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1 2 3 RAFAEL RICARTE DA SILVA HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO 1ªEdição Sobral/2017 4 5 Sumário Apresentação do Professor Sobre o autor UNIDADE DE ESTUDO I – A CRISE DO SISTEMA COLONIAL A crise portuguesa do século XVIII e a administração pombalina A família real no Brasil A Revolução Pernambucana de 1817 A Independência do Brasil UNIDADE DE ESTUDO II – A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E O PRIMEIRO REINADO O primeiro Reinado e a Constituição de 1824 A Confederação do Equador A abdicação de D. Pedro I UNIDADE DE ESTUDO III – REGÊNCIAS E REVOLTAS NO BRASIL IMPERIAL Regência e Reformas Liberais O controle: a Guarda Nacional e o Código de Processo Criminal O Ato Adicional de 1834 e o Golpe da Maioridade As revoltas regenciais UNIDADE DE ESTUDO IV – O SEGUNDO REINADO E A CONSOLIDAÇÃO DO IMPÉRIO A disputa entre Liberais e Conservadores O “parlamentarismo à brasileira” 6 A Guerra do Paraguai O Imperador, o IHGB e a construção da nação brasileira UNIDADE DE ESTUDO V – ESCRAVIDÃO, ECONOMIA E SOCIEDADE NO BRASIL IMPERIAL Escravidão, movimento abolicionista e pós-abolição no Brasil A economia cafeeira e a modernização A Lei de Terras de 1850 Os imigrantes no Brasil UNIDADE DE ESTUDO VI – TRANSIÇÃO PARA A REPÚBLICA A crise do regime monárquico Os partidos e o movimento republicano O povo bestializado Bibliografia Bibliografia Web 7 Apresentação do Professor Olá estudante! Seja bem-vindo à disciplina de História do Brasil II! Este material foi elaborado para debatermos sobre a História do Brasil Imperial, tomando como eixo as questões políticas, econômicas e os movimentos sociais do período em questão. Convidamos você a pensar na construção de uma história e uma identidade para a jovem nação e seu povo. O material foi escrito de modo a facilitar o seu aprendizado, buscando levantar algumas questões ao longo do texto, analisando tabelas e mapas, como também articulando a escrita com os principais autores que analisam o Brasil no período imperial. Ao longo de sua leitura, procure observar os questionamentos sugeridos pelo autor e busque aprofundar seus conhecimentos nas obras sugeridas. Ao planejarmos este material, objetivamos que você possa compreender este período tão importante para a construção do Estado nacional brasileiro. Agora é com você! Leia o material com atenção, faça as atividades sugeridas e interaja no Ambiente Virtual de Aprendizagem com seus colegas e tutor. Bom estudo! O Autor. 8 Sobre o autor Rafael Ricarte da Silva. Doutorando em História Social pela Universidade Federal do Ceará, com Estágio de Doutorado Sanduíche no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), Mestre em História Social (2010) e Licenciado em História pela UFC (2007). Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense (2012). Participa do Grupo de Estudo e Pesquisa - História do Ceará Colonial: economia, memória e sociedade. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Moderna e História do Brasil Colonial, atuando nos seguintes temas: História Agrária, História das Elites, História e Direito e História do Ceará Colonial. Atualmente, é professor do Curso de Graduação a distância em História das Faculdades INTA, setor de História do Brasil. 9 A CRISE DO SISTEMA COLONIAL 1 10 11 A crise portuguesa do século XVIII e a administração pombalina Antes de iniciarmos nossos estudos acerca do período imperial no Brasil, é interessante pontuarmos alguns aspectos da colonização portuguesa na América e entendermos o que foi a crise do sistema colonial no transcorrer do século XVIII. A colonização portuguesa na América estendeu-se por mais de trezentos anos e esteve assentada na grande propriedade territorial (latifúndio), na produção monocultora, voltada para a exportação e mão de obra escrava. Esta última, num primeiro momento, foi a partir da exploração do trabalho indígena. Posteriormente, com os africanos escravizados. Nos primeiros anos da conquista da América, os portugueses não sistematizaram um domínio sobre as terras recém-descobertas. Somente a partir da década de 1530 com a implementação das capitanias hereditárias e na segunda metade do século XVI com a criação do Governo Geral é que a exploração no litoral da América portuguesa ganha impulso. Esse cenário transformou-se ao longo dos mais de trezentos anos da “colonização” lusitana. A América e a África, ou seja, o Atlântico transforma-se no principal eixo econômico e colonial de Portugal, sendo o Brasil a principal colônia. Assim, a partir da segunda metade do século XVI, segundo Vitorino Magalhães Godinho (1978), em Ensaios II, a Coroa portuguesa buscou intensificar suas relações na conquista da América devido aos ataques de nações inimigas e ao cenário de diminuição de receitas nas Índias. Para o autor, este quadro de inversão da política de conquista da Ásia para o Atlântico possibilitou uma viagem estrutural do Império português para o Atlântico no transcorrer da segunda metade do século XVII. 12 Neste contexto, segundo Maria Fernanda Bicalho, em seu livro A cidade e o Império: o Rio de Janeiro no século XVIII, a partir do limiar do século XVII, redefiniram-se hegemonias – coloniais e europeias – e alianças políticas que transferiram o eixo político-econômico do Oriente para o Oceano Atlântico. Assim, “[...] já em meados do século XVII o eixo dinâmico do Império colonial português havia se afirmado definitivamente no Atlântico, ficando as possessões orientais num plano secundário” (BICALHO, 2013, p. 51). Mas, o que resultou desta mudança? Como esta viragem estrutural modificou o processo de conquista na América lusa? Neste cenário, a conquista da costa leste-oeste da América portuguesa e a investida aos sertões mostraram-se essenciais. Os conflitos que envolveram a conquista do Maranhão frente aos franceses e as entradas aos sertões das Capitanias do Norte do Estado do Brasil, após a guerra de reconquista sobre os holandeses na Capitania Geral de Pernambuco, estabeleceram a supremacia lusitana neste espaço com a consolidação de pontos de proteção que possibilitavam o comércio e a comunicação entre as diversas partes constitutivas do Império ultramarino português. A afirmação dos domínios da metrópole na América possibilitou a formação de uma sociedade colonial, estruturada por meio das relações econômicas, políticas, culturais e sociais permeadas pela exploração econômica e a escravidão. Entretanto, a partir da segunda metade do século XVIII o sistema colonial montado pela Coroa portuguesa começou a enfrentar problemas devido às conjunturas imperiais. Em finais do século XVIII, Portugal apresentava um cenário de crise política e econômica. Para compreendermos este contexto de crise, é necessário que recuarmos até o século XVII, momento de revoluções e grandes transformações na Europa e na América do Norte. Nesse período, a 13 Europa era marcada pela crescente influência da burguesia e dos ideais iluministas. Ideais que foram essenciais para as Revoluções Industrial, Francesa e Americana, bem como para a sedimentação ideológica dos movimentos de contestação ao Antigo Regime na EuropaOcidental, marcado por privilégios corporativos e por uma monarquia absolutista. Para Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado, em O Império do Brasil, a crise do Antigo Regime e, por extensão, do sistema colonial foi marcada pelos: [...] acontecimentos do final do século XVIII que deram corpo e alma a tais mudanças. A gestação da Revolução Industrial inglesa, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa constituíram-se nos marcos dessa modernidade. As ideias e práticas, que reverberaram a partir deles, abalaram os alicerces do Antigo Regime, tanto na maior parte do continente europeu, quanto de suas colônias na América, ainda que desigualmente. A tormenta napoleônica completou a obra (NEVES; MACHADO, 1999, p. 24). Portugal, neste contexto internacional, apresentava-se em situação complicada. Pioneira no processo de conquistas ultramarinas, os portugueses agora enfrentavam forte concorrência de outros impérios europeus, como por exemplo, do holandês, francês e inglês. Essas rivalidades geraram conflitos que repercutiram nas conquistas além-mar, exemplo dos conflitos entre Inglaterra e França. Enquanto os franceses alcançaram grande influência frente outras monarquias europeias, os ingleses conquistavam espaços e acordos no mundo ultramarino. A fragilidade da economia portuguesa neste período não permitiu que a Coroa permanecesse com a postura de neutralidade até então adotada frente aos conflitos entre franceses e ingleses. Desta maneira, os lusos assinaram acordos comerciais com os britânicos. Acordos estes que beneficiaram, sobretudo, os ingleses como no Tratado de Methuen efetivado em 1703. 