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HERNIAS DA PAREDE ABDOMINAL ANATOMIA DA REGIÃO INGUINAL › Aponeurose x Fáscia = Antes de iniciarmos a descrição da região inguinal, é importante revisarmos dois conceitos anatômicos: a diferença entre aponeurose e fáscia. A aponeurose é porção tendinosa, formada por tecido conjuntivo denso, responsável pela fixação dos músculos em suas inserções ósseas. Já fáscia é uma bainha de tecido conjuntivo frouxo que envolve os músculos, muitas vezes determinando compartimentos musculares. Conclui-se que as aponeuroses são estruturas firmes, densas, podendo-se assim confiar a elas um papel de contensão durante a realização de um reparo cirúrgico, diferentemente das fáscias, estruturas mais delicadas pela sua própria estrutura histológica. › Região inguinal = Logo abaixo da pele, encontramos o tecido celular subcutâneo. Nele podemos identificar duas camadas determinadas pela presença de suas fáscias: uma mais superficial, a fáscia de Camper, delicada, bem vascularizada e muitas vezes de difícil visualização; uma mais profunda, a fáscia de Scarpa, mais espessa e facilmente identificável, sobre a superfície externa do m. oblíquo externo e que se continua em direção à bolsa escrotal, onde forma a túnica dartos do testículo. Sob o tecido subcutâneo encontramos apenas a aponeurose do músculo oblíquo externo, logo abaixo dessa aponeurose encontramos o canal inguinal e seu conteúdo, sendo assim, a aponeurose do músculo oblíquo externo forma o limite anterior do canal. O canal inguinal é definido como uma passagem entre a musculatura da parede abdominal. Através dele passam o funículo espermático, no homem, e o ligamento redondo do útero, nas mulheres. O canal inguinal permite a passagem de estruturas do sistema genital masculino, da cavidade abdominal em direção ao escroto. Abaixo do canal inguinal, formando sua parede superior e posterior, estão o músculo oblíquo interno e o músculo transverso do abdome com sua aponeurose. As aponeuroses destes dois músculos inserem-se quase juntas no tubérculo púbico, formando a área conjunta. Profundamente ao plano do músculo transverso abdominal, encontramos a fascia transversalis. Abaixo da fascia transversalis encontramos o tecido gorduroso pré-peritoneal e, logo em seguida, o peritônio. Algumas estruturas localizadas abaixo do plano da fascia transversalis são muito importantes, pois são utilizadas em diversas técnicas para o reparo das hérnias inguinais e femorais. O mais importante entre esses elementos é o ligamento de Cooper (ligamento pectíneo). Junto ao ligamento de Cooper, passa uma veia chamada de corona mortis; se lesada, leva a um sangramento importante. Outra estrutura importante é o trato iliopúbico, ou ligamento de ligamento inguinal. Na parede posterior, há o triângulo de Hesselbach que corresponde à região de maior fraqueza da fascia transversalis e por isso, é vulnerável à formação de hérnias. HÉRNIAS DE PAREDE ABDOMINAL Hérnias inguinais = As hérnias inguinais, por sua vez, podem ser divididas quanto ao seu mecanismo de formação em indiretas, as mais comuns, e as diretas. › Tipos: ▪ Indiretas = As hérnias indiretas são secundárias a alterações congênitas decorrentes do não fechamento do conduto peritoneovaginal (processus vaginalis), uma espécie de túnel criado pela descida do testículo (que vai empurrando o peritônio à sua frente) da cavidade abdominal em direção à bolsa escrotal. Normalmente esse conduto é obliterado totalmente, recebendo o nome de ligamento de Cloquet. Quando não há a obliteração do conduto após o nascimento, ou o fechamento é parcial, permanece uma comunicação entre a cavidade abdominal e o canal inguinal, permitindo não só o aparecimento de hérnia inguinal indireta, mas também de outras condições como hidrocele do cordão e hidrocele comunicante. ▪ Diretas = As hérnias diretas não são resultado de alterações congênitas, e sim adquiridas. Têm na sua gênese um enfraquecimento da musculatura da parede posterior do canal inguinal. A hérnia direta ocorre no triângulo de Hesselbach, segmento mais frágil da fascia transversalis, principalmente por ser região menos protegida pelo revestimento músculo aponeurótico. Alguns fatores bioquímicos e celulares estão associados ao desenvolvimento de hérnias diretas, tais como: diminuição de hidroxiprolina, componente fundamental do colágeno nas aponeuroses, proliferação anormal de fibroblastos e alterações ultraestruturais das fibras colágenas da aponeurose do reto abdominal. Outros fatores ambientais também foram observados e incluem tabagismo, que interfere na síntese do colágeno, idade avançada, desnutrição, doenças