Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) TRAUMATOLOGIA FORENSE: A Traumatologia Forense é a base para as perícias, estudando os aspectos médico- jurídicos causados por agentes lesivos. O trauma em si é o resultado da ação vulnerante que possui energia capaz de produzir danos. Os agentes podem ser classificados em: Mecânicos (ex.: energia cinética); Físicos (ex.: variação de pressão ou temperatura, energia elétrica); Químicos (ex.: envenenamento); Energias de ordem físico-química; Energia de ordem bioquímica; Energias de ordem biodinâmica; Energias de ordem mista. São de interesse médico-legal somente os quatro primeiros itens da lista acima, sendo os últimos três geralmente associados a doenças. AGENTES MECÂNICOS: Esses são os agentes mais comuns na traumatologia forense, atuando por meio da energia cinética, que modifica o estado inercial de um corpo, produzindo lesões em todo ou uma parte de outro corpo, sejam elas fechadas ou abertas. Um mesmo objeto pode funcionar como instrumentos (agentes) diferentes, culminando em tipos variados de lesões. A ação dos instrumentos pode ser somente por pressão, pressão associada a deslizamento, ou choque, acompanhado ou não por deslizamento. Os tipos de lesão causados por esses materiais podem ser simples ou mistas. Formas de Ação Simples Formas de Ação Mista INSTRUMENTOS PERFURANTES OU PUNCTÓRIOS: São instrumentos finos, alongados, pontiagudos, de diâmetro bastante reduzido em relação ao comprimento do corpo. Atuam por perfuração num ponto, rompendo com a integridade da pele e afastando suas fibras, criando uma lesão pequena que se prolonga na forma das linhas de força cutânea (Lei de Filhós e Langer), com pouca eliminação externa de sangue, mas elevado risco de complicações internas. Distribuição das linhas de força da pele, que promove lesões em forma de botoeira (casa de botão), ponta de seta ou em forma bizarra Essa lesão induzida apresenta trajeto retilíneo e pode ser penetrante (fundo cego) Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) ou transfixante (orifícios de entrada e saída semelhantes), com profundidade mais relevante que o diâmetro. INSTRUMENTOS CORTANTES: São instrumentos atuantes por pressão e deslizamento do gume (parte afiada), criando feridas ou ferimentos incisos, tendo como exemplos navalhas, facas, estilhaços de vidro, papel, guilhotinas ou bisturis. As lesões provocadas têm margens lisas e regulares, com ausência de contusão e presença de caudas de escoriação (maiores no final da ferida, o que pode sugerir a mão dominante ou a posição do agressor). A hemorragia é quase sempre abundante, devido à densa vascularização da pele, que apresenta bordas afastadas, induzidas pela pressão nas linhas de força e o rompimento de múltiplas fibras musculares. Em lesões post-mortem esse sangramento e distanciamento é menos evidente. O comprimento da incisão predomina sobre sua profundidade. Algumas feridas especiais decorrentes de ação cortante ou cortocontundente são: Esgorjamento: lesões incisas, de profundidade variável, situando-se na face anterior ou anterolateral do pescoço, entre a laringe e o osso hioide, ou sobre a laringe, raramente acima ou abaixo desses limites. Pode ser única ou múltipla, e a profundidade da lesão é variável, detendo-se, em geral, na laringe, mas dependendo da intensidade do uso do instrumento, pode alcançar a coluna cervical; o As características desse ferimento podem auxiliar a causa da lesão, como suicídio (lesão transversal descendente com menor força na porção final) ou homicídio (lesão horizontal voltada para cima) Degolamento: são lesões provocadas por instrumento cortante na região posterior do pescoço (nuca). É indicio de homicídio, principalmente se o ferimento for profundo e a lesão for localizada na medula; Decapitação: é a separação da cabeça do corpo, podendo ser oriunda de outras formas de ação além da cortante. Pode ser acidental, suicida ou homicida; Esquartejamento: divisão do corpo em quatro segmentos, com partes maiores; Espostejamento: divisão do corpo em porções menores que as encontradas no evento acima. Espostejar significa “reduzir a postas”. Lesões de defesa surgem nas mãos e dedos (quando atacada em pé), na face posterior do antebraço (se estiver ditada) ou nas pernas e pés, quando a vítima tenta se defender de uma agressão. As feridas por evisceração, denominadas haraquiri, caracterizam-se por uma incisão transversal no abdome, culminando na exposição dos órgãos internos. INSTRUMENTOS CONTUNDENTES: Esses instrumentos transferem a energia por meio de uma superfície, ocorrendo por compressão, tração ou deslizamento. As lesões podem ser abertas ou fechadas, com características inicialmente semelhantes às de uma ferida causada por instrumento cortante, porém com menor hemorragia, e formas e margens irregulares, uma vez que é decorrente de um impacto. Retalhos em formato de ponte podem unir as bordas da ferida, que normalmente mostram escoriações. Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) Os instrumentos mecânicos causadores de lesões contundentes podem ser classificados em: Ativo: o corpo que sofre a lesão está parado, com o instrumento em movimento (ex.: atropelamento de um indivíduo parado); Misto: tanto o instrumento quanto a vítima estão em movimento (ex.: atropelamento de um ciclista em movimento); Passivo: o instrumento está parado, com a vítima em movimento (ex.: queda). As características exibidas após uma lesão contusa são a rubefação, decorrente do processo de vasodilatação, presente principalmente em ferida mais simples, que persiste por poucos minutos, podendo não ser evocada pela perícia. A tumefação está relacionada a esse processo, sendo marcada pelo intumescimento temporário do local de impacto (conhecido popularmente como galo). As equimoses, descritas pelo extravasamento de sangue para dentro dos tecidos, formando uma mancha de coloração inicialmente violácea, também são características marcantes dessas feridas, tendo forma, tonalidade e localização diretamente relacionadas ao instrumento causador da lesão. As sugilações (equimoses por sucção), por exemplo, são geralmente associadas a atos libidinosos, sendo decorrentes da movimentação dos lábios. O espectro equimótico de Legrand du Saulle permite ao perito a determinação temporal da equimose, estabelecendo nexo entre a lesão e a causa relatada. A análise desses aspectos é favorecida em indivíduos de pele mais clara. As equimoses dividem-se em diversos tipos, descritos por: Petéquias: infiltrações sanguíneas puntiformes; Sugilação: apresenta-se em forma de grãos agrupados; Sufusão: as hemorragias são mais extensas; Víbices: formato de estrias, geralmente assumindo a forma do instrumento. Os hematomas são cavidades cheias de sangue, oriundas de hemorragias mais volumosas e de propagação rápida, podendo causar compressão de estruturas ou passar despercebidos. Quando esses hematomas ocorrem na região intracraniana, estes podem ser divididos em: Hematoma extra-dural: localiza-se entre o osso e a dura-máter Hematoma subdural: tem formato crescente, localizado abaixo da dura- máter; Fratura de base de crânio: tem aspecto variável, sendo evidenciada pela presença de vazamento de líquido cefalorraquidiano pelo nariz ou ouvidos, e por equimoses atrás da orelha (sinal de Battle) ou nas pálpebras (sinal de guaxinim), sem elevação dessa área; Hematoma epidural: localizado entre a dura-máter e o crânio, decorrente de fraturas agudas que rompem a artéria meníngea média; Hemorragia subaracnóidea: geralmente faz o delineado dos sulcos cerebrais, havendo hipersensibilidadeno Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) espaço subaracnóideo (entre a aracnoide e a pia máter); Hematoma intraparenquimatoso: localizado no tecido cerebral. Em lesões contusas é possível observar a presença de bossa, uma coleção de fluido seroso (linfa) que pode ou não estar associado a sangue, localizada sobre os planos ósseos com musculatura tênue. Em recém-nascidos, essa condição é conhecida como caput succedaneum, lesão perinatal provocada por pressão excessiva sobre o crânio, que cria um depósito de sangue circundado por tecido impermeável. Escoriações correspondem à remoção traumática da epiderme decorrente do atrito, seguida pela secreção de líquido seroso incolor e à formação de uma crosta seca, que aos poucos dá lugar ao processo de reeptelização. Caso a lesão atinja a derme, a área será marcada por pontilhados hemorrágicos, que participam da formação dessa película de proteção. Tais acometimentos possuem período de recuperação curto, o que faz com que sua identificação seja prejudicada. Lesões contusas também podem provocar luxações, nas quais há o afastamento repentino e duradouro de uma das extremidades, e fraturas, condições nas quais