14 O Tratado de Methuen previa o fim das restrições à entrada de vinhos portugueses na Inglaterra e de tecidos ingleses em Portugal. Como a venda de tecidos ingleses era superior ao comércio de vinhos portugueses entre as duas nações, Portugal passou a acumular um déficit em sua balança comercial. GUIA DE ESTUDO: Você sabe quais outros tratados a Coroa portuguesa assinou? Foi somente com os ingleses? Pesquise e comente com seus colegas de Curso no fórum da disciplina. Com o quadro de debilidade econômica por qual Portugal passava, a solução adotada pela Coroa lusitana foi o aumento do controle sobre o comércio colonial e a exploração de ouro nas Minas Gerais. Entretanto, a partir da segunda metade do século XVIII, a exploração de ouro passou a sofrer uma constante queda na produção, diminuindo as receitas da metrópole. Para reverter este cenário e garantir mais receitas, uma série de medidas foram tomadas pelo ministro de Estado da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal. Dentre as medidas adotadas, podemos ressaltar: Criação de Casas de Inspeção do Tabaco e do Açúcar em 1751; Criação de companhias de comércio: Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão em 1755 e Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba em 1759; Emissão do decreto de 1758 que determinava a proibição da escravização de indígenas na América portuguesa; Expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e das conquistas ultramarinas em 1759; Criação do Erário Real em 1761 para a cobrança do quinto e impedir o contrabando e a sonegação; Transferência da sede do governo de Salvador para o Rio de Janeiro. 15 Marquês de Pombal: Nasceu em Lisboa no dia 13 de maio de 1699 e faleceu em Pombal no dia 08 de maio de 1782. Tornou-se um grande ministro do governo de D. José I, conhecedor dos assuntos relacionados à História e à Legislação. Apesar dessas medidas, a crise colonial permaneceu. Aliada à questão econômica, o crescente interesse dos ingleses no mercado consumidor das colônias na América, o processo de independência dos Estados Unidos e o descontentamento das elites coloniais com a forte exploração por parte da Coroa portuguesa por meio dos elevados impostos, impulsionaram os movimentos de contestação à ordem colonial. Paralelamente, temos uma conjuntura europeia de expansão das forças napoleônicas em processo de crescente conquista, afetando diretamente os interesses lusitanos. Naquele contexto, a vinda da Família Real em 1808 transformou as relações coloniais entre Portugal e Brasil. A Família Real no Brasil Houve muita confusão no embarque e a viagem não foi fácil. Uma tempestade dividiu a frota; navios estavam superlotados, daí resultando falta de comida e água; a troca de roupa foi improvisada com cobertas e lençóis fornecidos pela marinha inglesa; para completar, o ataque dos piolhos obrigou as mulheres a raspar o cabelo. Mas esses aspectos novelescos não podem ocultar o fato de que, a partir da vinda da família real para o Brasil, ocorreu uma reviravolta nas relações entre a Metrópole e a Colônia (FAUSTO, 2004, p. 121). 16 A vinda da Família Real para o Brasil, conforme expôs Boris Fausto (2004), trouxe mudanças para o sistema colonial. A transferência da Corte portuguesa para a Colônia foi uma das consequências do processo expansionista de Napoleão Bonaparte na Europa Ocidental. Ao impor o Bloqueio Continental ao comércio entre ingleses e demais países do continente, os franceses afetaram diretamente Portugal. Em novembro de 1807, as tropas francesas foram em direção a capital portuguesa. GUIA DE ESTUDO: Convidamos você para pesquisar quais os objetivos e os desdobramentos do Bloqueio Continental imposto por Napoleão Bonaparte na Europa Ocidental. Compartilhe com os colegas de Curso o resultado de suas pesquisas no fórum da disciplina no Ambiente Virtual. A saída pensada pelo Príncipe Dom João foi o embarque para o Brasil, transferindo entre os dias 25 e 27 de novembro a “máquina” administrativa da Coroa para a Colônia, ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do exército e da marinha e membros do alto clero. A chegada de Dom João ao Brasil em 22 de maio de 1808 inaugurou uma nova etapa na história da Colônia, agora detentora da sede administrativa da Coroa lusitana. A transferência deste aparato burocrático da Metrópole para a Colônia foi um caso singular nas relações coloniais, despertando o interesse de diversos historiadores que buscaram compreender este evento. Dentre esses estudos, podemos citar o de Maria Odila Leite da Silva Dias (2005) que, em A interiorização da metrópole e outros estudos, afirmou que a vinda da Corte portuguesa para a Colônia proporcionou o enraizamento do Estado português no Centro-Sul do Brasil, transformando a Colônia em uma metrópole interiorizada. 17 Figura 1 - Transferência da família real para o Brasil Fonte: <https://www.historiafacil.com.br/artigos/historia-do-brasil/a-chegada-da- familia-real-portuguesa-ao-brasil/>. As mudanças ocorridas com a transferência da Corte para o Brasil começaram tão logo se instalaram os elementos do aparato burocrático. Dom João, em 28 de janeiro de 1808, decretou a abertura dos portos às nações amigas. Nesse caso, tratava-se do encerramento do sistema colonial que perdurara por mais de trezentos anos, conferindo legitimidade às relações comerciais entre o Brasil e a Inglaterra. Outras alterações foram realizadas pelo príncipe regente: revogação de decretos que proibiam a instalação de manufaturas na Colônia, a importação de matérias primas para a indústria ficou livre de tributos e concessão de subsídios às indústrias de lã, seda e ferro (FAUSTO, 2004). Essas medidas agradaram e beneficiaram a Inglaterra, que passou a comercializar seus produtos manufaturados no Brasil. Os proprietários rurais também foram contemplados com essas medidas, possibilitando o comércio de seus gêneros, destinados à exportação, com mercados externos além do português. Ademais, Boris Fausto(2004), em História do Brasil, nos adverte que “[...] a escalada inglesa pelo controle do mercado colonial brasileiro culminou no Tratado de Navegação e Comércio, assinado após longas negociações em fevereiro de 1810” (FAUSTO, 2004, p. 124). https://www.historiafacil.com.br/artigos/historia-do-brasil/a-chegada-da-familia-real-portuguesa-ao-brasil/ https://www.historiafacil.com.br/artigos/historia-do-brasil/a-chegada-da-familia-real-portuguesa-ao-brasil/ 18 O que determinava o Tratado de Navegação e Comércio? Podemos afirmar que esse tratado buscou garantir mais um benefício para a Inglaterra e seus produtos. As mercadorias inglesas comercializadas no Brasil seriam taxadas em 15%, taxa inferior aos 16% cobrados aos produtos portugueses e aos 24% das demais nações. Ainda em 1810, foi firmado outro tratado entre Portugal e Inglaterra, o Tratado de Aliança e Amizade que refletiu no tráfico de escravos para o Brasil. Pelo acordo, ficava estabelecido que “[...] a Coroa portuguesa se obrigava a limitar o tráfico de escravos aos territórios sob seu domínio e prometia vagamente tomar medidas para restringi-lo” (FAUSTO, 2004, p. 125). Após o término da guerra contra as tropas de Napoleão, Portugal assinou novo tratado que determinava mais restrições ao tráfico de escravos, inclusive com a permissão para “visitar” navios que fossem suspeitos de transportar escravos. Para além das questões políticas, administrativas e econômicas, a vinda da Família Real para a Colônia transformou culturalmente parte do Brasil, especialmente a cidade do Rio de Janeiro. Segundo Luiz Carlos Villalta e André Pedroso Becho (2008), as mudanças efetivadas com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro foram sentidas na vida e nos costumes, sendo que: Os anos da permanência da Corte no Brasil (1808-1821) trouxeram mudanças radicais na vida e nos costumes da antiga colônia. Nesse processo, D. João, longe de ser um bobalhão, mostrou-se um político hábil. Governou na confluência de interesses da Corte portuguesa, da abastada sociedade fluminense e, de resto, da região Centro-Sul do Brasil, cujo apoio econômico e político era essencial para a sobrevivência da monarquia. Como contrapartida ao suporte financeiro de grandes comerciantes e proprietários, o rei fez farta distribuição de mercês e títulos (VILLALTA; BECHO, 2008, p. 1). 19 As mudanças foram implementadas na tentativa de copiar o modo de vida europeu, buscando adequar o espaço urbano e social. Assim, criou-se a imprensa régia, a biblioteca, o horto e transplantaram-se as cerimônias realizadas nas cortes europeias. GUIA DE ESTUDO: Essas transformações urbanísticas realizadas pela Corte portuguesa no Rio de Janeiro atendiam a toda população? A quem se destinavam esses novos espaços de sociabilidade? Participe do fórum de conteúdo da disciplina e discuta essas questões com os demais colegas e tutor. Destacamos também, a presença de cientistas e viajantes estrangeiros no Brasil neste contexto oitocentista que buscaram analisar e escrever suas impressões acerca do que encontraram pelo Brasil, exemplo do zoólogo Spix, do botânico Martius e dos pintores Taunay e Debret. A transferência da Corte para o Rio de Janeiro redefiniu não só a relação entre Metrópole e Colônia, mas também as dinâmicas organizacionais, políticas e econômicas antes estabelecidas no Brasil. A região Centro-Sul passou a ser o centro das decisões políticas e principal eixo econômico, formando uma forte elite regional que se envolveria diretamente nas articulações para o processo de independência do Brasil. A região do que hoje conhecemos como o Nordeste brasileiro, até então a principal área econômica da Colônia, perdeu espaço na hierarquia política-econômica do Brasil. A Revolução Pernambucana de 1817 A desigualdade regional causada com a instalação da Família Real no Rio de Janeiro pode ser colocada como um dos motivos de descontentamento no “Nordeste”. Paralelo a essa questão, podemos incluir o crescente aumento 20 de impostos cobrados para cobrir os gastos com a Corte e com as batalhas militares impetradas por D. João na região do Rio da Prata. A combinação desses problemas é frequentemente apresentada como sendo parte dos fatores para a invasão do movimento que ficou conhecido como Revolução Pernambucana de 1817. Esse movimento contou com uma ampla participação social, tendo entre os integrantes de suas forças: padres, juízes, proprietários rurais, comerciantes, artesãos e militares. Assim como eram heterogêneos seus membros, diferentes também foram os objetivos almejados por seus integrantes. Segundo Boris Fausto (2004, p. 128): Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à ideia de igualdade, uma igualdade mais para cima do que para baixo [...]. Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização imposta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da Colônia, pelo menos do Nordeste. A revolução começou na cidade de Recife e alcançou o sertão em estados como Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte, conforme podemos visualizar no mapa abaixo. Figura 2 - Pernambuco em 1817 Fonte: <http://historiasylvio.blogspot.com.br/2013/11/revolucao-pernambucana-de-1817.html>. 21 A partir do movimento no Recife, implementou-se na região do levante um governo republicano que previa a igualdade de direitos e liberdade religiosa. Após 74 dias de conflitos entre os revolucionários e as forças da Corte, a Revolução Pernambucana de 1817 foi sufocada com a prisão e a execução dos líderes. Apesar da derrota, a Revolução Pernambucana representou um grande marco no processo de contestação do domínio lusitano no Brasil e propagou e sedimentou os ideais republicanos na região, conforme veremos nos movimentos ocorridos posteriormente em Pernambuco. PARA SABER MAIS: Leia a obra Nação e cidadania no Império – Novos Horizontes. A obra é interessante para historiadores e cientistas sociais, assim como para quem viveu no Brasil monárquico. Acesse no google books. A Independência do Brasil A Independência se explica por um conjunto de fatores, tanto internos como externos, mas foram os ventos trazidos de fora que imprimiram aos acontecimentos um rumo imprevisto pela maioria dos atores envolvidos, em uma escalada que passou da defesa da autonomia brasileira à ideia de independência (FAUSTO, 2004, p. 129). O processo de independência do Brasil foi gestado, conforme expõe Boris Fausto (2004), a partir de variados fatores. O Brasil, em 1815, com o fim dos combates contra as tropas francesas, passou a integrar o Reino Unido a Portugal e Algarves. Com esta decisão, Dom João (Dom João VI com a morte da rainha) reorganizava a monarquia portuguesa e extinguia a relação metrópole-colônia existente até então. https://books.google.com.br/books?id=9-WQ8ceCEfUC&printsec=frontcover&dq=isbn:8520007686&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwi9p-maluXPAhXTPpAKHdPTDjYQ6AEIHjAA#v=onepage&q&f=false 22 Em 1820, surgiu na cidade do Porto um movimento de contestação ao processo que vinha se desenvolvendo ao longo dos anos de transferência da Corte para o Brasil. A Revolução Liberal de 1820 exigia, dentre outros pontos, o retorno do rei D. João VI a Lisboa, mudanças políticas e econômicas e uma nova constituição. Segundo Mário Maestri (1997, p. 28): A nova constituição garantia a soberania da nação, delimitava os poderes do soberano, dissolvia a Inquisição, abria os empregos públicos à cidadania, impunha a liberdade de imprensa, terminava com os privilégios eclesiásticos, assegurava os direitos individuais e de propriedade. Entretanto, Portugal era apenas uma nação agrícola atrasada. O passado de esplendor devia-seà exploração parasitária das colônias, em geral, e do Brasil, em especial. O liberalismo português, no que se refere ao Brasil, assumia um caráter recolonizador. A independência seria para Portugal, não para o Brasil. Assim, a Revolução Liberal de 1820 apresentava ambiguidades no plano político para o reino lusitano. A postura liberal não era colocada em prática quando se pensava no Brasil. Essa contradição foi sentida pelos “brasileiros” quando os revolucionários convocaram as Cortes (Parlamento português) e aprovaram medidas restritivas à liberdade administrativa e ao comércio do Brasil. A saída buscada por Dom João VI para tentar contornar a crise foi o retorno a Portugal, deixando seu filho Pedro no Brasil como príncipe regente. Esta situação agradou parte da elite política e econômica do Brasil, pois garantia a manutenção dos privilégios conquistados desde a chegada da Família Real. Entretanto, as Cortes pressionaram pelo retorno também de D. Pedro a Portugal. Em resposta as pressões das Cortes, o príncipe regente decidiu ficar no Brasil. No dia 09 de janeiro de 1822, o Dia do Fico, marcou-se a opção pela ruptura. Dentre as medidas adotadas por Dom Pedro estavam a criação de um exército, a formação de um novo ministério e a posterior convocação de uma 23 assembleia constituinte. Ainda em 1822, essas decisões tomadas por Dom Pedro foram revogadas pelas Cortes. A independência do Brasil, proclamada em 07 de setembro de 1822, resultou, como vimos, de fatores internos e externos. A aliança estabelecida entre a elite rural brasileira e Dom Pedro proporcionou uma ruptura sem grandes transformações e participação popular, mantendo os privilégios e garantindo o nascimento de uma monarquia nos trópicos. Figura 3 - Pintura de Pedro Américo, intitulada Independência ou Morte ou O Grito do Ipiranga Fonte: <http://historiaporimagem.blogspot.com.br/2011/09/o-grito-do-ipiranga- independencia.html>. GUIA DE ESTUDO: Caro estudante, a partir desse famoso quadro, elaborado sob encomenda, podemos ver a construção/representação de algumas imagens acerca do grito do Ipiranga. Que ideia a pintura buscou expressar? De que forma D. Pedro está retratado? Qual a finalidade da obra? Compartilhe suas impressões no fórum da disciplina no Ambiente Virtual de Aprendizagem. 24 25 A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO E O PRIMEIRO REINADO 2 26 27 O primeiro Reinado e a Constituição de 1824 A Independência do Brasil e a instituição de um governo monárquico revela a singularidade que este processo de “ruptura” com Portugal obteve. Ao seu redor, o Brasil tinha uma América permeada de Repúblicas pós- independência. A opção pela Monarquia, além de representar uma singularidade, certamente nos demonstra a pouca participação popular, o desinteresse por grandes transformações sociais e a influência da elite agrária na manutenção dos seus privilégios. Vejamos o que José Murilo de Carvalho (1996) afirma sobre este processo de independência e constituição de sua elite política: O Brasil dispunha, ao tornar-se independente, de uma elite ideologicamente homogênea devido a sua formação jurídica em Portugal, a seu treinamento no funcionalismo público e ao isolamento ideológico em relação a doutrinas revolucionárias. Essa elite se reproduziu em condições muito semelhantes após a Independência, ao concentrar a formação de seus futuros membros em duas escolas de direito, ao fazê-los passar pela magistratura, ao circulá-los por vários cargos políticos e por várias províncias (CARVALHO, 1996, p. 34). Esta uniformidade da elite e a tentativa de evitar movimentos de contestação ao regime monárquico não conseguiram deter o surgimento de revoltas que buscavam questionar a ordem estabelecida. Assim, ocorreram diversas resistências pelo Brasil, exemplo da Batalha do Jenipapo em 1823 no Piauí e da guerra pela Província da Cisplatina em 1825. GUIA DE ESTUDO: Caro estudante, convidamos você a pesquisar as motivações, o desenvolvimento desses movimentos de resistência ao governo imperial, a ordem estabelecida e como D. Pedro I conseguiu sufocar as contestações. Compartilhe no fórum da disciplina suas pesquisas. 28 Apesar dos movimentos de contestação, em poucos anos a consolidação do processo de Independência estava realizada. O reconhecimento externo veio com os Estados Unidos em 1824 e, posteriormente, de forma oficial, com a Inglaterra. Entretanto, a legitimidade internacional da monarquia brasileira dependia do reconhecimento de Portugal, efetivado em agosto de 1825 após acordo para o pagamento de uma compensação de 2 milhões de libras e a aceitação, por parte do Brasil, de não se unir a qualquer outra colônia portuguesa. Este acordo foi capitaneado pela Inglaterra, a quem também coube o empréstimo do dinheiro para o pagamento da indenização a Portugal. Ainda nos anos iniciais do pós-independência foi convocada eleições para a formação de uma Assembleia Constituinte que teria como responsabilidade a elaboração da primeira constituição do país. Instalada em maio de 1823, reuniu vários setores da sociedade: proprietários rurais, militares, funcionários públicos, padres e advogados. Os integrantes se dividiram essencialmente em dois grandes grupos, os que defendiam maior autonomia da Assembleia e limites para o exercício do poder imperial e os que advogavam a necessidade de um governo forte, centralizador e com poder absoluto do rei. Boris Fausto (2004) esclarece que as desavenças entre os constituintes e D. Pedro tiveram como foco as atribuições do executivo e do Legislativo. Assim: Os constituintes queriam que o imperador não tivesse o poder de dissolver a futura Câmara dos Deputados, forçando assim, quando julgasse necessário, novas eleições. Queriam também que ele não tivesse o poder de veto absoluto, ou seja, o direito de negar validade a qualquer lei aprovada pelo Legislativo. Para o imperador e os círculos políticos que o apoiavam, era necessário criar um Executivo forte, capaz de enfrentar as tendências ‘democráticas e desagregadoras’, justificando-se assim a concentração de maiores atribuições nas mãos do imperador (FAUSTO, 2004, p. 148). 