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Lesão Corporal de Natureza Penal

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Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) 
LESÃO CORPORAL DE NATUREZA PENAL: 
Frente a danos corporais de implicação 
penal, cabe à perícia caracterizar a 
extensão, a gravidade e a perenidade 
desses comprometimentos, o que requer 
uma avaliação extremamente minuciosa. 
Segundo o Código Penal, em seu artigo 129, 
lesões corporais significam “ofender a 
integridade corporal ou a saúde de outrem”. 
Nesse contexto, a alteração da integridade 
está relacionada à ocorrência de danos 
anatômicos, ao passo que as ofensas à 
saúde são associadas a intercorrências 
funcionais, sejam elas referentes à 
motricidade, a funções vegetativas, à 
atividade sexual ou ao psicológico do 
indivíduo afetado. 
A classificação de lesões graves ou 
gravíssimas necessita de somente um dos 
critérios associados a cada grupo, que serão 
descritos posteriormente. 
A finalidade jurídica para a avaliação do 
agressor é determinar a conduta (comissiva 
[ação] ou omissiva) e o dolo da lesão, o que 
implica diretamente na duração da sanção 
penal aplicada. Lesões culposas (sem 
intenção) podem ser classificadas em 
imperícia (falta de habilidades técnicas), 
imprudência (ato comissivo indevido, 
resultante da falta de ponderação ou 
precipitação na tomada de decisões) e 
negligência (ato omissivo decorrentes de 
desleixo proposital e falta de cuidado), ao 
passo que lesões dolosas (causadas 
intencionalmente) recebem denominações 
conforme sua gravidade. 
Em relação as lesões culposas, o fato de 
haver complicações após um procedimento 
não são indicadores de imperícia, pois até 
mesmo intervenções bem feitas correm o 
risco de serem afetadas por aspectos que 
fogem ao controle hospitalar. Por essa razão, 
torna-se muito mais simples classificar uma 
lesão como sendo produto de imprudência 
ou negligência. 
O nexo da situação que causou a lesão 
também deve ser considerado, uma vez que 
existem contextos excludentes de ilicitude 
(art. 23 do Código Penal), como o estado de 
necessidade, legítima defesa, estrito 
cumprimento do dever legal e exercício 
regular do direito, classificação na qual se 
enquadra a prática médica. Assim, cicatrizes 
resultantes de um procedimento cirúrgico 
inicialmente não diferem de uma marca 
promovida por um ataque violento, tendo 
como ponto de distinção a existência do 
consentimento do paciente, que garante o 
direito do profissional em realizar tal 
processo. 
LESÃO LEVE (PENA DE TRÊS MESES A UM ANO): 
Seu diagnóstico advém de um processo de 
exclusão, quando não consegue ser 
enquadrada nos outros grupos; 
Caso existam complicações em lesões 
classificadas como leves que aumentem seu 
tempo de recuperação para além de um mês, 
é necessário avaliar o nexo desse desfecho, 
que, se for de responsabilidade do agressor, 
pode acabar aumentando sua pena para as 
configurações de uma lesão grave. 
 
Agressões que resultam em equimoses são 
enquadradas como leves pois essas marcas 
desaparecem em período inferior a 30 dias. 
LESÃO GRAVE (RECLUSÃO DE UM A CINCO ANOS): 
De acordo com o parágrafo 1º do art. 129 do 
Código Penal, é configurado como lesão 
corporal grave todo evento que resulte em 
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incapacidade para as ocupações habituais 
por mais de 30 dias, em perigo de vida, em 
debilidade permanente de membro, sentido 
ou função, ou em aceleração do parto. 
Enquadram-se como ocupações habituais 
todas as atividades realizadas por um 
indivíduo em seu cotidiano, como escovar os 
dentes, lavar o rosto, tomar banho, comer 
sozinho e vestir-se. 
A cura cínica difere da cura médico-legal, 
pois uma lesão pode permanecer em 
processo regenerativo sem que as 
atribuições diárias da vítima sejam afetadas. 
É necessária uma nova avaliação por parte 
da perícia após 30 dias do evento lesivo, 
avaliando a necessidade de um período 
maior de recuperação. 
 
