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Jornalismo_teoria_e_prática_Abordagens_culturais_interfaces_e_meios

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EDITORA CATARSE LTDA
Rua Oswaldo Aranha, 444
Bairro Santo Inácio
Santa Cruz do Sul/RS
CEP 96820-150
www.editoracatarse.com.br
facebook.com/editoracatarse
CONSELHO EDITORIAL
Antonio Fausto Neto – Unisinos
Ernesto Söhnle Jr. – UNISC
Eunice Piazza Gai – UNISC
Fernando Resende – UFF
Jesús Gallindo Cáceres – Benemérita Universidad Autónoma de Puebla (México)
João Canavilhas – Universidade de Beira Interior (Portugal)
Mario Carlón – Universidade de Buenos Aires (UBA)
Marcos Fábio Belo Matos – UFMA.
Raquel Recuero – UFPel.
Walter Teixeira Lima – UMESP
COLEÇÃO ACADÊMICA
Fábio Cruz 
Gilmar Hermes
Organizadores
Jornalismo: Teoria e Prática -
Abordagens culturais, interfaces e meios
editora
Pelotas
2017
 
 J82 Jornalismo: teoria e prática – abordagens culturais, interfaces e meios
 [recurso eletrônico] / Fábio Cruz, Gilmar Hermes, organizadores -
 Santa Cruz do Sul: Catarse, 2017. 
 
 196 p. : il.
 
 Texto eletrônico.
 Modo de acesso: World Wide Web.
 1. Jornalismo. 2. Jornalismo - Teoria. 3. Telejornalismo. 4. Semiótica.
 5. Jornalismo esportivo. 6. Redes sociais. I. Cruz, Fábio. II. Hermes,
 Gilmar. 
 
 ISBN: 978-85-69563-18-1 CDD: 070.4
 
 Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
 Diagramação: Mirian Flesch de Oliveira
 Editor: Demétrio de Azeredo Soster
 
PREFÁCIO
A Comunicação é essencial. Perpassa todos os saberes. 
Agencia a produção de conhecimentos. Está presente, de uma 
forma indissociável, na vida humana. A cada passo, desenha as 
transformações de todos os níveis da trajetória existencial.
Possui um perfil multifacetado. É singular e, ao mes-
mo tempo, se inscreve na pluralidade. O seu sentido plural tem 
abrangência. Diversifica-se em aspectos, circunstâncias e reali-
dades. Uma de suas pronúncias é o Jornalismo, indissociável das 
sociedades democráticas.
Falar em Jornalismo, escrevê-lo e criticá-lo nunca é 
pisar no excessivo e no demasiado. É conduzi-lo pelo caminho 
da reflexão, onde ele se depura e se faz melhor, mais significa-
tivo, para cumprir a sua missão de atender à necessidade social 
de informação.
O livro, Jornalismo, Teoria e Prática – interfaces cul-
turais, tem um sabor especial, no conjunto dos seus saberes. Não 
separa teoria e prática. Faz o contrário, as une, porquanto uma 
só tem existência à medida que a outra exista. Encontram-se co-
nectadas em uma relação.
É um livro inteligente. Articula perspicácia e refle-
xão. Transita por diferentes portos do Jornalismo, com uma vir-
tude básica das práticas científicas. Possui equilíbrio, em suas 
escolhas teóricas e metodológicas. O que resulta em um conjun-
to de textos com análises instigantes.
Materializa-se, como uma leitura indispensável. Em 
um primeiro momento, com alunos, professores e pesquisadores 
de Jornalismo. Expande-se, todavia, para todos os segmentos, já 
que a Comunicação é transcendente e onipresente.
A estrutura do livro possui três partes. A primeira, 
Abordagens Culturais, com os artigos, “O incessante rugido: 
Robert Plant e o mainstream inteseccional”, de Fábio Cruz, Gui-
lherme Curi e Estevan Garcia, e “Uma metodologia semiótica 
5
para estudos jornalísticos e estéticos, de Gilmar Hermes.
A segunda parte, Interfaces, tem os artigos, “Cultu-
ra e pós-modernidade no jornalismo de revista: uma leitura das 
formas da socialidade nas páginas de Veja”, de Larissa Azubel, 
“Jornalismo, ambiente e ethos”, de Carlos André Dominguez, e 
“Definição de Jornalismo Esportivo face à midiatização do Es-
porte”, de Ricardo Fiegenbaum.
A última, Meios, apresenta os artigos, “A elaboração 
de pautas jornalísticas e as redes sociais digitais”, de Sílvia Mei-
relles Leite, “Mídia e Educação: Impactos da WebRádio e da 
WebTV no Universo Escolar Inclusivo”, de Marislei Ribeiro, e 
“Fundamentos para a realização de uma cobertura telejornalísti-
ca”, de Michele Negrini e Roberta Brandalise.
A todos, uma excelente leitura!
Roberto Ramos
Pós-Doutor em Ciências da Comunicação
Professor do PPGCom da PUCRS
6
7
SUMÁRIO
 PRIMEIRA PARTE – ABORDAGENS CULTURAIS
 O incessante rugido: Robert Plant e o mainstream
 interseccional ............................................. ....................... 10
 Fábio Cruz
 Guilherme Curi 
 Estevan Garcia
 
 Uma metodologia semiótica para estudos jornalísticos
 e estéticos............................................................................ 30
 Gilmar Hermes
 SEGUNDA PARTE – INTERFACES
 Cultura e pós-modernidade no jornalismo de revista:
 uma leitura das formas da socialidade nas páginas de
 Veja ....................................................................................... 55
 Larissa Azubel
 Jornalismo, ambiente e o ethos ............................................. 74
 Carlos André Echenique Dominguez
 Definição de Jornalismo Esportivo face à midiatização
 do Esporte ............................................................................. 98
 Ricardo Z. Fiegenbaum
8
TERCEIRA PARTE – MEIOS
A elaboração de pautas jornalísticas e as redes
sociais digitais: relações possíveis ........................................ 125
 Sílvia Porto Meirelles Leite
Mídia e Educação: Impactos da WebRádio e WebTV
no Universo Escolar Inclusivo .............................................. 145
 Marislei da Silveira Ribeiro
Fundamentos para a realização de uma cobertura
Telejornalística ..................................................................... 169
 Michele Negrini
 Roberta Brandalise
9
PRIMEIRA PARTE
ABORDAGENS CULTURAIS
O incessante rugido: Robert Plant e 
o mainstream interseccional 
 
Fábio Cruz1 
Guilherme Curi2 
Estevan Garcia3 
 
1. Watching you4 
 
Um homem com uma missão. Atemporal. Um 
vocalista com uma tradição a sustentar. Um músico que se 
recusa a seguir o caminho mais fácil. Um outsider/insider 
da cultura musical contemporânea, algo que está ao 
mesmo tempo fora e dentro do jogo mercadológico. Um 
artista que, segundo o próprio, está à esquerda do 
mainstream. Tudo isso consiste neste mosaico humano 
que é Robert Plant. 
Da vida com o Led Zeppelin aos voos solo, em 
quase cinco décadas, o cantor inglês vem mantendo acesa 
a tradição dos tempos do seu grupo. De um disco a outro, 
promove cruzamentos com as mais variadas 
possibilidades, a saber: hard rock, blues, música oriental, a 
 
1 Pós-doutor em Direitos Humanos, Mídia e Movimentos sociais 
(Universidade Pablo de Olavide – Sevilha/Espanha). Doutor em Cultura 
Midiática e Tecnologias do Imaginário (PUCRS). Professor do curso de 
graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). 
Coordenador do projeto de pesquisa “Cultura da mídia, rock e recepção” 
(UFPel). email: fabiosouzadacruz@gmail.com 
2 Mestre em Sociologia pela University College Dublin. Doutorando do 
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Diaspotics. 
email: curi.guilherme@gmail.com 
3 Graduando (8° semestre) do curso de Jornalismo da Universidade Federal 
de Pelotas (UFPel). Bolsista de pesquisa (UFPel) do projeto “Cultura da 
mídia, rock e recepção”. e-mail: estevanfreitasg@hotmail.com 
4 Título de uma das músicas pertencentes ao álbum Manic Nirvana, lançado 
em 19 de março de 1990. 
10
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
12 
sonoridade do norte da África, prog rock, baladas, música 
eletrônica, pop, new wave, break, rockabilly, folk, soul, a 
psicodelia dos anos de 1960, bluegrass etc. 
Conservando a sua essência do blues e dorock, 
Robert Plant transita por outros ambientes buscando 
desafios constantes. Todos esses diálogos fazem dele um 
artista “mainstream interseccional”, assim como também é 
o seu ex-grupo. Longe do “mainstream estático” de 
bandas como AC/DC5, Iron Maiden6 e o cantor Ozzy 
Osbourne7, os quais permanecem fiéis aos formatos que os 
consagraram, Plant pode personificar uma possível 
autenticidade do rock: a partir de um capital simbólico 
acrescido durante todos esses anos no cenário da música 
popular massiva (Janotti Junior, 2006; 2007), o vocalista 
estimula a criatividade em suas produções. 
Nesse sentido, considerando as colocações acima 
expostas, buscaremos, neste artigo, explorar conceitos 
como mainstream, autenticidade, autonomia e tradição em 
torno da carreira de Robert Plant. Levaremos em conta, 
também, algumas questões que permeiam o horizonte da 
música popular massiva como, por exemplo, os conflitos 
existentes entre os processos de criação e o mercado. 
Outrossim, baseados nesse arsenal de conceitos e 
reflexões, procuraremos postular algumas categorias 
analíticas previamente apresentadas no parágrafo anterior. 
Igualmente, cabe ressaltar que, através de uma 
pesquisa bibliográfica, esse arcabouço teórico será 
desenvolvido e tensionado conjuntamente com a trajetória 
de Robert Plant desde a era pré-Led Zeppelin até os 
últimos e mais recentes trabalhos. Mais especificamente, 
como corpus de análise, elegemos os seus dez discos 
 
5 Grupo de rock australiano. 
6 Conjunto britânico de heavy metal. 
7 Ex-vocalista da banda inglesa Black Sabbath e artista solo. 
11
O incessante rugido: 
13 
como artista solo, o que abarca um período que tem início 
em 1982, com Pictures at eleven, e vai até a sua última 
produção, Lullaby and... The ceaseless roar, lançado em 
2014. 
 