29 Essas disputas levaram a dissolução da Assembleia Constituinte por D. Pedro, com a prisão de vários deputados, inclusive os irmãos Andradas. A Constituição elaborada e outorgada em 25 de março de 1824 buscou conciliar os interesses da elite brasileira com o autoritarismo expresso na figura do imperador, detentor do Poder Moderador. Dentre outros aspectos, a Constituição trouxe como resoluções: Separação dos poderes em Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. Catolicismo como religião oficial. Voto indireto e censitário. Garantia de propriedade sobre os bens, tais como: escravos e terras. A Constituição de 1824 vigorou até o final do Império, estabelecendo a Monarquia Constitucional como forma de governo e dividindo o país em províncias chefiadas por presidentes nomeados pelo imperador. Ficou estabelecida também a igualdade perante a lei, a liberdade de religião, a manifestação e pensamento. Obviamente, esta igualdade perante a lei não contemplava todos os sujeitos históricos imersos naquele contexto social. Pela Constituição, ficava assegurada a manutenção das estruturas escravistas e estabelecia-se o voto censitário, ou seja, o cidadão para votar deveria ter uma renda mínima, ser homem e maior de 24 anos. GUIA DE ESTUDO: Mas, afinal, quem era considerado cidadão pela Constituição de 1824? Quem tinha estes direitos garantidos pela CartaMagna? Pesquise e compartilhe com seus colegas no fórum da disciplina. 30 O fechamento da Assembleia Constituinte e o outorgamento desta Constituição por D. Pedro geraram fortes descontentamentos entre as elites regionais do país, pois limitava a autonomia das províncias e a representação política das elites regionais. A Confederação do Equador Os atos de centralização do poder e diminuição da força política das elites gerou em Pernambuco o ressurgimento do movimento antilusitano que havia sido instaurado na Revolução de 1817. A Confederação do Equador de 1824 teve nos ideais republicanos e na impressa os meios de propagação das ideias contrárias ao governo imperial de D. Pedro I, tendo o Frei Joaquim do Amor Divino e Caneca, o Frei Caneca, como uma das principais lideranças do movimento. Segundo Frei Caneca (apud MELO, 2001, p. 563), em discurso contra a Constituição de 1824: Os conselhos das províncias são uns meros fantasmas para iludir os povos; porque devendo levar suas decisões à Assembleia Geral e ao Executivo conjuntamente, isto bem nenhum pode produzir à província; pois que o arranjo, atribuições e manejo da assembleia geral faz tudo em último resultado depender da vontade e arbítrio do Imperador, que arteiramente avoca tudo a si e de tudo dispõe a seu contento. A insatisfação expressa nesta carta por Frei Caneca demonstrava como os confederados sentiam-se sem liberdade zpolítica frente aos desmandos que o Poder Moderador e a Constituição concediam a D Pedro I. A nomeação de um presidente para a província de Pernambuco por parte do imperador foi o estopim para o início da revolta e a proclamação da Confederação do Equador. A Confederação do Equador, iniciada em 03 de julho de 1824 em Pernambuco, conquistou adesão de elites nas províncias do Rio Grande do 31 Norte, Ceará, Piauí e Paraíba. Para Flávio José Gomes Cabral (2006), a Confederação do Equador e os movimentos de contestação são testemunhas da insatisfação que as elites sentiam, “[...] foi, sobretudo um ensaio de tomada de poder por grupos das elites que não queriam se curvar ao projeto político centralizador e autoritário do Estado nacional nascido em 1822” (CABRAL, 2006, p. 47). Apesar do alcance territorial da Confederação do Equador, as tropas imperiais não encontraram dificuldades para derrotar os revoltosos, especialmente com o envio do comandante Cochrane. Os líderes do movimento, exemplo de Frei Caneca, foram presos e condenados à morte. Uma forma de exemplificar o que aconteceria aos demais sujeitos que ousassem ir contra o governo imperial. Entretanto, apesar da derrota dos confederados, segundo Boris Fausto (2004), as marcas da revolução de 1824 não seriam apagadas facilmente. De fato, ela pode ser vista como parte de uma série de rebeliões e revoltas que ocorreram em Pernambuco entre 1817 e 1848. Fique sabendo: “Frei Joaquim do Amor Divino Caneca nasceu no Recife, no dia 20 de agosto de 1779, recebendo o nome de Joaquim da Silva Rabelo. Filho do português Domingos da Silva Rabelo e Francisca Maria Alexandrina de Siqueira, que moravam em Fora de Portas, próximo do demolido Arco do Bom Jesus. Seu pai era tanoeiro – fabricava vasilhames de flandres, daí o apelido de Caneca. Foi um dos grandes pensadores literários no momento da Independência brasileira. Vivia em Pernambuco quando da inquietação em torno da separação com Portugal e lugar onde a agitação era maior do que no resto do país. Muito combativo, lutava contra o despotismo (o poder absoluto e autoritário) e as relações de dependência que caracterizavam a situação colonial.” Fonte: DOBBIN, Elizabeth. Frei Caneca. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 06 jul. 2016. http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php 32 A abdicação de D. Pedro I No transcorrer dos anos de 1820, o governo monárquico de D. Pedro I encontrou resistências políticas em diversas províncias. Estas revoltas ocorreram, principalmente, após a centralização do poder absoluto nas mãos do imperador por meio do Poder Moderador e das prerrogativas que a Constituição de 1824 lhe conferia: nomeação de presidentes das províncias e dissolução da Assembleia Constituinte. Esta, aliás, só voltou a ser convocada em 1826. Naquela mesma década, aliada às questões políticas internas brotou na região da Cisplatina uma guerra pela independência da região frente ao Brasil. Tratava-se da separação do Brasil e entrada nas Províncias Unidas do Rio da Prata, futura Argentina. A guerra mostrou-se, ao longo dos anos de embate, um total desastre em termos de campanha – várias derrotas – e prejuízos financeiros com as tropas brasileiras – constituídas por brasileiros e estrangeiros contratados no exterior. Somado a esses percalços, a perda de militares em combates e o recrutamento forçado tornavam o imperador cada vez mais impopular. Segundo Boris Fausto (2004), os gastos advindos com a guerra promovida na região da Cisplatina só vieram a agravar a deficiente economia imperial. Apesar da crescente exportação de produtos como o café, os preços vinham diminuindo ao longo dos anos. Além disso, as rendas do governo central, dependentes em grande medida do imposto sobre as importações, eram insuficientes. Outro agravante na economia deu-se por conta da grave crise financeira do Banco do Brasil. D. João VI retirou, antes de sua partida para Portugal, o ouro que estava depositado no banco. A solução adotada por D. Pedro foi a emissão de moedas de cobre, gerando o aumento de custo de vida 33 e favorecendo a desvalorização do papel-moeda. Em 1829, o Banco do Brasil foi fechado pelo governo imperial. Uma das medidas adotadas por D. Pedro I para diminuir a crise política foi o controle do Senado com a escolha dos senadores mediante a lista tríplice de candidatos de cada província, escolha que era prerrogativa do imperador. Essa decisão procurava equilibrar as forças políticas na capital do império, haja vista a forte eleição de Deputados de oposição ao regime monárquico centralizador exercido por D. Pedro I. Para Mário Maestri (1997), um conjunto de fatores levaram D. Pedro I a perder apoio político de setores antes favoráveis ao seu governo. Dentre esses fatores, o autor enumerou: A péssima situação financeira do Estado, o comportamento autocrático de dom Pedro I e de seus ministros, seu envolvimento na política portuguesa, sua desregrada vida pessoal, o fracasso da aventura expansionista na Cisplatina, o privilégio concedido aos lusitanos com a nomeação e promoção dos oficiais militares e administrativos, tudo corroia inexoravelmente o prestígio do jovem soberano. Uma outra importante causa de sua queda foi a adesão às reivindicações inglesas e abolição do tráfico transatlântico de escravos (MAESTRI, 1997, p. 57). A combinação de variados fatores internos e externos aumentava, cada dia mais, a pressão sobre D. Pedro I. Neste período, a divisão das forças políticas brasileiras estava alicerçada na cisão entre liberais e absolutistas. Estes últimos, defensores de um imperador forte e centralizador que garantisse a ordem e a propriedade, sem espaços para contestação dos privilégios adquiridos ao longo dos anos. Os liberais, por sua vez, buscavam também a garantia da ordem e da propriedade, mas almejavam a conquista da liberdade constitucional. 