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Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. APG 07 – “TEMPO É VIDA.” Abertura: 02/03/2021 Devolutiva: 05/03/2021. Objetivos: 1. COMPREENDER A FISIOPATOLOGIA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA FEBRE REUMÁTICA; -> considerações iniciais; epidemiologia; patogenia; manifestações clínicas. 2. ENTENDER QUAL A ETIOLOGIA DAS LESÕES VALVARES DANDO ÊNFASE AS PARTES IMUNOLÓGICAS E SUAS COMPLICAÇÕES. -> valvopatia; a resposta imune na doença reumática. A febre reumática aguda (IRA) é uma das complicações não supurativas (outras incluem escarlatina e glomerulonefrite aguda [AGN]). Há um período latente de duas a três semanas após a faringite inicial antes que os primeiros sinais ou sintomas de IRA apareçam. A doença se apresenta com várias manifestações que podem incluir artrite ou artralgia, cardite, coreia, nódulos subcutâneos e eritema marginado. A febre reumática aguda (FRA) é uma doença multissistêmica, resultante de reação autoimune a infecção por estreptococo do grupo A. Embora muitas partes do corpo possam ser afetadas, quase todas as manifestações regridem completamente. A exceção é a lesão valvar cardíaca [cardiopatia reumática (CR)], a qual pode persistir depois que os outros achados tenham desaparecido. As febres hemorrágicas virais (FHV) são doenças caracterizadas por uma síndrome multissistêmica, com dano aos vasos sanguíneos e aos mecanismos de autoregulação corpórea, podendo se exteriorizar por manifestações hemorrágicas brandas ou até letais. SÃO CAUSADAS POR VÍRUS RNA ENVELOPADOS QUE DEPENDEM DE RESERVATÓRIOS ANIMAIS PARA SOBREVIVER E SE RESTRINGEM ÀS ÁREAS GEOGRÁFICAS DE SEUS HOSPEDEIROS – SENDO O HOMEM UM HOSPEDEIRO ACIDENTAL. Com poucas exceções, não existem terapias específicas para essas doenças. ➔ Quatro famílias principais desencadeiam as FHV: arenavírus, filovírus, bunyavírus e flavivírus. ➔ A família Flaviviridae é composta de três gêneros, Flavivirus, Pestivirus e Hepacivirus. ➔ O gênero Flavivirus, além de ser o maior, contém patógenos de grande relevância médica, entre eles os vírus da dengue e da febre amarela. ➔ O nome Flavivirus deriva do latim flavus, que significa amarelo, uma referência à icterícia associada à febre amarela. ➔ Os Flavivirus são pequenos vírus constituídos de uma fita única de RNA processada pelas células hospedeiras – que cedem parte de sua membrana lipídica aos vírions – a partir de receptores da superfície identificados pela proteína do envelope viral. SÃO TRANSMITIDOS POR ARTRÓPODES, E OS SINTOMAS DAS DOENÇAS VARIAM DESDE BRANDOS ATÉ FORMAS LETAIS DE DOENÇA – COMO ENCEFALITES E FORMAS HEMORRÁGICAS. O vírus da dengue é o maior causador de letalidade entre os componentes do gênero Flavivirus. A OMS estima que, anualmente, ocorram mais de 50 milhões de casos de dengue, sendo cerca de 500.000 casos de forma hemorrágica e 200.000 casos de febre amarela, com aproximadamente 30.000 mortes. CONSIDERAÇÕES GLOBAIS: (epidemiologia) 😊 A FRA e a CR são doenças da pobreza, tendo sido comuns em todos os países, até o começo do século XX, quando sua incidência começou a declinar nas nações industrializadas. ➔ Este declínio foi largamente atribuível à melhoria das condições de vida - particularmente moradias com menos aglomeração e higiene melhor -, que resultou na redução da transmissão dos estreptococos do grupo A. ➔ A introdução dos antibióticos e melhora dos sistemas de assistência médica tiveram um efeito suplementar. ➔ Surtos recorrentes de FRA começaram nos anos 80, nos estados das Montanhas Rochosas, EUA, onde persistem taxas elevadas. Nos países industrializados, o virtual desaparecimento da FRA e a redução na incidência de CR, durante o século XX, infelizmente não foram replicados nos países em desenvolvimento, onde estas doenças continuam irredutíveis. ➔ CR é a causa mais comum de doença cardíaca em crianças nos países em desenvolvimento, sendo também uma causa importante de mortalidade e morbidade em adultos. ➔ Tem sido estimado que entre 15 e 19 milhões de pessoas em todo o mundo são acometidas pela CR, ocorrendo 250 mil mortes, aproximadamente, a cada ano. ➔ Cerca de 95% dos casos de FRA e óbitos por CR atualmente ocorrem nos países em desenvolvimento. Embora a FRA e CR sejam relativamente comuns em todos os países em desenvolvimento, elas acontecem em taxas particularmente elevadas em certas regiões. Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. Estes locais de maior frequência são a África Subsaariana, as nações do Pacífico, a Australásia e o subcontinente indiano. EPIDEMIOLOGIA: (por harrison) A FRA é principalmente uma doença de crianças na faixa etária de 5 a 14 anos. Os episódios iniciais tornam-se menos comuns em adolescentes mais velhos e adultos jovens, sendo raros em pessoas com mais de 30 anos de idade. Diferentemente, os episódios recorrentes de FRA permanecem relativamente comuns em adolescentes e adultos jovens. Este padrão difere da prevalência de CR, cujo pico fica entre os 25 e os 40 anos. Não há uma associação clara entre o sexo e a FRA, porém a CR afeta mais comumente o sexo feminino, às vezes em uma frequência que é o dobro da masculina. EPIDEMIOLOGIA: (artigo) A febre reumática e as doenças cardíacas reumáticas são doenças causadas pela pobreza e por desvantagens econômicas. Em áreas em desenvolvimento do mundo, estima- se que doença grave causada por estreptococos do grupo A (GAS; por exemplo, IRA, doença cardíaca reumática, glomerulonefrite e infecções invasivas) afete mais de 33 milhões de pessoas e é a principal causa de morte cardiovascular durante as primeiras cinco décadas de vida. A IRA pode ocorrer em qualquer idade, embora a maioria dos casos ocorra em crianças de 5 a 15 anos de idade. Em todo o mundo, com base em estimativas conservadoras, existem aproximadamente 470.000 novos casos de IRA e 275.000 mortes atribuíveis a doenças cardíacas reumáticas a cada ano. A maioria dos casos ocorre em países de baixa e média renda e entre grupos indígenas. As regiões com as taxas mais altas tendem a ter os dados menos precisos com subnotificação substancial. A INCIDÊNCIA MÉDIA DE IRA É DE 19 POR 100.000 CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR EM TODO O MUNDO, MAS É MENOR (≤2 CASOS POR 100.000 CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAR) NOS ESTADOS UNIDOS E EM OUTROS PAÍSES DESENVOLVIDOS . Em muitos países de renda baixa e média e em certas populações indígenas, como as da Austrália e da Nova Zelândia, a incidência de ARF é substancialmente mais alta, com algumas das taxas mais altas relatadas em indígenas australianos de 153 a 380 casos por 100.000 crianças com idade de 5 a 14 anos. A maior incidência em países em desenvolvimento é explicada principalmente por fatores ambientais, especialmente a superlotação domiciliar, que favorece o aumento da transmissão de GAS, e em menor parte pelo uso rotineiro de antibióticos para faringite aguda. De vez em quando, surtos localizados de IRA ocorrem. Eles podem estar associados a cepas específicas de GAS, embora isso por si só não possa explicar as variações gerais na incidência de febre reumática. Até 3 por cento dos episódios de faringite estreptocócica aguda não tratada foram seguidos por IRA durante epidemias em meados de 1900. Em contraste, a incidência de IRA é substancialmente menor (aproximadamente 1 por cento) durante os períodos de infecções endêmicas . PATOGENIA: (por harrison) ➔ FATORES DO MICRORGANISMO Com base em evidências atualmente disponíveis, A FRA É CAUSADA EXCLUSIVAMENTE PELA INFECÇÃO DO TRATO RESPIRATÓRIO SUPERIOR COM ESTREPTOCOCOS DO GRUPOA. Embora, classicamente, certos sorotipos M (particularmente os tipos 1, 3, 5, 6, 14, 18, 19, 24, 27 e 29) fossem associados à FRA, em regiões de incidência elevada, pensa-se agora que qualquer cepa de estreptococos do grupo A tenha o potencial de causar a FRA. Atualmente, o papel potencial da infecção cutânea e dos estreptococos dos grupos C e G estão sendo investigados. ➔ FATORES DO HOSPEDEIRO Aproximadamente 3 a 6% de qualquer população podem ser suscetíveis à FRA, proporção que não varia significativamente entre as populações. Os achados de casos aglomerados em famílias e a concordância em gêmeos monozigotos - particularmente para a coreia - confirmam que a