Buscar

GIDDENS, A - A Constituição da Sociedade e As Consequências da Modernidade

Prévia do material em texto

A constituição da Sociedade
I. Elementos da Teoria da Estruturação
A teoria da estruturação abandona a dicotomia entre análises focadas na experiência do ator individual e nas formas de totalidade estrutural, procurando observar "as práticas sociais ordenadas no espaço e no tempo" (2). As atividades humanas são recursivas, ou seja, são continuamente recriadas pelos atores através dos meios pelos quais se expressam enquanto tais. "Em suas atividades, e através destas, os agentes reproduzem as condições que tornam possíveis essas atividades" (3). Cognoscitividade: "tudo que os atores sabem (creem) acerca de circunstâncias de sua ação e da de outros, apoiados na produção e reprodução dessa ação incluindo tanto o conhecimento tácito quanto o discursivamente disponível" (440); "a descrição de atividades humanas requer familiaridade com as formas de vida expressas naquelas atividades" (3). Reflexividade: monitoração contínua do fluxo contínuo da vida social, esperando o mesmo dos outros, só sendo possível pelo caráter de continuidade de certas práticas ao longo do tempo e do espaço; é uma característica crônica da ação cotidiana.
O agente, a agência.
A reflexividade pressupõe que "os atores não só controlam e regulam continuamente o fluxo de suas atividades e esperam que os outros façam o mesmo por sua própria conta, mas também monitoram rotineiramente aspectos, sociais e físicos, dos contextos em que se movem" (6). Assim, depende de uma racionalização da ação, de maneira a manter um contínuo "entendimento teórico" das bases das atividades dos atores. Tendo razões para suas atividades, os atores, agentes competentes, também estão aptos a explicar a maior parte do que fazem, caso seja solicitado.
Monitoração reflexiva e racionalização da ação são distintas de sua motivação, das necessidades que instigam à ação. A motivação está relacionada ao potencial de uma ação, mais do que propriamente o modo como ela é executada pelo agente. Segundo Giddens, o motivo fornece planos, diretrizes, globais, a partir dos quais há uma gama de condutas possíveis, de maneira que sua influência direta só é percebida em situações mais incomuns.
A ação humana ocorre em durée, em um fluxo contínuo de conduta, de ação intencional, os quais podem, e têm, consequências não previstas, as quais "podem sistematicamente realimentar-se para constituírem as condições nãos reconhecidas de novos atos" (9). Um ato intencional é aquele em que o ator sabe, ou acredita, que terá um efeito ou qualidade, em que este conhecimento é utilizado para obter tal efeito ou qualidade. O que o agente faz de fato é diferente do que é pretendido, dos aspectos intencionais da ação.
Agência e poder.
Um agente é definido por sua capacidade de exercer alguma espécie de poder, de criar uma diferença no estado de coisas ou curso de eventos preexistente. "Ser um agente é ser capaz de exibir (cronicamente, no fluxo da vida cotidiana) uma gama de poderes causais, incluindo o de influenciar os manifestados por outros" (17). Assim, Giddens afirma que "a ação envolve logicamente poder no sentido de capacidade transformadora (...), o poder é logicamente anterior à subjetividade, à constituição da monitoração reflexiva da conduta" (17). Na mesma página, lembra que "as circunstâncias de coerção social, em que os indivíduos 'não têm escolha', não podem ser equiparadas com a dissolução da ação como tal. (...) não significa que a ação foi substituída por reação".
Estrutura, estruturação.
"Os conceitos de 'sistema' e de 'estruturação' cumprem muito da função que geralmente é atribuída à 'estrutura'" (22).
Pg. 20 – "Ao analisar relações sociais, temos de reconhecer tanto uma dimensão sintagmática, a padronização de relações sociais no tempo-espaço envolvendo a reprodução de práticas localizadas, quanto uma dimensão paradigmática, envolvendo uma ordem virtual de 'modos de estruturação' recursivamente implicados em tal reprodução". "Às propriedades estruturais mais profundamente embutidas, implicadas na reprodução de totalidades sociais, chamo de princípios estruturais". 
