Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 FERNANDA MAGNI BERTHIER PSICOPATOLOGIA CRIMINAL Fernanda Magni Berthier Professor Sami Semestre 2020/2 ERE 2 FERNANDA MAGNI BERTHIER SUMÁRIO 1. DESENVOLVIMENTO MORAL E COMPORTAMENTO SOCIAL ................................................................................. 4 1. 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 4 1. 2. ÉTICA E MORAL ..................................................................................................................................................... 5 1. 2. 1. ESTRUTURA DO ATO MORAL ........................................................................................................................ 6 1. 2. 2. QUALIDADE DO ATO MORAL ........................................................................................................................ 6 1. 2. 3. AVALIAÇÃO DA MORAL ................................................................................................................................ 6 1. 2. 4. TEORIAS DA OBRIGAÇÃO MORAL ................................................................................................................. 7 1. 3. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MORAL DE KOHLBERG ...................................................................................... 8 1. 3. 1. ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO .............................................................................................................. 8 1. 3. 2. PROGRESSÃO .............................................................................................................................................. 10 1. 3. 3. APRENDIZADO E SOFRIMENTO ................................................................................................................... 10 1. 3. 4. FUNÇÃO DO DILEMA MORAL ..................................................................................................................... 11 1. 4. RESUMO ............................................................................................................................................................. 11 2. ESTILOS PARENTAIS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL ........................................................................................... 12 2. 1. ESTILOS PARENTAIS DE BAUMRID ....................................................................................................................... 12 2. 1. 1. MODELO INICIAL ......................................................................................................................................... 12 2. 1. 2. PRÁTICAS E ESTILOS .................................................................................................................................... 13 2. 1. 3. MODELO EVOLUÍDO ................................................................................................................................... 13 2. 1. 4. COMPOSIÇÃO DE ESTILO ............................................................................................................................ 14 2. 1. 5. ESTUDOS ..................................................................................................................................................... 15 3. AUTOMATISMOS COMPORTAMENTAIS ............................................................................................................. 16 3. 1. REFLEXOS INATOS ............................................................................................................................................... 16 3. 2. CONDICIONAMENTO OPERANTE ........................................................................................................................ 17 3. 2. 1. ARTICULAÇÃO DE TEORIAS ......................................................................................................................... 18 5. MEMÓRIA – ESTRUTURA E PROCESSOS ............................................................................................................. 19 5. 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 19 5. 2. PROCESSOS DE MEMÓRIA .................................................................................................................................. 19 5. 2. 1. ETAPAS ....................................................................................................................................................... 19 5. 2. 2. ARMAZENAMENTO NO CÉREBRO ............................................................................................................... 20 5. 3. IDENTIFICAÇÃO DA MEMÓRIA ............................................................................................................................ 20 5. 3. 1. MEMÓRIA COMO APRENDIZADO ............................................................................................................... 20 5. 3. 2. MEMÓRIA COMO IDENTIDADE ................................................................................................................... 20 5. 4. TIPOS DE MEMÓRIA ............................................................................................................................................ 21 5. 4. 1. QUANTO AO TEMPO ................................................................................................................................... 21 5. 4. 2. QUANTO AO CONTEÚDO ............................................................................................................................ 22 5. 