suscetibilidade à FRA é uma característica hereditária. Alelos do antígeno leucocitário humano (HLA) de classe II, em particular, parecem ser fortemente associados a tal suscetibilidade. Também têm sido descritas associações a altos níveis circulantes da lectina ligadora na manose bem como a polimorfismos do gene do fator transformador de crescimento (31 e dos genes de imunoglobulina. O alto nível de expressão de um aloantígeno presente nas células B, D8 17, foi encontrado em pacientes com história de FRA, em muitas populações, com nível intermediário de expressão em membros da família no primeiro grau, sugerindo que este possa ser um marcador da suscetibilidade hereditária. PATOGENIA: (artigo) Os mecanismos patogênicos que levam ao desenvolvimento de IRA ainda não são completamente compreendidos. A infecção faríngea estreptocócica é claramente necessária e pode haver suscetibilidade genética. Dentro dessa estrutura, acredita-se que o mimetismo molecular desempenhe um papel importante no início da lesão do tecido. ➔ Após a infecção faríngea por Streptococcus do grupo A (GAS), a ativação do sistema imunológico inato leva à apresentação do antígeno GAS às células T. ➔ As células B e T respondem pela produção de anticorpos imunoglobulina G (IgG) e imunoglobulina M (IgM) e ativação de células T CD4 +. ➔ Em indivíduos suscetíveis, há uma resposta imune de reatividade cruzada que se pensa ser mediada por mimetismo molecular que envolve componentes humorais e celulares do sistema imune adaptativo. ➔ Esta resposta de reação cruzada resulta nas características clínicas da febre reumática, incluindo artrite transitória devido à formação de complexos imunes, coreia devido à ligação do anticorpo aos Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. gânglios da base e cardite devido à ligação do anticorpo e infiltração de células T. Os estudos da patogênese da IRA foram limitados pela falta de um modelo animal adequado, embora um modelo de rato de Lewis de valvulite e coreia tenha sido usado por algum tempo. ➔ PAPEL DO STREPTOCOCCUS PYOGENES: Evidências epidemiológicas significativas implicam indiretamente o GAS no início da doença, embora faltem evidências para o envolvimento direto de GAS nos tecidos afetados de pacientes com IRA: Surtos de IRA seguem de perto epidemias de faringite estreptocócica ou escarlatina com faringite associada. ● O tratamento adequado de uma faringite estreptocócica documentada reduz a incidência de IRA subsequente em quase 70 por cento. ● A profilaxia antimicrobiana apropriada previne a recorrência da doença em pacientes que tiveram IRA. ● A maioria dos pacientes com IRA tem títulos elevados de anticorpos para pelo menos um dos três antígenos antiestreptocócicos (estreptolisina "O", hialuronidase e estreptoquinase), independentemente de se lembrarem de uma dor de garganta anterior. ➔ ESPECIFICIDADE DA CEPA BACTERIANA Fatores genéticos bacterianos podem ser um importante determinante do local da infecção por GAS. Existem cinco padrões cromossômicos de genes emm, marcados de A a E, que codificam para proteínas de virulência de superfície celular semelhantes a M e M. ➔ O GAS se divide em duas classes principais com base nas diferenças nas regiões de repetição C da proteína M. ➔ As cepas faríngeas geralmente apresentam padrões de A a C, enquanto quase todas as cepas de impetigo apresentam padrões D e E. Certos tipos de emm (tipos 3, 5, 6, 14, 18, 19, 24 e 29), todos pertencentes ao padrão A a C, foram implicados em surtos de febre reumática nos Estados Unidos na década de 1960 e foram denominados “cepas reumatogênicas de GAS”. A diminuição da incidência de IRA nos Estados Unidos da década de 1960 até o presente se correlacionou com a substituição dos tipos reumatogênicos por tipos não reumatogênicos. No entanto, a prevalência de cepas reumatogênicas diminuiu duas a cinco vezes, enquanto a redução na incidência de IRA no mesmo período foi ≥20 vezes. Assim, uma mudança na prevalência dos chamados tipos de emm reumatogênicos não parece explicar totalmente a diminuição da IRA. Outros dados sugerem que não há cepas reumatogênicas específicas. Vários sorotipos M diferentes foram isolados de pacientes vistos durante um surto de ARF em meados da década de 1980 em Utah. Quando os dados fora dos Estados Unidos continentais são considerados, as cepas reumatogênicas clássicas são observadas com menos frequência. Por exemplo, em um estudo no Havaí, 8 de 63 pacientes com IRA tinham GAS isolado em esfregaço da garganta na apresentação (emm tipos 65/69, 71, 92, 93, 98, 103 e 122); nenhum desses tipos emm são classicamente associados com ARF, e todos pertencem ao padrão emm D ou E. Dados semelhantes estão disponíveis na Etiópia e na Índia. ➔ IMPORTÂNCIA DA FARINGITE: A FARINGITE ESTREPTOCÓCICA É A ÚNICA INFECÇÃO ESTREPTOCÓCICA CLARAMENTE ASSOCIADA À IRA, EMBORA O PIODERMA ESTREPTOCÓCICO PAREÇA CAPAZ DE DESENCADEAR A DOENÇA EM ÁREAS TROPICAIS. As infecções cutâneas estreptocócicas (como impetigo ou pioderma) não foram comprovadas como causadoras de IRA. Além disso, a faringite viral e a faringite causada por outras bactérias não resultam em IRA. Algumas teorias tentaram explicar por que a IRA está associada apenas à faringite estreptocócica, mas a explicação exata permanece obscura. O local faríngeo da infecção, com seu grande repositório de tecido linfóide, pode ser importante no início da resposta anormal do hospedeiro a esses antígenos com reatividade cruzada com órgãos-alvo. Existem muitos surtos documentados de impetigo que causou glomerulonefrite, mas quase nunca causou IRA. Além disso, um estudo de pacientes em Trinidad com IRA ou glomerulonefrite aguda (AGN) diagnosticada durante um surto de escabiose e impetigo secundário descobriu que as cepas de estreptococos que colonizam a pele em pacientes com impetigo eram diferentes daquelas associadas com IRA. A presença de impetigo foi associada a AGN, mas não influenciou a incidência de IRA. As cepas de impetigo colonizam a faringe. No entanto, eles não parecem provocar uma resposta imunológica tão forte à porção da proteína M quanto as cepas da faringe. Essa observação pode ser um fator importante, especialmente à luz da conhecida reação cruzada entre várias estruturas estreptocócicas e proteínas de mamíferos. Desafiando essa teoria está o fato de que as taxas de IRA são altas na Austrália aborígine e nas populações das ilhas do Pacífico, mas o transporte faríngeo de GAS e tonsilofaringite sintomática de GAS são incomuns. Os estreptococos do grupo G e do grupo C foram identificados com freqüência na garganta, mas menos nas lesões de pioderma de aborígenes australianos e das ilhas do Pacífico. Esses achados levaram à hipótese de que o ARF pode surgir de pioderma GAS ou de faringite devido a cepas não-GAS que herdaram certos antígenos GAS ou enzimas que são importantes para iniciar a IRA. Esta hipótese requer exploração adicional para confirmação. OUTRO FATOR QUE AFETA A LOCALIZAÇÃO NA FARINGE PODE SER O CD44,UMA PROTEÍNA DE LIGAÇÃO AO ÁCIDO HIALURÔNICO QUE PARECE ATUAR COMO UM RECEPTOR FARÍNGEO PARA O GAS. Após a inoculação intranasal, o GAS coloniza a orofaringe em camundongos do tipo selvagem, mas Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. não em camundongos transgênicos que não expressam. Este achado não foi estudado em humanos. ➔ MIMETISMO MOLECULAR: mimetismo molecular implica semelhança estrutural entre algum agente infeccioso ou outro agente exógeno e proteínas humanas, de modo que anticorpos e células T ativadas em resposta ao agente exógeno reagem com a proteína humana. No ARF, os anticorpos dirigidos contra os antígenos GAS têm reação cruzada com os antígenos do hospedeiro. Além disso, os clones de células T intralesionais do coração humano reagem com meromiosina, miosina e proteínas derivadas da válvula, levando a uma resposta imunológica ao tecido cardíaco e à produção de citocinas inflamatórias. ➔ CARDITE: As estruturas da proteína alfa-helicoidal encontradas na proteína M e N-acetil-betaD-glucosamina (NABG, o antígeno de carboidrato imunodominante do GAS) compartilham epítopos com a miosina, e a reatividade cruzada do anticorpo foi demonstrada em humanos. Em um modelo de roedor, a imunização com proteína M estreptocócica recombinante tipo 6 leva ao desenvolvimento de