de relações comunicacionais, ou seja, categorias que, por expressar necessidades sociais e historicamente compartilhadas, permitem suscitar consenso sobre sua justificação.

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