5. POSICIONAMENTO SERIAL .................................................................................................................................. 23 6. MASLOW E AS NECESSIDADES HUMANAS ......................................................................................................... 24 6. 1. PRESSUPOSTOS ................................................................................................................................................... 24 6. 2. PIRÂMIDE DE MASLOW ....................................................................................................................................... 24 6. 2. 1. PAVLOV VS MASLOW .................................................................................................................................. 25 7. FANTASIAS SEXUAIS E VIOLÊNCIA ..................................................................................................................... 26 7. 1. FANTASIA SEXUAL ............................................................................................................................................... 26 7. 2. FANTASIA SEXUAL AGRESSIVA ............................................................................................................................ 26 7. 3. MODELO TRIPARTITE DE FANTASIA SEXUAL NA AGRESSÃO SEXUAL ................................................................... 28 7. 3. 1. FUNÇÃO ...................................................................................................................................................... 28 7. 3. 2. CONTEÚDO ................................................................................................................................................. 29 7. 3. 3. PROPRIEDADES ESTRUTURAIS .................................................................................................................... 29 7. 4. PERFIL TEMPORAL DA FANTASIA SEXUAL NA AGRESSÃO .................................................................................... 29 3 FERNANDA MAGNI BERTHIER 8. GENERAL STRAIN THEORY (GST) ........................................................................................................................ 30 8. 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................................30 8. 2. STRAIN COMO FRUSTRAÇÃO .............................................................................................................................. 30 8. 3. STRAIN COMO TENSÃO/ESTRESSE ...................................................................................................................... 31 8. 3. 1. CATEGORIAS DE TENSÕES/ESTRESSES ........................................................................................................ 31 8. 3. 2. TENSÕES/ESTRESSES QUE MAIS POTENCIALIZAM O COMPORTAMENTO CRIMINAL ................................. 32 8. 3. 3. OUTROS FATORES QUE INTERAGEM COM A TENSÃO GERAL NA PRODUÇÃO DO CRIME .......................... 32 8. 3. 4. ASPECTOS DE TENSÕES/ESTRESSES ............................................................................................................ 32 8. 3. 5. PROCESSAMENTO DA INFLUÊNCIA ............................................................................................................. 33 8. 3. 6. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE ..................................................................................... 33 9. IMPUTABILIDADE PENAL ................................................................................................................................... 33 9. 1. DEFINIÇÃO .......................................................................................................................................................... 33 9. 2. FATORES BIOLÓGICOS E PSICOLÓGICOS ............................................................................................................. 34 9. 2. 1. DISCRIMINANTES ........................................................................................................................................ 34 9. 2. 2. MENORIDADE ............................................................................................................................................. 35 9. 2. 3. EMOÇÃO E PAIXÃO ..................................................................................................................................... 35 9. 2. 4. EMBRIAGUEZ .............................................................................................................................................. 35 9. 3. SEMI-IMPUTABILIDADE ...................................................................................................................................... 36 9. 4. MEDIDAS DE SEGURANÇA ................................................................................................................................... 36 9. 5. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL .................................................................................................................. 36 10. EXAME PSIQUIÁTRICO E AVALIAÇÃO DE RISCO ................................................................................................ 37 10. 1. AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA ................................................................................................................................ 37 10. 1. 1. EXAME POR EIXOS .................................................................................................................................... 