34 Finalmente, destacamos a pressão sofrida por D. Pedro I após a morte de D. João VI em Portugal. De um lado, existia a desconfiança de que o imperador fosse optar pela unificação dos reinos, rebaixando novamente o Brasil a condição de Reino Unido de Portugal e Algarves. Do outro lado doAtlântico, a pressão fazia-se sentir na insistência dos liberais portugueses para o retorno de D. Pedro I para assumir o trono português. Isolado politicamente e em meio à crise econômica e política, D. Pedro I constituiu um novo ministério após os episódios que ficaram conhecidos como Noite das Garrafadas. Segundo Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado (1999), em O Império do Brasil, o clima de incerteza tomou conta quando a repentina mudança do Ministério, que passava a ser composto pelos auxiliares mais próximos e fiéis ao imperador, todos com títulos de nobreza, fazendo surgirem boatos de que um golpe seria dado por D. Pedro I. Sem apoio da população e dos militares, a saída encontrada por D. Pedro I foi a abdicação do trono do Brasil, favorecendo seu filho, o futuro D. Pedro II. Em Portugal, conseguiu reaver o trono lusitano após derrotar seu irmão e colocar sua filha no trono. Fique sabendo: Noite das Garrafadas “O principal conflito que precede a Abdicação, conhecido como Noite das Garrafadas, estendeu-se do dia 11 ao dia 15 de março de 1831 pelas ruas do Rio de Janeiro. O levante das Garrafadas é iniciado na noite do dia 11 em uma comemoração organizada pelos comerciantes do Rio de Janeiro para saudar o Imperador do retorno de sua viagem à província de Minas Gerais. No dia 11 de março, foram organizados festejos com fogueiras e fogos de artifício nos quadriláteros delimitados pelas ruas da Quitanda, dos Ourives, da Direita e das Violas pelos que apoiavam o governo de D. Pedro I. Acender fogueiras nas comemorações públicas ou nos dias santos e beber, cantar e dançar era um costume antigo dos portugueses. O que se falava era que os portugueses estavam organizando a algazarra e na noite do dia 11 começaram as agressões.” Fonte: PANDOLFI, Fernanda C. A imprensa e a abdicação de D. Pedro I em 1831: História e Historiografia. In: Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo. ANPUH/SP – UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de 2006, p. 7. 35 REGÊNCIAS E REVOLTAS NO BRASIL IMPERIAL 3 36 37 Regência e Reformas Liberais O período regencial no Brasil transcorreu entre a abdicação de D. Pedro I e a ascensão de D. Pedro II ao trono do Brasil. Aqueles anos entre os dois reinados são caracterizados por Lilia Moritz Schwarcz, em As Barbas do Imperador, como um período de grande efervescência política. Segundo a autora, “[...] os nove anos das Regências se desenvolveriam em clima conturbado, com uma série de rebeliões estourando em diversos pontos do país” (SCHWARCZ, 1998, p. 53). Nesse mesmo sentido, Boris Fausto (2004), em História do Brasil, apontou o período regencial como um dos mais agitados da história do Brasil, onde esteve “[...] em jogo a unidade territorial do Brasil, e o centro do debate político foi dominado pelos temas da centralização ou descentralização do poder, do grau de autonomia das províncias e da organização das Forças Armadas” (FAUSTO, 2004, p. 161). Outro autor que destacou esse cenário de agitação política foi José Murilo de Carvalho (1996). Em O Teatro de Sombras, o autor nos afirma que o período das Regências expressou as dificuldades encontradas para se estabelecer o processo de dominação monárquico. No período regencial, segundo o autor, as elites brasileiras assumiram o poder político do país com suas diferenças de posições e perspectivas políticas. Cabe ressaltar que, segundo Carvalho (1996), ainda não existiam partidos políticos formados. Ainda com relação ao que configuraria esse contexto, Caio Prado Junior (1999), em Evolução Política do Brasil, afirmou que este momento foi singular na história do Brasil pela participação popular nos embates regenciais. Para o autor, as classes médias reagiram à política de dominação exercida pelas oligarquias agrárias nas diversas revoltas do período. Durante o período regencial foram travadas iniciativas de adotar políticas liberais que garantissem as liberdades individuais e maleabilidade ao 38 sistema político do país. Entretanto, como veremos nesta unidade, essas tentativas de mudanças acabaram gerando confrontos entre as elites regionais e o governo imperial. Ademais, conforme advertiu Boris Fausto, não existiu uma unicidade das elites sobre qual arranjo institucional deveria ser seguido para preservar os interesses deste grupo. Não havia, segundo o autor, “[...] clareza sobre o papel do Estado como organizador dos interesses gerais dominantes, tendo para isso de sacrificar em certas circunstâncias interesses específicos de um determinado setor social” (FAUSTO, 2004, p. 162). A formação do governo da Regência Trina Provisória buscou, por meio dos políticos nomeados abaixo, um equilíbrio no arranjo político. Dentre as medidas tomadas neste triunvirato, temos a anistia para todos os presos e/ou sentenciados por crimes políticos e a proibição de ajuntamentos públicos na capital. Na Regência Trina Permanente, a transformação do Império em uma monarquia federativa foi um dos temas que geraram mais controvérsias. Segundo Marco Morel (2003), em O Período das Regências, a adoção do federalismo aparecia como contraponto a uma estrutura governamental centralizadora. O governo das Regências Trina e Una ficaram a cargo dos seguintes políticos: Tabela 1 - Relação dos regentes REGÊNCIA TRINA PROVISÓRIA REGÊNCIA TRINA PERMANENTE REGÊNCIAS UNA Francisco de Lima e Silva Francisco de Lima e Silva Diogo Antônio Feijó (1835-1837) José Joaquim Carneiro de Campos João Bráulio Muniz Araújo Lima (1837- 1840) Nicolau Pereira de Campos Vergueiro José da Costa Carvalho Fonte: Elaborado pelo autor. 39 GUIA DE ESTUDO: Caro estudante, a que grupos políticos e seguimentos sociais esses sujeitos pertenciam? O que defenderam em seus governos? Quais medidas adotaram? Pesquise e compartilhe suas análises com os demais colegas e tutor no fórum de conteúdo da disciplina de História do Brasil II. De modo geral, a elite brasileira esteve dividida em três grupos políticos nesse período regencial: os restauradores, que defendiam o retorno de D. Pedro I ao Brasil para reassumir o trono e mostravam-se contrários as reformas sociais e econômicas; os liberais exaltados, que pertenciam e/ou eram ligados à classe média urbana, sem, contudo, deixarem de ter aproximações com a elite rural e que defendiam um governo monárquico federalista com autonomia das províncias; e os liberais moderados, grupo que tinha como integrantes membros da aristocracia rural e defendiam uma monarquia constitucional. Este último grupo foi a tendência que dominou o cenário político no período das Regências. Segundo Mário Maestri (1997), em Uma História do Brasil Império, esses grupos políticos travaram, durante o período regencial, disputas que envolveram propostas de reformas políticas. Para o autor, as Regências Trina (1831 a 1835) e Una (1835 a 1837): [...] expressaram o ensaio de uma tímida transigência do autoritarismo dos grandes proprietários do Sudeste com as tendências federalistas que não cessavam de se fortalecer. Os liberais moderados foram os agentes da tentativa de construção de um novo pacto político. Eles propunham reformas no interior do regime centralizador e monárquico e tiveram que combater os restantes das facções sociais subalternas. (MAESTRI, 1997, p. 73). Dentre as reformas implementadas no período regencial, temos a lei que regulamentou a Regência Trina e que restringiu o poder do Executivo frente ao Legislativo, não permitindo mais a sua dissolução pelos regentes. 40 Outramodificação com as reformas foi a criação da Guarda Nacional e a dispensa dos militares estrangeiros. Essas reformas desagradaram os conservadores que não concordavam com a autonomia das províncias. Sobre essas medidas e as revoltas regenciais, abordaremos nos tópicos seguintes. Marco Morel (2003), em O Período das Regências, adverte para a importância desse período e das mudanças em curso nesse momento chave da construção da nação brasileira. Para o autor, o período foi “[...] tempo de esperanças, inseguranças e exaltações, tempo de rebeldia e de repressão, gerando definições, cujos traços essenciais permanecem na sociedade” (MOREL, 2003, p. 10). PARA SABER MAIS: Leia o artigo Sociedade Armada: o modo senhorial de atuação no Brasil Império, de autoria do professor Adilson José de Almeida, publicado na Revista Anais do Museu Paulista, dossiê História e Cultura Material. Acesse: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 47142015000200093 O controle: a Guarda Nacional e o Código de Processo Criminal A criação da Guarda Nacional, em 1831, por decisão do padre Feijó, estabeleceu a organização de uma nova força que buscava conter manifestações em âmbitos local e nacional. Com a criação da Guarda Nacional, todo cidadão entre 21 e 60 anos de idade e que fosse votante nas eleições primárias estaria obrigado a compor seus quadros. Reservava-se, geralmente, o cargo de oficial para os grandes fazendeiros. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142015000200093 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142015000200093 41 A Regência Trina tinha outras surpresas guardadas no bolso, entre elas a criação da Guarda Nacional: uma força pública a ser usada pelo poder central para conter manifestações e motins (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 247). Segundo Ilmar Mattos (1987), a Guarda Nacional criada nos moldes da guarda francesa tinha como concepção o “cidadão armado”, atendendo as medidas descentralizadoras que estavam sendo colocadas em prática nas Regências. Para Magali Engel (2002, p. 319), “[...] mais do que uma força repressiva, o papel primordial exercido pela Guarda Nacional foi o de expressar, no plano simbólico, a ordenação elitista da nação que se pretendia forjar”. Uma organização descentralizada, organizada no plano provincial. Na maior parte do período regencial, a Guarda Nacional atuou para coibir e acabar com as revoltas provinciais que buscavam contestar o governo central. A chefia da Guarda Nacional ficou a cabo, em muitos casos, de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Esse contingente formou um segundo braço de repressão do governo regencial, passando, inclusive, a ser utilizado no lugar do Exército em alguns casos. Ademais, o Exército, naquele período, era uma instituição mal organizada, vista pelo governo com muita suspeita. A base do Exército preocupava, pois era formada por gente mal paga, insatisfeita e propensa a aliar-se ao povo nas rebeliões urbanas (FAUSTO, 2004). O alistamento obrigatório para a Guarda Nacional acabou agravando os quadros do Exército ao desfalcar o seu contingente. 42 Acesse o link: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei- 37497-18-agosto-1831-564307-publicacaooriginal-88297-pl.html Confira na íntegra a lei de criação da Guarda Nacional, Lei de 18 de agosto de 1831: Cria as Guardas Nacionais e extingue os corpos de milícias, guardas municipais e ordenanças. Outra medida de controle no período regencial foi o Código de Processo Criminal que passou a vigorar em 1832, estabelecendo as normatizações para a aplicação do Código Criminal de 1830. Dentre as mudanças advindas com sua aplicação, temos o maior poder de juízes de paz, eleitos nas localidades, que poderiam a partir de agora prender e julgar sujeitos acusados de cometer crimes de pequena gravidade. O Código de Processo Criminal também criou o júri, utilizado para julgar a maior parte dos delitos. A criação do habeas corpus também foi a partir do Código de Processo Criminal e permitiu a liberdade de pessoas que fossem presas ilegalmente. Para Hamilton M. Monteiro, em Brasil Império, o Código de Processo Criminal permitiu a elite agrária do país, por meio dos coronéis, “consagrar o arbítrio” do poder sobre o espaço de influência. Com os poderes atribuídos a Guarda Nacional e a organização da justiça proposta pelo Código, “[...] assiste-se à abertura de processos forjados e prisões sem culpa, com os quais os senhores da localidade intimidavam e neutralizavam seus adversários” (MONTEIRO, 1994, p. 33-34). http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18-agosto-1831-564307-publicacaooriginal-88297-pl.html http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18-agosto-1831-564307-publicacaooriginal-88297-pl.html 43 GUIA DE ESTUDO: Caro estudante, a partir da leitura da citação acima, reflita sobre como a prática de dominação dos coronéis (antigos chefes da Guarda Nacional nas províncias) permaneceu e transformou-se ao longo do tempo. Quais práticas foram utilizadas e reorganizadas pelos coronéis? O Ato Adicional de 1834 e o Golpe da Maioridade O Ato Adicional de 1834, como o próprio nome define, adicionou alterações na Constituição de 1824, já que o período regencial possuía características organizacionais e políticas diferentes do Primeiro Reinado. Dentre as modificações, podemos citar: o não exercício do Poder Moderador pelos Regentes; a extinção do Conselho de Estado; a criação das Assembleias Refletindo: A Guarda Nacional e os Coronéis “Os coronéis sobreviveram à Guarda Nacional e à República Velha. O fenômeno não deixou de existir e se adaptou aos novos tempos. Eles empregam novos métodos de dominação. Um deles é o controle dos meios de comunicação, como rádio e televisão. O coronel de hoje não é o fazendeiro de terno branco, botas e chicote de couro na mão. Atualmente, seu poder se faz sentir de uma forma talvez mais sutil [...]. Em muitos casos, esses novos coronéis são descendentes diretos dos antigos, em um notável fenômeno de reprodução do poder”. RÊGO, André Heráclio. Uma vez coronel, sempre coronel. Revista de História, Rio de Janeiro: Sabin, ano 5, n. 60, set. 2010, p. 61. 44 Provinciais, responsáveis por prever as despesas dos municípios e províncias, cobrar impostos para suprir essas despesas e demitir e nomear funcionários públicos; a repartição das rendas entre os governos central, provincial e municipal. Para Hamilton Monteiro (1994), o Ato Adicional de 1834 constituiu-se como o coroamento das medidas que buscavam a descentralização do poder do Estado, garantindo a possibilidade de aumento do poder das elites regionais. Outra transformação que ficou determinada pelo Ato Adicional foi a mudança no formato das Regências, deixando de serem trina. O governo passaria a ser regido por apenas uma pessoa. O primeiro eleito, Diogo Antônio Feijó, integrante do Partido Liberal, não conseguiu concluir seu mandato devido pressões do legislativo, amplamente constituído por políticos ligados ao Partido Conservador. Para Marco Morel (2003), no governo de Feijó umas das principais transformações foi a criação da Guarda Nacional, voltada para o fortalecimento dos proprietários e senhores locais e do poder central. Após sua renúncia, a Regência passou para o comando de um conservador, Pedro de Araújo Lima. Ao assumirem o poder, os conservadores aprovaram na Câmara uma lei que permitia a interpretação de dispositivos do Ato Adicional de 1834. Essa nova lei, centralizava o judiciário. A contraofensiva dos liberais foi a aprovação da maioridade de D. Pedro II aos 15 anos deidade na Câmara, possibilitando sua ascensão ao trono. Segundo Lilia Moritz Schwarz (1998), desde os primeiros anos das Regências, já se cogitava a antecipação da ascensão de D. Pedro II ao trono. Esse cenário era incentivado pelo clima de instabilidade e pelas medidas descentralizadoras adotadas. 45 Assim, de acordo com autora: [...] se o projeto de antecipar a maioridade não passou, a princípio, de uma manobra política, o certo é que aos poucos a medida foi tomando “ares de salvação nacional”. É o partido liberal em 1840, com a criação do Clube da Maioridade, que dá forma ao projeto (SCHWARZ, 1998, p. 67). Dessa forma, o Ato Adicional reconfigurou os grupos políticos do país. Os restauradores passaram a apoiar o Partido Conservador ou Regressista. Do outro lado, parte dos exaltados e os moderados passaram a apoiar o Partido Liberal ou Progressista. Para José Murilo de Carvalho (1996), esses dois partidos, conservador e Liberal, foram as formações iniciais dos partidos políticos no Brasil, antes disso, existiam apenas “organizações políticas”. Segundo Mário Maestri (1997), esses arranjos e rearranjos políticos consistiram em uma tentativa de acordo do bloco dominante no poder com as facções liberais moderadas. Esse acordo, mesmo tímido, permitiu a debilitação das forças liberais e federalistas regionais. As disputas políticas entre Conservadores e Liberais contou ainda com a aprovação da reforma do Código de Processo Criminal. Por essa reforma, magistrados e delegados poderiam exercer as atribuições dos juízes de paz. O delegado também ficou sendo o responsável por escolher os jurados, que deveriam ser alfabetizados. Essas mudanças buscavam restringir a influência dos fazendeiros, fortalecendo o governo central em detrimento da autonomia provincial. Para Mário Maestri (1997), essas mudanças centralizadoras e autoritárias refletiam claramente a defesa da ordem escravista no país pelos grandes proprietários. 46 Caro estudante, acesse o link e confira na integra a Lei do Ato Adicional de 1834. LEI Nº 16 DE 12 DE AGOSTO DE 1834: Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro de 1832. Link: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM16.htm>. As revoltas regenciais No período regencial, eclodiram vários movimentos de contestação ao governo imperial. Contestações que envolviam aspectos sociais, econômicos e políticos entre segmentos da sociedade e entre elites provinciais e império. Dentre as revoltas ocorridas nas Regências, podemos citar: Guerra dos Farrapos, Sabinada, Cabanagem, Revolta dos Malês e Balaiada. Marco Morel (2003) assinala que esse período registrou muita violência num tempo tão curto e em extensões de terra bastante largas que nenhum outro momento da história do Brasil compara-se a essa fase da monarquia. Para José Murilo de Carvalho (1996, p. 230), “[...] a melhor indicação das dificuldades em estabelecer um sistema nacional de dominação com base na solução monárquica encontra-se nas rebeliões regenciais”. Ainda segundo o referido autor, podemos separar as revoltas desse período em dois grupos. Um primeiro que apresentou revolta das populações urbanas e contou como protagonistas a tropa e o povo. Um segundo período em que a descentralização das revoltas com a eclosão de movimentos no interior revelou perigos mais graves a ordem pública e para a própria sobrevivência do país. A Guerra dos Farrapos ou Farroupilha, iniciada no Rio Grande do Sul e desenvolvida entre os anos de 1835 e 1845, teve como líderes os grandes estancieiros criadores de gado. Segundo Boris Fausto (2004), o descontentamento dos gaúchos para com o governo central já vinha de longa data, pois se sentiam explorados com a carga de impostos que pagavam. Além http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lim%2016-1834?OpenDocument http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM16.htm 47 dessa questão, eles queriam acabar com a taxação de gado na fronteira com o Uruguai ou reduzi-la e receavam que a criação da Guarda Nacional interferisse