Para Giddens, a estrutura se refere tanto às regras de transformação quanto a seus recursos, "às propriedades de estruturação que permitem 'delimitação' de tempo-espaço em sistemas sociais, às propriedades que possibilitam a existência de práticas sociais discernivelmente semelhantes por dimensões variáveis de tempo e de espaço, e lhes emprestam uma forma "sistêmica'". "Uma das principais proposições da teoria da estruturação é que as regras e os recursos esboçados na produção e na reprodução da ação social são, ao mesmo tempo, os meios de reprodução do sistema (a dualidade da estrutura)" (22). As regras da vida social são tidas como "técnicas ou procedimentos generalizáveis aplicados no desempenho/reprodução de práticas sociais" (25), sendo generalizáveis porque se aplicam a uma vasta gama de contextos e ocasiões; procedimentos porque permitem a continuação metódica de uma sequência estabelecida (24). 
"A consciência de regras sociais, expressa sobretudo na consciência prática, é o próprio âmago daquela 'cognoscitividade' que caracteriza especificamente os agentes humanos. Como atores sociais, todos os seres humanos são altamente 'instruídos' no que diz respeito ao conhecimento que possuem e aplicam na produção e reprodução de encontros sociais cotidianos; o grande volume desse conhecimento é, em sua maioria, de caráter mais prático do que teórico" (25). 
A dualidade da estrutura.
Estrutura – Conjuntos de regras e recursos recursivamente organizados, ou conjuntos de relações de transformação, organizados como propriedades de sistemas sociais, estão fora do tempo e do espaço e são organizados como propriedades de sistemas sociais.
Sistema – onde a estrutura está recursivamente implicada, compreendem as atividades localizadas de agentes humanos, as relações reproduzidas entre atores ou coletividades, organizadas como práticas sociais regulares através do tempo e do espaço.
Estruturação - os modos como os sistemas, "fundamentados nas atividades cognoscitivas de atores localizados que se apoiam em regras e recursos na diversidade de contextos de ação, são produzidos e reproduzidos em interação" (30). Nesse sentido, trata-se das condições governando a continuidade ou transmutação de estruturas, ou seja, a reprodução de sistemas sociais. Assim, a estrutura é mais interna do que externa aos indivíduos, pois trata-se de traços memorizados e é exemplificada em práticas sociais. Ademais, "estrutura não deve ser equiparada a restrição, a coerção, mas é sempre, simultaneamente, restritiva e facilitadora" (30). 
Teorema da dualidade da estrutura – agentes e estruturas não são dados independentemente, sob a forma de um dualismo (sendo, também, incompatíveis), mas representam uma dualidade (qualidade daquilo que contém em sua essência duas substâncias). É desse modo que o autor entende que "as propriedades estruturais de sistemas sociais, são, ao mesmo tempo, meio e fim das práticas que elas recursivamente organizam" (30). Nesse sentido, afirma que o momento da produção da ação é, ao mesmo tempo, um momento de reprodução nos contextos do desempenho cotidiano da vida social, de maneira que os agentes também reproduzem as condições que tornam possível tal ação. "A estrutura não tem existência independente do conhecimento que os agentes possuem a respeito do que fazem em sua atividade. Os agentes humanos sempre sabem o que estão fazendo no nível da consciência discursiva, sob alguma forma de descrição" (31). "A dualidade da estrutura é sempre a base principal das continuidades na reprodução social através do espaço-tempo. Por sua vez, pressupõe a monitoração reflexiva (e a integração) de agentes da durée da atividade social cotidiana. Mas a cognoscitividade humana é sempre limitada. O fluxo da ação produz continuamente consequências que não estavam nas intenções dos atores" (31).