37 10. 1. 2. INSTRUMENTOS DO EXAME ..................................................................................................................... 38 10. 1. 3. ROTEIRO DO EXAME ................................................................................................................................. 40 10. 2. EXAME DO ESTADO MENTAL ............................................................................................................................ 40 10. 3. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA ................................................................................................................................. 41 10. 3. 1. PASSOS DA AVALIAÇÃO (MODELO CLÍNICO) ............................................................................................ 41 10. 4. EXAME CRIMINOLÓGICO .................................................................................................................................. 41 10. 5. AVALIAÇÃO DE RISCO ........................................................................................................................................ 41 10. 5. 1. PERICULOSIDADE X RISCO ........................................................................................................................ 42 10. 4. 2. EVCP E CDQ ............................................................................................................................................... 42 11. STANFORD PRISON EXPERIMENT .................................................................................................................... 43 11. 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 43 11. 2. PROCEDIMENTO ............................................................................................................................................... 43 11. 2. 1. SELEÇÃO DE PARTICIPANTES .................................................................................................................... 43 11. 2. 2. APREENSÃO DOS RECLUSOS ..................................................................................................................... 43 11. 2. 3. CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA PRISIONAL .............................................................................................. 44 11. 2. 4. INGRESSO DOS RECLUSOS NA PRISÃO ...................................................................................................... 44 11. 2. 5. DESEMPENHO DOS GUARDAS .................................................................................................................. 45 11. 2. 6. FUNCIONAMENTO .................................................................................................................................... 45 4 FERNANDA MAGNI BERTHIER ANOTAÇÕES: PSICOPATOLOGIA CRIMINAL FERNANDA MAGNI BERTHIER – 2020/2 1. DESENVOLVIMENTO MORAL E COMPORTAMENTO SOCIAL 1. 1. INTRODUÇÃO Existem duas grandes teorias do crime, sendo uma delas a que o concebe com três elementos, que são o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade. Psicopatologia Criminal 5 FERNANDA MAGNI BERTHIER O fato típico é adequado à norma, requerendo a sua pré-existência – não existe crime sem uma norma anterior que o defina como tal. Além disso, ele deve ser antijurídico, ou seja, não basta que esteja previsto na norma típica, mas também deve se ocorrer em um contexto de ilicitude, de forma que, por exemplo, agindo em legítima defesa, não é configurado o crime. Por fim, interessam as condutas desviantes em sentido social, que geram desestruturação social, mesmo quando os fatos não sejam típicos ou ilícitos. Muito antes de estarem previstas condutas de assédio, o assédio já era desruptivo, e esse tipo de conduta também interessa, no sentido da psicopatologia social como um espectro de comportamentos, que não apenas vão incluir tipicidade e ilicitude. 1. 2. ÉTICA E MORAL A ética é definida por Vázquez como “a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano”. Assim, a moral é um comportamento, enquanto a ética é a ciência desse comportamento. O caráter da ética é científico (genérico, racional, objetivo, sistemático, metódico e, no limite do possível, comprovável) e o seu objeto é o mundo moral, constituído por um tipo peculiar de fatos ou atos humanos. 6 FERNANDA MAGNI BERTHIER A moral, por sua vez, é definida pelo autor como o “conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens”. A expressão “aceitaslivre e conscientemente” se coloca pela necessidade de livre arbítrio para a punibilidade – em estado de coação ou psicose, por exemplo, não é possível falar em livre arbítrio. O livre arbítrio é uma construção histórica e social, como fonte da culpa e, portanto, da responsabilidade; mas, hoje, essa ideia é colocada em cheque. O caráter da moral é histórico (muda ao longo da história, de forma que o que é admitido em uma época pode não mais o ser em época posterior, como o juízo moral sobre questões de gênero), “de classe” (muda conforme os estratos sociais, em função de uma série de fatores, como o acesso), “evolutivo” ou “progressista”(em comparação com 300/400 anos atrás, estamos melhores agora) e social (homogeneidade ao longo do tempo). Enquanto a moral se localiza no plano normativo ou ideal, a moralidade de coloca no plano fatual, real ou prático. 1. 2. 