2. Come into my life8 
 
Filho de um engenheiro civil e de uma dona de 
casa, Robert Anthony Plant nasceu no dia 20 de agosto de 
1948, em West Bromwich, Staffordshire, Inglaterra 
(REES, 2014). Apaixonado pelo rock e o blues norte-
americanos, formou as suas primeiras bandas na 
adolescência. Entre estas destacavam-se a Black Snake 
Moan e The Crawling King Snakes, aonde conheceu o 
baterista John Bonham, seu futuro melhor amigo e 
baterista do Led Zeppelin (Williamson, 2011). 
Depois do fracasso em alguns singles9 como artista 
solo, Plant integrou a Band of Joy, novamente com 
Bonham. Logo após, já na banda Hobbstweedle, o cantor 
recebe um telegrama de Peter Grant10 convidando-o a 
entrar nos Yardbirds11. Sob a batuta do guitarrista Jimmy 
Page e contando ainda com o baixista e tecladista John 
Paul Jones e o baterista – sugerido por Plant – John 
Bonham, surgiria o Led Zeppelin. 
De 1968 até 1980, o grupo vendeu milhões de 
discos ao redor do mundo, quebrou recordes de público 
em seus shows e estabeleceu-se como a principal banda da 
década de 1970. Neste sentido, uma das principais 
características do Led Zeppelin consistiu na constante 
 
8 Nome de uma música do cantor presente no disco Fate of Nations, de 
1993. 
9 Canção considerada viável comercialmente o suficiente pelo artista e pela 
companhia para ser lançada individualmente. 
10 Futuro empresário do Led Zeppelin. 
11 Então banda de Jimmy Page, guitarrista e mentor do Led Zeppelin. 
12
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
14 
busca por desafios musicais dentro de um novo mercado 
direcionado ao público jovem que cada vez mais crescia. 
Já nos dois primeiros trabalhos – intitulados Led Zeppelin 
I e Led Zeppelin II –, o conjunto mesclaria hard rock com 
passagens acústicas, blues, heavy metal, psicodelia e 
baladas. 
Do peso bluseiro de Communication Breakdown e 
Whole lotta Love aos momentos acústicos de Babe i’m 
gonna leave you; do blues de You shook me e Bring it on 
home até a psicodelia de Your time is gonna come; das 
pegadas heavy de Dazed and confused e The lemon song 
às influências indianas de Black mountain side e baladas 
como Thank you. Lançando mão de um mix de 
influências, o Led Zeppelin construiria sua música 
cortejando a inovação e a criatividade, predicados que lhe 
conferiram autenticidade. Em consonância com esta 
reflexão, recorremos a Janotti Junior (2007), o qual 
afirma: 
 
A autenticidade envolve, então, o polêmico aspecto 
da criatividade nas indústrias culturais e a busca 
por distinções e diferenciações em meio ao 
universo musical. Afinal, ser reconhecido significa 
alcançar uma certa autonomia criativa, mas, ao 
mesmo tempo, encontrar um lugar no mercado 
(Janotti Junior, 2007, p.10). 
 
Portanto, fazendo coro ao cenário contraditório da 
chamada ideologia do rock (Frith, 1996), o Led Zeppelin 
buscava a inovação como forma de distinção e supremacia 
com relação aos demais concorrentes da sua época ao 
passo que produzia para uma massa de consumidores que 
recrudescia gradativamente. Era desse modo que a banda 
habitava a morada aonde “a tensão permanente que 
13
O incessante rugido: 
15 
envolve os processos criativos e as lógicas comerciais” 
(Janotti Junior, 2007, p.3) reina absoluta. 
Transcendendo o cenário estabelecido, mas, 
paradoxalmente ou não, fazendo parte dele, Led Zeppelin 
III, lançado em 5 de outubro de 1970, foi então mais além. 
Recheado de números acústicos, o álbum deixou atônitos 
alguns fãs e fez com que os integrantes da banda fossem 
chamados de traidores por alguns críticos (Wall, 2009). 
Mesmo assim, o disco atingiu o primeiro lugar entre os 
mais vendidos tanto no Reino Unido quanto nos Estados 
Unidos (Williamson, 2011). Sucesso similar aconteceu 
também com o quarto álbum, de novembro de 1971. 
Repleto de sucessos como Rock and roll, Black dog e 
Stairway to heaven – considerada por muitos especialistas 
de música e fãs o grande momento musical do grupo – o 
lançamento colocou o conjunto definitivamente no 
mainstream da música popular massiva dos anos de 1970. 
Tido como uma “estratégia de consumo amplo”, 
segundo Janotti Junior e Cardoso Filho (2006, p.19), o 
mainstream consiste em fazer “escolhas de confecção do 
produto reconhecidamente eficientes, dialogando com 
elementos de obras consagradas e com sucesso 
relativamente garantido. [Implica um] sistema de 
produção/circulação das grandes companhias musicais”. 
Seguindo a lógica estabelecida pela indústria cultural, 
neste sentido, significaria afirmarmos que o material 
construído é balizado pela égide corporativa da produção 
de mercadorias e pela troca (Thompson, 1995). 
Estaria, então, o Led Zeppelin produzindo peças 
que não passariam de construções simbólicas moldadas de 
acordo com certas fórmulas preestabelecidas e 
impregnadas de estereotipias e elementos de identificação 
do consumidor? A chamada autenticidade do grupo não 
14
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
16 
passaria logo de uma estratégia mercadológica para vender 
o grupo? 
No caso do Led Zeppelin, a resposta mais sensata 
parece ser o não. Mesmo não esquecendo o mercado, o 
conjunto mantinha-se criativo. Portanto, ao promover 
diálogos com outras possibilidades além do blues e do 
hard rock, podemos situar o grupo como “mainstream 
interseccional” quando esse promove uma espécie de “ir 
além” do mainstream no sentido clássico trabalhado 
anteriormente. Ele se emancipa das premissas dessa 
categoria e a renova de maneira orgânica. 
Reforçando isso, com exceção de Presence (1976), 
que, com raríssimas exceções, adota como linha de frente 
o blues e o hard rock, os outros três álbuns de estúdio 
produzidos pela banda– Houses of the holy (1973), 
Phisical Graffiti (1975) e In through the out door (1979) – 
alcançariam igualmente destaque por comprovar a sua 
veia criativa. Além das habituais influências pesadas e 
blueseiras, passando pelas baladas e os momentos 
acústicos, nos três álbuns acima elencados, o Led Zeppelin 
expandiu os seus horizontes e, por conseguinte, os da 
música produzidana década de 1970. 
Números que flertavam com o soul (The Crunge), 
o pop (Dancing days), o reggae (D’yer Mak’er) e o prog 
rock (No quarter) apareciam em Houses of the holy com a 
mesma falta de cerimônia com que a funkeada Trampled 
under foot, a oriental Kashmir, a psicodélica In the light e 
o boogie woogie de Boogie with Stu brotavam em Phisical 
Graffiti. No entanto, In through the out door, o último 
trabalho do grupo em estúdio, sinalizava caminhos ainda 
mais ousados e diferentes de tudo o que já havia sido feito 
e comercializado. A fórmula do que era vendido mais uma 
vez era quebrada. 
15
O incessante rugido: 
17 
Num momento em que os integrantes do Led 
Zeppelin “pareciam determinados [mais uma vez] a 
abraçar novos e diferentes estilos, mas mantendo a fé nas 
raízes do rock and roll” (Welch, 2012, p.54), o que vimos 
foi tudo isso e algo mais. Com John Paul Jones e Robert 
Plant tomando a frente, In through the out door é, de 
longe, o trabalho mais desigual já produzido pela banda. 
Em que pesem os diálogos com o blues e algumas 
passagens mais pesadas, os teclados são a tônica da obra. 
Neste novo e sempre complexo cenário, o grupo flertaria 
até mesmo com o tecnopop. 
 
3. Life Begin again12 
 
O que o futuro reservaria para o Led Zeppelin ou o 
que o Led Zeppelin reservaria para o futuro? Nunca 
saberemos. Mas talvez Robert Plant possa sinalizar alguns 
rumos. Ou pelo menos uma quarta parte dessa 
possibilidade. Após o término da banda, o cantor, então 
com 32 anos, confessou: “Me vi parado em uma esquina, 
agarrando doze anos da minha vida, com um nó na 
garganta e lágrimas nos olhos, sem saber em que direção 
seguir” (Welch, 2012, p.60). 
Almejando sentir segurança novamente, “no início 
de 1981, [Plant] explorou as suas raízes de R&B, [rock 
and roll] e blues com os Honeydrippers (...)” (Bream, 
2011, p.239). Com um grupo de amigos, saiu em turnê 
pela Inglaterra. “Voltei aos poucos, tocando em clubes 
 
12 Canção gravada em 2001 pelo grupo Afrwo Celtic Sound System, para o 
álbum Volume 3: Further in Time. A música tem a participação de Robert 
Plant nos vocais e também está presente na coletânea Sixty six to 
Timbuktu, lançada pelo cantor em 2003. 
16
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
18 
com Robbie Blunt, para duas, três pessoas – sem ser 
anunciado, só para sentir meus pés no chão13”. 
Dessa equipe, apenas Blunt gravou com Plant o seu 
primeiro disco solo. Lançado em 1982, Pictures at eleven 
apresentava um músico renovado que mantinha elementos 
da sua antiga banda, mas que, ao mesmo tempo, já dava 
mostras do que viria posteriormente. Se Burning down one 
side remetia a In through the out door e Slow dancer era 
uma sequência de Kashmir, Pledge pin e Fat lip soavam 
como linhas de fuga do passado, demonstrando que o 
cantor começava a vislumbrar novos caminhos. 
 
Robert Plant fez 33 anos naquele verão. Segundo 
os termos juvenis do pop, ele pertencia a uma 
geração antiga, distanciada do pulsar da época. 
Mas Plant teve a curiosidade de conferir se podia 
usar o que acontecia na música para criar um 
marco indicativo de sua próxima atitude. Já que o 
som dominante era o electro-pop, (...) ele comprou 
uma bateria eletrônica Roland (Rees, 2014, p. 
178). 
 