valvulite e miosite cardíaca focal. Não parece haver respostas de reação cruzada contra as regiões N-terminal e de repetição A da proteína M. Essas regiões são responsáveis pela imunidade específica do tipo e têm sido usadas em estudos de vacinas GAS sem evidência de reatividade cruzada em animais ou seres humanos. Em um estudo, os anticorpos monoclonais gerados a partir de linfócitos tonsilares ou periféricos de pacientes infectados com GAS apresentaram reação cruzada com miosina e certas outras proteínas. Além disso, os anticorpos antimiosina purificados de pacientes com IRA apresentaram reação cruzada com GAS e proteína M. Anticorpos semelhantes estavam presentes em concentrações muito mais baixas em alguns indivíduos normais. Em um relatório posterior, um anticorpo monoclonal direcionado contra miosina e NABG foi isolado de um paciente com cardite reumática. O anticorpo era citotóxico para linhas de células endoteliais humanas e reagiu com o endotélio valvar humano. Essa reatividade foi inibida por miosina> laminina> NABG. A reatividade com a proteína laminina da matriz extracelular pode explicar a reatividade contra a superfície valvar. As células T autorreativas parecem desempenhar um papel importante na formação de nódulos de Aschoff em válvulas cardíacas. A molécula de adesão celular vascular 1 (VACM1) parece ser o elo entre a imunidade humoral e celular na superfície da válvula. O VCAM1 é regulado positivamente na superfície do endotélio da válvula após a ligação de anticorpos com reatividade cruzada. Isso leva à aderência de células T (predominantemente CD4 +) ao endotélio, com subsequente infiltração dessas células na válvula resultando na formação de lesões granulomatosas (corpos de Aschoff) abaixo do endocárdio. ➔ CORÉIA: o mimetismo molecular também pode estar envolvido no desenvolvimento da coréia de Sydenham em pacientes com IRA. Em um modelo animal, os anticorpos monoclonais que causaram a coreia ligaram-se tanto ao NABG quanto ao lisogangliosídeo de mamífero. A exposição de células neuronais humanas em cultura a anticorpos monoclonais ou soro de pacientes com coreia levou à indução da proteína quinase cálcio / calmodulina. A exposição ao soro de pacientes após infecção estreptocócica que não foi complicada por coreia não teve esse efeito nas células neuronais. ➔ SUSCETIBILIDADE GENÉTICA: O conceito de que o ARF pode resultar de uma predisposição genética do hospedeiro intrigou os pesquisadores por mais de 100 anos. A ARF parece ser uma doença altamente hereditária e a suscetibilidade à IRA é provavelmente poligênica. Uma meta-análise de estudos com gêmeos descobriu que o risco de concordância do tipo probando foi de 44% em gêmeos monozigóticos e 12% em gêmeos dizigóticos. A associação entre zigosidade e concordância foi forte, com um odds ratio de 6,4 (IC 95% 3,4-12,1) Polimorfismos em vários genes que codificam proteínas imunes estão associados à suscetibilidade a ARF. Estudos de associação em larga escala e do genoma de doenças reumáticas cardíacas em várias populações em mais de 20 países da África, Pacífico e norte da Austrália estão em andamento ou concluídos . O PRIMEIRO ESTUDO, CONDUZIDO ENTRE 2.582 INDIVÍDUOS EM SETE PAÍSES DA OCEANIA, OBSERVOU UM SINAL DE SUSCETIBILIDADE NO LOCUS DA CADEIA PESADA DA IMUNOGLOBULINA, SUGERINDO UM PAPEL CENTRAL DA IMUNIDADE HUMORAL NA PATOGÊNESE DA FEBRE REUMÁTICA. O segundo estudo, conduzido entre 1.263 indivíduos em comunidades indígenas da Austrália, encontrou variação na região de classe II do antígeno leucocitário humano, consistente com estudos anteriores menores RESUMO (epidemio/patogênese) A febre reumática aguda (IRA) é uma sequela tardia e não supurativa da infecção pelo estreptococo do grupo A (GAS). • A maioria dos casos de IRA ocorre em crianças de 5 a 15 anos de idade. O ARF é mais comum em países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos. • Os mecanismos patogênicos que levam ao desenvolvimento de IRA ainda não são completamente compreendidos. A infecção faríngea por estreptococos é necessária, e acredita-se que o mimetismo molecular devido à ativação de células B e T autorreativas por antígenos GAS desempenhe um papel importante no início da lesão do tecido. A suscetibilidade genética também pode ser um fator. Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Todo paciente oriundo (ou residente) de uma área de risco há até 15 dias, sem vacina ou com histórico vacinal desconhecido e que apresente um quadro febril inicial há até sete dias, deve ser considerado um caso suspeito de febre amarela. A febre amarela possui apresentações clínicas que variam desde formas assintomáticas ou oligossintomáticas (65% dos casos) até formas fulminantes (5% dos casos), sendo os 30% restantes variações entre esses extremos. A maioria dos infectados apresenta uma manifestação oligossintomática ou assintomática (o que potencializa a subnotificação). Portanto, não é verdade que a febre amarela é sempre uma doença grave. Contudo, a letalidade é extremamente elevada em indivíduos que desenvolvem a forma fulminante. O diagnóstico clínico não é tão complexo para pacientes não vacinados e expostos a uma zona endêmica da doença. Um dado muito importante e que auxilia na diagnose da febre amarela é que o período de incubação da doença é curto, de 3 a 7 dias. Assim, diante de um paciente com febre e sintomas gerais (astenia, cefaléia e mialgia), que esteve em uma região de risco há poucos dias, deve-se considerar a possibilidade de febre amarela. Vale ressaltar que as formas mais frustras ocorrem em indivíduos com algum grau de proteção humoral, crianças nascidas de mães vacinadas ou índios com imunidade materna. Nos demais, em geral, ocorrem formas mais complexas. ASSIM, QUANDO OS SINTOMAS SÃO MAIS EXUBERANTES, SOBRETUDO EM CASOS DE INÍCIO SÚBITO DE FEBRE E ICTERÍCIA, E SINTOMAS GERAIS MAIS INTENSOS, ALÉM DA PRESENÇA DE FENÔMENOS HEMORRÁGICOS (EPISTAXE, VÔMITOS COM SANGUE) CONCOMITANTES À HEPATOMEGALIA, A SUSPEITA É REFORÇADA E DEVE-SE CONSIDERAR A PRESENÇA DE FORMAS MAIS GRAVES. ESSA SINTOMATOLOGIA PRESENTE EM INTENSIDADE MÁXIMA E ACOMPANHADA DE DORES ABDOMINAIS, SINAL DE FAGET (PRESENÇA DE FEBRE SEM A CONCOMITÂNCIADE TAQUIESFIGMIA), FENÔMENOS HEMORRÁGICOS SEVEROS (MELENA, HEMATÊMESE, PETÉQUIAS E EQUIMOSES), OLIGOANÚRIA E COMPROMETIMENTO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (AGITAÇÃO OU SONOLÊNCIA, CONFUSÃO E COMA) FAZEM PENSAR NA FORMA FULMINANTE DE FEBRE AMARELA. Nas formas graves, pelo menos um dos componentes da tríade que caracteriza a disfunção hepato-renal (icterícia, oligoanúria e hematêmese) está presente, enquanto, na forma fulminante, todos os componentes dessa tríade são universais. O sinal de Faget está presente em todos os pacientes com formas graves ou fulminantes, embora não seja específico para febre amarela. O início das manifestações nas formas graves se dá de forma abrupta, com febre elevada, cefaléia intensa e mialgia. Em seguida, há um quadro de náusea e vômitos. Pode haver um período de remissão por 24 a 48 horas, seguido pela intensificação dos sintomas dispépticos, com hematêmese e outras manifestações hemorrágicas, em geral, acompanhadas de plaquetopenia severa. Dá-se ainda o aparecimento de icterícia decorrente de bilirrubina conjugada em valores superiores a 20 a 30 mg/mL e elevação das transaminases – que quanto maior, mais se relacionam ao mau prognóstico. POR VOLTA DO SÉTIMO DIA DE DOENÇA, HÁ PRESENÇA DA INSUFICIÊNCIA RENAL E PODE OCORRER ENCEFALOPATIA, SINAL DE MAU PROGNÓSTICO. Se superada tal fase, ocorre uma recuperação lenta, progressiva e plena, sem sequelas. Os diagnósticos diferenciais mais importantes são realizados com outras causas de febres hemorrágicas, como dengue, hantavirose, febre purpúrica brasileira e febre maculosa brasileira. Habitualmente, essas doenças não cursam com icterícia, o que é relevante para diferenciá-las. Outro diagnóstico diferencial é a leptospirose. Embora apresente elevação de CPK, icterícia e disfunção renal oligúrica, a presença de hipocalemia e a elevação discreta de transaminases, além da elevação modesta de transaminases, permite o diagnóstico diferencial. As infecções bacterianas graves também fazem parte do diagnóstico; nesse caso, o isolamento de bactérias em espécimes clínicos auxilia na diagnose. As hepatites virais agudas cursam com elevação importante de ALT e bilirrubinas. Na febre amarela, os níveis de AST, por conta do comprometimento muscular e cardíaco, podem ser superiores aos de ALT. O perfil sorológico para hepatites virais deve ser solicitado. A malária grave deve ser diferenciada, baseando-se no período de incubação e de exposição, além da realização da pesquisa direta do Plasmodium. Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. 1. ENTENDER QUAL A ETIOLOGIA DAS LESÕES VALVARES DANDO ÊNFASE AS PARTES IMUNOLÓGICAS E SUAS COMPLICAÇÕES. -> valvopatia; a resposta imune na doença reumática. ➔ CARDIOPATIA VALVAR A doença valvar pode chamar atenção do clínico devido a estenose, insuficiência (sinônimos: regurgitação ou incompetência), ou ambas. A estenose é a falha de uma valva em abrir-se completamente, impedindo, assim, o fluxo para frente. A insuficiência resulta da falha de uma valva em fechar- se completamente, permitindo, assim, um fluxo invertido . Essas anormalidades podem ser isoladas ou múltiplas, e podem envolver apenas uma única valva ou mais de uma. A regurgitação funcional é usada para descrever a incompetência de uma valva, originada de uma anormalidade em uma de suas estruturas de suporte, em vez de um defeito primário na valva. POR EXEMPLO, A DILATAÇÃO DO VENTRÍCULO DIREITO OU ESQUERDO PODE EMPURRAR OS MÚSCULOS PAPILARES VENTRICULARES PARA BAIXO E PARA FORA, IMPEDINDO, ASSIM, O FECHAMENTO ADEQUADO DE FOLHETOS MITRAIS OU TRICÚSPIDES NORMAIS. AREGURGITAÇÃO FUNCIONAL DA VALVA MITRAL É PARTICULARMENTE COMUM E CLINICAMENTE IMPORTANTE NA CI, BEM COMO NA CARDIOMIOPATIA DILATADA. AS CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS DA DISFUNÇÃO VALVAR VARIAM DE ACORDO COM A VALVA ENVOLVIDA, O GRAU DA LESÃO, O RITMO DO INÍCIO DA DOENÇA, E A VELOCIDADE E QUALIDADE DOS MECANISMOS COMPENSATÓRIOS. Por exemplo, a destruição súbita da cúspide de uma valva aórtica por infecção (endocardite infecciosa) pode causar regurgitação aguda, maciça e rapidamente fatal. Por outro lado, a estenose mitral reumática normalmente se desenvolve de modo indolente ao longo dos anos, e seus efeitos clínicos podem ser bem tolerados por períodos prolongados. Certas condições podem complicar a cardiopatia valvar pelo aumento da demanda do coração; por exemplo, as maiores demandas de débito na gestação podem exacerbar a doença valvar e levar a resultados desfavoráveis para a mãe e o feto. Com frequência, a estenose ou insuficiência valvar produz alterações secundárias, tanto proximal como distal à valva afetada, particularmente no miocárdio. Geralmente, a estenose valvar leva a hipertrofia cardíaca por sobrecarga de pressão, ao passo que a insuficiência da valva mitral ou aórtica leva a sobrecarga de volume; ambas as situações podem culminar em insuficiência cardíaca. Além disso, a ejeção de sangue pelas valvas estenóticas estreitas pode produzir “jatos” de alta velocidade que lesam o endocárdio no local que eles atingem As anormalidades valvares podem ser congênitas ou adquiridas. A estenose valvar adquirida possui relativamente poucas causas; ela quase sempre é uma consequência da lesão remota ou crônica das cúspides valvares que se torna clinicamente evidente apenas depois de muitos anos. Por outro lado, a insuficiência valvar adquirida pode resultar de doença intrínseca das cúspides valvares, ou da lesão ou distorção das estruturas de suporte (p. ex., aorta, anel mitral, cordas tendíneas, músculos papilares e parede livre ventricular). Assim, a insuficiência valvar possui muitas causas e pode aparecer de modo agudo, com ruptura das cordas, ou crônico, como em distúrbios associados à cicatrização e retração dos folhetos. As causas mais frequentes das principais lesões valvares funcionais são: ➔ DEGENERAÇÃO VALVAR POR CALCIFICAÇÃO As valvas cardíacas estão sujeitas a altos níveis de estresse mecânico repetitivo, particularmente nos pontos em que as cúspides e os folhetos se dobram; isso é uma consequência de (1) 30 a 40 milhões ou mais de contrações cardíacas por ano, (2) deformações teciduais substanciais durante cada contração, e (3) gradientes de pressão transvalvares na fase fechada de cada contração, de aproximadamente 120 mmHg para a valva mitral e 80 mmHg para a valva aórtica. Portanto, não é de surpreender que essas estruturas delicadas possam sofrer danos cumulativos e calcificação, que levam a uma disfunção clinicamente importante. ➔ ESTENOSE AÓRTICA CALCIFICADA: A mais comum de todas as anormalidades valvares, a estenose aórtica calcificada é geralmente a consequência do “uso e desgaste” associados à idade tanto de valvas anatomicamente normais quanto das valvas bicúspides de origem congênita (aproximadamente 1% da população). A prevalência da estenose aórtica é estimada em 2%, e esse número está aumentando conforme o envelhecimento da população geral. A estenose aórtica de valvas previamente normais (chamada de estenose aórtica calcificada senil) geralmente ganha a atenção clínica na 7ª a 9ª décadas de vida, ao passo que as valvas bicúspides estenóticas tendem a se tornar clinicamente significativas 1 a 2 décadas antes. Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. A calcificação da valva aórtica é provavelmenteuma consequência da lesão crônica recorrente devido à hiperlipidemia, hipertensão, inflamação e a outros fatores semelhantes àqueles implicados na aterosclerose. As valvas bicúspides sofrem maior estresse mecânico do que as valvas tricúspides normais, o que pode explicar sua estenose acelerada. A lesão crônica progressiva leva à degeneração valvar e provoca a deposição de hidroxiapatita (o mesmo sal de cálcio que é encontrado no osso). Embora esse modelo forneça um bom ponto de partida para o conhecimento da degeneração calcificada, é cada vez mais claro que a lesão valvar da estenose aórtica calcificada difere em alguns aspectos importantes da aterosclerose. MAIS IMPRESSIONANTE, AS VALVAS ANORMAIS CONTÊM CÉLULAS SEMELHANTES A OSTEOBLASTOS QUE SINTETIZAM PROTEÍNAS DA MATRIZ ÓSSEA E PROMOVEM A DEPOSIÇÃO DE SAIS DE CÁLCIO. Além disso, as intervenções que melhoram o risco de aterosclerose (p. ex., estatinas) não parecem afetar significativamente a degeneração valvar calcificada. Aspectos Clínicos Na estenose aórtica calcificada (superposta a uma valva aórtica previamente normal ou bicúspide), a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo leva a um estreitamento gradual do orifício (área da valva de aproximadamente 0,5 a 1 cm na estenose aórtica grave; normal, aproximadamente 4 cm) e a um aumento do gradiente de pressão através da valva calcificada, atingindo 75 a 100 mmHg em casos graves. A pressão do ventrículo esquerdo aumenta para 200 mmHg ou mais em tais casos, produzindo hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo (sobrecarga de pressão). O miocárdio hipertrofiado tende a ser isquêmico (como resultado de perfusão microcirculatória reduzida, frequentemente complicada pela aterosclerose coronariana) e a angina pectoris pode ocorrer. As funções sistólica e diastólica do miocárdio podem estar prejudicadas; eventualmente, podem ocorrer descompensação cardíaca e ICC. O início dos sintomas (angina, ICC, ou síncope) na estenose aórtica anuncia a descompensação cardíaca e representa um prognóstico extremamente ruim. Se não for tratada, a maioria dos pacientes com estenose aórtica morrerá dentro de 5 anos do desenvolvimento da angina, dentro de 3 anos do desenvolvimento da síncope, e dentro de 2 anos do início da ICC. O tratamento requer a substituição cirúrgica da valva, uma vez que o tratamento clínico é ineficaz para a estenose aórtica grave sintomática. ➔ ESTENOSE CALCIFICADA DA VALVA AÓRTICA BICÚSPIDE DE ORIGEM CONGÊNITA: A valva aórtica bicúspide (VAB) é uma anormalidade de desenvolvimento com prevalência de aproximadamente 1% na população. Alguns casos de VAB mostram predisposição familiar, frequentemente associada com malformações da aorta ou da via de saída do ventrículo esquerdo. Embora a hereditariedade da VAB seja bem estabelecida e três loci nos cromossomos 18q, 5q e 13q tenham sido identificados em estudos semelhantes, os genes específicos que são responsáveis pelo distúrbio permanecem, em grande parte, desconhecidos. Até agora, apenas as mutações de perda de função em