Integração - reciprocidade de práticas (de autonomia e dependência) entre atores ou coletividades. Integração social significa "sistemidade" no nívelda interação face a face, ou seja, reciprocidade entre atores em contextos de copresença. Integração de sistema versa sobre as conexões com aqueles fisicamente ausentes no tempo ou no espaço, ou seja, sobre reciprocidade entre atores ou coletividades através do tempo-espaço ampliado. 
II – Estrutura, sistema, reprodução social
O dualismo "indivíduo" e "sociedade" é reconstituído como dualidade agência e estrutura.
Sociedades, sistemas sociais.
É preciso reconhecer "que as totalidades sociais só são encontradas dentro do contexto de sistemas intersociais distribuídos ao longo das extremidades do tempo-espaço" (193). "As 'sociedades' são, pois, sistemas sociais que 'se destacam' em baixo-relevo de um fundo constituído por toda uma série de outras relações sistêmicas, nas quais elas estão inseridas. Destacam-se porque princípios estruturais definidos servem para produzir um 'aglomerado de instituições' global especificável através do tempo e do espaço" (194). Outras características incluem: associação entre sistema social e um local ou território específico, os quais não necessariamente são fixos; elementos normativos que envolvem pretensão de legítima ocupação do local; preponderância entre os membros de sentimentos que possuem alguma identidade comum, seja como for que se expressem ou revelem, não necessariamente concordando que sejam apropriados ou corretos.
Estrutura e coerção: Durkheim e outros.
"A teoria da estruturação baseia-se na proposição de que a estrutura é sempre tanto facilitadora quanto coerciva, em virtude da relação inerente entre estrutura e agência (agência e poder)" (199). "A estrutura [é] concebida como uma propriedade dos sistemas sociais, 'contida' em práticas reproduzidas e inseridas no tempo e no espaço. (...) [a longa duração] de instituições tanto precede quanto ultrapassa as vidas dos indivíduos nascidos numa determinada sociedade" (200). "As sociedades humanas, ou os sistemas sociais, não existiriam, em absoluto, sem a agência humana. Mas não se trata de que os agentes, ou autores, criam sistemas sociais: eles os reproduzem ou transformam, refazendo o que já está feito na continuidade da práxis" (201). 
"As coerções fundamentais sobre a ação estão associadas às influências causais do corpo e ao mundo material. (...) Capacidade e restrições (...), dentro de cenários materiais definidos, 'selecionam' de fato as possíveis formas de atividade em que os seres humanos se envolvem. Mas esses fenômenos também são, ao mesmo tempo, características facilitadoras de ação" (203). "O poder nunca é meramente uma coerção, mas está na própria origem das capacidades dos agentes de realizar as ações pretendidas. Cada uma das várias formas de coerção também (...) [serve] para abrir certas possibilidades de ação, ao mesmo tempo em que restringem ou negam outras" (204-5).
Três sentidos de "coerção".
Coerção material - "coerção resultante do caráter do mundo material e das qualidades físicas do corpo" (208) e seus limites, que impõem determinadas opções como viáveis ou não. Destaques para a indivisibilidade do corpo, a finitude do tempo de vida, as dificuldades de "acondicionamento" no tempo-espaço e as capacidades sensoriais e comunicativas do corpo humano (tanto coercivas quanto facilitadoras). Neste caso, a coerção não deriva de consequências provenientes de ações ou ligações sociais entre os atores. Todos os seres humanos lidam com a coerção material, mas a maneira como lidam com ela não necessariamente é mais fundamental para a atividade social do que a maneira com a qual lidam com outros tipos de coerção.