Fraturas são um exemplo de desfecho observado em 
lesões corporais graves, uma vez que algumas delas 
restringem a capacidade funcional do indivíduo por 
períodos superiores a um mês, sendo possível 
observar retorno gradual às funções previamente 
estabelecidas mesmo durante a consolidação do 
osso. 
O perigo de vida corresponde à 
probabilidade concreta e iminente de 
resultados letais, sendo representado por 
lesões penetrantes ou transfixantes em 
vísceras do tórax ou abdome, rupturas em 
vasos sanguíneos de grosso calibre, estado 
de choque, insuficiência cardiorrespiratória 
grave, traumatismo cranioencefálico, coma 
ou em grandes queimados. 
Essa classificação resulta de uma descrição 
minuciosa da lesão, o que requer que o 
médico assistencialista atue conjuntamente 
com a Medicina Legal. Se não houverem 
indícios suficientes para afirmar ou negar 
esse quadro, o perito deve atestar 
impossibilidade de classificação. 
A classificação da lesão de acordo com a 
debilidade de um membro, função ou sentido 
depende da intensidade desse 
comprometimento, com acometimentos de 
até 3% sendo configurados como lesão leve, 
3 a 70% como grave e acima de 70%, como 
gravíssima. 
A conduta em caso de deformações 
mastigatórias (dentes e língua, 
principalmente), fonéticas e estéticas ainda é 
controversa, uma vez que não existe um 
sistema unificado para definir sua 
importância, sendo necessário avaliar os 
casos individualmente. 
O fenômeno de aceleração do parto decorre 
da agressão a uma mulher sabidamente 
gestante em qualquer momento da gestação, 
sendo obrigatória para essa classificação 
que o feto nasça vivo. Se o concepto nascer 
morto, a lesão terá como implicação o aborto 
(lesão torna-se gravíssima). Caso o agressor 
desconheça a gravidez, essas acusações 
não poderão ser efetuadas. 
LESÃO GRAVÍSSIMA (RECLUSÃO DE DOIS A OITO 
ANOS): 
De acordo com o parágrafo 2º do art. 129 do 
Código Penal, classifica-se como lesão 
corporal gravíssima o evento que resulte em 
incapacidade permanente para o trabalho, 
em enfermidades incuráveis, na perda ou 
inutilização de um membro, sentido ou 
função, em deformidades permanentes ou 
em aborto. As implicações dessa modalidade 
de lesão são por vezes mais intensas que o 
ato causador. 
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A incapacidade para o trabalho deve ser 
universal (trabalhos genéricos), não somente 
no contexto de atuação profissional prévio da 
vítima). 
As enfermidades incuráveis representam 
estados patológicos que tendem a evoluir 
para o óbito ou que permaneçam estanques, 
sem possibilidade de cura; 
Alguns agravantes para a deformação 
permanente incluem a extensão do 
comprometimento, a pigmentação local, a 
profundidade da lesão, a presença de 
abaulamentos, retrações ou outras 
características que descrevam mutilações. 
Mesmo que tal deformidade seja corrigida 
por meio de intervenções cirúrgicas, o 
caráter judicial do caso não é alterado. 
De acordo com as correntes majoritárias, a 
deformidade independe do local do corpo, 
bastando apenas ser visível. Não é 
necessário que represente um aleijão, mas 
que cause repulsa à vítima. 
O critério para classificação de aborto segue 
os mesmos critérios iniciais empregados 
para a aceleração do parto, sendo o critério 
determinante a expulsão do feto morto, 
independentemente da idade gestacional. 
LESÃO SEGUIDA DE MORTE (PENA PODE SE 
ESTENDER ATÉ 12 ANOS): 
O agressor não possui intenção de levar a 
vítima a óbito, mas produz uma lesão 
corporal dolosa que determina a morte, 
agravando assim a pena. 
QUESITOS OFICIAIS PARA A CARACTERIZAÇÃO DE 
LESÕES: 
O perito médico deve preencher seis 
quesitos oficiais para classificar as lesões 
corporais infligidas a uma vítima, descritos a 
seguir: 
1. Resultou ofensa à integridade corporal 
ou a saúde do examinado? 
2. Qual o instrumento ou meio 
empregado na produção da(s) 
lesão(ões)? 
3. Trata-se de uma lesão que determine 
incapacidade para ocupações habituaispor mais de trinta dias? 
4. Resultou perigo de vida? No caso 
afirmativo, caracterizá-lo. 
5. Resultou debilidade de membro, 
sentido ou função ou aceleração de 
parto? 
6. Resultou incapacidade permanente 
para o trabalho, enfermidade 
incurável, perda ou inutilização de 
membro, sentido ou função, deformidade 
permanente ou aborto? 
Os possíveis tipos de resposta a esses 
quesitos são: 
 Sim: quando há convicção de que o 
fenômeno indagado pelo quesito ocorreu; 
 Não: quando há certeza de que não 
aconteceu a condição descrita pelo 
quesito; 
 Sem elementos: não há convicção para 
responder afirmativa ou negativamente; 
 Prejudicado: quando a pergunta 
realizada não se aplica à situação em 
análise ou quando uma resposta anterior 
prejudica a resolução do quesito 
seguinte. 
LESÕES CORPORAIS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: 
A violência doméstica diz respeito à 
imposição de lesões contra ascendente (pai 
ou mãe), descendente (filhos), irmãos, 
cônjuge ou companheiro. Nesse âmbito 
insere-se a Lei Maria da Penha (Lei nº 
11.340 de 7 de setembro de 2006), que 
resguarda mulheres que sofreram 
ferimentos, sofrimento físico sexual ou 
psicológico, danos morais e patrimoniais, ou 
foram mortas por seus parceiros.

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