Surpreendentemente, Plant optou por não sair em 
turnê para divulgar Pictures at eleven. Segundo ele, não 
fazia sentido executar músicas da sua ex-banda. O cantor 
precisava ampliar o seu repertório de composições 
próprias. Sendo assim, The principle of moments não 
tardou a sair. 
O novo material foi arremetido às lojas em julho de 
1983 (Williamson, 2011). Se em Pictures at eleven a 
semelhança com o Led Zeppelin ainda se fazia presente, 
em The principle of moments, a distância foi alargada 
sobremaneira. Neste, os diálogos com o ex-grupo do 
 
13 Em entrevista publicada na extinta revista musical brasileira Bizz, em 
junho de 1988. 
17
O incessante rugido: 
19 
cantor aparecem de forma tímida como na levemente 
oriental Wreckless love ou em Other arms, tema de 
abertura do disco. De resto, o álbum soa como um típico 
produto musical dos anos de 1980, carregado de 
roupagens eletrônicas. Dessa vez, Plant lançou mão de 
novas sonoridades e, nesse sentido, o uso de sintetizadores 
começava a reinar sobre o seu trabalho. Novamente, o 
músico provava que a busca incessante pela autenticidade 
ressurgia com ainda mais força e que essa não era 
exclusividade do âmbito underground, ao contrário do que 
habita o “imaginário dos fãs, críticos e colecionadores” 
desse cenário, conforme sustentam Janotti Junior e 
Cardoso Filho (2006, p. 18). 
Destarte, a inovação e a criatividade tornariam a 
aparecer de forma mais cristalina e, assim, novas 
composições começaram a surgir. Entre elas, o primeiro 
sucesso do cantor como artista solo: Big log. “(...) Com 
seu senso de mistério profundo e serpenteante, acentuado 
por um misericordiosamente sutil arranjo de sintetizador, 
(...) a faixa deu a Plant seu maior sucesso como um single 
quando entrou para o Top 20 em ambos os lados do 
Atlântico em julho de 1983” (Williamson, 2011, p.195). 
Intencionalmente ou não, com Big Log, Plant 
manteve viva a, para nós, discutível contradição que 
permeia a ideologia do rock, de Frith (1996): o perdurável 
movimento pendular entre a criação e o mercado, o que 
confere ao artista uma “autonomia simbólica relativa” 
(Janotti Junior, 2007, p.5). Por outro lado, se The Principle 
of moments obteve grande êxito de vendas a exemplo de 
Pictures at eleven, Shaken ‘N’ stirred, lembrou a 
petulância de Led Zeppelin III. Mas não em termos 
sonoros. 
Nesse lançamento de 1985, Plant surpreendeu a 
muitos com uma gama infinita de variedades musicais 
18
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
20 
jamais vista em seus trabalhos tanto no Led Zeppelin 
quanto em sua carreira solo. Enveredando ainda mais pelo 
tecnopop, a criatividade do músico parecia expandir-se 
para caminhos duvidosos e tomados de artificialidade. 
Shaken ‘N’ stirred tinha um break (Too Loud) e era 
permeado por elementos da new wave, bastante popular na 
época. Apesar de Little by little atingir boa receptividade 
nos Estados Unidos, a maior parte do disco decepcionou 
tanto os fãs quanto os críticos na época. No entanto, o 
cantor mostrava mais uma vez que estava disposto a correr 
riscos e a não seguir padrões estáticos, ou, em outras 
palavras, ao que a indústria musical esperava dele. 
Três anos se passariam até o lançamento de Now 
and Zen, em 1988. Com uma banda inteiramente 
reconstruída, o inglês, ainda abusando dos teclados em 
alguns momentos, promoveu uma conversação com o seu 
passado, algo constante em suas produções. O disco é 
repleto de refrãos, os quais, segundo Janotti Junior e 
Cardoso Filho (2006, p. 14-15), consistem no “elemento 
básico da canção popular massiva [e] pode ser definido 
como um modelo melódico de fácil assimilação que tem 
como objetivos principais sua memorização por parte do 
ouvinte e a participação (‘cantar junto’) do receptor no ato 
de audição”. O resultado disso foi uma mistura de sons 
que acertaram em cheio os então céticos apreciadores do 
cantor. Do sucesso de Heaven Knows e o rockabilly de 
Tall cool one – ambas com participação de Jimmy Page – 
à balada Ship of fools, a obra devolveu ao músico a 
confiança dos fãs e da crítica especializada. E mais: 
resgatou outra vez o reconhecimento de Plant como um 
artista singular no cenário musical massivo. Sobre isso, à 
época, ele afirmava: 
 
[a música] Tem de comunicar alguma coisa. Eu 
sou sério. Dou muita risada, mas esta música é 
19
O incessante rugido: 
21 
vital. Não vou me contentar com um mingauzinho 
mainstream. Não preciso de uma Ferrari. Quero 
manter este fio de corte que tenho preservado e 
amado durante tanto tempo. É uma combinação de 
humor e obsessão com um pouco de talento. Não 
quero me dissolverna estrutura básica que as 
pessoas consideram uma feliz meia-idade14. 
 
Nessa declaração do artista, percebemos mais uma 
vez um discurso que demonstra a tentativa de não estar 
preso unicamente ao mercado e aos modelos pré-
determinados da indústria musical. Além também de uma 
auto-percepção da própria carreira, no que Plant denomina 
de “fio de corte”, na própria experiência do artista e da 
relação com sua criação. Algo tão caro aos preceitos de 
Walter Benjamin (1987, p.119), o qual afirma que não 
devemos imaginar que os “homens aspirem a novas 
experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda 
experiência, aspiram a um mundo em que possam ostentar 
tão pura e tão claramente sua pobreza externa e interna, 
que algo de decente possa resultar disso”. 
Esta perspectiva benjaminiana nos ajuda a reforçar 
o argumento do porquê considerarmos Plant um artista que 
habita o chamado mainstream interseccional. Esta 
intersecção, ao nosso ver, é, sim, um diálogo entre a 
possibilidade de liberdade e a experiência do artista dentro 
dos ditames mercadológicos no mundo capitalista. Talvez 
o limite, a zona de fronteira entre o fazer musical e a 
possibilidade de comercializá-lo. Essa pobreza ao qual 
Benjamin se refere é interpretada como o limite que as 
fronteiras do mercado impõem. Já a decência seria não 
respeitá-las, cruzá-las em prol da própria arte, que deveria 
ser maior que o valor mercadológico que ela possui. 
 
14 Em entrevista à Revista Bizz, em junho de 1988. 
20
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
22 
Talvez Plant venha tentando isso, por vezes aceitando o 
mercado, mas, no entanto, não se colocando numa zona de 
conforto ao confrontá-lo com sua obra. 
Isso posto, dois anos depois, Manic nirvana é 
lançado causando furor. A semelhança com o Led 
Zeppelin era explícita. À vista disso, agora, eram as 
guitarras que tomavam a frente. Exemplos não faltavam: 
as três primeiras faixas – Hurting kind (i’ve got my eyes on 
you), Big love e S S S & Q – soavam como a ex-banda do 
vocalista. De modo semelhante, mas com menos peso, I 
cried e Liar’s dance lembravam os momentos acústicos do 
seu passado. 
Com Fate of Nations, de 1993, Plant robustecia 
novamente a volta ao passado sem, é claro, deixar de olhar 
para frente. As duas primeiras faixas do disco já 
simbolizam bem este processo dialógico proposto pelo 
artista. Calling to You soa quase com um blues pesado, 
como se um chamado às origens. Em seguida, em Down 
To Sea, o cantor se joga literalmente no mar de influências 
orientais com tablas indianas e harmonias árabes, 
elementos sempre presentes na carreira do artista. Vale 
destacar também a canção Memory Song, marcada por 
uma sonoridade de guitarras sujas, acordes menores e 
batidas com caixa de bateria aguda, emblemática do 
movimento grunge, demonstrando o quanto o cantor 
estava conectado com o que estava acontecendo na época, 
mas com letras que remetem a memórias e sonhos. 
Fica aqui mais uma vez essa clara relação que o 
artista possui com a tradição, tida com um constante 
processo, redescoberta, nunca estática e muito menos 
imóvel e imersa no passado. Algo semelhante ao que 
Coutinho (2002) observa na obra de Paulinho da Viola, 
que poderia perfeitamente dialogar com a trajetória de 
Plant, dentro, é claro, dos contextos sociais, culturais e 
21
O incessante rugido: 
23 
históricos de cada um. Não como algo cristalizado e sem 
vida, mas em constante mudança: 
 
como vir a ser, como história. O passado resgatado 
tem importância na medida em que diz aos 
interlocutores atuais alguma coisa sobre o presente 
e, desta forma, permite uma ação voltada para o 
futuro. Nessa perspectiva, a "tradição" aparece 
como um projeto consciente de transformação da 
realidade, isto é, como práxis criadora (Coutinho, 
2002, p.6). 
 
Aqui, a música popular (e, por vezes, não massiva) 
se caracterizaria a partir de uma perspectiva ideológica, 
pela sua atitude com relação à tradição (no caso de Plant 
com o rock e o blues), ou seja, pela maneira como 
reelabora os signos culturais do passado e constrói uma 
historicidade conveniente às perspectivas de determinado 
contexto social e cultural. 
Essa característica de Plant seduz até mesmo 
aqueles que estão dentro do jogo da indústria musical. De 
acordo com o produtor do disco, Chris Hughes, “tem que 
se aplaudir o cara, porque ele está sempre atrás de ideias 
novas e de gente nova para trabalhar”. E acrescenta: “Ele 
não é do tipo que fica sentado esperando que tudo 
aconteça, e, nesse sentido, ele não é só cantor de rock, mas 
artista de verdade” (Rees, 2014, p.215-216). 
Consequentemente, Fate of Nations apresenta um 
ecletismo considerável em termos sonoros o que reforçava 
a imagem de autenticidade e autonomia do distinto 
músico. Já na abertura, com a já citada Calling to you, o 
cantor apresenta boa parte do estilo que marca a sua 
trajetória: hard rock e toques orientais temperados pelo 
solo de violino do britânico Nigel Kennedy. I believe e 29 
22
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
24 
palms marcam as passagens mais pop do álbum enquanto 
Colours of a shade lembra o lado folk do Led Zeppelin. 
Depois de um hiato de nove anos, no qual Plant 
gravou e excursionou com o seu ex-companheiro Jimmy 
Page, Dreamland aparece em 2002. Mais uma vez com 
uma nova banda, a Strange Sensation, o músico desfilou 
por músicas que marcaram a sua vida como as baladas 
Song to the siren, de Tim Buckley, e Darkness, darkness, 
composta por Jesse Colin Young. A parceria com os 
mesmos colegas ganhou força com Mighty Rearranger, de 
2005. Segundo a crítica especializada: 
 
[o álbum] soou como uma importante declaração 
de um homem que tinha muito o que dizer. 
“Another tribe”, “Takamba” e a brilhante 
“Freedom fries” pareciam fazer um cortante e 
angustiado comentário sobre o mundo pós 11 de 
setembro. “Tin Pan Valley” é uma singela análise 
sobre os perigos de se viver de glórias passadas 
(...) Incursões no misticismo (“The enchanter” e 
“Dancing in heaven”), (...) riffs de rock (“Shine it 
all around”), lamentos do blues (a faixa-título), 
(…) violões estilo Led Zeppelin III (“All the king’s 
horses”) e influências árabes e norte-africanas 
(“Another tribe” e “Takamba”) colidem de maneira 
inesperada e, muitas vezes empolgante. 
Acompanhado mais uma vez pela Strange 
Sensation, (...) Plant acredita que é seu melhor 
trabalho com muitas nuances e sutilezas e com 
aquele rugido leonino, com garganta aberta, solto 
apenas quando estritamente necessário. 
(Williamson, 2011, p.200). 
 
