Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Denise Ramos Pacheco EPILEPSIA E CRISES EPILÉPTICAS EM CÃES E GATOS Convulsão: evento repentino, catastrófico, de curta duração e transitório ou ainda crises epilépticas generalizadas com componente motor tônico-clônico. Epilepsia: atividade elétrica excessiva, rítmica e hipersincrônica de neurônios cerebrais, o que predispõem às crises epilépticas recorrentes, ou ainda um distúrbio encefálico caracterizado por alterações no ambiente neuronal que predispõem à ocorrência de crises epilépticas espontâneas e recorrentes. Crise epiléptica: manifestação clínica da atividade elétrica excessiva e/ou hipersincrônica do córtex cerebral ou ainda manifestação clínica de descargas neuronais paroxísticas, excessivas e hipersincrônicas de uma população neuronal que, geralmente, são auto-limitantes. Ocorre uma descarga elétrica neuronal anormal e excessiva e/ou inadequada inibição neuronal, promovendo manifestações como movimentos motores e alterações viscerais e psíquicas. Obs: a epilepsia é uma doença e as crises epilépticas são manifestações clínicas. CLASSIFICAÇÃO DA EPILEPSIA FOCAL OU PARCIAL → pode apresentar sinais motores, sinais do sistema nervoso autônomo e alterações comportamentais (exemplo: automatismo orofacial – “movimento de mascar chiclete”, automatismo lingual, com movimentos de lambedura repetitivos, salivação, animal tenta capturar “moscas invisíveis” no ar, correr atrás da própria cauda - movimentos compulsivos, morder a mão, entre outros). O animal normalmente não perde a consciência nesse tipo de convulsão. Diferenciar de mioclonias ou de comportamentos normais daquele animal. GENERALIZADA → sinais simétricos, motores, alteração de consciência (animal fica inconsciente geralmente), sinais de sistema nervoso autônomo. Ocorre movimentação de todo o corpo do animal, apresentando normalmente todos os sinais concomitantemente. O animal pode ter dificuldade respiratória por compressão dos músculos intercostais e do gradil costal. Pode apresentar micção ou defecar, se houver urina na bexiga e fezes na ampola retal, mas não é sempre que ocorre. Obs: o animal ao se debater pode bater a cabeça ou mastigar a língua. Nesses casos, não tente segurar o animal que está em convulsão, mas coloque ele na posição lateral para evitar que ocorra falsa via e que a saliva do animal chegue até os pulmões, e também proteja a cabeça do animal com algum pano ou toalha. A epilepsia generalizada pode ser dividida em: Tônico-clônica: mais comum (95% dos casos). É a crise clássica (movimentos em que os membros enrijecem e ficam flácidos). São crises recorrentes, o animal fica hipertérmico, causa maior desgaste ao sistema nervoso central. Tônica: animal fica somente com os músculos e membros enrijecidos, tem dificuldade respiratória (podendo levar à parada respiratória), animal pode ficar cianótico. O ideal é deixar a cabeça do animal esticada para cima e não em ventroflexão, para auxiliar a captação de ar. Denise Ramos Pacheco Clônica: mais rara, o animal fica com a musculatura flácida, apresenta menor movimentação, dificilmente diferenciada da forma atônica. Atônica (rara): muito raro de ocorrer, o animal fica totalmente paralisado (sem movimento nenhum), como se fosse uma síncope. Para diferenciar a crise epiléptica da síncope, verificar se tem doença cardíaca ou respiratória pré-existente → diferencial: cardiopatias e alterações respiratórias. Crises mioclônicas: generalizadas, epiléptica (diferenciar de MIOCLONIA, como ocorre em animais com cinomose, por exemplo). Ocorre perda de consciência momentânea, depois retorna ao normal. A mioclonia é um efeito posterior, alteração mioclônica, como se fosse uma sequela (relacionada a medula, parte nervosa periférica geralmente), e se trata de uma alteração persistente. A crise mioclônica ocorre, para um pouco, depois ocorre de novo, repete, mas não permanece de maneira contínua, e sim por um espaço de tempo delimitado. FOCAL