há uma perda de continuidade total ou parcial dos ossos, quando submetidos à ação de instrumentos contundentes, podendo inclusive provocar a ruptura de órgãos. LESÕES MISTAS: Nem sempre uma lesão apresenta sinais únicos de um instrumento, o que caracteriza lesões mistas. Essa classificação contempla: LESÃO PERFURO-INCISA: Nesses acometimentos, o instrumento é perfurocortante (ex.: canivete), atuando por meio de incisão e deslizamento. As feridas são mais profundas do que largas, e apresentam a maioria dos elementos observados em acometimentos associados a acidentes com instrumentos perfurantes. Sua gravidade depende do ângulo de incidência, da superfície atingida e pela força de impacto aplicada. O formato dessas lesões assemelha-se a uma “casa de botão”, que pode contar com uma comissura aguda (reflexo do gume – ex.: espada) e outra arredondada (costas do instrumento), as duas regiões agudas (dois gumes – ex.: punhal) ou aspecto estrelado, quando há múltiplas pontas (ex.: lima). Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) Essas lesões podem ser divididas em: Perfurantes/Penetrantes; Transfixantes (entrada e saída); Fundo-de-saco; Ferimento em sanfona/acordeão de Lacassagne: provocado por instrumentos pequenos, apresenta profundidade maior que o próprio agente, o que promove a compressão de estruturas viscerais adjacentes à lesão. LESÕES CORTOCONTUSAS: Essas formas de lesão são decorrentes do uso de instrumentos cortocontundentes (ex.: machado, guilhotina). Mantem-se as características de ferimentos incisos, sendo muito devastadoras. As manifestações contusas desse quadro decorrem da aplicação de pressão, sem deslizamento LESÕES PERFUROCONTUSAS: Esses acometimentos são decorrentes de instrumentos perfurocontundentes (ex.: projétil, ponta de um guarda-chuva, grades). Tais lesões causam perfuração e ruptura dos tecidos, caracterizando ferimentos com bordas irregulares, com predomínio da profundidade em relação à extensão, e caráter penetrante ou transfixante. Suas manifestações decorrem principalmente de acidentes com armas de fogo, que disparam projéteis, estruturas metálicas de chumbo com formato que varia entre cilindros e ogivas, armazenados tanto em carga única (a exemplo de um revólver) ou múltipla (representada por uma cartucheira). Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) LESÕES PERFUROCONTUSAS POR ARMA DE FOGO: As características das lesões causadas por armas de fogo dependerão do tipo de disparo, baseado na distância entre a arma e a vítima (apoiado ou encostado [distância zero], a “queima-roupa” [curta distância] ou à longa distância), e da velocidade da arma, que pode ser de baixa energia (100 a 500 m/s) ou alta energia, como fuzis. PROJÉTEIS DE BAIXA ENERGIA: TIROS À CURTA DISTÂNCIA: As características do ferimento de entrada de um tiro de baixa energia são variáveis segundo a distância do disparo e conforme a existência de um projétil único ou múltiplo. No entanto, existem elementos que são encontrados em todo tipo de tiro, a saber: Efeitos primários do tiro: o São independentes da distância entre a arma e o projétil; o Orlas ou Anel de Fisch: Orla de enxugo: forma uma auréola escura em volta do orifício de entrada, região na qual o projétil se livra de seus resíduos de pólvora; Orla de escoriação: representa uma área na qual a epiderme é arrancada devido ao atrito promovido pelo projétil, comprovando o ferimento como sendo de entrada; Em vísceras, representa o halo hemorrágico visceral de Bonnet Orla equimótica ou de contusão: apresenta bordas orientadas para dentro devido à ruptura e à diferença de elasticidade entre derme e epiderme. Efeitos secundários do tiro: o Nos tiros à curta distância, são evidentes: Zona de tatuagem: resulta da impregnação de partículas de pólvora que não sofreram combustão, mas alcançaram o corpo. Não consegue ser removida pela higienização da pele; Zona de esfumaçamento: decorre do acúmulo de fuligem resultante da combustão das reservas de propelente, depositando-se somente na camada superficial da pele (pode ser removida com limpeza da área com água, sabão e bucha); Zona de chamuscamento: corresponde à região de queimadura da pele e dos pelos adjacentes, resultante da ação superaquecida dos gases que entram em contato com a vítima. 