crônicas debilitantes e atividade física intensa. › Classificação: Hérnia redutível: É aquela que é reduzida, ou seja, o saco herniário retorna à cavidade abdominal, espontaneamente ou através de manobra manual (manobra de taxe). Hérnia encarcerada: É aquela em que não é possível a redução manual do saco herniário e, por isso, dita irredutível. Hérnia estrangulada: Ocorre quando o encarceramento leva ao comprometimento vascular, com o paciente apresentando dor intensa, acompanhada de sinais flogísticos na região inguinal. Hérnia domiciliada: O paciente convive com a hérnia volumosa há anos, que geralmente não some. › Quadro clínico: As queixas mais frequentes de pacientes com hérnia são sensação de peso ou dor mal definida na região inguinal associada aos esforços. A dor pode estar acompanhada da presença de abaulamento na região inguinal. O abaulamento pode retornar espontaneamente para a cavidade abdominal ou não, o que geralmente é acompanhado de dor intensa. Durante o exame clínico, é importante a busca de fatores desencadeantes, ou seja, fatores que levem ao aumento da pressão intra-abdominal e ao desenvolvimento das hérnias. Entre os mais comuns e relevantes encontramos a hipertrofia prostática, ascite, tosse crônica, constipação crônica e tumorações abdominais volumosas. Esses fatores devem ser eliminados ou minimizados no pré-operatório já que são responsáveis por um risco maior de recidiva e falha da herniorrafia. O exame físico deve ser realizado inicialmente com o paciente em pé. Durante o exame, devemos observar a presença de abaulamento na região inguinal em repouso e durante a manobra de Valsalva, que pode acentuar uma tumoração preexistente. A seguir, realizamos manobras na tentativa de determinar pelo exame físico se a hérnia é direta ou indireta. O examinador introduz o dedo no anel inguinal externo que é palpado através da bolsa escrotal; introduzimos o dedo indicador na porção mais inferior da bolsa escrotal e invaginamos o saco herniário para o interior do canal inguinal, até encontrarmos o orifício inguinal externo. Solicitamos então que o paciente realize manobra de Valsalva. Caso seja palpada protusão que vem de encontro ao nosso dedo, estamos frente a uma hérnia indireta. Caso a protusão seja sentida na polpa digital, a partir do assoalho do canal inguinal, a suspeita é de hérnia direta. › Diagnostico: Na avaliação dos pacientes com hérnia inguinal, o exame clínico ainda se impõe como o principal e único instrumento para o diagnóstico desta patologia, sendo incomum à utilização de exames complementares. Esses exames, ultrassonografia e tomografia computadorizada ficam reservados aos raros casos de dúvida diagnóstica ou no diagnóstico diferencial com outras desordens localizadas na região inguinal. › Tratamento: Habitualmente, o tratamento de hérnias inguinais é sempre cirúrgico, uma vez que a tendência de todas as hérnias é crescer, o que aumenta a probabilidade de complicações. Contudo, muitos autores têm recomendado uma conduta expectante em idosos do sexo masculino, assintomáticos ou minimamente sintomáticos; estratégia em inglês conhecida como watchful waiting. Nessecontexto, a probabilidade de uma hérnia evoluir com complicações é muito baixa. Excluída a presença de estrangulamento, devemos tentar a redução manual incruenta do saco herniário (manobra de Taxe). No caso de dificuldade, podemos lançar mão de analgesia venosa e posição de Trendelenburg para facilitar a redução. Com a redução bem-sucedida, programa-se a operação definitiva em caráter eletivo. Caso a hérnia se mostre irredutível, apesar de todas essas manobras, devemos indicar tratamento cirúrgico imediato, já que o risco de evolução para o estrangulamento é alto. › Abordagem cirúrgica: Em adultos, os reparos clássicos também são realizados através de abordagem anterior da região inguinal. Através de incisão transversa ou oblíqua na região inguinal, são abertos os planos subcutâneos e do oblíquo externo; o cordão espermático é isolado da parede posterior e separado do saco herniário. Nesse momento é feito o diagnóstico do tipo de hérnia: caso o saco herniário seja medial aos vasos epigástricos inferiores, a hérnia é dita direta; caso seja lateral, é considerada indireta. Procede-se então à redução do saco herniário direto ou abertura do saco indireto com redução do seu conteúdo, ligadura alta (próximo ao anel interno) e ressecção deste. A forma de reforço da parede posterior é o elemento que difere em cada técnica. Hérnia Femoral = Nas hérnias femorais o saco herniário se anuncia através do canal femoral, medialmente aos vasos femorais. Todo abaulamento na região da virilha abaixo