NOTCH1 (mapeamento do cromossomo 9q34.3) foram especificamente associadas à VAB em algumas famílias; de modo intrigante, a modulação da atividade Notch em modelos animais também afeta a calcificação valvar. Na valva aórtica bicúspide de origem congênita, existem apenas duas cúspides funcionais, geralmente de tamanhos diferentes, com uma cúspide maior que apresenta uma rafe na linha média, que resulta da separação incompleta durante o desenvolvimento; há casos menos frequentes nos quais as cúspides possuem o mesmo tamanho e a rafe está ausente. A rafe representa a comissura incompleta e, muitas vezes, o principal local de depósitos calcificados. Uma vez que a estenose esteja presente, a evolução clínica será similar àquela descrita anteriormente para a estenose aórtica calcificada. AS VALVAS QUE SE TORNAM BICÚSPIDES EM DECORRÊNCIA DE UMA DEFORMIDADE ADQUIRIDA (P. EX., DOENÇA REUMÁTICA VALVAR) APRESENTAM UMA COMISSURA FUSIONADA QUE PRODUZ UMA CÚSPIDE CONJUGADA QUE GERALMENTE É DUAS VEZES O TAMANHO DA CÚSPIDE NÃO CONJUGADA. As VABs também podem ser tornar incompetentes como resultado da dilatação aórtica, prolapso das cúspides ou endocardite infecciosa. A valva mitral geralmente está normal em pacientes com valva aórtica bicúspide de origem congênita. Embora a VAB seja geralmente assintomática no início da vida, complicações tardias incluem estenose ou regurgitação aórtica, endocardite infecciosa, e dilatação e/ou dissecção da aorta. Em particular, as VABs estão predispostas à calcificação progressiva, similar à que ocorre nas valvas aórticas com anatomia inicialmente normal; as VABs calcificadas são responsáveis por aproximadamente 50% dos casos de estenose aórtica em adultos. As anormalidades Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. estruturais da parede da aorta também costumam acompanhar a VAB, mesmo quando a valva está hemodinamicamente normal, e isso pode potencializar a dilatação ou dissecção da aorta. ➔ CALCIFICAÃO DO ANEL MITRAL Ao contrário do envolvimento predominante das cúspides na calcificação da valva aórtica, os depósitos calcificados degenerativos na valva mitral normalmente se desenvolvem no anel fibroso. No exame macroscópico, eles são vistos como nódulos (com espessura de 2 a 5 mm) irregulares, com consistência pétrea e às vezes ulcerados, que se situam na base dos folhetos. A calcificação do anel mitral geralmente não afeta a função valvar. Entretanto, em casos raros, ela pode levar a: • Regurgitação, por interferir com a contração fisiológica do anel valvar. • Estenose, por prejudicar a abertura dos folhetos mitrais. • Arritmias e ocasionalmente morte súbita pela penetração de depósitos de cálcio em profundidade suficiente para afetar o sistema de condução atrioventricular. Como os nódulos calcificados também podem fornecer um local para a formação de trombos, os pacientes com calcificação do anel mitral apresentam um risco aumentado de acidente vascular cerebral embólico, e os nódulos calcificados podem tornar-se um nicho para endocardite infecciosa. Os depósitos calcificados densos são, às vezes, visualizados em ecocardiogramas ou vistos como opacidades peculiares, semelhantes a um anel, nas radiografias do tórax. A calcificação do anel mitral é mais comum em mulheres com mais de 60 anos e em indivíduos com prolapso da valva mitral. ➔ PROLAPSO DA VALVA MITRAL (DEGENERAÇÃO MIXOMATOSA DA VALVA MITRAL) No prolapso da valva mitral (PVM), um ou ambos os folhetos da valva mitral estão “frouxos” e sofrem prolapso ou abaulamento para dentro do átrio esquerdo durante a sístole. O PVM afeta cerca de 2% a 3% de adultos nos Estados Unidos, com uma proporção mulheres-homens de aproximadamente 7:1; com frequência, ele é um achado incidental no exame físico, mas pode levar a complicações sérias em uma pequena minoria de indivíduos afetados. Patogenia Na maioria dos casos, a base etiológica das alterações que enfraquecem os folhetos da valva e as estruturas associadas não é conhecida. Raramente, o PVM está associado a distúrbios hereditários do tecido conjuntivo, incluindo a síndrome de Marfan, causada por mutações na fibrilina-1 (FBN-1). Os defeitos na fibrilina-1 alteram as interações célula-matriz e desregulam a sinalização por TGF-β. Curiosamente, ratos com FBN-1 mutada desenvolvem uma forma de prolapso da valva mitral que é prevenida por inibidores de TGF-β, indicando que o excesso de atividade do TGF-β pode causar frouxidão estrutural característica e alterações mixomatosas. Ainda não é esclarecido se mecanismos similares contribuem para o PVM esporádico. Análises de ligação genética também mapearam formas hereditáriasde PVM para loci envolvidos no remodelamento da matriz extracelular valvar e da adesão célula:célula. Morfologia A alteração anatômica característica do PVM é um abaulamento (balonização) dos folhetos mitrais ou de parte deles entre as cordas tendíneas. Os folhetos afetados estão frequentemente aumentados, redundantes, espessos e elásticos. As cordas tendíneas associadas podem estar alongadas, adelgaçadas e às vezes rompidas, e os anéis podem estar dilatados. As valvas tricúspide, aórtica ou pulmonar também podem estar afetadas. A principal alteração histológica no tecido é o espessamento acentuado da camada esponjosa com deposição de material mucoide (mixomatoso), chamado de degeneração mixomatosa; também há um enfraquecimento da camada fibrosa colagenosa da valva, da qual a integridade estrutural do folheto depende. As alterações secundárias refletem os estresses e as lesões teciduais relacionados aos folhetos aumentados: (1) espessamento fibroso dos folhetos da valva, particularmente no local onde um atrita contra o outro; (2) espessamento fibroso linear da superfície endocárdica do ventrículo esquerdo, no local onde as cordas, anormalmente longas, se chocam ou se atritam contra ela; (3) espessamento do endocárdio mural do átrio ou do ventrículo esquerdo, como resultado de lesão induzida por fricção produzida pelos folhetos prolapsados com muita mobilidade; (4) trombos nas superfícies atriais dos folhetos ou das paredes atriais; e (5) calcificações focais na base do folheto mitral posterior. Notavelmente, a degeneração mixomatosa da valva mitral também pode ocorrer como uma consequência secundária da regurgitação de outras etiologias (p. ex., disfunção isquêmica). Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. Aspectos Clínicos A maioria dos indivíduos diagnosticados com PVM é assintomática; nesses casos, a condição é descoberta casualmente por ausculta de um clique mesossistólico, às vezes seguido de sopro sistólico médio a tardio. O diagnóstico é confirmado por ecocardiograma. Uma minoria dos pacientes apresenta dor torácica que imita a angina (embora não seja angina de esforço por natureza), e um subgrupo apresenta dispneia, provavelmente relacionada a insuficiência valvar. Embora a grande maioria das pessoas com PVM não sofra efeitos desagradáveis, aproximadamente 3% desenvolvem uma de quatro complicações sérias: (1) ENDOCARDITE INFECCIOSA; (2) INSUFICIÊNCIA MITRAL, ALGUMAS VEZES COM RUPTURA DAS CORDAS; (3) ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL OU OUTRO TIPO DE INFARTO SISTÊMICO, QUE RESULTA DA EMBOLIA DOS TROMBOS ORIUNDOS DOS FOLHETOS; OU (4) ARRITMIAS, TANTO VENTRICULARES COMO ATRIAIS. Raramente, o PVM é o único achado na morte súbita cardíaca. O risco de acontecer complicações sérias é muito baixo no PVM descoberto casualmente em pacientes assintomáticos jovens; o risco é maior para pacientes homens e idosos, e para aqueles com arritmias ou regurgitação mitral. A cirurgia de reparo ou substituição da valva pode ser realizada em pacientes sintomáticos ou em alto risco de complicações significativas; além disso, nos Estados Unidos, o PVM é a causa mais comum de cirurgia da valva mitral. ➔ FEBRE REUMÁTICA E CARDIOPATIA REUMÁTICA: A febre reumática (FR) é uma doença inflamatória aguda, imunomediada e multissistêmica, que classicamente ocorre algumas semanas após um episódio de faringite por estreptococos do grupo A; ocasionalmente, a FR pode suceder infecções por estreptococos em outros locais, como na pele. A cardite reumática aguda é uma manifestação comum da fase ativa da FR que, com o tempo, pode progredir para cardiopatia reumática (CR) crônica, manifestando-se