1. ESTRUTURA DO ATO MORAL Compõem a estrutura do ato moral o motivo, que é aquilo que impulsiona o indivíduo a agir ou a procurar alcançar determinados fins; a consciência do fim visado, enquanto antecipação ideal do resultado que se pretenda alcançar; a escolha de um fim entre outros, pois, em dadas ocasiões, há vários fins possíveis, mutuamente excludentes; a decisão de realizar o ato, que tem a qualidade da voluntariedade; a consciência e a escolha dos meios; o emprego dos meios adequados; a obtenção do resultado, pela consumação do ato moral, do ponto de vista do agente; e a observação das consequências, pela consumação do ato moral, do ponto de vista da comunidade ou da sociedade. O ato moral é uma totalidade, pois o subjetivo e o objetivo estão aqui como duas faces de uma mesma moeda. 1. 2. 2. QUALIDADE DO ATO MORAL Cada ato é sempre único, com suas próprias circunstâncias, assumindo um significado diferente com relação a uma norma e se apresentando como solução de um caso determinado. A mesma norma enfrenta situações diferentes, com riscos de resultados diferentes. Ainda, quando o resultado de afastar da intenção originária, o ato pode adquirir um significado moral negativo. A casuística, como método de determinar, de antemão, a maneira de realizar o ato moral, acarreta um empobrecimento da vida moral. O mesmo indivíduo realizando o ato em um dia não o fará da mesma maneira que no dia anterior, havendo diferentes condições, como fome, sono, irritação, entre outros. 1. 2. 3. AVALIAÇÃO DA MORAL Os objetos avaliados são os atos humanos, não sendo possível falar em uma moral dos atos de animais e outros seres irracionais. No terreno da moralidade e da ética, somente podem ser avaliados os atos que, por seus resultados e suas consequências, afetam a outros – o que não afeta, não tem relevância moral. 7 FERNANDA MAGNI BERTHIER O ato moral pretende ser uma realização do “bom”, isto é, encarnando ou plasmando o valor da bondade – mas o que é bom? 1. 2. 4. TEORIAS DA OBRIGAÇÃO MORAL A partir das teorias deontológicas (deón = dever), a obrigatoriedade de uma ação não depende exclusivamente das consequências da própria ação ou da norma com a qual se conforma. Os Códigos de Ética Profissional são deontológicos, prescrevendo condutas que devem ser seguidas. Há princípios de conduta que antecedem o próprio código, devendo as normas ser aplicadas de acordo com estes, e, na ausência de excludente de ilicitude, o que vale é a norma. Por outro lado, de acordo com as teorias teleológicas (télos = fim), a obrigatoriedade de uma ação deriva unicamente de suas consequências. • O bom é a felicidade. • Aristóteles: exercício da razão (sob condições concretas). • Sócrates: "boa vida" (trabalho, amigos, contemplação). • Iluminismo: felicidade no plano abstrato e ideal. EUDAIMONISMO • O bom é o prazer, como sentimento ou estado afetivo agradável (o oposto de "desprazer") e como sensação agradável produzida por estímulos (o oposto de "dor"). • Todo prazer ou gozo é intrinsecamente bom. • A bondade de um ato ou experiência depende do prazer que o contém. HEDONISMO • O bom é a boa vontade. • O bom deve ser algo absoluto, incondicionado, sem restrições. • Deve-se atuar de acordo com o dever e pelo dever. • Há perigos pelo não questionamento de ordens, agindo apenas pelo que se entende como dever, como ocorreu no nazismo. Não são valorizados componentes externos à conduta, nem seus resultados. FORMALISMO KANTIANO • O bom é o útil. • A utilidade se dá para o maior número de homens (altruísmo ético X egoísmo ético). • A utilidade consiste naquilo que tem boas consequências, independentemente do motivo ou da intenção. • Utilidade pluralista: o bom não é uma só coisa, mas várias, que podem, ao mesmo tempo, ser consideradas como boas. • O critério de distribuição das vacinas do Coronavírus tem um ideal do utilitarismo. UTILITARISMO 8 FERNANDA MAGNI BERTHIER 1. 3. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO MORAL DE KOHLBERG A teoria geral dos sistemas concebe que toda unidade viva, por mais simples que seja, recebe e absorve informação do meio-ambiente, a processando e modificando para sua própria finalidade. Piaget, quanto ao processo de aprendizado, tem a ideia de que ele está relacionado à evolução de sistemas inatos e próprios e ao desenvolvimento neurológico, de forma que não se recebe tudo pronto de fora, mas se captam e processam informações, devolvidas na forma de interação ou artifícios. Há um sistema aberto todo o tempo, como uma base de concepção de livre arbítrio, pois a vida não é passiva frente ao ambiente, mas o modifica para seus próprios fins. 1. 3. 1. ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO NÍVEL ESTÁGIO ORIENTAÇÃO SOCIAL CARACTERIZAÇÃO DA ORIENTAÇÃO SOCIAL PRÉ- CONVENCIONAL 1 Obediência e punição - Ponto de vista egocêntrico. - “Não-eu”: não distingue entre o seu eu e o ambiente. - Não reconhece que os outros tenham interesses próprios 2 Individualismo, instrumentalismo e troca - “Eu”: as minhas necessidades, o meu ego. - Nós satisfazemos as nossas necessidades, e os outros que façam o mesmo. - Distinção entre os seus interesses e os dos outros. CONVENCIONAL 3 “Bom rapaz”/ “linda menina” - Orientação para a integração e para agradar aos outros. -Conformidade com estereótipos sociais, 4 Lei e Ordem - Orientação para o respeito da ordem e da autoridade e para o que a sociedade espera de nós. PÓS- CONVENCIONAL 5 Contrato Social - Compreensão da reciprocidade. - Respeito pelos contratos entre pessoas e instituições. - Interesse genuíno pelo bem estar dos outros e pelo bem coletivo. - Consciência do maior bem para o maior número (coletividade, democracia). 