Uma banda nova e dois álbuns depois, o cantor dá 
uma pausa na carreira solo para gravar um disco de muito 
sucesso mercadológico com a cantora norte-americana de 
23
O incessante rugido: 
25 
bluegrass Alison Krauss, em 2007. Já Band of joy, título 
em homenagem à antiga banda de Plant, é lançado três 
anos depois, apresentando, mais uma vez, músicos 
diferentes. Sendo bem sucedido tanto no Reino Unido 
quanto nos Estados Unidos, o material engloba momentos 
bem díspares. No entanto, tudo parece se encaixar. 
 
As músicas iam desde o arcaico, como a 
tradicional “Satan, your kingdom must come 
down” e uma balada folk dos apalaches, “Cindy, 
i’ll marry you someday”, até seleções mais 
contemporâneas, como “Angel Dance”, de Los 
Lobos, banda tex-mex de Los Angeles, e um par de 
faixas contemplativas da Low, banda de drone rock 
de Minnesota –, “Silver rider” e “Monkey”. Plant 
cantou com freio e firmeza, a voz encaixando-se 
em cada canção como se fosse um velho terno 
favorito (Rees, 2014, p.272). 
 
Por fim, ou, no caso de Plant, até o momento, o 
último registro do vocalista, Lullaby and... The Ceaseless 
Roar, lançado em setembro de 2014, promove novas 
fusões musicais. O que segue lhe atribuindo um alto grau 
de autonomia e a possibilidade sempre vislumbrada de 
“ruptura com as formas [padronizadas e consequentemente 
previsíveis] estabelecidaspelo mainstream” (Janotti 
Junior, 2007, p.11), as quais fazem parte daquilo que 
chamamos de mainstream estático. Contando novamente 
com a maior parte dos músicos da Strange Sensation, a 
agora nomeada Sensational Space Shifters ajuda o cantor a 
namorar com a world music em composições como Little 
Maggie e Rainbow; a criar climas envolventes como em 
Embrace another fall; e a não esquecer do peso em Turn it 
up; e também de soar pop e, ao mesmo tempo, intimista 
em House of Love. 
24
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
26 
Não seguir o mesmo formato ou os trilhos do trem 
que a indústria musical procura traçar. Este parece ser o 
mantra que Robert Plant vem evocando há quase 
cinquenta anos. Dialogando com a tradição, com o 
passado, o presente e o futuro, o artista busca desafios 
constantes. Seria ele uma espécie de “esquerda do 
mainstream”? Segundo o próprio, “sim. Eu crio os 
desafios. Ainda porque não existe outra maneira de se 
fazer as coisas. A não ser que se esteja compondo só para 
manter a carreira em pé, manter a casa em Malibu. Se o 
jogo é este, então entrei para a profissão errada. Não quero 
seguir essa linha (...)”15. E acrescenta: 
 
Sei que é apenas música, entretenimento, mas para 
mim é muito importante. O principal é que me 
divirta. Meu negócio é evoluir, mudar, mas manter 
aquela coisa especial do Led Zeppelin. Nossa 
intenção sempre foi desenvolver a música. Hoje, as 
grandes gravadoras contam com fórmulas prontas 
para sobreviver. Sempre foi uma luta conseguir 
que eu fosse tocado nas rádios. Ninguém confia em 
mim, comercialmente. E isso é uma vitória. Tenho 
um ego enorme... eu me lembro que uma vez um 
jornal me chamou de “o príncipe do antipop”. 
Adorei. Me afasta dos Bon Jovis da vida16. 
 
Assim, mais uma vez constatamos esse perfil 
outsider/insider de Plant, de uma quase total consciência 
de estar dentro e fora da lógica de mercado. De forma 
orgânica, em contato direto com as diferentes histórias das 
músicas (Wisnik, 2006), o artista tenta constantemente 
habitar outros possíveis mundos, reafirmando as 
 
15 Em entrevista publicada na extinta revista musical brasileira Bizz, em 
junho de 1988. 
16 Em entevista à revista Bizz (1993). 
25
O incessante rugido: 
27 
contradições e ambiguidades do próprio sistema não 
somente através de sua obra, mas também do seu discurso. 
 
4. e ∞ 
 
Entre todas as considerações produzidas até agora, 
talvez não existam outras maneiras que traduzam melhor 
as intenções artísticas de Robert Plant para concluir este 
artigo que não sejam coda ( ) e infinito (∞). Um 
indivíduo disposto a encarar o fazer artístico em meio a 
tantas amarras que a contemporaneidade propõe, sejam 
elas positivas ou negativas. 
Robert Plant é um daqueles indivíduos que 
percebem o tempo de outra forma, não linearmente, muito 
similar à perspectiva de Jorge Luis Borges (2011, p. 16). 
Para o escritor argentino, o tempo é um tenebroso e 
exigente problema, especialmente para a matemática, que 
busca sincronizar o tempo individual de cada um. Assim, 
nenhuma das várias eternidades criadas pelos homens 
“pode ser concebida como uma agregação mecânica do 
passado, do presente e do futuro. É uma coisa mais 
sensível e mágica: a simultaneidade destes tempos”. 
Não por acaso, esse símbolo foi tão utilizado para 
propagar os tempos zeppelinianos, que, segundo os 
próprios protagonistas da história, nunca findaria. Da 
mesma forma que o símbolo coda, título do álbum 
póstumo da banda, o nono é também uma notação musical 
que significa algo que retorna ao primeiro compasso, 
circular, que se repete, indefinidamente. O fim, mas 
também o início. 
Wisnik (2006, p.58) nos ajuda a melhor elucidar o 
conceito de coda na criação sonora tomando como base, 
segundo o autor, algo que se tornou evidente, que a música 
passa a “requisitar uma escuta propriamente musical, isto 
26
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
28 
é, polifônica. É possível reouvir a sua história dentro de 
uma base sincrônica. É preciso produzir novos mapas. É 
possível ouvir tudo de novo e estar soando já 
diferentemente (...) Tocar a primeira escala”. 
Percebemos assim que, passando por cima dos 
ditames da indústria cultural, inerentes ao contexto da 
música popular massiva, Robert Plant mantém a essência, 
porém conversa serena e tranquilamente com outras 
possibilidades, em busca de mapas ainda desconhecidos, 
de antigas e novas geografias sonoras. Reforçando a nossa 
afirmação, temos as palavras do próprio músico17: 
 
Bem, é quase como ter uma missão. Por que Plant 
não cala a boca e simplesmente volta com Jimmy 
Page? Porque ele tem uma missão. Se tiver de 
dançar sozinho, vai dançar sozinho. Acho que é 
isso, nada muito profundo. Você sabe que eu sou e 
não sou uma pessoa séria, e que tudo que quero é 
ser visto... como eu me vejo. Como alguém que faz 
uma ou duas coisas com uma ligeira inclinação 
para o passado mas que, ao mesmo tempo, busca 
dar um passo adiante. Não quero seguir o caminho 
mais fácil. Não quero uma parceria com Chris 
Squire ou seja lá qual for a opção disponível. 
Quero tentar alcançar “aquela” luz (...) 
 
Genuíno representante do mainstream 
interseccional, Robert Plant foge das amarras previsíveis 
pelas quais passam os adeptos do mainstream estático. 
Constrói, desta forma, a sua identidade a cada produção, 
aperfeiçoando-a e/ou modificando-a se for o caso. Não 
para no tempo e muito menos vive somente das glórias do 
passado. É fiel apenas ao que ele mesmo canta em Tin Pan 
 
17 Em entevista à Revista Bizz, junho de 1988. 
27
O incessante rugido: 
29 
Valley: a mover-se para terrenos mais elevados. Cada vez 
mais, infinitamente. 
 
5. Referências 
 
BENJAMIN, W. Obras Escolhidas. Magia, Técnica e 
Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. 
BORGES, J. L. Historia de la eternidad. Buenos Aires: 
Debolsillo, 2011. 
BREAM, J. Whole lotta Led Zeppelin: a história ilustrada 
da banda mais pesada de todos os tempos. Rio de Janeiro: 
Agir, 2011. 
CURI, G. The Music from the sea. Social and cultural 
aspects on the creation of jazz and samba. Dissertação de 
mestrado. Dublin: University College Dublin, 2006. 
COUTINHO, E. G. Velhas histórias, memórias futuras: o 
sentido da tradição em Paulinho da Viola. Rio de Janeiro: 
UERJ, 2002. 
DOURADO, H. A. Dicionário de Termos e Expressões 
Musicais. São Paulo: 34, 2004. 
FRITH, S. Performing rites: on the value of popular 
music. Cambridge: Harvard University, 1996. 
JANOTTI JUNIOR, J.; CARDOSO FILHO, J. A música 
popular massiva, o mainstream e o underground. 
Trajetórias e caminhos na cultura midiática. In: JANOTTI 
JUNIOR, Jeder; FREIRE FILHO, J. Comunicação & 
música popular massiva. Salvador: EDUFBA, 2006. 
JANOTTI JUNIOR, J. Mídia popular massiva e 
comunicação: um universo particular. Trabalho 
apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em 
Comunicação – NP Comunicação e Culturas. XXX 
28
Fábio Cruz, Guilherme Curi, Estevan Garcia 
30 
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 
Santos, 2007. Disponível em <http://www.intercom. 
org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1144-1.pdf> 
Acesso em: 18 jul 2015. 
REES, P. Robert Plant: uma vida. São Paulo: LeYa, 2014. 
REY, L. e PHILIPE, G. Livro negro do rock. O dicionário 
do heavy metal. São Paulo, Somtrês, 1984. 
THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna: teoria 
social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 
Petrópolis: Vozes, 1995. 
WALL, M. Led Zeppelin: quando os gigantes caminhavam 
sobre a terra. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009. 
WELCH, C. Tesouros do Led Zeppelin. São Paulo: 
Lafonte, 2012. 
WILLIAMSON, N. O guia do Led Zeppelin. São Paulo: 
Aleph, 2011. 
WISNIK, J. M. O Som e o Sentido: Uma outra história das 
músicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 
 