COM GENERALIZAÇÃO SECUNDÁRIA → ocorre primeiramente uma convulsão focal, que vai se espalhando pelo corpo do animal atingindo os membros (geralmente primeiro os anteriores e por último os membros posteriores). Ou seja, é uma convulsão focal a princípio que vai se generalizando. Exemplo: convulsão começa só focal (movimentação de músculo masseter e olho direito), depois migra para outra orelha, pescoço, depois começa membros, primeiro torácico e depois pélvico. Começa focal e vai generalizando, fazendo movimentos de pedalagem mais intensos. FASES DA CONVULSÃO PRÓDROMO: alterações comportamentais que precedem a convulsão, podem durar horas ou dias → ansiedade, necessidade de se esconder, seguir o tutor, entre outras. AURA: manifestação/sensação inicial da convulsão, ocorre segundos a minutos antes da convulsão → andar compulsivo, salivação, micção, defecação, vômito/diarreia, latidos/miados excessivos. ICTUS: período de CONVULSÃO propriamente dito, ou seja, o momento em que está ocorrendo a convulsão. PÓS-ICTUS: período imediatamente posterior a convulsão, pode durar minutos a dias → desorientação, inquietação, ataxia, surdez, cegueira transitória geralmente. Obs: o pródromo e a aura podem ser chamados também de “pré-ictus”. A aura não é tão evidente em animais como ocorre em seres humanos, podendo ser difícil identificar sua ocorrência. TIPOS DE CONVULSÃO 1) Convulsões isoladas: única convulsão, que dura de segundos a minutos. Podem ocorrer convulsões esporádicas, ou seja, o animal tem convulsão uma vez na vida somente. 2) Convulsões em cluster: ou “crises agrupadas”, quando ocorrem mais de 2 convulsões em um período de 24 horas. O animal já é considerado epiléptico neste caso. As crises são, geralmente, separadas por um período em que o animal retoma a consciência e realiza suas funções normais. Quando essa crise é continua por mais de cinco minutos ou quando uma série de crises ocorre sem recuperação completa de consciência em um período de Denise Ramos Pacheco trinta minutos, denomina-se “status epilepticus” e este é considerado situação emergencial com necessidade de intervenção imediata. 3) Estado epiléptico: ou “status epilepticus”, são crises sustentadas ou seriadas, ou seja, várias convulsões muito prolongadas. 4) Epilepsia: quando há convulsões recorrentes, ou seja, mais de 2 convulsões em um período de 1 mês. ETIOLOGIA DAS EPILEPSIAS CAUSAS EXTRACRANIANAS → resposta cerebral a uma perturbação repentina. - Epilepsia reativa: agentes tóxicos → estricnina, organofosforados e carbamatos, hidrocarbonetos clorados, chumbo, micotoxina. - Epilepsia metabólica: hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia absoluta, encefalopatia urêmica (azotemia severa), encefalopatia hepática (pela hiperamonemia – insuficiência hepática), hipertrigliceridemia. CAUSAS INTRACRANIANAS → origem identificada. - Epilepsia ativa ou estrutural: neoplasias encefálicas, malformações congênitas, doenças infecciosas, doenças inflamatórias, traumas, doenças degenerativas. EPILEPSIA IDIOPÁTICA → causa desconhecida. Ocorre na minoria dos casos (0,5 – 6%). • Pode ser relacionada com origem genética, principalmente nas seguintes raças de cães: Cocker, Collie, São Bernardo, Poodle, Labrador, Golden, Beagle, Husky Siberiano. • Crises recorrentes não associadas a doença cerebral. • Normalmente é do tipo generalizada tônico-clônica ou focal com generalização. • Acomete em sua maioria machos de 1 a 5 anos. • Menos comum em gatos. DIAGNÓSTICO Anamnese e História Clínica → obter informações sobre o animal, relação da convulsão com o estro em fêmeas (sempre indicar castração de fêmeas com epilepsia idiopática), uso de certas medicações, gatilhos (por exemplo: luzes ou sons/ruídos altos provocando a convulsão, como fogos por exemplo, além estresse ou excitação). Perguntar se as crises são recorrentes, com que frequência ocorrem, se são intensas etc. Obterinformações como: - Raça predisposta. - Idade. - Distúrbios metabólicos: insuficiências hepática e/ou renal, levando à ocorrência de convulsões. Denise Ramos Pacheco *MEG: meningoencefalite granulomatosa. Fonte: Material apresentado em aula. Exame físico geral do animal; Exame neurológico (cuidado na avaliação pós-crise) → se o animal estiver em crise ou pós não dá para levar em consideração as avaliações do exame neurológico, mas deve ser realizada a análise neurológica do paciente naquele momento, além de avaliações seriadas para avaliar o diagnóstico e prognóstico daquele animal. Exame de triagem → em relação aos exames laboratoriais, é essencial realizar: - Hemograma completo; - Aferição da glicemia; - Eletrólitos (principalmente cálcio); - Perfil lipídico (principalmente triglicérides); - Marcadores de função renal (encefalopatia urêmica); - Marcadores de função hepática (encefalopatia hepática – amônia causando alterações neurológicas). Exames complementares específicos: - Análise do líquor (líquido cefalorraquidiano); - Sorologias/PCRs (sangue/líquor); - Toxicológicos; - Biópsia (difícil de ser realizada na rotina veterinária, pelo alto risco de gerar ainda mais lesões cerebrais); - Tomografia Computadorizada (TC); - Ressonância Magnética (RM); - Ultrassonografia transcraniana (principalmente em filhotes, pela fontanela); - Radiografia craniana; - Eletroencefalograma (pouco realizado na rotina veterinária). Esquema para causas de convulsões: DEGENERATIVA INFLAMATÓRIA, infecciosa e iatrogênica NEOPLASIAS E NUTRICIONAIS Denise Ramos Pacheco ANOMALIA METABÓLICA IMUNOLÓGICA E IDIOPÁTICAS TRAUMÁTICAS E TÓXICAS VASCULAR DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS - Narcolepsia / cataplexia - Síncope - Tremor de cabeça TRATAMENTO 1) Identificar e tratar a causa das epilepsias: metabólicas, estruturais ou reativas. Quando é indicado entrar com o tratamento anticonvulsivante → quando o paciente tiver mais de 2 convulsões em um período de 3 meses! Objetivos do tratamento: • < 1 convulsão a cada 3 meses (3-4 convulsões/ano); • Aumento do intervalo entre as convulsões; • Diminuição da intensidade das convulsões. 1ª linha de anticonvulsivantes: ➔ ANTIEPILÉPTICOS: • FENOBARBITAL (para cães: 3-5 mg/kg, VO, BID; para gatos: 2,5-5 mg/kg, VO, BID). • É a medicação de escolha para o início do tratamento! • São necessários de 10-15 dias para obtenção do nível sérico desejado. • É preciso realizar exames (coleta de sangue) para avaliar a concentração sérica do fenobarbital, para ajuste de dose, depois de 10-15 dias do início do tratamento, 6 horas após a administração da medicação oral. • A concentração ideal do fenobarbital na circulação é de: 20-35 µg/mL (o ideal é próximo de 25 µg/mL). Acima desse valor pode ocorrer intoxicações ao animal, enquanto abaixo dele não ocorre o efeito satisfatório da medicação. *µg: microgramas. • Após a avaliação depois de 15 dias do início do tratamento, se estiver na concentração adequada é necessário repetir esse exame em cerca de 3 meses, se adequada ainda repetir em 6 meses e assim por diante, ou seja, é necessário ir acompanhando o animal periodicamente. • BROMETO DE POTÁSSIO (NÃO RECOMENDADO PARA GATOS!). • Indicado para cães refratários ao FB (fenobarbital) ou hepatopatas. • Eficácia de 80% isolado e de até 95% associado ao FB. Denise Ramos Pacheco • Administrar juntamente com alimento. • Após 6 semanas avaliar a concentração sérica. • Pode usar uma dose de ATAQUE para diminuir o tempo de estabilização (400-600 mg/kg/dia, dividido em 4 vezes). Essa dose serve para a medicação fazer efeito em até 1 semana, sendo que na dose normal demora 6 semanas para atingir as concentrações séricas ideais. • DOSE INDICADA → 20-35 mg/kg/dia, VO. Quando associado com o FB a dose deve ser 20-30 mg/kg/dia, VO. • [ ] eficaz sérica: 1-3 mg/mL (terapia isolada) e 1-2 mg/mL (associado ao FB). • Efeitos adversos: em cães → ataxia, PU/PD, vômito, sedação, megaesôfago, prurido, pancreatite. Em gatos → dispneia e tosse. • É importante não realizar grandes mudanças na alimentação do animal durante o tratamento, para não interferir na absorção dessa medicação. 