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CONSTITUIÇÃO EM LASSALLE Com base na leitura de LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição . 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Ferdinand Lassalle, nascido em 1825 em Breslau, foi um clássico do pensamento político constitucional. Não se notabilizou como jurista ou intelectual erudito, contudo, produziu trabalhos de significativa importância filosófica. Sua contribuição ao pensamento jurídico clássico, que o consagrou entre os constitucionalistas, foi “A Essência da Constituição”, de 1863 . Além de notável constitucionalista, também consagrou-se como precursor da sociologia jurídica, enquanto teoria crítica da ordem jurídica. Seu pensamento jurídico foi influenciado por preocupações políticas e sociológicas , permeadas pelo pensamento socialista em formação e em desenvolvimento na Alemanha. Sua obra “A Essência da Constituição” é um dos únicos trabalhos constitucionais ou sobre sociologia das constituições de alcance acadêmico e popular, que se dedica ao estudo dos fundamentos essenciais, e não formais, de uma Constituição. A obra foi influenciada por trabalhos anteriores, sendo eles “Aos trabalhadores de Berlim” (1863) e “Força e Direito” (1863). Seu pressuposto jurídico é de que as constituições não provêm de ideias ou princípios que se sobrepõem ao homem, mas dos sistemas que os homens criam para se dominarem entre si, ou para se apropriarem da riqueza socialmente produzida . O autor intuiu, nos limites em que o pensamento jurídico e sociológico da época permitiam, parâmetros gerais de modernas teorias jurídicas. Para Lassalle, as instituições jurídicas são os fatores reais do poder transcritos em folha de papel . A ordem jurídica é um mero instrumento escrito com objetivo de coagir condutas através da ameaça de punição. O autor também contribui à teoria do voto universal e direto como instrumento do poder e democratização do Estado. Lassalle entende que o problema constitucional é exclusivamente político , logo, deve ser resolvido politicamente. O autor não acredita que o legislativo possa emendar as constituições, pois provocará sempre reações. Também desacredita que as assembleias nacionais possam romper com as contradições entre as forças que apoiam a Constituição real e a consciência nacional rebelada. Em suma, a tese principal da obra divide a Constituição em dois conceitos básicos: a Constituição real (fatores reais do poder) e a Constituição escrita (folha de papel) . A Constituição escrita boa e duradoura deve se apoiar na Constituição real. Predomina na ciência política hoje em dia uma abordagem que se aproxima muito da tese de Lassalle - entende-se que é necessário distinguir aquilo que é uma constituição fixada, um instrumento jurídico formal e artificial em folhas de papel, e o FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 9 modo como a comunidade política está realmente organizada (função das forças políticas realmente existentes). Os fatores reais do poder São os fundamentos sociológicos das Constituições, o conjunto de forças que atuam politicamente, com base na lei, para conservar as instituições jurídicas vigentes . ➔ Fatores reais do poder: força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são. Entre eles se encontram a monarquia, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiras e, com conotação específica, a pequena burguesia e a classe operária. O exército e as forças policiais são instrumentos desses fatores, especificamente, como instrumentos do agente unitário do poder, o rei. Se os fatores reais afetarem a consciência coletiva, o povo necessariamente se rebelará. ★ Exemplificando: a ação dos fatores reais de poder sob a lei. Lassalle utiliza como exemplo um grande incêndio, no qual são destruídos todos os exemplares das leis num país de regência monárquica (é importante considerar o contexto histórico no qual Lassale se inseriu). Supondo que o legislador, completamente livre, possa formular as novas leis, decidindo que não reconhece a monarquia (até então amparada pelas leis destruídas). O monarca responderia que mesmo destruídas as leis, a realidade é que o exército o obedece, bem como os comandantes e os quartéis podem ir às ruas com qualquer ordem sua. Ou seja, ainda que haja possibilidade de livremente construir as leis, elas não podem se afastar da realidade. Lassalle x Kelsen: a norma fundamental Não há consenso conceitual entre os juristas acerca da lei fundamental. Para Lassalle, confundindo-se com os fatores reais do poder, ela é uma exigência da necessidade dos próprios fatores do poder. Em Kelsen, a norma fundamental é dotada de contornos teóricos mais amplos, contudo, não se confunde com a própria constituição, fato que ocorre em Lassalle. Lassalle entendia que o formalismo jurídico era um instrumento para transformar fatores escusos em princípios lúcidos e coerentes. O que é uma Constituição? Lassalle aponta que apresentar a matéria concreta de uma determinada Constituição não pode responder a essa pergunta. Do mesmo modo, o autor afirma que descrever como se formam ou o que fazem as constituições não explica o que é uma Constituição. Para compreender o que é uma