Sanções - relacionadas aos aspectos coercivos do poder. São as coerções resultantes de respostas punitivas por parte de alguns agentes em relação a outros. Podem ser aplicadas desde diretamente por meio da força ou da violência e mesmo pela ameaça disso, até a expressão moderada de desaprovação. Há ainda os casos em que a pessoa fica fisicamente desamparada sob o jugo de outra ou de outras. Exceto neste último caso, todas as outras formas de sanção, "por mais opressivas e abrangentes que possam ser, requerem algum tipo de aquiescência por parte daqueles que se lhes submetem – o que é razão - o que é razão para o alcance mais ou menos universal da dialética de controle" (207). Trata-se de aceitar conscientemente determinado curso de ação, até mesmo voluntariamente nos casos de relações de poder mais amplas nas quais o agente se insere. Giddens admite, no entanto, a existência de importantes assimetrias na relação coerção/facilitação, pois "a coerção de uma pessoa é a facilitação de uma outra" (207). 
Coerção estrutural – resultante da contextualidade da ação, ou seja, do caráter "dado", de propriedades estruturais face a atores situados. "Fixação de limites à gama de opções a que um ator, ou pluralidade de atores, tem acesso numa dada circunstância ou tipo de circunstância" (208). 
O conceito de princípios estruturais.
"O problema da ordem nessa teoria é o problema de como se dá, nos sistemas sociais, a "ligação" de tempo e espaço, incorporando e integrando presença e ausência. Isso, por sua vez, está intimamente vinculado à problemática do distanciamento tempo-espaço: o 'estendimento' dos sistemas sociais ao longo do tempo-espaço" (213). Os princípios estruturais, nesse caso, são "princípios de organização que permitem formas reconhecivelmente consistentes de distanciamento tempo-espaço com base em mecanismos definidos de integração social" (213-4). 
A sociedade de classes do capitalismo moderno é caracterizada por um Estado cujos princípios estruturais são o parentesco (família), a fiscalização, a política (poder militar), a interdependência econômica (ainda que haja separação entre as instituições estatais e econômicas, não obstante interligadas) e a rotinização, além de apresentar diferenciação das integrações social e de sistema, sendo organizada em um "meio ambiente criado". "O sistema mundial contemporâneo, pela primeira vez na história humana, é aquele em que a ausência no espaço já não impede a coordenação de sistema" (218).
Estruturas, propriedades estruturais.
A estrutura pode ser entendida, de um modo mais geral, em referência às características institucionalizadas (propriedades estruturais) das sociedades. Pode, também, ser entendida de um modo mais técnico como regras e recursos, estando continuamente implícita na reprodução de sistemas sociais. Enfim, é uma categoria genérica envolvida nos três conceitos seguintes (nas páginas 218-9).
Princípios estruturais - princípios de organização de totalidades sociais. Representam o nível mais abrangente da análise institucional. Sua análise refere-se a modos de diferenciação e articulação de instituições através do tempo-espaço de maior "profundidade".
Estruturas – conjuntos de regras e recursos envolvidos na articulação de sistemas sociais. Envolve o isolamento de distintos "grupos" de relações de transformação/mediação implícitos na designação de princípios estruturais. São formados pela mútua conversibilidade das regras e dos recursos envolvidos na reprodução social. Podem ser analiticamente distinguidas dentro de cada uma das (ou através de todas) três dimensões da estruturação: significação, legitimação, dominação.
Propriedades estruturais - características institucionalizadas dos sistemas sociais, estendendo-se ao longo do tempo e do espaço. 
As consequências da Modernidade
I - Introdução
Modernidade (p.8) - estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do séc. XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Não se trata de criar novos termos, mas analisar mais profundamente sua própria natureza, procurando entender todo um novo universo de eventos à luz de processos de radicalização e universalização das consequências da Modernidade. Ademais, as instituições modernas são, sob alguns aspectos, únicas.
As descontinuidades da Modernidade.
Os modos de vida produzidos pela modernidade desvencilharam-se de todos os tipos tradicionais de ordem social, tanto em extensão(estabelecendo formas de interconexão social por todo o globo), quanto em intenção (alterando algumas das mais íntimas e pessoais características da existência cotidiana). Assim, afirma ser necessário desconstruir o evolucionismo social, aceitando que a história não tem forma totalizada, não é uma unidade, não significando também que tudo é caos. As descontinuidades entre instituições modernas e ordens sociais tradicionais podem ser identificadas a partir de três características: o ritmo de mudança, o escopo da mudança (diferentes áreas do mundo são colocadas em interconexão), a natureza intrínseca das instituições modernas (sistema político do estado-nação). Algumas instituições não têm precedentes, outras preservam algumas características de ordens pré-existentes, mas remodeladas à luz de um novo período (cidade).