negativamente nas suas organizações militares. A Guerra dos Farrapos causou grande impacto político e econômico no período imperial nos seus dez anos de duração. A instauração de governos republicanos na região sul do país foi significativa da grande expressão e força que os farrapos tiveram no regime monárquico. Ao iniciarem o movimento farroupilha, os rebeldes fundaram a República de Paratini, oficializando a separação do Rio Grande do Sul do restante do país monárquico. Ressaltamos que, apesar de ser um regime republicano, os farrapos mantiveram a escravidão e o voto censitário. Entre as principais lideranças estavam Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi e Davi Canabarro. Estes dois últimos expandiram a ação dos farrapos para a província de Santa Catarina, conquistando a cidade de Laguna e proclamando a República Juliana em 1839. GUIA DE ESTUDO: Caro estudante, convidamos você para pesquisar sobre a biografia/trajetória desses sujeitos históricos que lideraram a Guerra dos Farrapos. A que grupos sociais pertenciam? Quais foram suas ações na revolta? Compartilhe os resultados da pesquisa com seus colegas e tutor no Ambiente Virtual. Em 1845, após dez anos de combate entre farroupilhas e tropas oficiais do governo central, a guerra foi encerrada com a assinatura de um acordo que previa anistia geral para os revoltosos e a incorporação destes ao Exército nacional. Ademais, conforme nos adverte Boris Fausto (2004, p. 170), “[...] a posição do governo central foi entremeada de combate e concessões aos 48 rebeldes”. O término dos combates aconteceu após a assinatura de um acordo de paz negociado entre os farroupilhas e Duque de Caxias, comandante das tropas imperiais. Outra revolta ocorrida no período regencial que tinha como um dos objetivos a proclamação de uma República foi a Sabinada. Movimento eminentemente urbano, contou com a participação de trabalhadores livres, profissionais liberais e soldados, que se iniciou em 7 de novembro de 1837 e propunha a separação da Bahia do restante do país. Segundo Marco Morel (2003), a Sabinada tinha tendências à República, mas essas nem sempre eram evidenciadas. Dentre as motivações para seu desfecho, esteve o protesto contra a centralização do poder imperial. Liderado pelo médico e jornalista Francisco Sabino Álvares da Rocha, a Sabinada durou aproximadamente quatro meses e teve como uma de suas propostas a libertação dos escravos que haviam nascido no Brasil e participado ativamente nos combates. Os demais, estrangeiros, continuariam cativos. A revolta foi reprimida pelas tropas imperiais e seus principais líderes foram presos e condenados à morte. Após a ascensão de D. Pedro II ao trono, as penas foram reduzidas e os condenados foram degredados para regiões distantes da Bahia. A Revolta dos Malês, ocorrida na Bahia entre os dias 24 e 25 de janeiro de 1835, envolveu escravos de diversas etnias com a predominância de origem ioruba. A revolta foi duramente reprimida pelo governo que temia sua expansão inspirada no movimento vitorioso ocorrido no Haiti entre os anos de 1791 e 1804. A organização da Revolta dos Malês foi desenvolvida principalmente por escravos mulçumanos. Para João José Reis (2003), em a Rebelião Escrava, o levante dos escravos foi um movimento político e teve como um dos objetivos tomar o governo. O movimento foi derrotado e seus envolvidos 49 presos, condenados a pena de morte e/ou tirados do Brasil e enviados para a África. Outro movimento de contestação no período regencial, a Balaiada, teve início em 1838 e durou até 1841. Segundo Marco Morel (2003, p. 64), essa revolta foi“[...] o caso mais evidente de transbordamento da atividade política dos grupos urbanos e letrados para as camadas pobres da população, que se apropriaram dos embates políticos e sociais, levando-os adiante”. Esse transbordamento é entendido a partir das fases que o movimento adquiriu ao longo de sua duração. A Balaiada teve início a partir do descontentamento da elite local maranhense criadora de gado com a instituição da Lei dos Prefeitos. Essa lei determinava que os prefeitos das cidades deveriam ser nomeados pelo presidente da província, diminuindo o poder de influência e comando dos grandes criadores. A partir de 1839, o movimento passou a ter liderança de homens livres pobres, exemplo do vaqueiro Raimundo Gomes e do vendedor de balaios Manuel dos Santos Ferreira. Nessa segunda fase da Balaiada, várias cidades foram conquistadas, criando a necessidade, por parte do governo central, de enviar tropas da Guarda Nacional e o general Luís Alves de Lima e Silva para combaterem os balaios. A última fase do movimento foi a mais radical com a participação e liderança de escravos e ex-escravos. A radicalização fez com que os grandes criadores de gado e outros grupos da elite se reorganizassem, juntamente com as tropas imperiais, para debelar os revoltosos. Finalmente, mas não menos importante do que outras revoltas, a Cabanagem, ocorrida no Grão-Pará entre os anos de 1835 e 1836, teve como uma de suas motivações o descontentamento da elite paraense com a constante indicação de políticos não nascidos na província para governá-la. Além dessa questão de autonomia, podemos elencar como fator para desencadear a revolta a forte desigualdade social expressa nas péssimas condições de vida de grande parte da população livre e pobre. 50 Para Magda Ricci (2006), a Cabanagem teve uma dimensão grandiosa pelo espaço territorial que atingiu e pela quantidade de sujeitos envolvidos. Calcula-se que tenham morrido mais de 30 mil pessoas nesta revolta. Apesar da grande proporção que a revolta adquiriu, a historiografia buscou interpretar o movimento como sendo eminentemente regional. Entretanto, segundo a autora: [...] os cabanos e suas lideranças vislumbravam outras perspectivas políticas e sociais. Eles se autodenominavam ‘patriotas’, mas ser patriota não era necessariamente sinônimo de ser brasileiro. Este sentimento fazia surgir no interior da Amazônia uma identidade comum entre povos de etnias e culturas diferentes. Indígenas, negros de origem africana e mestiços perceberam lutas e problemas em comum (RICCI, 2006, p. 5-6). Essa identidade em comum era reforçada pelo ódio ao poder de mando local e central sofrido pelos cabanos. As disputas envolvendo o presidente da província, Bernardo Lobo de Souza, o padre Batista Campos e o fazendeiro Félix Clemente Malcher deram início ao processo belicoso. Após a prisão de Malcher e a morte de Campos, os rebeldes invadiram Belém e tomaram o poder e nomearam Malcher presidente da província. Apesar de comungarem com o mesmo ideal, o combate ao governo central não havia unidade entre os rebeldes. Exemplo dessas disparidades entre os rebeldes foi a aceitação por parte de Malcher de encerrar a revolta caso fosse reconhecido como presidente da província pelo governo regencial. Essa atitude não contou com a aprovação das camadas mais baixas do movimento, resultando na negativa para deporem as armas. Após esse episódio, os cabanos permaneceram no poder por mais de um ano, desafiando e impondo derrotas ao governo das Regências (MOREL, 2003). Em 1836, o governo central enviou tropas para sitiar Belém e debelar a revolta, prendendo e matando centenas de integrantes das forças oposicionistas. Os líderes, 51 Eduardo Angelim e Francisco Vinagre foram presos e condenados à deportação em Fernando de Noronha. As revoltas ocorridas no período regencial não possuíram uma uniformidade em suas motivações e grupos de sujeitos que as integraram. As elites regionais, buscando maior autonomia e diminuição da interferência do governo central, estiveram presentes em vários levantes, mas acabaram, também, recuando em outros a partir da radicalização dos movimentos de contestação dos seus privilégios. Segundo Boris Fausto (2004, p. 164): As revoltas do período regencial não se enquadram em uma moldura única. Elas tinham a ver com as dificuldades da vida cotidiana e as incertezas da organização política, mas cada uma delas resultou de realidades específicas, provinciais ou locais. Muitas rebeliões, sobretudo até meados da década iniciada em 1830, ocorreram nas capitais mais importantes, tendo como protagonistas a tropa e o povo. No Rio de Janeiro, houve cinco levantes, entre 1831 e 1832. Em 1832, a situação se tornou tão séria que o Conselho de Estado foi consultado sobre que medidas deveriam ser tomadas para salvar o imperador menino, caso a anarquia se instalasse na cidade e as províncias do Norte se separassem das do Sul. A crescente onda de revoltas nas Regências, espalhadas por grande parte do país, denotavam a urgência de um novo governo que retomasse a força e o prestígio imperial. Assim, conforme vimos no início desta unidade, o Partido Liberal passou a trabalhar para que D. Pedro II assumisse o trono, antecipando a maioridade do rei. Sugerimos que leia o livro O período das Regências (1831-1840), de autoria do historiador Marco Morel. Excelente obra que busca discutir o campo político, as tensões sociais e econômicas do Brasil no período regencial, momento chave para a construção da nação. Referência: MOREL, Marco. O período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003. 