principalmente como anormalidades valvares. A CR É CARACTERIZADA PRINCIPALMENTE PELA DOENÇA VALVAR FIBRÓTICA DEFORMANTE QUE ENVOLVE, EM PARTICULAR, A VALVA MITRAL; DE FATO, A CR É PRATICAMENTE A ÚNICA CAUSA DE ESTENOSE MITRAL. As taxas de incidência e mortalidade da FR e CR declinaram acentuadamente em muitas partes do mundo no século passado, como resultado da melhora no saneamento, e do rápido diagnóstico e tratamento da faringite por estreptococos. No entanto, nos países em desenvolvimento, e em muitas áreas urbanas populosas e economicamente carentes, a CR continua a ser um importante problema de saúde pública, afetando cerca de 15 milhões de pessoas. PATOGENIA A febre reumática aguda resulta das respostas imunes do hospedeiro aos antígenos dos estreptococos do grupo A, que têm reação cruzada com as proteínas do hospedeiro. Particularmente, os anticorpos e as células T CD4+ direcionados contra as proteínas M dos estreptococos também podem, em alguns casos, reconhecer os autoantígenos cardíacos. A ligação de anticorpos pode ativar os complementos e recrutar células portadoras de receptores Fc (neutrófilos e macrófagos); a produção de citocinas pelas células T estimuladas leva à ativação dos macrófagos (p. ex., nos nódulos de Aschoff). Assim, o dano ao tecido cardíaco pode ser causado por uma combinação de reações mediadas por anticorpos e células T Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. MORFOLOGIA Durante a FR aguda, lesões inflamatórias focais são encontradas em vários tecidos. Lesões peculiares ocorrem no coração, chamadas de nódulos de Aschoff, consistindo em focos de linfócitos T, às vezes plasmócitos, e macrófagos grandes ativados, chamados de células de Anitschkow (patognomônicas da FR). Esses macrófagos apresentam citoplasma abundante e núcleos centrais com formato arredondado a ovoide (ocasionalmente binucleados), nos quais a cromatina se condensa em uma fita ondulada central e delgada (daí a designação de “células em forma de lagarta”) Durante a FR aguda, a inflamação difusa e os nódulos de Aschoff podem ser encontrados em qualquer uma das três camadas do coração, resultando em pericardite, miocardite ou endocardite (pancardite). A inflamação do endocárdio e das valvas do lado esquerdo normalmente resulta em necrose fibrinoide no interior das cúspides ou cordas tendíneas. Sobrejacentes a esses focos necrosados e ao longo das linhas de fechamento, observam-se pequenas vegetações (1 a 2 mm), chamadas de verrugas. Assim, a CR é uma das formas de doença valvar vegetativa, cada qual mostrando seus próprios aspectos morfológicos característicos. As lesões subendocárdicas, talvez exarcebadas por jatos de regurgitação, podem induzir espessamentos irregulares chamados de placas de MacCallum, geralmente no átrio esquerdo As alterações anatômicas cardinais da valva mitral na CR crônica são o espessamento dos folhetos, a fusão e o encurtamento das comissuras, e o espessamento e a fusão das cordas tendíneas. Na doença crônica, a valva mitral está quase sempre envolvida. A valva mitral é afetada isoladamente em cerca de dois terços dos casos de CR, e é afetada juntamente à valva aórtica em 25% do restante dos casos. O envolvimento da valva tricúspide não é frequente, e a valva pulmonar é raramente afetada. Por causa do aumento da estenose aórtica calcificada e da frequência reduzida de CR, a estenose aórtica reumática agora é responsável por uma pequena fração dos casos de estenose aórtica adquirida. Na estenose mitral reumática, a calcificação e as pontes fibrosas através das comissuras valvares dão origem às estenoses “em boca de peixe” ou “em botoeira”. Com a estenose mitral intensa, o átrio esquerdo dilata-se progressivamente e pode abrigar trombos murais que podem formar êmbolos. As alterações congestivas de longa duração que ocorrem nos pulmões podem induziralterações vasculares e parenquimais pulmonares; com o tempo, elas podem levar à hipertrofia do ventrículo direito. O ventrículo esquerdo dificilmente é afetado pela estenose pura isolada da valva mitral. Microscopicamente, as valvas mostram uma organização da inflamação aguda, com neovascularização pós- inflamatória e fibrose transmural que obliteram a arquitetura do folheto. Os nódulos de Aschoff raramente são observados em peças cirúrgicas ou tecidos de necropsia de pacientes com CR crônica, como resultado dos longos intervalos entre a lesão inicial e o desenvolvimento da deformidade crônica. ASPECTOS CLÍNICOS A FR é caracterizada por uma constelação de achados: (1) a poliartrite migratória das grandes articulações, (2) a pancardite, (3) os nódulos subcutâneos, (4) o eritema marginado da pele e (5) a coreia de Sydenham, um distúrbio neurológico caracterizado por movimentos rápidos, descontrolados e involuntários. O DIAGNÓSTICO É ESTABELECIDO COM A UTILIZAÇÃO DOS CHAMADOS CRITÉRIOS DE JONES: EVIDÊNCIA DE INFECÇÃO PRÉVIA POR ESTREPTOCOCOS DO GRUPO A, COM A PRESENÇA Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. DE DUAS DAS MANIFESTAÇÕES MAIORES LISTADAS ANTERIORMENTE, OU DE UMA MANIFESTAÇÃO MAIOR E DUAS MENORES (SINAIS E SINTOMAS INESPECÍFICOS QUE INCLUEM FEBRE, ARTRALGIA OU NÍVEIS SANGUÍNEOS ELEVADOS DE REAGENTES DA FASE AGUDA). A FR aguda normalmente aparece em 10 dias a 6 semanas após uma infecção por estreptococos do grupo A em cerca de 3% dos pacientes. Ela ocorre com mais frequência em crianças entre 5 e 15 anos de idade, mas os primeiros ataques podem ocorrer na metade da vida ou mais tarde. Embora as culturas para estreptococos feitas com material da faringe sejam negativas na época em que a doença se inicia, os anticorpos para uma ou mais enzima s estreptocócicas, como a estreptolisina O e DNAse B, estão presentes e podem ser detectados no soro da maioria dos pacientes com FR. As manifestações clínicas predominantes são artrite e cardite, sendo a artrite bem mais comum em adultos do que em crianças. A artrite geralmente inicia-se com poliartrite migratória (acompanhada de febre), que se caracteriza pelo acometimento sucessivo das grandes articulações, as quais se tornam dolorosas e inchadas durante alguns dias e depois regridem espontaneamente, sem deixar nenhuma incapacidade residual. Os aspectos clínicos relacionados à cardite aguda incluem atrito pericárdico, taquicardia e arritmias. A miocardite pode causar dilatação cardíaca, que pode culminar em insuficiência funcional da valva mitral ou mesmo insuficiência cardíaca. Aproximadamente 1% dos indivíduos afetados morre pelo envolvimento de FR fulminante do coração. Após o ataque inicial, os pacientes tornam-se mais vulneráveis à reativação da doença após novas infecções faríngeas e é provável que apareçam as mesmas manifestações em cada ataque recorrente. O dano às valvas é cumulativo. A turbulência induzida por deformidades valvares em desenvolvimento leva à fibrose adicional. AS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS APARECEM ANOS OU MESMO DÉCADAS APÓS O EPISÓDIO INICIAL DE FR E DEPENDEM DE QUAIS VALVAS CARDÍACAS ESTÃO ENVOLVIDAS. ALÉM DE INÚMEROS SOPROS, HIPERTROFIA, DILATAÇÃO E INSUFICIÊNCIA CARDÍACOS, OS INDIVÍDUOS COM CR CRÔNICA PODEM TER ARRITMIAS (PARTICULARMENTE FIBRILAÇÃO ATRIAL NO CENÁRIO DE ESTENOSE MITRAL), COMPLICAÇÕES TROMBOEMBOLÍTICAS E ENDOCARDITE INFECCIOSA. O PROGNÓSTICO, EM LONGO PRAZO, É ALTAMENTE VARIÁVEL. O REPARO CIRÚRGICO OU SUBSTITUIÇÃO PROTÉTICA DAS VALVAS DOENTES MELHOROU MUITO O PROGNÓSTICO DOS PACIENTES COM CR. ENDOCARDITE INFECCIOSA A ENDOCARDITE INFECCIOSA (EI) É UMA INFECÇÃO MICROBIANA DAS VALVAS CARDÍACAS OU DO ENDOCÁRDIO MURAL, QUE LEVA À FORMAÇÃO DE VEGETAÇÕES COMPOSTAS DE FRAGMENTOS TROMBÓTICOS E ORGANISMOS, FREQUENTEMENTE ASSOCIADOS À DESTRUIÇÃO DOS TECIDOS CARDÍACOS SUBJACENTES. A aorta, os aneurismas, outros vasos sanguíneos e dispositivos protéticos também podem tornar-se infectados. Embora os fungos e outras classes de microrganismos possam ser responsáveis pela doença, a maioria das infecções é bacteriana (endocardite bacteriana). O diagnóstico imediato, a identificação do agente infectante e o tratamento eficaz da EI são importantes para reduzir a morbidade e a mortalidade. Tradicionalmente, a EI tem sido classificada, com base na sua manifestação clínica, em formas aguda e subaguda. Essa subdivisão reflete a variação da gravidade da doença e