 
29
Uma metodologia semiótica para 
estudos jornalísticos e estéticos1 
 
Gilmar HermesNa pesquisa de doutorado realizada em 2005, com 
o título As Ilustrações de Jornais Diários Impressos: 
Explorando Fronteiras Entre Jornalismo, Produção e Arte 
(HERMES, 2005), estudou-se o assunto pelo viés das 
Teorias de Jornalismo, aliadas à Semiótica de Charles 
Sanders Peirce (1839-1914). As questões estéticas foram 
relacionadas à linha teórica de estudos de comunicação 
que investiga a produção jornalística, na perspectiva da 
teoria interacionista (TRAQUINA, 2004). Observou-se 
como os profissionais ilustradores praticam essa atividade 
de caráter artístico, inseridos nas rotinas jornalísticas do 
jornal Folha de São Paulo e, também, em outros três 
veículos impressos de grande circulação, Zero Hora, 
Jornal da Tarde e Estado de São Paulo (Estadão). Esses 
veículos foram escolhidos pelo fato de, no momento da 
pesquisa de campo, dedicarem um espaço gráfico 
significativo às ilustrações. O jornal Folha de São Paulo 
foi o ponto de partida do problema de pesquisa em virtude 
de publicar ilustrações feitas por autores que se 
identificam como “artistas plásticos” e também aqueles 
que se identificam como “ilustradores jornalísticos”. 
 Foram feitas considerações semióticas às 
ilustrações publicadas no decorrer dos anos de 2003 e 
2004 nesses veículos, ao lado do relato das investigações 
das rotinas jornalísticas através de entrevistas e 
acompanhamento dos trabalhos, junto às redações. 
 
1 Este trabalho parte do artigo apresentado no NP de Semiótica do VI 
Encontro de Núcleos de Pesquisa da Intercom, em 2005. 
30
Gilmar Hermes 
32 
A aparição das ilustrações geralmente abstratas, 
feitas por artistas plásticos, nas edições de domingo do 
jornal Folha de São Paulo, foi tomado como algo 
bastante significativo sobre os limites e as perspectivas da 
elaboração gráfica de um jornal. Além disso, foram feitas 
considerações a outros projetos, que tiveram a participação 
de artistas plásticos, como o desenvolvido em 1989, no 
Jornal da Tarde, e a obra do artista plástico Leonilson, 
considerada como uma referência dessa atividade pelos 
entrevistados. 
A Teoria Geral dos Signos, de Peirce (2000), 
fornece os fundamentos lógicos apropriados tanto para a 
análise das ilustrações como para a investigação dos 
desdobramentos de sua produção, exatamente por 
possibilitar a compreensão da dimensão estética dos 
processos midiáticos. A teoria perciana pode ser tomada 
como uma fonte lógica, que possibilita um maior rigor em 
todo estudo que se pretende científico. Afinal, Peirce, 
voltado em toda a sua vida para problemas da lógica, 
esteve preocupado em elucidar as diferentes formas de 
pensamento e o modo como nos aproximamos de uma 
melhor compreensão da realidade. 
Trabalhou-se o assunto, teoricamente, na linha das 
pesquisas sobre a produção jornalística, numa perspectiva 
semiótica, utilizando as concepções de Peirce. A escolha 
desse referencial teórico é decorrente do fato de ele 
permitir uma abordagem mais comunicativa dos 
problemas estéticos. O pensamento de Peirce tem um 
espectro muito amplo. Por isso, foi tratado, sobretudo, 
como um elucidador do problema do signo, como uma 
forma de compreensão das mediações, tendo como foco os 
problemas estéticos. 
Peirce (2000) pensou que tudo pode funcionar 
como um signo e, dessa forma, vinculou a Semiótica a um 
31
Uma metodologia semiótica 
33 
amplo leque epistemológico. O autor trata a problemática 
do signo através de relações triádicas. De uma maneira 
geral, seu pensamento considera, positivamente, que 
ocorre uma transformação da nossa compreensão da 
realidade, através das semioses. Enquanto os tipos de 
signos estão para seus objetos e interpretantes, os 
diferentes tipos de mediações estão para as suas conexões 
com a realidade e os conhecimentos estabelecidos. Em 
processos relacionais, processos semióticos contínuos, 
nosso vínculo com a realidade está sempre em mudança. A 
teoria peirceana ajuda a pensar essas relações e a 
estabelecer um olhar semiótico em torno delas. Podem-se 
destacar, como ocorre neste caso, as conexões que se dão 
no plano estético da experiência. Nesse sentido, procurou-
se estabelecer um olhar semiótico sobre a prática 
profissional das ilustrações jornalísticas, problematizando 
a relação que ocorre nessa atividade, entre os campos do 
jornalismo e da produção artística. 
Através da Teoria Geral dos Signos, Peirce trouxe 
uma contribuição fundamental, tratando de uma forma 
relacional as formas de conhecimento a priori e a 
posteriori, da ordem dos conceitos e da ordem das 
intuições da sensibilidade. 
Interessa tomar a obra de Peirce como a de um 
pensador que contribuiu para o conhecimento da 
comunicação. A comunicação poderia ser definida como 
campo, sobretudo como um fenômeno moderno, que, em 
função da especialização de outros campos, configura-se 
como um lugar de fluxo. Esse lugar de fluxo é próprio 
para conexões, inter-relações e jogos entre os planos da 
experiência que se configuram através dos conceitos e da 
sensibilidade, manifestados em diferentes áreas do 
trabalho e do conhecimento. Neste sentido, o que é da 
ordem da sensibilidade dialoga com aquilo que 
32
Gilmar Hermes 
34 
corresponde ao conceitual, constituindo não só um 
problema retórico, mas, evidentemente, de comunicação, 
de mediações semióticas. 
Tratou-se a comunicação como contexto de 
inserção de aspectos do campo artístico. Nesse lugar de 
fluxo, a comunicação, observou-se o papel de elementos 
artísticos, em que o papel da disciplina estética pode ser 
observado de maneira mais nítida. Essa disciplina é 
voltada para problemas da sensibilidade, o que é inerente a 
todas as atividades humanas e, portanto, também à 
comunicação e não só às artes. Dessa forma, o que pode 
ser reconhecido como artístico é o que de mais estético 
existe na comunicação. A comunicação e a estética são 
duas disciplinas que podem ser abordadas 
interdisciplinariamente ou, até, transdisciplinariamente. O 
ponto de encontro entre as duas ocorre, de acordo com o 
objeto de pesquisa, naquilo que pode ser reconhecido 
como artes visuais no jornalismo impresso. 
O campo das artes visuais é caracterizado, na 
Modernidade, pela sua ênfase estética, pois não precisa 
mais ser, necessariamente, vinculado, por exemplo, aos 
temas históricos, às representações naturalísticas ou à 
religiosidade, como ocorreu nos séculos anteriores à 
Modernidade. E, na Modernidade, esse campo perdeu o 
caráter instrumental que caracterizou, principalmente, o 
seu vínculo às religiões. As abstrações – um fenômeno 
artístico tipicamente moderno – fazem com que o 
espectador se depare com um sentido complexo, que 
aponta para um enigma semiótico, que pode ser, por sua 
vez, estudado através da teoria peirceana. 
A estética, esse campo voltado para a questão do 
sensível, é explicitada da melhor forma pela categoria 
peirceana da primeiridade (qualidade). Essa, ao lado da 
secundidade (singularidade) e da terceiridade 
33
Uma metodologia semiótica 
35 
(generalidade), é uma das balizas das relações entre signo, 
objeto e interpretante.2 Assim como as demais, a categoria 
da primeiridade não é um conceito classificatório e, sim, 
relacional. Por ser relacional, serve à comunicação, 
atividade que produz intermediações entre diferentes 
campos. 
Apesar de lançar-se um olhar estético sobre o 
jornalismo, buscando-se vê-lo sobretudo do ponto de vista 
da primeiridade, muitos exemplos de imagens estudadas 
foram caracteristicamente midiáticos. Esses se impõem 
prioritariamente pela terceiridade, a inteligibilidade 
(própria dos símbolos), que é uma característica mais 
diretamente relacionada ao texto verbal, do que pela 
primeiridade, que é aquilo que nos atinge mais pela 
sensibilidade (própria dos ícones). Do ponto de vista da 
terceiridade, também aparecem os valores/notícia, que 
Traquina considera como um “elemento fulcral da cultura 
jornalística” (TRAQUINA, 2005, p.77). Esses valoressurgem, tanto como critérios de noticiabilidade, como 
formas de apresentação do conteúdo noticioso. 
Hoje, pode-se observar o uso de muitos 
procedimentos artísticos, percebidos ao longo da história 
da arte, na produção de ilustrações. Isso se intensifica, 
 