1. Orla de enxugo 2. Orla equimótica 3. Zona de esfumaçamento 4. Zona de tatuagem Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) As características acima mencionadas estão intimamente relacionadas ao cone de dispersão provocado pelo disparo, que determina a capacidade de espalhamento dos detritos ejetados pela arma de fogo rumo à região próxima ao ferimento Ainda que o orifício de entrada de uma lesão por arma de fogo seja intimamente dependente de características intrínsecas à munição utilizada, essas perfurações assumem formato circular em perfurações infligidas num ângulo de 90º, oval em casos de outras inclinações, ou tangencial, de acordo com a angulação de incidência em relação ao disparo. TIRO ENCOSTADO: O tiro encostado, disparado com o cano da arma rente a pele da vítima, apresenta uma série de características que o distinguem das demais lesões perfurocontundentes por arma de fogo. Seu orifício de entrada tem forma estrelada ou de cratera, decorrente da dilaceração dos tecidos pelos gases explodidos, fenômeno denominado como mina de Hoffman. Nessa categoria de ferimentos, não são vistas zonas de tatuagem ou de esfumaçamento, mas há a presença de um halo fuliginoso nos ossos afetados, compondo o sinal de Benassi. Como a arma de fogo é pressionada contra a pele nessas modalidades de tiro, é possível observar a impressão dessa estrutura, chamada de sinal de Werkgaertner (marca da alça de mira. O sinal do funil de Bonnet é visto em ossos, principalmente planos, perfurados por um projétil de arma de fogo, com um orifício de entrada menor e um orifício de saída (“boca”) maior com um bisel (descamação da lâmina óssea), representando a formação de um funil invertido entre esses dois polos. TIRO À DISTÂNCIA: Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) As características de um disparo à distância diferem daquelas evidentes em conflitos próximos na forma do ferimento (arredondado) e no diâmetro reduzido em relação ao projétil, também apresentando orlas de escoriação e equimótica. ORIFÍCIO DE ENTRADA X ORIFÍCIO DE SAÍDA: As características dos orifícios de entrada de um ferimento resultantede disparos de armas de baixa energia já foram descritas anteriormente. Em relação ao ponto de saída, esse tipo de lesão é marcado por um formato irregular ou dilacerado, maior que o orifício de penetração e com sangramento mais evidente. Não são vistas orlas, zonas ou halos, e os bordos são evertidos (para fora). Algumas situações apresentam manifestações um pouco distintas, a saber: Tiro encostado (já descrito anteriormente); Tiro de ricochete (bala perdida): o projétil atinge outro objeto antes de perfurar a pele, perdendo parte de sua propulsão, o que altera a dinâmica da ferida; Dois projéteis atingindo sucessivamente o mesmo ponto da pele. TRAJETO E TRAJETÓRIA: O trajeto corresponde ao caminho percorrido pelo projétil dentro do corpo da vítima, nem sempre refletindo a posição inicial da arma. A descrição desse evento toma como referência os eixos superior e inferior, direito e esquerdo, podendo ser transfixante (a bala penetra e deixa o organismo) ou não transfixante (projétil retido). De acordo com o número de balas disparadas, esse percurso interno pode ser único ou múltiplo. Ainda no âmbito do trajeto desse projétil, quanto este atinge alguma estrutura óssea curvada (ex.: costelas), é possível observar o fenômeno da bala giratória, no qual esse corpo faz um semicírculo, penetrando anteriormente e deixando o corpo de forma lateralizada, sem penetrar cavidades. O oposto desse evento é o trajeto em chuleio (ou em alinhavo), no qual um mesmo disparo resulta em transfixações sucessivas em diversos segmentos do corpo, apresentando uma ferida primária e múltiplas feridas secundárias ou de reentrada. A trajetória, por sua vez, representa toda a movimentação de uma bala fora do organismo, desde a arma de fogo até a superfície atingida. PROJÉTEIS DE ALTA ENERGIA: Os projéteis emitidos por armas de fogo com grande energia apresentam velocidades que variam entre 500 m/s a 1200 m/s na saída do cano, o que faz com que os ferimentos apresentem características específicas. O orifício de entrada é variável, da mesma forma que em armamentos menos potentes, porém, geralmente apresentam diâmetro superior ao do projétil, com formato Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) estrelado, alterações essas relacionadas à quantidade de energia transferida no impacto. O PAPEL DO MÉDICO ASSISTENCIALISTA NO TRATAMENTO DE VÍTIMAS DE