Constituição é necessário conhecer a verdadeira essência da Constituição. FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 10 Para ele, a Constituição é a fonte primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais . A essência da Constituição é a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação. Ao juntar esses fatores e escrevê-los, eles adquirem expressão escrita, tornando-se direito - instituições jurídicas. Lei e Constituição A lei e a Constituição têm uma essência genérica comum . A Constituição é uma lei, contudo não como as outras, não uma simples lei . Bem como as demais leis, ela necessita de aprovação legislativa, contudo, o processo de alteração das leis e da Constituição é diferente - não há repercussão na criação de novas leis (alterações no conjunto legal), já a alteração das Constituição é muito maiscomplexa e notável. Lassalle afirma que no espírito unânime dos povos, a Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum. Ela não é uma lei como as outras, pois é a lei fundamental da nação . Como lei fundamental da nação, ela deve ser dotada dos seguintes critérios: Ser uma lei básica, mais do que as demais. Constituir o verdadeiro fundamento das outras leis. Se reger pela necessidade, existir pela necessidade ativa. Cabe pontuar que, uma vez promulgada, não podem ser decretadas leis contrárias à ela. O poder organizado e o poder inorgânico Lassalle aponta duas formas de poder: o organizado e o inorgânico. O poder organizado é o instrumento do poder político do rei, o exército, que pode se reunir a qualquer hora, utilizado sempre que necessário e dotado de disciplina única. Já o poder inorgânico , que se apoia na nação, embora infinitamente maior, não é organizado. A vontade do povo não é sempre fácil de pulsar, não é possível de ser contabilizado ao iniciar uma ação (saber quantos vão ou não apoiá-la), e não possui instrumentos de poder organizado (armas). No que diz respeito aos instrumentos de poder organizado, Lassalle cita a frase de Virgílio: Sie vos non vobis! /Tu, povo, fabrica-os e paga-os, mas não para ti! Por essa razão as forças organizadas podem se sustentar por longos períodos de tempo, sufocando o poder mais forte, mas desorganizado de um país . Ainda assim, é possível que a população, cansada, se levante contra o poder organizado , opondo-lhe sua formidável supremacia (ainda que desorganizada). FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 11 O poder organizado e disciplinado sempre se encontra em condições de enfrentar qualquer ataque, vencendo sempre, exceto em casos isolados, nos quais o sentimento nacional se aglutina, em momentos históricos de grande emoção, e num esforço supremo vence o poder organizado do exército. A Constituição real e a Constituição escrita A Constituição real e efetiva é aquela integrada pelos fatores reais de poder que regem a sociedade . Todos os países a possuem , visto que não é possível imaginar uma nação na qual não existam fatores reais de poder. Os fatos, precedentes, os princípios do direito público, pergaminhos, foros, estatutos e privilégios reunidos formavam a Constituição, exprimindo os fatores reais do poder que regiam o país. A Constituição escrita é a “folha de papel”. Sua missão é estabelecer documentalmente, numa folha de papel, as instituições e princípios do governo vigente . De onde provém a aspiração, característica da modernidade, de possuir uma Constituição escrita? Do fato de que os elementos reais do poder, imperantes dentro do país, tenham se transformado. Sem a transformação, os fatores permaneceriam os mesmos, e as sociedades nem mesmo desejariam ter uma Constituição para si. ★ Exemplificando: os fatores reais do poder na construção da Constituição. Em um Estado pouco povoado da Idade Média, sob domínio governamental de um príncipe e com uma nobreza que tomou para si a maior parte da propriedade territorial. Pouco parte da população se dedica ao comércio e à indústria, a maior parcela trabalha na agricultura para garantir sua alimentação. Visto que a nobreza impera sob o domínio das terras, todos estão submetidos ao seu poder. O príncipe possui apenas o próprio poder da nobreza para se impor à ela. A Constituição desse país não pode ser outra coisa que não uma Constituição feudal, com a nobreza em lugar de destaque, restando ao príncipe um lugar de igual na hierarquia. Em caso de revolução, o direito privado continua válido, contudo, as leis do direito público desmoronam. A Constituição escrita apenas será boa e duradoura quando corresponder à Constituição real, com raízes nos fatores do poder que regem o país . Quando a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito - a Constituição escrita, mais cedo ou mais tarde, sucumbirá perante a Constituição real. Lassalle utiliza o seguinte exemplo: se plantar no quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga “essa árvore é uma figueira”, a planta continuará sendo uma macieira. Ainda que os conhecidos, em forma de solidariedade, confirmem ser uma figueira, os frutos continuarão sendo maçãs - segundo o autor, o mesmo acontece com as Constituições. FERNANDA CAUS PRADO TEORIA CONSTITUCIONAL 12
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