2 Nas suas dez classes sígnicas mais conhecidas, apresentadas nas traduções 
brasileiras de seus textos, Peirce está atento aos diferentes efeitos dos 
signos, que decorrem dos tipos de representamens e relações com os 
objetos. Ele começa com os tipos de signos mais marcados pelos aspectos 
qualitativos, na categoria da primeiridade, o que seria o caso de um 
qualissigno (remático, icônico, qualissigno) e finaliza com uma relação 
triádica plena no âmbito lógico do signo, que seria um argumento 
(argumento, simbólico, legissigno). Há uma transição de uma experiência 
no nível de primeiridade, que estaria mais ligada às sensações, para a 
experiência no nível de terceiridade, de caráter mais lógico. A tríade que 
corresponde ao próprio signo, o representamen, é a do qualissigno, 
sinsigno e legissigno. Esses três tipos de signos correspondem, no ponto 
de vista do representamen, às categorias fenomenológicas da 
primeiridade, secundidade e terceiridade. 
34
Gilmar Hermes 
36 
inclusive, pelo uso das técnicas de computação gráfica. 
Uma das diferenças fundamentais da estética midiática 
está no fato de as mensagens serem submetidas às regras 
de produção do jornalismo. Dentre essas, a da 
“simplificação” ou “clareza” é uma das que atinge mais 
diretamente às ilustrações, vinculando-as às definições 
estéticas mais tradicionais, que relacionam a arte à 
imitação da natureza. 
Os procedimentos estéticos, nesse sentido, são 
tratados de forma a corresponderem a um interesse 
instrumental, lembrando momentos da história da arte 
anteriores à abstração moderna, quando o trabalho artístico 
se justificava pelo vínculo que tinha em relação ao mundo 
exterior, não assumindo plenamente o seu caráter de 
qualissigno, sobretudo de potencialidade semiótica, aberto 
às múltiplas significações. Poderíamos estabelecer 
comparações entre as teorias do jornalismo, conhecidas 
como “teorias do espelho”, e as tradicionais formas de 
representação naturalísticas da arte. A arte moderna, com a 
sua pretensão de um fazer puramente estético, em geral, 
tentou evitar esse caráter que, inevitavelmente, 
compromete o jornalismo do ponto de vista artístico. 
Neste estudo, foram feitas observações durante o 
acompanhamento das rotinas dos jornais Zero Hora, 
Estado de São Paulo (Estadão) e Jornal Tarde; entrevistas 
com os artistas plásticos participantes do projeto no jornal 
Folha de São Paulo; entrevistas com os editores de arte 
dos jornais Zero Hora, Folha de São Paulo, Estadão e 
Jornal da Tarde, e com os ilustradores do jornal Folha de 
São Paulo, que trabalham em suas casas ou estúdios, fora 
da redação. 
Na pesquisa de campo, ainda foram realizadas as 
entrevistas com os ilustradores Gilmar Fraga, Bebel 
(ambos da Zero Hora) e Carlinhos Muller (do Estadão), 
35
Uma metodologia semiótica 
37 
que não estavam presentes no momento do 
acompanhamento das rotinas. 
Foram analisadas ilustrações de todos os jornais e 
de todos os artistas plásticos, participantes do projeto da 
Folha, identificadas como núcleo de problematização 
desta pesquisa. Além de ilustrações vinculadas à 
observação das rotinas, foi realizada a leitura de, pelo 
menos, um trabalho publicado, de cada um dos 
ilustradores entrevistados, tecendo considerações 
semióticas, pensando nas suas concepções e nas suas 
rotinas de trabalho. 
Fazem parte do resultado final diferentes vozes: a 
do pesquisador, as dos ilustradores, as dos artistas 
plásticos, as dos editores e as vozes dos autores tomados 
como referenciais teóricos. A leitura semiótica textual das 
imagens publicadas foi feita à luz dessas observações, que 
somam à semiótica as perspectivas das teorias do 
jornalismo, voltadas aos aspectos organizacionais e 
construcionistas dessa atividade. As observações feitas 
durante o acompanhamento das rotinas, ao lado das 
entrevistas e de alguns registros materiais, constituem 
signos, ideias, conceitos, definições, à medida em que são 
relacionadas com o produto final, que se vê nas edições 
dos jornais. Durante a elaboração do texto da tese, pouco a 
pouco, viu-se os exemplares dos jornais estudados, cada 
vez mais, como a materialização de uma série de relações 
e preceitos profissionais. 
Em função do caráter dinâmico das mudanças, no 
quadro profissional das redações, é importante considerar 
que essas constatações se referem a momentos específicos, 
que não são exatamente os mesmos, para todos os veículos 
e profissionais analisados. Embora as observações tenham 
sido feitas entre janeiro de 2003 e fevereiro do ano de 
2004, por uma questão de organização e, até mesmo, 
36
Gilmar Hermes 
38 
física, foi impossível fazer todas as anotações em períodos 
simultâneos ou muito próximos. Nesse sentido, há algo de 
inevitavelmente fictício nesta construção textual, em 
termos de relação temporal. Todos os depoimentos e 
considerações, por isso, foram notificados quanto à sua 
data de realização. 
É possível que, atualmente, as visões particulares 
dos artistas e dos ilustradores já não sejam as mesmas. Por 
esse motivo, nas considerações às ilustrações publicadas, 
procurou-se usar exemplos da época das observações das 
rotinas e das entrevistas. O objetivo é, a partir de 
ocorrências e de seus respectivos dados qualitativos, 
produzir conhecimento nessa área jornalística, na ordem 
da terceiridade, quanto à identificação de práticas e 
conceitos comuns ou, na ordem da primeiridade, 
indicando tendências ou possíveis definições, que possam 
criar insights em torno desta prática profissional, o que 
corresponde à lógica da abdução, teorizada por Peirce 
(2000). 
Em termos peirceanos, procurou-se observar, no 
contexto codificado do jornalismo, ocorrências singulares 
(secundidade) que, à medida em que são recorrentes, 
podem configurar regras profissionais (terceiridade) ou 
tendências de mudança ou questionamentos 
(primeiridade), ainda sendo esboçadas, não plenamente 
evidenciadas como signos dessa prática. Assim, chegou-se 
a resultados voltados para o futuro, em termos de 
compreensão dessa atividade jornalística nas suas práticas 
atuais, nas suas tendências e nas suas possibilidades. 
Foram transcritos depoimentos ou relatos próximos 
aos processos de produção, vistos como objetos 
dinâmicos3 – a medida em que possam ser percebidos 
 
3 Peirce (2000) diferencia o objeto dinâmico do objeto imediato. O objeto 
dinâmico é aquele que está fora do signo, mas também é em relação ao 
37
Uma metodologia semiótica 
39 
como manifestações na ordem da secundidade – segundo 
os quais é possível se aproximar da realidade de uma 
prática jornalística. Muitas falas têm um caráter mais 
geral, pelo fato de representarem as práticas através de leis 
ou pontos de vista. Outras podem ter um caráter mais 
indicial4, por estarem vinculadas a uma prática singular 
observada presencialmente. Ao lidar com a produção de 
signos imediatos, nos depoimentos, e com profissionais 
acostumados a atuarem no plano da linguagem, foram 
observados, sobretudo, signos do tipo simbólico, na ordem 
da terceiridade. Em relação às suas práticas, contudo, 
como é próprio das pesquisas voltadas às rotinas 
jornalísticas, foram registrados signos na ordem da 
primeiridade e da secundidade, que, contudo, ainda 
permitem vislumbrar possíveis argumentos na ordem da 
terceiridade. Essas perspectivas estão presentes, também, 
nos resultados impressos das práticas, analisados 
posteriormente. 
Para compreender os processos de trabalho dos 
ilustradores, a partir de observação das ilustrações 
jornalísticas e de sua relação com o projeto artístico da 
Folha, foram elaboradas questões a serem respondidaspelos editores dos jornais Estadão, Zero Hora e Folha. Na 
Zero Hora, foram feitas as primeiras observações de 
rotinas, o que permitiu preparar questionários a serem 
aplicados posteriormente junto aos demais ilustradores e 
artistas plásticos. Durante o trabalho de observação das 
 