LESÕES POR ARMA DE FOGO: O trabalho dos médicos atuantes em serviços de urgência é imprescindível para proteger a vida dos indivíduos feridos por armas de fogo, podendo, no entanto, dificultar o trabalho das equipes de perícia caso manejem de forma incorreta tais pacientes. Os pontos mais importantes a serem executados por esses primeiros profissionais são: Descrever as lesões de forma técnica, fazendo o possível para caracterizar orifícios de entrada e saída; Não remover o projétil com instrumentos metálicos, pois eles podem causar marcas na superfície da bala que atrapalham a detecção de características capazes de identificar o instrumento causador da lesão; Encaminhar o projétil para o IML. AGENTES LESIVOS FÍSICOS: AGENTES BAROMÉTRICOS: Esses instrumentos provocam fenômenos decorrentes da variação da pressão atmosférica do ambiente em relação ao nível do mar, chamadas baropatias. Essas condições podem ser associadas à/ao: Diminuição da pressão: ocorre em situações de elevação na altitude, com redução proporcional da quantidade de oxigênio disponível no ar, causando assim o “mal da montanha”, marcado por eventos relacionados à hipóxia; Aumento da pressão: diz respeito à redução da altitude, podendo haver embolia gasosa ou barotrauma em caso de rápida ascensão. Explosões também são mecanismos lesivos relacionados a pressão, tendo como principais pontos causadores de ferimentos as ondas de pressão (perfuração timpânica), agentes mecânicos (detritos), altas temperaturas e gases tóxicos. AGENTES TÉRMICOS: FRIO: A ação local do frio na formação de lesões recebe o nome de geladuras (ou “pés-de- trincheira”), sendo classificada em diferentes graus, a saber: 1º grau: eritema; 2º grau: flictenas/vesicação (formação de bolhas); 3º grau: necrose ou gangrena decorrente de isquemia. Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) Esse agente pode também interferir de forma sistêmica no organismo, alterando sua homeostase por meio da vasoconstricção generalizada, que intensifica os efeitos necróticos locais, e da hipotermia. CALOR: A exposição a temperaturas excessivas pode ocorrer de forma direta, por meio de queimaduras, ou indireta, seja por insolação ou intermação, condições provocadas pela irradiação solar. As queimaduras podem ser decorrentes de contatos com chamas, calor irradiante, gases superaquecidos, líquidos escaldantes, sólidos quentes ou até mesmo com raios solares. Para avaliar essa lesão, é necessário verificar dois conceitos, a saber: Intensidade: corresponde à complexidade e à profundidade da lesão, dividindo-se em quatro graus: o 1º grau: há eritema (coloração vermelho-viva devido à congestão dos vasos, fixada no post mortem pela coagulação), somente é acometida a epiderme; o 2º grau: presença de flictenas com líquido amarelo-claro e translúcido, sugere acometimento até a derme. No cadáver, é visto como placas apergaminhadas; o 3º grau: formação de escaras ou cicatrizes, atingindo epiderme, derme e hipoderme. Sua coloração é castanha ou cinza-amarelada, indicando morte tecidual que gera cicatrizes permanentes. No cadáver, também se apergaminham; o 4º grau: carbonização, marcada pela redução do volume do cadáver, podendo ser parcial ou total. O plano ósseo também é afetado. Extensão: é analisada de acordo com a regra dos noves, que apresenta percentuais distintos para cada segmento do corpo, variando entre pacientes adultos e pediátricos. A insolação decorre da ação da temperatura ambiente em locais abertos, ao passo que a intermação é mais visível em locais confinados e mal arejados, surgindo de forma acidental. Os principais sintomas de ambas as condições são desidratação e hipertermia, que podem ser exacerbados em indivíduos alcoólatras, não adaptados às temperaturas locais ou com vestimentas inapropriadas (ex.: casacos pesados no verão). Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) ELETRICIDADE: A eletricidade atua em diferentes formas na geração de lesões nos seres humanos, sendo possível distinguir duas categorias distintas: Eletricidade natural ou cósmica: o Quando age de forma letal sobre o organismo, esse fenômeno chama- se fulminação. Se a intensidade do acometimento é suficiente apenas para provocar lesões, dá-se o nome de fulguração. As lesões induzidas por esse tipo de agente resultam em marcas arboriformes, conhecidas como Sinal de Lichtemberg. Eletricidade artificial ou industrial: o Quando a exposição à eletricidade é acidental, chama-se de eletropressão, ao passo que quando esse agente é aplicado de forma proposital, como na execução de um condenado, denomina-se eletrocussão; o A lesão mais simples decorrente desse tipo de contato é a marca elétrica de Jellineck (ferimento de entrada indolor com bordas elevadas e coloração amarelo-esbranquiçada, assumindo a forma do condutor); o Os efeitos deletérios da exposição à eletricidade dependem da amperagem, ou seja, da intensidade da corrente elétrica. Eventos letais envolvendo a energia elétrica, seja ela de origem natural ou artificial, geram os seguintes processos: Morte cardíaca por fibrilação produzida pela corrente (tensão inferior a 120 V); Morte por asfixia decorrente da tetania muscular (tensão entre 120 e 1200 V); Mortecerebral por hemorragia meníngea e de demais estruturas encefálicas (tensão superior a 1200 V). AGENTES QUÍMICOS: Os agentes lesivos químicos são substâncias capazes de causar danos e riscos à saúde, seja por meio fisiológico ou biológico. Classificam-se como sendo de ação externa (cáusticos e corrosivos) ou interna (venenos e tóxicos). AGENTES EXTERNOS: Os mecanismos de ação dos compostos químicos são variáveis, a saber: Efeito coagulante: os cáusticos são responsáveis por lesões graves, que afetam violentamente a ele, formando escaras, representadas por áreas enegrecidas; Efeito liquefaciente: o agente desfaz os tecidos, produzindo escaras moles; As queimaduras promovidas pelo contato com esses agentes são classificadas em 1º, 2º e 3º grau, da mesma forma que em lesões causadas por calor. Chama-se de vitriolagem o arremesso de ácidos (geralmente ácido sulfúrico) em direção à vítima, com o intuito de causar-lhe deformações corporais (enquadra-se como lesão corporal gravíssima). Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) VENENOS: Veneno é toda substância que prejudica a saúde ou degrada a integridade corporal de um indivíduo, podendo causar-lhe a morte, mesmo que em quantidades relativamente pequenas. Um composto pode ser, ao mesmo tempo, medicamento e veneno, dependendo apenas da dose administrada. Tais agentes podem ser fármacos (depressores e estimulantes do SNC), produtos químicos diversos (ex.: raticidas), plantas tóxicas (ex.: mandioca brava, mamona e espada de São Jorge) ou até de origem animal (toxinas de serpentes, aranhas, abelhas ou vespas). Na esfera jurídica, a natureza dessa exposição pode ser acidental, homicida ou suicida, sendo necessária a avaliação de todos os aspectos do quadro para determinação desse critério. O homicídio por envenenamento é considerado como qualificado. O diagnóstico clínico do envenenamento leva em consideração os seguintes pontos: Critério clínico: sintomas caraterísticos de cada substância; Critério anatomopatológico: exames laboratoriais. o Exame macroscópico: análise externa do corpo, observando a presença de lesões orais, odores característicos e coloração da pele; o Exame necroscópico: consiste na coleta de vísceras para exames laboratoriais (isolar, identificar e dosar). Para que se caracterize corretamente uma morte por envenenamento, além da identificação de uma substância química tóxica no corpo da vítima, é necessário que se verifique a concentração sérica desse composto, analisando seus possíveis locais de fixação (regiões pelas quais o material apresenta tropismo), e as circunstâncias do fato (local da morte, testemunhas, substâncias encontradas próximas à vítima, e escritos). ENVENENAMENTO POR CHUMBINHO: O chumbinho é um composto raticida preparado à base de diversos agrotóxicos pertencentes às classes carbamatos e organofosforados, tendo sua venda proibida no Brasil. Mesmo com essa restrição, essa substância representa um dos principais agentes causadores de envenenamentos em todo o país, em sua maioria decorrentes de tentativas de suicídio. Os indícios que apontam para esse tipo de intoxicação são: Presença de resíduos do material nas mãos e na boca da vítima; Hálito diferente do habitual; Vômito ou diarreia que podem conter sangue; Sensação de ardência na boca, garganta ou estômago. Sonolência; Cefaleia; Mal-estar; Produção excessiva de saliva e suor; Midríase; Pele pálida e fria; Confusão mental; Delírios; Dificuldade respiratória; Polaciúria ou oligúria; Convulsões; Sangue na urina ou nas fezes; Paralisia segmentar ou total; Coma.
Compartilhar