seu ritmo, determinados em grande parte pela virulência do microrganismo infectante e pela presença ou não de doença cardíaca subjacente. A endocardite infecciosa aguda normalmente é causada pela infecção de uma valva cardíaca anteriormente normal por um organismo altamente virulento (p. ex., Staphylococcus aureus), que rapidamente produz lesões necrosantes e destrutivas. Essas infecções podem ser difíceis de curar somente com antibióticos, e geralmente precisam de cirurgia. Apesar do tratamento apropriado, a morte pode ocorrer dentro de dias ou semanas. Por outro lado, a EI subaguda é caracterizada por organismos de baixa virulência (p. ex., Streptococcus viridans) que causam infecções insidiosas das valvas deformadas com menor destruição total. Nesses casos, a doença pode persistir por um curso mais lento de semanas a meses, e as curas podem ser obtidas com antibióticos. Patogenia Embora organismos altamente virulentos possam infectar valvas anteriormente normais, diversas anormalidades cardíacas e vasculares aumentam o risco de desenvolvimento de EI. No passado, a cardiopatia reumática com cicatrização valvar era o principal distúrbio antecedente; com a diminuição da incidência de CR, ela foi substituída pelo prolapso da valva mitral, estenose valvar calcificada degenerativa, valva aórtica bicúspide (calcificada ou não), valvas artificiais (protéticas) e defeitos congênitos reparados ou não. Os organismos causais diferem entre os principais grupos de alto risco. A endocardite de valvas naturais, mas previamente danificadas ou anormais, é mais comumente causada (50% a 60% dos casos) pelo Streptococcus viridans — um componente normal da flora da cavidade oral. Por outro lado, os organismos S. aureus, mais virulentos, são comumente encontrados na pele e podem infectar valvas saudáveis e deformadas, e são responsáveis por 20% a 30% de todos os casos; notavelmente, S. aureus é o principal agente infectante na EI entre os usuários de drogas intravenosas. Outras causas bacterianas incluem os enterococos e os microrganismos do grupo chamado HACEK (Haemophilus, Actinobacillus, Cardiobacterium, Eikenella, e Kingella), todos comensais na cavidade oral. A endocardite da valva protética é causada com mais frequência pelos estafilococos coagulasenegativos (p. ex., S. epidermidis). Outros agentes causadores de endocardite incluem bacilos gram-negativos e fungos. Em cerca de 10% de todos os casos de Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. endocardite, nenhum microrganismo pode ser isolado do sangue (endocardite com “cultura negativa”); as razões para isso incluem antibioticoterapia anterior, dificuldades em isolar o agente infectante, ou porque os organismos, profundamente entranhados no interior das vegetações em crescimento, não são liberados para o sangue. À frente de todos os fatores predisponentes à endocardite, estão aqueles que causam a disseminação do microrganismo para a corrente sanguínea (bacteremia ou fungemia). A fonte pode ser uma infecção óbvia em qualquer lugar, um procedimento odontológico ou cirúrgico, uma agulha contaminadacompartilhada por usuários de drogas intravenosas, ou o rompimento — aparentemente sem importância — das barreiras epiteliais do intestino, da cavidade oral ou da pele. Em pacientes com anormalidades valvares ou com bacteremia conhecida, o risco de EI pode ser reduzido por profilaxia antibiótica. As complicações da EI geralmente começam dentro das primeiras semanas do início da doença e podem incluir a deposição do complexo antígeno-anticorpo no glomérulo, causando a glomerulonefrite. O diagnóstico precoce e o tratamento eficaz têm praticamente eliminado algumas manifestações clínicas de EI de longa duração que costumavam ser comuns — por exemplo, microêmbolos (manifestados como hemorragias subungueais ou em estilhaço), lesões eritematosas ou hemorrágicas indolores nas palmas ou plantas (lesões de Janeway), nódulos subcutâneos na polpa dos dedos (nódulos de Osler) e hemorragias retinianas (manchas de Roth). VEGETAÇÕES não Infectadas As vegetações não infectadas (estéreis) ocorrem na endocardite trombótica não bacteriana e na endocardite do lúpus eritematoso sistêmico (LES), chamada de endocardite de Libman-Sacks. ENDOCARDITE TROMBÓTICA NÃO BACTERIANA A endocardite trombótica não bacteriana (ETNB) é caracterizada pela deposição de pequenos trombos estéreis nos folhetos das valvas cardíacas. As lesões possuem tamanho de 1 a 5 mm, e ocorrem como vegetações isoladas ou múltiplas ao longo da linha de fechamento dos folhetos ou cúspides. Histologicamente, elas são compostas de trombos macios, que estão inseridos frouxamente na valva subjacente; as vegetações não são invasivas e não produzem qualquer reação inflamatória. Assim, embora o efeito local das vegetações geralmente não seja importante, elas podem ser a fonte de êmbolos sistêmicos que produzem infartos significativos no cérebro, coração ou em qualquer outro lugar. AETBN frequentemente é encontrada em pacientes debilitados, tais como aqueles com câncer ou sepse — daí o termo anteriormente usado, endocardite marântica (da raiz marasmus, relacionada à desnutrição). Com frequência, ela ocorre concomitantemente com trombose venosa profunda, êmbolos pulmonares ou outros achados que sugerem um estado de hipercoagulação sistêmica subjacente. Além disso, existe uma impressionante associação com adenocarcinomas mucinosos, potencialmente relacionada aos efeitos prócoagulantes da mucina ou do fator tecidual derivados desses tumores, que também podem causar tromboflebite migratória. O trauma endocárdico, como o produzido por um cateter de demora, é outra condição predisponente bem conhecida, e observam-se com frequência lesões trombóticas valvares e endocárdicas no lado direito do coração ao longo do trajeto de um cateter colocado na artéria pulmonar. ➔ ENDOCARDITE DO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (DOENÇA DE LIBMAN-SACKS) No lúpus eritematoso sistêmico, ocasionalmente observa-se uma valvulite mitral e tricúspide com pequenas vegetações estéreis, chamadas de endocardite de Libman-Sacks. Devido ao uso de esteroides, a incidência dessa complicação foi reduzida consideravelmente. As lesões são vegetações pequenas (1 a 4 mm de diâmetro), isoladas ou múltiplas, estéreis e róseas com Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. aparência verrucosa. Elas podem estar localizadas nas superfícies inferiores das valvas atrioventriculares, no endocárdio valvar, nas cordas ou no endocárdio mural dos átrios e ventrículos. Histologicamente, as vegetações consistem em um material eosinofílico, fibrinoso e finamente granular que contém restos celulares, incluindo aqueles do núcleo. As vegetações estão frequentemente associadas a uma intensa vasculite, caracterizada pela necrose fibrinoide da substância da valva, e que reflete a ativação do complemento e o recrutamento das células portadoras de receptores Fc. As lesões trombóticas das valvas cardíacas com vegetações estéreis ou, mais raramente, espessamento fibroso podem ocorrer no cenário da síndrome do antifosfolipídio, que também pode induzir um estado de hipercoagulação. A valva mitral está envolvida com mais frequência do que a valva aórtica, e a regurgitação é a anormalidade funcional comum. ➔ CARDIOPATIA CARCINOIDE: A síndrome carcinoide refere-se a um distúrbio sistêmico, caracterizado por rubor cutâneo súbito, diarreia, dermatite e broncoconstrição, que é causado por compostos bioativos — como a serotonina — liberados por tumores carcinoides. A cardiopatia carcinoide REFERE-SE ÀS MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS CAUSADAS PELOS COMPOSTOS BIOATIVOS, E OCORRE EM CERCA DE METADE DOS PACIENTES QUE DESENVOLVEM A SÍNDROME SISTÊMICA. AS LESÕES CARDÍACAS NORMALMENTE NÃO OCORREM ATÉ QUE EXISTA UMA SOBRECARGA METASTÁTICA HEPÁTICA MACIÇA, UMA VEZ QUE O FÍGADO GERALMENTE CATABOLIZA OS MEDIADORES CIRCULANTES ANTES QUE ELES POSSAM AFETAR O CORAÇÃO. Classicamente, o endocárdio e as valvas do lado direito do coração são os principais afetados, porque são os primeiros tecidos cardíacos banhados pelos mediadores liberados pelos tumores carcinoides gastrointestinais. O lado esquerdo do coração é um pouco mais protegido, uma vez que o leito vascular pulmonar degrada os mediadores. Entretanto, as