qual o signo existe. A maneira como ou sob quais aspectos esse objeto 
dinâmico aparece no signo vem a ser o objeto imediato. 
4 Entre as diversas classes de signos definidas por Peirce, as mais 
conhecidas são as do ícone, índice e símbolo, que tratam da relação do 
signo com seu objeto. O ícone (primeiridade) é marcado por relações de 
semelhança, o índice (secundidade), pela coexistência ou relação física 
com seu objeto, e o símbolo (terceiridade), por estabelecer vínculo com o 
objeto através de uma generalização lógica (HERMES, 2013). 
38
Gilmar Hermes 
40 
rotinas no Estadão, foram entrevistados os editores e 
ilustradores enquanto acompanhava-se os seus trabalhos. 
Teve-se o cuidado de fazer as mesmas questões, previstas 
para os artistas plásticos e ilustradores da Folha, no 
sentido de colher dados que pudessem ser trabalhados, 
comparativamente, e, assim, identificar elementos na 
ordem da terceiridade (leis ou regras) e da primeiridade 
(possibilidade de tendências). 
Evidentemente, houve uma diferença em relação às 
entrevistas realizadas, tendo como pano de fundo a 
presença na redação e a observação das práticas. 
Considera-se, no entanto, que este estudo chegou às 
conclusões, sobretudo, pelas comparações entre os 
diversos depoimentos, observando singularidades 
(diferentes ocorrências ou tendencialidades) e recorrências 
(signos da ordem da terceiridade). 
Na tentativa de compreender o funcionamento de 
cada um dos jornais, colheu-se diversos testemunhos. 
Esses situam-se muito na ordem da terceiridade, 
demonstrando, através dos discursos as regras praticadas, 
manifestações de valores/notícia ou valores estéticos. Há 
também a expressão de desejos e configurações pessoais 
mais próximas da ordem da primeiridade. Isso ocorre, pois 
essas representam, prioritariamente, tendências e 
possibilidades que cercam a concepção da atividade, mais 
do que regras convencionalizadas. 
Foi transcrito digitalmente todo o material gravado 
(depoimentos orais, de caráter indicial e simbólico) e 
anotadas em papel todas observações (índices e ícones, 
que caracterizam as práticas das redações). A transcrição 
do acompanhamento das rotinas e das entrevistas fez 
parte do processo de análise dos dados. A reflexão 
produzida nessa tese resultou das questões desenvolvidas 
ao longo da pesquisa de campo. Pouco a pouco, passou-se 
39
Uma metodologia semiótica 
41 
das primeiras observações às entrevistas e, depois, às 
novas observações de rotinas. Elas ganharam um caráter 
de terceiridade, à medida em que explicitam conceitos e 
regras de caráter geral, que podem esclarecer a atividade 
de ilustração jornalística. Constatou-se a existência de 
elementos na ordem da primeiridade e secundidade, que 
possivelmente pudessem configurar elementos na ordem 
da terceiridade, e, nesse sentido, procurou-se revê-los ou 
questioná-los em novas abordagens. O pesquisador reagiu 
aos depoimentos dos entrevistados percebendo novas 
questões, gerando novos índices, que poderão configurar 
novos conceitos, na ordem da terceiridade. 
A tese reúne, em torno de questões centrais que 
emergiram durante o processo de pesquisa, afirmações 
feitas por um ou mais profissionais em diferentes 
momentos. É importante observar que o contato com os 
entrevistados – especialmente os ilustradores – pode ter 
levantado questões que, para eles, ainda não teriam 
emergido como motivo de reflexão. Surgiram contradições 
entre depoimentos feitos em diferentes momentos ou nas 
respostas de diferentes perguntas, de um mesmo 
ilustrador. Entre os signos das suas falas, pode-se 
configurar objetos imediatos na ordem da primeiridade, 
secundidade e terceiridade. No decorrer do texto da tese, 
alguns aspectos permanecem na ordem da primeiridade e 
secundidade. Por se tratar de um trabalho científico, 
entretanto, ressalta-se aspectos na terceiridade, de forma a 
poder confirmar ou não a hipótese de que a atividade de 
ilustração situa-se na fronteira de concepções jornalísticas 
e artísticas. 
Há um pouco de caráter jornalístico na forma deste 
trabalho, em função do grande número de entrevistas 
realizadas para a sua realização. O material dessa pesquisa 
são depoimentos, ou seja, objetos imediatos, mas o objeto 
40
Gilmar Hermes 
42 
dinâmico que se tem em vista são as práticas jornalísticas 
e artísticas. Há que se considerar, no entanto, que existe 
muita dificuldade para entendê-las fora da ordem do 
discurso (plano simbólico), pois elas estão cercadas de 
elementos conceituais. O que se busca na comparação, 
justaposição e relação entre as falas – citadas sempre com 
a fonte em itálico – é aquilo que as ultrapassa no seu 
conjunto e que pode configurar a atividade de ilustração 
jornalística, entre elementos da ordem da estética e das 
teorias do jornalismo, numa abordagem semiótica. 
As ilustrações são uma prática de ordem estética e 
jornalística. Elas tendem a ser negligenciadas nas 
abordagens da imprensa, como se não integrassem o 
jornal. Não podemos pensar somente os textos verbais 
jornalísticos e as fotografias, sem a indispensável 
consideração a essa parte do jornal. É limitada, nesse 
sentido, a visão de que somente o discurso verbal e as 
fotografias constituem o jornalismo em essência, o que 
repercute nas limitações do mercado de trabalho para 
ilustradores. 
Uma atenção crescente aos aspectos estéticos da 
produção jornalística torna-se importante pela relevância 
da visualidade das diferentes mídias de caráter impresso, 
especialmente com a influência cada vez maior da 
multimídia. As ilustrações são, geralmente, vinculadas aos 
textos, mas, nesta pesquisa, em entrevistas e 
acompanhamento do trabalho de editores de arte e 
ilustradores, observou-se a possibilidade de um certo grau 
de autonomia, o que é próprio do plano estético. Entre as 
tendencialidades, uma das questões mais importantes 
pode ser a "liberdade" no momento de sua criação. Isso é, 
sem dúvida, um problema de ordem estética, que se 
depara, também, com paradigmas jornalísticos, entre os 
41
Uma metodologia semiótica 
43 
quais a busca de autonomia caracteriza o processo de 
profissionalização. 
Os artistas e os ilustradores comentam que o que 
caracteriza e diferencia a arte é a “liberdade” de criação. 
Os estudos teóricos de jornalismo também pressupõem 
que a “liberdade” é inerente à prática jornalística, 
especialmente quanto às diferentes formas de censura às 
quais os jornais podem ser submetidos (TRAQUINA, 
2004). Então, evidentemente, essa é uma questão 
importante a ser tratada na relação dos campos “artístico” 
e “jornalístico”. 
Ao longo do trabalho, apresenta-se inicialmente os 
pressupostos teóricos da semiótica peirceana, as bases 
teóricas do jornalismo, as definições de ilustração 
jornalística e os conceitos relacionados, como os de 
caricatura e de história em quadrinhos; e noções 
fundamentais de estética e de história da arte. 
Explicita-se as propostas dos artistas plásticos em 
relação à realização de ilustrações no jornal Folha de São 
Paulo e como eles veem esse meio e suas características, 
analisando o resultado concreto de suas ideias em imagens 
publicadas. 
Através da observação das rotinas e análise de 
ilustrações, nota-se como são os processos produtivos dos 
ilustradores profissionais. Define-se o que vem a ser o 
estilo, as técnicas utilizadas, a relação estabelecida com as 
atividades jornalísticas de infografia e fotografia, as 
relações estabelecidas com editores e redatores, e a 
maneira como as concepções artisticas dialogam com a 
ilustração. Chega-se à problematização da dimensão 
estética comoum espaço de liberdade. 
Para pensar as ilustrações jornalísticas, é 
necessário situá-las em relação ao modo que o jornalismo 
vem sendo estudado e também à reflexão estética e da 
42
Gilmar Hermes 
44 
história da arte. Nesse sentido, visando à análise dessa 
forma de produção, situa-se junto às pesquisas conhecidas 
como interacionistas – que seguem à tradição dos estudos 
de newsmaking. Opta-se por um viés semiótico e tem-se, 
como pano de fundo, como um efeito colateral produtor de 
sentido, elementos da história da arte. 
Os estudos sobre jornalismo inserem-se no 
conjunto de teorias da comunicação, associando-se a 
estudos científicos que analisam a ação das mídias nas 
sociedades e suas estruturas internas. Revelam a 
construção de concepções de comunicação, tendo como 
um dos aspectos principais o “valor/notícia”. O estudioso 
Nelson Traquina vem contribuindo, de uma maneira 
singular, com trabalhos que informam sobre os principais 
estudos que hoje são tópicos da pesquisa em jornalismo. 
Além disso, ele oferece suas investigações que contribuem 
para a compreensão e o aperfeiçoamento da atividade 
jornalística. 
No nosso contexto acadêmico, os referenciais 
teóricos do jornalismo passaram, pouco a pouco, de um 
suporte técnico das práticas profissionais e da 
configuração de uma atividade específica, para uma visão 
crítica, cada vez mais complexa, dessa forma de trabalho. 
Buscam entender o seu papel, em termos epistemológicos, 
bem como sobre o seu tipo de ação social. 
Na leitura de uma obra para outra de Nelson 
Traquina, percebe-se como a abordagem científica do 
jornalismo amadurece, definindo-se marcos e questões 
cada vez mais evidentes desse campo, ao lado de novas 
abordagens. Também a teoria semiótica, através do 
conceito de semiose, de acordo com Ronaldo Henn 
(2002), é uma importante ferramenta metodológica para 
estudos da produção jornalística. 
43
Uma metodologia semiótica 
45 
Apesar de o compromisso ético dos jornalistas 
consistir, evidentemente, em não transgredir as fronteiras 
entre realidade e ficção, Traquina (2004) questiona a 
ideologia profissional que apresenta o jornalismo como 
sinônimo de realidade. Por trás dessas ideias que 
perpassam as rotinas, está a Teoria do Espelho, que se 
constituiu a partir da própria configuração do jornalismo 
como campo profissional. 
A teoria do espelho e a ideia de objetividade estão 
plenamente associadas e correspondem à tentativa de 
definir eticamente e logicamente o papel social do 
jornalismo. São o ponto de partida que se depara hoje com 
diversos limites críticos. Os jornais, na sua ação efetiva, 
demonstram pretensas maneiras de tratar a realidade. 
Essas, de certa forma, podem ser contestadas pelas teorias 
da linguagem, semióticas e de análise do discurso. A 
definição de uma categoria profissional e um modo 
específico de tratar a realidade, em função de prestar a 
informação, no entanto, levou à constituição de um tipo de 
conhecimento relacionado a essa atividade. Isso evidencia 
a necessidade das teorias do jornalismo. 
Traquina (2004) vincula a atividade do jornalismo 
à democracia e, assim, questiona as relações que se 
estabelecem entre jornalismo e poder. O relacionamento 
com as fontes de informação, por exemplo, é uma questão 
fundamental do jornalismo. Esse aspecto se depara com o 
problema da “autonomia”, com o tipo de ação profissional 
almejado por todo jornalista, mas se torna problemática 
diante das formas conceituais e organizacionais da 
atividade. O jornalismo pode ser observado nas práticas e 
ter, nas teorias, um ponto de vista constatador e crítico. 
Diferente do pesquisador italiano Mauro Wolf 
(2001), que menciona as consagradas teorias do agenda-
settting, do gatekeeper e de newsmaking, Traquina (2004) 
44
Gilmar Hermes 
46 
cita as teorias do espelho, do gatekeeper, a organizacional, 
de ação política, as construcionistas, a estruturalista e a 
interacionista – essa última da qual se diz partidário. 
Considera que elas não se excluem e que não são, 
obrigatoriamente, independentes umas das outras. As 
teorias do agenda-setting e gatekeeper estão intimamente 
relacionadas, por trabalharem com a ideia de seleção. 
No segundo volume de suas Teorias do 
Jornalismo, Traquina (2005) afirma que sua intenção é 
“[...] testar as conclusões principais da já vasta literatura 
de ‘newsmaking’ que se acumulou durante os últimos 
cinquenta anos.” (TRAQUINA, 2005, p.14.). Dessa 
forma, mostra que o termo newsmaking pode estar 
englobando teorias voltadas para a produção jornalística, 
como é o caso da organizacional e da interacionista. 
Ao descrever estudos teóricos sobre o jornalismo, 
no livro Jornalismo: Questões, Teorias e “Estórias”, 
Traquina (1993) informou que as análises de conteúdo 
foram enriquecidas com as análises etnometodológicas de 
cientistas sociais. Esses, “[...] seguindo o exemplo do 
jornalista em reportagem, foram aos locais de trabalho, 
[...] e observaram com olhos analíticos e críticos” 
(TRAQUINA, 1993, p.15). Observando as rotinas 
jornalísticas, os procedimentos que se repetem, os 
constrangimentos e os valores norteadores das atividades 
diárias, pesquisadores como Gaye Tuchman, John Soloski, 
Philip Schlesinger e Warren Breed teceram observações 
questionadoras dos preceitos que guiam as práticas 
profissionais e os resultados alcançados, entre os quais a 
teoria do espelho. 
John Soloski (1993) nota que a “[...] ideologia do 
profissionalismo tem fortes componentes anti-lucro e 
antimercado que estão manifestos na idéia de serviço à 
sociedade”. Enquanto haveria a formação “educacional” 
45
Uma metodologia semiótica 
47 
do jornalismo, é no exercício da profissão, porém, que os 
jornalistas compartilham de uma base cognitiva. Dessa 
forma, apesar de um idealismo “anti-lucro”, que poderia 
existir, os profissionais tenderiam a se harmonizar com as 
regras de empresas capitalistas. 
A ideia de “objetividade”, conforme Soloski 
(1993), seria uma das regras mais importantes, que 
consiste em relatar os fatos da maneira mais equilibrada e 
imparcial. “Cabe ao jornalista procurar os fatos de todos 
os lados ‘legítimos’ de um assunto, e relatar depois os 
fatos de um modo imparcial e equilibrado.” (SOLOSKI, 
1993, p.96.) Para o autor, esta é uma maneira prática de 
lidar com as necessidades dos profissionais, das empresas 
e dos públicos. 
A teoria semiótica5, através das noções de 
“semiose” e “interpretante”, demonstra como as 
mediações sígnicas são complexas. Por maior que seja a 
correspondência com o objeto dinâmico, as representações 
sempre dão conta desse objeto sob algum aspecto. Isso 
pode ser realizado, de acordo com conceitos pré-
existentes, na categoria fenomenológica da terceiridade, 
que pode ser também entendida como “ideologia” no 
contexto jornalístico, expresso pelos valores/notícia. 
Pelas “normas do profissionalismo”, poderíamos 
entender a cultura profissional. Essa, segundo Soloski, está 
em constante negociação com as políticas editoriais. 
 