52 53 O SEGUNDO REINADO E A CONSOLIDAÇÃO DO IMPÉRIO 4 54 55 A disputa entre Liberais e Conservadores Passados os anos do período regencial e a ascensão de D. Pedro II ao trono do império no Brasil, o contexto político da jovem nação ganha maior estabilidade com a diminuição dos movimentos de contestação nas diversas regiões do país. Nesse momento inicial do Segundo Reinado, dois grupos políticos detinham maior envergadura nas disputas. Ademais, as revoltas ocorridas no período regencial contribuíram para aumentar as disputas e divergências entre estes dois grupos políticos de maior expressão no encerramento das Regências: Conservadores e Liberais, consolidados a partir do final da década de 1830. Para muitos contemporâneos da época, as diferenças não eram assim tão grandes, haja vista a famosa frase atribuída a Holanda Cavalcanti, “nada se assemelha mais a um ‘saquerema’ do que um ‘luzia’ no poder”. A frase buscava expressar a semelhança dos dois partidos políticos no exercício do poder. Como garantir a unidade territorial de um país com uma dimensão continental e repleto de interesses regionais? Essa questão foi objeto de disputas entre os dois partidos identificados acima. De modo geral, o Partido Conservador era formado por grandes comerciantes, proprietários de terra, altos funcionários do governo e tinha o apoio das províncias do Nordeste. O Partido Liberal, por sua vez, era apoiado pelas províncias do Centro-Sul e continha em seus quadros senhores rurais e sujeitos das camadas médias urbanas. Embora em lados opostos, liberais e conservadores, segundo Boris Fausto (2004), não possuíam grandes objetivos ideológicos. Para esses grupos, a posse do poder representava a chance de obter benefícios para si e seu grupo político. Ademais: 56 Nas eleições, não se esperava que o candidato cumprisse bandeiras programáticas, mas as promessas feitas as seus partidários. Conservadorese liberais utilizavam-se dos mesmos recursos para lograr vitórias eleitorais, concedendo favores aos amigos e empregando a violência com relação aos indecisos e aos adversários (FAUSTO, 2004, p. 181). Podemos afirmar que o Golpe da Maioridade, em 1840, permitiu aos liberais o retorno ao centro do poder político do país e inaugurou o período denominado de Segundo Reinado (1840-1889) com a ascensão de D. Pedro II ao trono brasileiro. A expectativa com o início do reinado de D. Pedro II recaía na esperança do fortalecimento do governo central com a garantia da manutenção do sistema escravocrata e latifundiário das elites brasileiras, então ameaçado pelas revoltas espalhadas no Brasil. Após assumir o poder, D. Pedro II convidou membros do Partido Liberal para comporem o ministério. Entretanto, devido aos conservadores possuírem maioria na Câmara dos Deputados, os liberais solicitaram ao rei a dissolução do parlamento e que o mesmo convocasse eleições para uma nova composição da casa. Conhecida como eleições do cacete, as disputas ocorridas em 1840 foram marcadas por fraudes e violências de ambos os lados. Ao final do processo, os liberais saíram vitoriosos e estabeleceram o gabinete de governo. Para José Murilo de Carvalho (1996), a elite política do país foi constituindo-se de forma homogênea, resultado da educação e da profissão comuns, sendo grande parte da elite política do Brasil formada por sujeitos que possuíam nível superior, característica que dava unificação ideológica. Segundo Carvalho (1996, p. 33): [...] a elite brasileira, sobretudo na primeira metade do século XIX, teve treinamento em Coimbra, concentrado na formação jurídica, e foi, em sua grande maioria, parte do funcionalismo público, sobretudo da magistratura e do Exército. 57 Para o mesmo autor, após o processo de independência, a elite política do país conseguiu se reproduzir por meio da formação de seus sucessores nas duas escolas de direito e circulação desses por variados cargos e províncias. Essa relação de proximidade da natureza da burocracia, da elite e do Estado gerou interpretações distorcidas. Houve, assim, quem visse na elite imperial simples representante do poder dos proprietários rurais e no Estado simples executor dos interesses dessa classe. Outros, ao contrário, veriam na burocracia e na elite um estamento solidamente estabelecido que se tornava, por via do Estado, árbitro da nação e proprietário da soberania nacional (CARVALHO, 1996, p. 37). José Murilo de Carvalho (1996) adverte que nenhuma das interpretações era correta. Elementos como a possibilidade de continuidade com a independência, estrutura burocrática e o padrão de formação da elite deram ao Estado imperial maior capacidade de controle e aglutinação do que seria um simples porta-voz de interesses agrários. Para o autor, a homogeneidade deu-se a partir da educação comum e da participação na burocracia estatal. Assim, “[...] o objetivo da manutenção da unidade da ex-colônia rarissimamente seria posto em dúvida por elementos da elite nacional” (CARVALHO, 1996, p. 37). Diversos estudos destacaram a inexistência de qualquer diferenciação política entre conservadores e liberais. Outros apontaram diferenças de origem regional, urbana e rural como elementos de distinção. Existiam ainda estudos que destacavam a classe social como elemento diferenciador. Assim, apesar da homogeneidade evidenciada por José Murilo de Carvalho (1996), os partidos políticos imperiais apresentaram diferenças de posições sobre a condução da política nacional e aspectos relacionados à centralização e descentralização. Entretanto, estas diferenças não provocaram 58 grandes fissuras, apenas reajustes no sistema. Esperar mais do que isso seria irrealista. PARA SABER MAIS: Leia a obra A Construção da ordem: a elite política imperial & Teatro de Sombras. Publicados em conjunto, os textos reunidos foram apresentados pelo autor como tese de doutorado na Universidade de Stanford, em dezembro de 1974. O “parlamentarismo à brasileira” Em 1847, o rei D. Pedro II criou o cargo de Presidente do Conselho de Ministros, buscando estabilizar politicamente o país. A criação desse cargo teve como inspiração o modelo inglês, mas no Brasil não se seguiu, na prática, o sistema britânico. Na Inglaterra, o modelo tinha como prática a escolha do primeiro-ministro pelo partido mais votado nas eleições. Indicado pelo partido, o primeiro-ministro escolhia os membros do seu ministério. Nesse modelo, o primeiro-ministro de fato governava o país. No Brasil, o sistema parlamentarista funcionou de forma diferente. D. Pedro II, utilizando-se da prerrogativa do Poder Moderador, nomeava o Presidente do Conselho de Ministros. Cabia a D. Pedro II escolher o gabinete ministerial do Presidente. Em seguida, realizavam-se novas eleições com o objetivo de dar maioria ao partido que estivesse ocupando o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. Esta configuração singular foi comumente conhecida como “parlamentarismo à brasileira”. Cabe destacarmos, que a Constituição de 1824 não previa o parlamentarismo como forma de governo, sendo esse exercido pelo imperador. Segundo Boris Fausto (2004), este mecanismo de constante troca de gabinetes, com novas eleições, resultou em 36 ministérios diferentes nos cinquenta anos do Segundo Reinado. Para o autor: 59 Aparentemente, havia uma grande instabilidade, mas de fato, não era bem isso o que ocorria. Na verdade, tratava-se de um sistema flexível que permitia o rodízio dos dois principais partidos no governo, sem maiores traumas. Para quem estivesse na oposição, havia sempre a esperança de ser chamado a governar. Assim, o recurso às armas se tornou desnecessário (FAUSTO, 2004, p. 180). Nesse mesmo sentido, Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado apontaram que a partir do isolamento dos elementos radicais, conservadores e liberais buscaram garantir acordos que preservassem a prosperidade e favorecessem a grande propriedade (NEVES; MACHADO, 1999). A Conciliação veio, efetivamente, por meio do 12º Gabinete do Império, chefiado pelo conservador Honório Hermeto Carneiro Leão. Tratando-se, pois de angariar um amplo apoio ao ministério constituído, garantindo a ordem e o progresso das instituições monárquicas. PARA SABER MAIS: Leia o livro As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. Traz um misto de ensaio interpretativo e biografia do imperador D. Pedro II. Este livro apresenta a monarquia brasileira a partir de um ângulo absolutamente original. A Guerra do Paraguai A Guerra do Paraguai, ocorrida entre os anos de 1864 e 1870, teve como participantes o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Dentre as motivações para o início do conflito, podemos elencar as disputas travadas, pelo controle da Bacia do Prata, composta pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. 60 As disputas entre os países iniciaram com a interferência do Brasil nas questões internas do Uruguai, disputado pelos partidos Blanco e Colorado. A ofensiva das tropas brasileiras contra os blancos devido ao bloqueio do porto de Montevidéu aos navios brasileiros foi o ponto de partida para os embates entre Brasil e Uruguai. Em outubro de 1864, o Brasil, apoiando os colorados, invadiu o Uruguai. Em resposta, o governo paraguaio, chefiado por Francisco Solano López, que apoiava os blancos, cortou relações com o Brasil e aprisionou um navio que ia em direção a Cuiabá. Na sequência dos acontecimentos, em novembro, as tropas paraguaias invadiram o estado do Mato Grosso, pretendendo alcançar o Rio Grande do Sul por meio da Argentina. Como não receberam autorização para isso, declararam guerra à Argentina. Após esses conflitos iniciais,
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