do ligamento inguinal, que se acentua com a manobra de Valsalva, deve ser considerado, até segunda ordem, uma hérnia femoral. A "rigidez" do canal femoral é responsável pelo maior risco de encarceramento e estrangulamento (15-20%) do saco herniário. Mais comum em mulheres. Clinicamente, as hérnias femorais apresentam sintomatologia semelhante à das hérnias inguinais. No exame físico, entretanto, notamos abaulamento na região inguinal localizado inferiormente ao ligamento inguinal. O tratamento cirúrgico é feito através da técnica de McVay. Nela, o reparo é feito com a sutura do tendão conjunto no ligamento de Cooper, desde o tubérculo púbico até os vasos femorais. A partir daí, a sutura é feita no ligamento inguinal até o anel inguinal interno. Recentemente, esta técnica sofreu uma adaptação, com a utilização de tela de Márlex, que é suturada nas estruturas descritas acima. O emprego de prótese, além do reforço do anel femoral, também reforça a parede posterior e o anel interno, servindo também para o reparo de hérnias inguinais, tanto diretas quanto indiretas. Nos dias de hoje, muitos serviços de cirurgia preferem reparar a hérnia femoral através de laparoscopia com uso de prótese (reparo posterior), devido a um melhor acesso; trabalhos científicos têm demonstrado um menor índice de recidiva quando a abordagem laparoscópica é realizada. Hérnia umbilical = A hérnia umbilical pode ser definida como a persistência do anel umbilical sem o fechamento de sua camada aponeurótica após o nascimento. Caracteriza-se por uma protrusão anormal do peritônio contendo tecido gorduroso pré-peritoneal (comum) e omento. No adulto, a hérnia umbilical é mais frequentemente secundária a um defeito adquirido, decorrente de aumentos de pressão intra- abdominal, como observado na obesidade, gravidez e ascite. Eventualmente, a hérnia umbilical em adultos pode ser resultado de hérnia congênita não diagnosticada previamente. A técnica cirúrgica mais utilizada é a redução da hérnia com fechamento simples do anel herniário em sentido transverso. Nos casos de hérnias volumosas (> 3 cm) ou recidivadas, pode-se utilizar tela de Márlex como reforço da aponeurose umbilical. Hérnia epigástrica = As hérnias epigástricas são definidas como a protrusão de gordura pré-peritoneal ou do próprio peritônio, através de defeito na linha alba, no espaço compreendido entre o apêndice xifoide e a cicatriz umbilical. A sintomatologia geralmente está ausente em grande parte dos casos. Alguns pacientes apresentam dor surda, mal definida, em epigástrio e mesogástrio, geralmente desproporcional ao tamanho da hérnia. O tratamento consiste em fechamento simples do defeito na linha alba, atentando sempre para a presença de outros defeitos aponeuróticos associados, o que pode ocorrer em até 20% dos casos. Hérnia incisional = As hérnias incisionais são ocasionadas por deiscência aponeurótica. Os principais fatores de risco para essa complicação incluem infecção de sítio cirúrgico e obesidade. Outras condições que favorecem o aparecimento da hérnia são idade avançada, ascite, gravidez, diabetes mellitus, quimioterapia para o câncer e uso de glicocorticoides. O tratamento cirúrgico geralmente é trabalhoso e apresenta índice de recidiva razoável, mesmo em mãos experientes. O reparo primário é recomendado em casos de efeitos pequenos (≤ 2 a 3 cm de diâmetro). Defeitos maiores (> 2 a 3 cm de diâmetro) exigem o uso de tela, de Márlex ou de Politetrafluoroetileno (PTFE). A abordagem pode ser tanto anterior quanto videolaparoscópica. OBS: HERNIAS ESPECIAIS Garangeout = Hérnia femoral que possui como conteúdo do saco herniário também um apêndice vermiforme inflamado/perfurado. Amyand = Hérnia inguinal que possui como conteúdo do saco herniario também um apêndice vermiforme inflamado. Littré = É caracterizada pela presença do divertículo de Meckel no saco herniário. Richter = Ocorre quando há o pinçamento lateral apenas da borda antimesentérica de víscera abdominal, ou seja, parte de sua parede, permitindo o estrangulamento deste segmento de alça. Spieghel = Hérnia localizada entre a borda lateral do músculo reto do abdome e a linha semilunar (de Spiegel). Petit e Grynfelt = As hérnias lombares surgem através de defeito na fáscia fibromuscular da parede posterior do abdome. O saco herniário, que pode conter gordura pré-peritoneal e/ou víscera abdominal, se insinua através de ampla aponeurose do músculo transverso do abdome, em duas aberturas: uma abaixo da 12a costela (lombocostoabdominal de Grynfelt) e outra acima da crista ilíaca (lomboilíaca de Petit). OBS: ANATOMIA ABDOMINAL
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