lesões carcinoides no lado esquerdo podem ocorrer no cenário de defeitos do átrio e do septo e de fluxo da direita para a esquerda, ou podem ser produzidas por tumores carcinoides pulmonares primários. Patogenia Os mediadores elaborados por tumores carcinoides incluem serotonina (5-hidroxitriptamina), calicreína, bradicinina, histamina, prostaglandinas e taquicininas. EMBORA NÃO SEJA CLARO QUAIS DESSES CAUSAM A LESÃO, OS NÍVEIS PLASMÁTICOS DE SEROTONINA E DE EXCREÇÃO URINÁRIA DO METABÓLITO DA SEROTONINA — O ÁCIDO 5- HIDRÓXIINDOLACÉTICO — SE CORRELACIONAM COM A GRAVIDADE DAS LESÕES CARDÍACAS. As placas valvares na síndrome carcinoide também são semelhantes às lesões ocorridas em pacientes que usam fenfluramina (um supressor de apetite) ou alcaloides do ergot (para enxaqueca); curiosamente, esses agentes afetam o metabolismo sistêmico da serotonina. Da mesma forma, tem sido relatada a presença de placas no lado esquerdo após a terapia para enxaqueca com metisergida ou ergotamina; notavelmente, esses fármacos são metabolizados em serotonina conforme passam através da vasculatura pulmonar. Entretanto, apesar dessa evidência intrigante, não se sabe como a serotonina pode induzir as alterações cardíacas observadas, nem foi provado que o tratamento com inibidores de serotonina tem qualquer efeito sobre o desenvolvimento ou a progressão das lesões cardíacas. Morfologia As lesões cardiovasculares associadas à síndrome carcinoide consistem em espessamentos peculiares da íntima — brilhantes, esbranquiçados e semelhantes a placas — localizados nas superfícies endocárdicas das câmaras cardíacas e dos folhetos das valvas. As lesões são compostas por células musculares lisas e fibras colágenas esparsas, entranhadas em uma matriz rica em mucopolissacarídeo ácido. As estruturas subjacentes estão intactas. Com o envolvimento do lado direito, os achados típicos são a insuficiência tricúspide e a estenose pulmonar. Complicações das Valvas Artificiais A substituição, por próteses, de valvas cardíacas danificadas é uma abordagem terapêutica comum que frequentemente salva vidas. Há dois tipos de próteses valvares: • Valvas mecânicas. Consistem em configurações diferentes de material rígido não fisiológico, tais como próteses em bola-gaiola, discos basculantes ou abas semicirculares articuladas (valvas de disco basculante de duplo folheto). • Valvas teciduais (biopróteses). A valva aórtica de suíno ou o pericárdio bovino são preservados em solução diluída de glutaraldeído e, então, montadossobre um suporte protético. Como alternativa, também podem ser usadas valvas humanas congeladas de doadores falecidos (chamados de “homoenxertos” criopreservados). As valvas teciduais são flexíveis e funcionam de modo semelhante às valvas semilunares naturais. Entretanto, o tratamento químico das valvas Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. animais forma uma ligação cruzada com as proteínas valvares, especialmente o colágeno, tornando o tecido inviável. Da mesma forma, o congelamento e descongelamento dos homoenxertos também podem torná-los inviáveis. Aproximadamente 60% dos receptores de valvas substitutas desenvolvem um problema grave relacionado à prótese dentro de 10 anos após a cirurgia. As complicações ocorridas dependem de qual tipo de valva foi implantado. O tromboembolismo é a principal consideração a ser feita com valvas mecânicas; ele pode consistir em oclusão trombótica da prótese ou em êmbolos liberados do trombo formado na valva. Como o fluxo sanguíneo é não laminar em todos os dispositivos mecânicos, focos de turbulência e estase são produzidos por próteses que predispõem à formação de trombos. O risco de tais complicações exige que os pacientes com valvas mecânicas recebam tratamento com anticoagulantes em longo prazo, com atenção para o risco de acidente vascular cerebral hemorrágico ou outras formas de sangramento graves. A deterioração estrutural raramente provoca a falha no funcionamento das valvas mecânicas atualmente em uso. Entretanto, praticamente todas as biopróteses podem tornar-se incompetentes devido à calcificação e/ou laceração. A endocardite infecciosa é uma complicação potencialmente séria de qualquer substituição da valva. As vegetações da endocardite da valva protética geralmente estão localizadas na interface tecido-prótese, e com frequência causam a formação de abscesso anular que, por fim, pode levar a um extravasamento de sangue regurgitante paravalvar. Além disso, as vegetações podem afetar diretamente as cúspides valvares bioprotéticas. Os principais organismos causadores de tais infecções são os estafilococos que contaminam a pele (p. ex., S. epidermis), S. aureus, estreptococos e fungos. Outras complicações incluem extravasamento paravalvar devido à cicatrização inadequada, obstrução devido ao crescimento excessivo de tecido fibroso durante a cicatrização, desproporção orifício-valva (onde a área eficaz da valva é muito pequena para as necessidades do paciente, levando a uma estenose relativa), hemólise intravascular devido às altas forças de cisalhamento, ou ruído excessivo devido à dificuldade de contato entre as partes rígidas móveis. Conceitos – chave: Cardiopatia Valvar: A doença valvar pode levar à oclusão (estenose) e/ou regurgitação (insuficiência); as estenoses das valvas aórtica e mitral adquiridas são responsáveis por aproximadamente dois terços de todas as doenças valvares. A calcificação valvar é um processo degenerativo que normalmente resulta em estenose; a síntese anormal da matriz e sua renovação resultam em degeneração mixomatosa e insuficiência. As doenças inflamatórias das valvas levam a neovascularização pós-inflamatória e cicatrização. A CARDIOPATIA REUMÁTICA RESULTA DE ANTICORPOS ANTIESTREPTOCÓCICOS QUE TÊM REAÇÃO CRUZADA COM OS TECIDOS CARDÍACOS; MAIS COMUMENTE, ELA AFETA A VALVA MITRAL E É RESPONSÁVEL POR 99% DAS ESTENOSES MITRAIS ADQUIRIDAS. AENDOCARDITE INFECCIOSA PODE SER AGRESSIVA E RAPIDAMENTE DESTRUIR AS VALVAS NORMAIS (EI AGUDA), OU PODE SER INDOLENTE E MINIMAMENTE DESTRUTIVA EM VALVAS ANTERIORMENTE ANORMAIS (EI SUBAGUDA). A embolização sistêmica pode produzir infartos sépticos. A endocardite trombótica não bacteriana ocorre em valvas anteriormente normais devido aos estados de hipercoagulação; a embolização é uma complicação importante. As valvas protéticas mecânicas apresentam complicações trombóticas ou hemorrágicas relacionadas ao fluxo sanguíneo não laminar e à necessidade de tratamento crônico com anticoagulantes. As valvas bioprotéticas não são viáveis, portanto são suscetíveis a calcificação em longo prazo e/ou degeneração com laceração. Ambos os tipos de valvas têm um risco maior de desenvolver endocardite em relação às valvas naturais. Carlos Caique Araujo Mendes Curso de Medicina 3º Período Faculdade Santo Agostinho de Itabuna – Fasai, Afya Educacional Sistemas Orgânicos Integrados – SOI III. Prof. Tutor Henrique Lanza Salmos 23. IMUNE: QUANDO UM HOSPEDEIRO SUSCETÍVEL ENCONTRA UM ESTREPTOCOCO DO GRUPO A, RESULTA UMA RESPOSTA AUTOIMUNE QUE LEVA DANO AOS TECIDOS HUMANOS EM CONSEQUÊNCIA DE REATIVIDADE CRUZADA ENTRE EPÍTOPOS NO MICRORGANISMO E NO HOSPEDEIRO. OS EPÍTOPOS DE REATIVIDADE CRUZADA ESTÃO PRESENTES NA PROTEÍNA M ESTREPTOCÓCICA E NA N- ACETILGLICOSAMINA DO CARBOIDRATO ESTREPTOCÓCICO GRUPO A, E SÃO IMUNOLOGICAMENTE SIMILARES A MOLÉCULAS HUMANAS NA MIOSINA, TROPOMIOSINA, QUERATINA, ACTINA, LAMININA, VIMENTINA, E IV- ACETILGLICOSAMINA. ATUALMENTE, PENSA-SE QUE O DANO INICIAL SEJA DEVIDO A ANTICORPOS DE REATIVIDADE CRUZADA QUE SE LIGAM AO ENDOTÉLIO DA VALVA CARDÍACA, PERMITINDO A ENTRADA DE CÉLULAS T CD4+ INSTRUÍDAS, LEVANDO A SUBSEQUENTE INFLAMAÇÃO MEDIADA POR CÉLULAS T. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. ROBINS E COTRAN – PATOLOGIA BÁSICA; 2. FISIOPATOLOGIA DE HAMMER; 3. MEDICINA CARDIOVASCULAR DE HARISSON; 4. MEDICINA INTERNA DE HARISSON; 5. CLÍNICA MÉDICA DA USP 7ª EDIÇÃO; 6. FEBRE REUMÁTICA AGUDA: EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE. ANDREW STEER ET AL. 2020; 7. FEBRE REUMÁTICA AGUDA: MENIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO. ADREW STEER ET AL. 2020. 8. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO DE CARDIOPATIA REUMÁTICA. LIESL ZUHHLKE ET AL. 2019;
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