Segurança e perigo, confiança e risco.
A Modernidade é uma faca de dois gumes. Se por um lado criou oportunidades de existência cada vez mais seguras e gratificantes do que sistemas pré-modernos, potencializando a força de uma noção de que seria uma Era essencialmente pacífica, por outro possui um lado sombrio, com forças de produção tão grandes quanto seu potencial destrutivo do meio ambiente, o uso consolidado de poder político se degradando em totalitarismo, a industrialização da guerra e o armamento nuclear. "O mundo em que vivemos hoje é um mundo carregado e perigoso" (15).
Sociologia e Modernidade.
"A modernidade é multidimensional no âmbito das instituições, e cada um dos elementos especificados por estas várias tradições representam algum papel" (17). "O problema da ordem é visto como um problema de distanciamento tempo-espaço - as condições nas quais o tempo e o espaço são organizados de forma a vincular a presença e a ausência. (...) As sociedades modernas (estados-nação), sob alguns aspectos, de qualquer maneira, têm uma limitação claramente definida. Mas todas estas sociedades são também entrelaçadas com conexões que perpassam o sistema sociopolítico do estado e a ordem cultural da 'nação'" (18-9). 
"O dinamismo da modernidade deriva da separação do tempo e do espaço e de sua recombinação em formas que permitem o 'zoneamento' tempo-espacial preciso da vida social; do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço); e da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas entradas (inputs) de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos" (21). "O conhecimento sociológico espirala dentro e fora do universo da vida social, reconstituindo tanto este universo quanto a si mesmo como uma parte integral deste processo" (20).
Modernidade, Tempo e Espaço.
A culturas pré-modernas sempre tiveram maneiras de calcular o tempo, mas este sempre esteve vinculado ao lugar, sendo impreciso e variável. A invenção do relógio mecânico e sua difusão foram a chave da separação entre o tempo e o espaço. "O tempo ainda estava conectado com o espaço (e o lugar) até que a uniformidade de mensuração do tempo pelo relógio mecânico correspondeu à uniformidade na organização social do tempo" (21). A padronização dos calendários em escala mundial e a padronização do tempo através das regiões foram dois outros fatores subsequentes. 
O esvaziamento do tempo é em grande parte pré-condição para o esvaziamento do espaço e a coordenação através do tempo é a base do controle do espaço. Assim, o desenvolvimento de espaço vazio pode ser compreendido em termos da separação entre espaço e lugar. Lugar: localidade, cenário físico da atividade social, localizado geograficamente. "Nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na medida em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da população, e para quase todos os efeitos, dominadas pela presença - por atividades localizadas. O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros 'ausentes', localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face. (...) o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico" (22). O espaço vazio está ligado a "dois conjuntos de fatores: aqueles que concedem a representação do espaço sem referência a um local privilegiado que forma um ponto favorável específico; e aqueles que tornam possível a substituição de diferentes unidades espaciais" (23). Assim, o mapeamento global estabeleceu o espaço como independente de qualquer lugar em particular.
Crucialidade da separação entre tempo e espaço para o extremo dinamismo da modernidade – 1)É a condição principal do processo de desencaixe, dado que "as instituições desencaixadas dilatam amplamente o escopo do distanciamento tempo-espaço e, para ter este efeito, dependem da coordenação através do tempo e do espaço" (23), abrindo múltiplas possibilidades de mudança e liberando as restrições dos hábitos e das práticas locais. 2)Outro fator é "proporcionar os mecanismos de engrenagem para aquele traço distintivo da vida social moderna, a organização racionalizada. (...) As organizações modernas são capazes de conectar o local e o global de formas que seriam impensáveis em sociedades mais tradicionais e, assim fazendo, afetam rotineiramente a vida de milhões de pessoas" (24). 3) "A historicidade radical associada à modernidade depende de modos de 'inserção' no tempo e no espaço que não eram disponíveis para as civilizações precedentes. A 'história, como a apropriação sistemática do passado para ajudar a modelar o futuro, (...) o passado unitário é um passado mundial; tempo e espaço são recombinados para formar uma estrutura histórico-mundial genuína de ação e experiência" (24).