A natureza organizacional das notícias é 
determinada pela interação entre o mecanismo de 
controle transorganizacional representado pelo 
profissionalismo jornalístico e os mecanismos de 
controle representados pela política editorial. [...] 
 
5 Ao longo da tese, reelabora-se também as Teorias do Jornalismo a partir 
de apropriações oriundas da Teoria Geral dos Signos. 
46
Gilmar Hermes 
48 
As fronteiras são suficientemente amplas para 
permitir aos jornalistas alguma criatividade na 
reportagem, edição e apresentação das ‘estórias’. 
Por outro lado, as fronteiras são suficientemente 
estreitas para se poder confiar que os jornalistas 
agem no interesse da organização jornalística. 
(SOLOSKI, 1993, p. 100.) 
 
Esses aspectos podem ser observados nas 
entrevistas realizadas nessa pesquisa, nas quais os 
ilustradores afirmam que realmente existem regras não-
explícitas, percebidas nas práticas cotidianas. Mesmo 
assim,os entrevistados demonstram que almejam uma 
maior autonomia, em cuja definição entrariam concepções 
vinculadas à cultura profissional do jornalismo e uma 
visão do caráter artístico dessa atividade. 
Mauro Wolf (2001) explica que os estudos de 
newsmaking colocam-se entre a “[...] a cultura 
profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e 
dos processos produtivos” (WOLF, 2001, p. 188.) Esse 
tipo de pesquisa busca identificar as relações e as 
conexões entre esses dois aspectos. Dentre eles é que vai 
se compreender como, por exemplo, entre uma abundância 
de fatos, somente alguns passarão a ser notícia para o 
veículo. O que é notícia não teria um valor idiossincrático, 
mas faz parte de um reconhecimento coletivo do que é 
notável e do que pode ser trabalhado de maneira 
planificada. 
 
[A cultura profissional seria uma mistura de 
retóricas e táticas,] de códigos, estereótipos, 
símbolos, tipificações latentes, representações de 
papéis, rituais e convenções, relativos às funções 
dos mass media e dos jornalistas na sociedade, à 
concepção do produto-notícia e às modalidades 
47
Uma metodologia semiótica 
49 
que superintendem à sua confecção. 
(GARBARINO, 1982, apud WOLF, 2001, p.189.) 
 
Wolf evidencia que o produto jornalístico resulta 
de uma série de acordos, praticamente orientados, em 
torno do que é escolhido para a publicação e como isso é 
publicado. Os “valores/notícia (news values)” ajudam a 
determinar o que deve ser publicado. “[São] critérios de 
relevância espalhados ao longo de todo o processo de 
produção; isto é, não estão presentes apenas na seleção 
das notícias, participam também as operações posteriores, 
embora com um relevo diferente.” (WOLF, 2001, p. 196.) 
Considerando os estudos partilhados sobre os 
valores/notícia pelos autores Johan Galtung e Marie 
Holmboe Ruge, além dos de Richard V. Ericson, Patricia 
M. Baranek e Janet B. L. Chan, Traquina (2005) observa 
que Wolf foi o primeiro a perceber que os valores-notícia 
estão presentes ao longo de todo o processo de produção 
jornalística, não somente na seleção dos acontecimentos, 
mas ainda no processo de elaboraçao da notícia. 
Em termos peirceanos, os valores/notícia seriam 
hábitos, princípios-guias que dão sentido às coisas das 
práticas cotidianas, nas rotinas jornalísticas. 
 
Os jornalistas não podem, obviamente, decidir 
sempre ex novo como devem selecionar os fatos 
que surgiram: isso tornaria o seu trabalho 
impraticável. A principal exigência é, por 
conseguinte, rotinizar tal tarefa, de forma a torná-
la exequível e gerível. Os valores/notícia servem, 
exatamente, para esse fim. [...] [Os] valores/notícia 
devem permitir que a seleção do material seja 
executada com rapidez, de um modo quase 
‘automático’, e que essa decisão se caracterize por 
um certo grau de flexibilidade [...] (WOLF, 2001, 
p. 197.) 
48
Gilmar Hermes 
50 
Mudando com o tempo, os valores/notícia 
pressupõem uma semiose que se produz nas práticas 
jornalísticas. Essas podem ser vistas como réplicas ou não, 
através dos sentidos que se reproduzem e que, 
efetivamente, são criados em torno desses conceitos, na 
ordem da terceiridade. Wolf (2001) aponta, como 
exemplo, as páginas voltadas para os chamados assuntos 
culturais. Elas abordam espetáculos e artes, que antes não 
constituíam notícia e, hoje, são qualificadas desse modo, 
em função das mudanças. Essas mudanças são produzidas 
no interior dos veículos, na relação com outras mídias, nas 
relações com os públicos, correspondendo às respectivas 
transformações dos contextos sociais. 
Os valores/notícia derivam de pressupostos 
implícitos ou de considerações relativas ao conteúdo da 
notícia, à disponibilidade do material e aos critérios 
relativos ao produto informativo, ao público e à 
concorrência. Quanto ao seu conteúdo, a notícia se 
valoriza pelo nível hierárquico dos indivíduos envolvidos 
no fato, o impacto sobre o interesse no contexto 
geográfico ou sociopolítico, a quantidade de pessoas que o 
fato envolve ou a relevância que o acontecimento possa ter 
no seu futuro desenvolvimento. 
O professor Ronaldo Henn contribui com as 
pesquisas na linha interacionista, ao apropriar-se das 
teorias semióticas, para pensar a produção jornalística, nos 
seus livros Pauta e Notícia (1996) e Os Fluxos da Notícia 
(2002). Segue a linha de pesquisa conhecida como “crítica 
genética”, com o aporte peirceano desenvolvido por 
Cecília Salles (2000). Busca observar as rotinas 
jornalísticas através de “documentos de processo”, que 
servem como uma forma de registro dos movimentos de 
produção. 
 
49
Uma metodologia semiótica 
51 
São documentos processuais que mostram o 
acompanhamento metalinguístico do processo ou 
registros de reflexões de uma maneira geral. Como 
exemplo teríamos as anotações, diários e 
correspondências. (SALLES, 2000, p.37.) 
 
Tomando o conceito de semiose como um aspecto 
central, Henn (1996) questiona como os elementos da 
realidade são transformados em notícia, considerando que 
os procedimentos de pauta já produzem interpretantes 
antes da reportagem e que os fatos são mediados pelas 
fontes. 
Na observação das práticas em jornais brasileiros 
de grande circulação, esse autor nota que o texto 
jornalístico é um produtor de sentido sobre a realidade, a 
partir de interpretantes gerados no interior das 
organizações. Isso ocorre com mediações estabelecidas 
por meio dos valores/notícia, além de estar circunscrito às 
mediações feitas sobre os fatos pelo acesso às fontes de 
caráter oficial geralmente. 
Esse autor, no entanto, chama a atenção para o 
aspecto da “causação final”, a partir da semiótica 
peirceana. Apesar de todos os signos poderem mediar o 
objeto dinâmico somente sob algum aspecto, 
determinando assim interpretantes, esse objeto mantém a 
sua potencialidade de gerar novas semioses. “Possui uma 
‘verdade’ inerente, cuja revelação potencial é a essência 
da causação final, que, no fundo, nunca se completa, dado 
o caráter infinito desse processo.” (HENN, 2002, p.63.) 
Tendo como pano de fundo a teoria falibilista de 
Peirce, Henn, no conjunto da sua pesquisa, questiona as 
práticas jornalísticas do ponto de vista ético. Afirma que a 
diversificação de linguagens e modos de produção pode 
contribuir para uma melhor compreensão da realidade, 
com diferentes formas de mediação. 
50
Gilmar Hermes 
52 
No sentido de identificar esses critérios e preceitos 
do jornalismo, na atividade da ilustração, foram realizadas 
entrevistas com os editores, ilustradores e artistas 
plásticos, ao lado do exercício de observação das rotinas 
nas redações dos jornais Zero Hora, Estado de São Paulo 
e Jornal da Tarde. Na Folha de São Paulo, optou-se por 
somente entrevistar os ilustradores, pois a observação das 
rotinas voltadas especificamente para o veículo se tornou 
impossível, já que eles trabalham separadamente, em seus 
estúdios particulares ou residências. 
As entrevistas feitas com os artistas plásticos se 
diferenciam daquelas feitas com os ilustradores, pois, no 
seu caso, optou-se por uma perspectiva que considere o 
seu posicionamento como artistas, indagando mais 
diretamente o papel da arte no contexto jornalístico. No 
caso dos ilustradores, nem sempre eles podem falar nessa 
perspectiva artística, embora alguns sejam também artistas 
plásticos. Foi, no entanto, com os ilustradores que se pode 
obter, com maior propriedade, elementos que evidenciam 
as rotinas jornalísticas, sem desconsiderar uma possível 
perspectiva artística diante do seu trabalho. 
Principalmente pelo referencial das teorias voltadas 
à produção jornalística, a pesquisa está embasada em 
estudos de campo, com entrevistas e observações do 
cotidiano profissional, demonstrando aspectos dos 
trabalhos de dezenas de ilustradores e artistas plásticos 
consultados, ao lado da análise semiótica dos seus 
produtos. Nesse conjunto de observações, buscou-se 
identificar semioticamente como os valores/notícia se 
manifestam na práticas das

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