2ª linha de anticonvulsivantes: quando os animais forem refratários aos tratamentos anteriores, ou quando as medicações de eleição causarem muitos efeitos adversos. ➔ ANTIEPILÉPTICOS: • Felbamato • Topiramato • Clorazepato • Levetiracetan (+ Zonisamida) • Gabapentina (pregabalina) CONTRAINDICADOS: fenitoina, ácido valpróico e carbamazepina. MONITORAÇÃO DO PACIENTE → a cada 3-4 meses (hemograma, ALT, FA, Alb, PT, perfil lipídico, ácidos biliares, creatinina, ureia, urinálise). Sugere-se a castração dos animais! CRISE CONVULSIVA Animal que não para de convulsionar, está em estado epiléptico (EMERGÊNCIA!) • Esquema → se não conseguir fazer o acesso venoso, fazer o Diazepam intra retal, e logo após a estabilização do animal realizar o acesso venoso. Fazer o Diazepam no máximo 3 vezes, pois pode intoxicar o animal!!! • Se o animal não parou de convulsionar com todas as manobras realizadas, é possível induzir anestesia ou sedação no animal, realizando também a intubação do animal. • Se o animal teve mais de 2 ou 3 convulsões, já inicia o tratamento com fenobarbital. • Caso seja necessário realizar infusão contínua com propofol, usar preferencialmente em cães, pois em gatos pode ocorrer intoxicação. • Se o animal continua convulsionando: ISOFLUORANO, manter animal anestesiado, com sonda endotraqueal, respiração assistida, oxigênio, e começa a fazer exames para procurar o motivo das crises convulsivas. • Problema: EDEMA CEREBRAL → começa a ter depois de 15 minutos de convulsão, o que agrava o quadro e podem ocorrer mais convulsões ainda. • Depois que o animal estiver estabilizado, coletar exames para avaliação do quadro geral de saúde do paciente e procura da causa base das convulsões. Denise Ramos Pacheco Fonte: material apresentado em aula. TRATAMENTO DO ESTADO EPILÉPTICO Objetivo: interromper as convulsões/proteger o cérebro/permitir a recuperação do paciente. Terapia inespecífica: • Restaurar a homeostasia: • Manter uma via aérea patente e administrar O2; • Compressão cuidadosa dos globos oculares (para estimular o nervo vago – efeito antiepiléptico complementar, bradicardia); • Manter o pescoço do animal esticado; • Entubar o animal e sedar se necessário; • Acupuntura dependendo do caso. Terapia específica: • Anticonvulsivante • Considerar uso de: • Manitol 20% (1-2 g/kg, IV, por 10 min + Furosemida 1-2 mg/kg, IV); • Dexametasona (0,25 mg/kg, IV, para tratar o aumento de PIC – pressão intracraniana); • Obs: já iniciar o tratamento do edema intracraniano; • O manitol retira o líquido do interstício cerebral e a furosemida retira o líquido que está saindo e elimina via renal; a dexametasona diminui processo inflamatório e também aumento da PIC. Coletar amostra de sangue: • Glicemia; • Exames de rotina/ [ ] antiepiléptico se necessário; • Controlar a temperatura corporal (manter < 40°C); • Administração de tiamina (principalmente em gatos). Casos refratários: • Infusão contínua: Denise Ramos Pacheco • Diazepam (0,1 – 0,5 mg/kg/h) • Midazolam (0,1 – 0,25 mg/kg, IM/IV) • Propofol (somente CÃES) • Anestesia inalatória: • Isofluorano • manter animal em ventilação mecânica e CTI! • No CTI: manter o animal em superfície inclinada a 45°, controlar a temperatura do animal (pode estar hipertérmico ou hipotérmico), monitorar frequência respiratória, pressão arterial e ECG, manter o ambiente sem muita iluminação e ruídos ou sons muito altos. Falhas terapêuticas: • Erro diagnóstico? Anticonvulsivante adequado? Estro? • Considerar erros de manejo, concentrações séricas dos anticonvulsivantes e biodisponibilidadedos fármacos (avaliação de função hepática, renal e TGI). • Sempre fazer os diagnósticos diferenciais, descartar e tratar causas de convulsões intra ou extracranianas, manter rigoroso controle dos fármacos e monitoração do paciente e orientar o tutor a utilizar Diazepam em casa (uso retal).
Compartilhar