Desencaixe. 
Deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço. Os mecanismos de desencaixe são dois, sendo um deles as fichas simbólicas: meios de intercâmbio que podem ser 'circulados' sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular. O segundo mecanismo é aquele dos sistemas peritos se refere a sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social. Todos os mecanismos de desencaixe dependem da confiança, envolvida, portanto, de maneira fundamental com as instituições da modernidade.
Confiança.
A confiança pressupõe consciência das circunstâncias de risco, o que não ocorre na crença. Um indivíduo que não considera alternativas está numa situação de crença, enquanto alguém que reconhece essas alternativas e tenta calcular os riscos assim conhecidos, engaja-se em confiança. Numa situação de crença, uma pessoa reage ao desapontamento culpando outros; em confiança, deve assumir parcialmente a responsabilidade e pode se arrepender de ter depositado confiança em algo ou alguém.
A confiança está relacionada à ausência no tempo e no espaço. A condição principal de requisitos para a confiança é a falta de informação plena. Está basicamente vinculada, não ao risco, mas à contingência. A confiança sempre leva à conotação de credibilidade em face de resultados contingentes, digam esses respeito a ações de indivíduos ou à operação de sistemas. No entanto, não é o mesmo que fé na credibilidade de uma pessoa ou sistema; ela é o que deriva desta fé, é precisamente o elo entre fé e crença. Pode-se falar em confiança sistemas peritos ou fichas simbólicas, mas isto se baseia na fé, na correção de princípios dos quais se é ignorante, não na fé na "probidade moral" (boas intenções) de outros. 
Perigo e risco estão intimamente relacionados, mas não são a mesma coisa. O que o risco pressupões é precisamente o perigo (não necessariamente a consciência do perigo). Uma pessoa que arrisca algo corteja o perigo, onde o perigo é compreendido como uma ameaça aos resultados desejados. Risco e confiança se entrelaçam, a confiança normalmente servindo para reduzir ou minimizar os perigos aos quais estão sujeitos tipos específicos de atividade.O risco aceitável - a minimização do perigo – varia em diferentes contextos, mas é geralmente central na manutenção da confiança. O risco pode ser individual, mas também se fala de ambientes de risco. A experiência da segurança baseia-se geralmente num equilíbrio de confiança e risco aceitável, em que um conjunto específico de perigos está neutralizado ou minimizado.
A reflexividade da Modernidade.
A reflexividade é uma característica definidora de toa ação humana, a princípio tratava-se de monitoração reflexiva da ação, um caráter crônico dos processos envolvidos na atividade humana, no comportamento e seus contextos. Esse conceito forma a base para um novo conceito de reflexividade, complementar e especificamente ligado à modernidade. Ela é introduzida na base da reprodução do sistema, de forma que o pensamento e a ação estão constantemente refratados entre si. Consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter. Na Modernidade, a revisão da convença é radicalizada para se aplicar (em princípio) a todos os aspectos da vida humana, inclusive à intervenção tecnológica no mundo material.
O discurso da sociologia e os conceitos, teorias e descobertas das outras ciências sociais continuamente 'circulam dentro e fora' daquilo que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam reflexivamente seu objeto, ele próprio tendo aprendido a pensar sociologicamente. A modernidade é ela mesma profunda e instrinsecamente sociológica. Muito do que é problemático da posição do sociólogo profissional, como fornecedor de conhecimento perito sobre a vida social, deriva do fato de que está, na maior parte, um passo adiante dos leigos esclarecidos praticantes da disciplina. Daí ser falsa a tese de que mais conhecimento sobre a vida social é igual ao maior controle sobre nosso destino. A reflexividade da modernidade, que está diretamente envolvida com a contínua geração de autoconhecimento sistemático, não estabiliza a relação entre conhecimento perito e conhecimento aplicado a ações leigas. O conhecimento reivindicado por observadores peritos reúne-se a seu objeto, deste modo alterando-o.
Modernidade ou Pós-Modernidade?
A modernidade não é apenas uma civilização entre outras. O controle declinante do Ocidente sobre o resto do mundo não é o resultado de uma diminuição do impacto das instituições que ali emergiram primeiramente, mas, pelo contrário, o resultado de sua disseminação global. A radicalização da modernidade é tão perturbadora, e tão significativa. Seus traços mais conspícuos - a dissolução do evolucionismo, o desaparecimento da teleologia histórica, o reconhecimento da reflexividade meticulosa, constitutiva, junto com a evaporação da posição privilegiada do Ocidente – nos leva a um novo e inquietante universo de experiência. 
Sumário.
· Foram distinguidas três fontes dominantes do dinamismo da modernidade, cada uma vinculada às outras:
A separação entre tempo e espaço. Esta é a condição do distanciamento tempo-espaço de escopo indefinido; ela propicia meios de zoneamento preciso temporal espacial. O desenvolvimento de mecanismos de desencaixe. Este retira a atividade social dos contextos localizados, reorganizando as relações sociais através de grandes distâncias tempo-espaciais. A apropriação reflexiva do conhecimento. A produção de conhecimento sistemático sobre a vida social torna-se integrante da reprodução do sistema, deslocando a vida social da fixidez da tradição.
Tomadas em conjunto, estas três características das instituições modernas ajudam a explicar por que viver no mundo moderno é mais semelhante a estar a bordo de um carro de Jagrená em disparada (uma imagem que devo desenvolver adiante com mais detalhe) do que estar num automóvel a motor cuidadosamente controlado e bem dirigido. A apropriação reflexiva do conhecimento, que é intrinsecamente energizante mas também necessariamente instável, se amplia para incorporar grandes extensões de tempo-espaço. Os mecanismos de desencaixe fornecem os meios desta extensão retirando as relações sociais de sua "situacionalidade" em locais específicos.
· Os mecanismos de desencaixe podem ser representados como se segue:
Fichas simbólicas e sistemas peritos envolvem confiança, enquanto distinta de crença baseada em conhecimento indutivo fraco. A confiança opera em ambientes de risco, nos quais podem ser obtidos níveis variáveis de segurança (proteção contra perigos). A relação entre confiança e desencaixe permanece abstraía aqui. Temos que investigar posteriormente como confiança, risco, segurança e perigo se articulam em condições de modernidade. Temos também que considerar circunstâncias nas quais a confiança falta e como situações de ausência de confiança podem ser melhor compreendidas. 
· O conhecimento (que deve geralmente ser compreendido como "reivindicações de conhecimento") reflexivamente aplicado à atividade social é filtrado por quatro conjuntos de fatores:
Poder diferencial. Alguns indivíduos ou grupos estão mais Prontamente aptos a se apropriar de conhecimento especializado do que outros. O papel dos valores. Os valores e o conhecimento empírico se vinculam através de uma rede de influências mútuas. O impacto das conseqüências não-pretendidas. O conhecimento sobre a vida social transcende as intenções daqueles que o aplicam para fins transformativos. A circulação do conhecimento social na hermenêutica dupla. O conhecimento reflexivamente aplicado às condições de reprodução do sistema altera intrinsecamente as circunstâncias às quais ele originariamente se referia.
Devemos subseqüentemente acompanhar as implicações destas características da reflexividade para os ambientes de confiança e risco encontrados no mundo social contemporâneo.

Continue navegando