6 Consciência de princípios - Princípios éticos eternos e universais. - Justiça, dignidade humana. -Os princípios universais estão acima da lei. 9 FERNANDA MAGNI BERTHIER Kohlberg diz que o desenvolvimento moral parte de algo que não é uma tábula rasa, então existe um princípio moral regente nessa estrutura organizada biológica que é a criança, desde o momento em que ela nasce. Trabalha-se com a ideia de 6 estágios, distribuídos em 3 níveis, estando os 4 primeiros níveis associados diretamente ao desenvolvimento biológico da criança. • Nível pré-convencional: Do ponto de vista biológico, a criança é um ser extremamente vulnerável, egoísta e egocêntrico, dependente do cuidado de terceiros para a sua sobrevivência. Nessa etapa, a relação estabelecida pela criança com o meio e com os outros se baseia em uma individualidade exacerbada (egocentrismo), e a punição estabelece o limite de interação com o ambiente por esse ser. No estágio inicial, pelo primeiro e segundo ano de vida da criança, ela estabelece a relação com o mundo entre “o que é ela” e “o que não é ela”, não reconhecendo que os outros tenham interesses próprios – a progressão no reconhecimento depende de uma maturidade psicológica e também neurológica. A característica pré-convencional, anterior a qualquer acordo ou convenção social,é que a criança se regre basicamente pelas suas necessidades e pelas trocas. Em última instância, a competitividade é uma expressão pré- convencional, primária e infantil das necessidades de um indivíduo frente às dos outros. A diferença marcante entre o primeiro e o segundo estágios envolve a concepção que a criança desenvolve de que existe ela e que existem os outros, também com seus interesses. Nesse ponto, contudo, ainda não é reconhecida a legitimidade dos interesses alheios, devendo os seus prevalecerem. • Nível convencional: Na medida em que a criança chega ao final da primeira infância, entrando na adolescência, percebe-se como parte de uma comunidade (família, irmãos, creche, escola, amigos, vizinhança), havendo a necessidade de inclusão e de agrado ao grupo. A criança quer agradar aos outros porque percebe que os outros também têm interesses, que esses interesses devem ser disputados, e que, fazendo isso em grupo, há chances melhores, pois a solidariedade permite que ela chegue a acordos melhores. Não adianta nada o menino ser dono da bola se não tem com quem jogar: é preciso negociar a bola para jogar com alguém. A satisfação lúdica só pode vir se se for capaz de abrir mão do interesse egoísta. É preciso estabelecer com o outro a regra da reciprocidade, aumentando as chances de sobrevivência e sucesso. Quando o indivíduo ingressa em uma nova fase, ele passa a ser colocado sob a autoridade externa, fora do âmbito de suas relações mais próximas. Passando da etapa de querer agradar para a etapa de respeitar a ordem e a autoridade, essa autoridade é abstrata (sociedade, Estado, líder comunitário), não mais a autoridade concreta dos pais proibindo certos comportamentos. 10 FERNANDA MAGNI BERTHIER É preciso que, para o quarto estágio, o indivíduo seja capaz de reconhecer uma abstração e reconhecer que essa abstração tem poder e capacidade para regular a vida, devendo a regulação ser admitida porque é a única maneira de obter o que se deseja da convivência social. Esse período é tão marcante, do ponto de vista histórico e social, que várias culturas têm ritos de passagem para eles, como bar mitzvah, baile de debutantes, entre outros. • Nível pós- convencional: A maior parte das pessoas se situa no estágio 4, orientado para respeitar a lei e desejando que os demais façam o mesmo. É o caso do motorista que anda, no limite da velocidade de 80 km/h, na pista da esquerda, e não deixa que os demais o ultrapassem, para que seja seguida a lei. O mesmo se verifica na intolerância religiosa, tomando por base a existência de uma lei que deve ser aderida por todos. Por fim, apenas uma pequena parte dos indivíduos passa para o nível pós-convencional, requerendo um alto nível de abstração. 1. 3. 2. PROGRESSÃO Kohlberg considera que a progressão se dá de forma ordenada e sequencial, relacionada ao processo natural de envelhecimento, de forma que os indivíduos só conseguem progredir para estados de elevado desenvolvimento moral se tiverem passado, um a um, pelos estados intermediários, não sendo possível realizar “saltos”. Como regra geral, há um evolucionismo, eminentemente progressivo. Cada indivíduo só é capaz de compreender o estado moral imediatamente acima daquele em que se encontra, e a transição de um estado para outro superior é auxiliada pela colocação de dilemas morais que demonstram as insuficiências do estado atual e a pertinência do estado seguinte. Tal como outros reputados cientistas do desenvolvimento humano, Kohlberg entende que o desenvolvimento moral se constrói primordialmente através da interação social – uma interação social rica em dilemas morais contribui muito para o desenvolvimento moral. Tem-se ideia de uma estrutura organizacional única para raciocinar no terreno moral. Alguns autores trabalham isso como um esquema mental único que responde pelo conjunto das soluções encontradas para os dilemas. Assim, só é possível progredir a partir da modificação do esquema mental. 1. 3. 3. APRENDIZADO E SOFRIMENTO O aprendizado é a modificação, mais ou menos estável, de padrões de conduta – entendendo como conduta todas as modificações do ser humano, seja qual for a área em que aparecem. Pode haver aprendizado mesmo que não se tenha uma formulação intelectual, assim como pode haver uma mera captação intelectual (como uma fórmula), mas ficar tudo reduzido a isso – caso no qual se produzirá uma dissociação no aprendizado, resultado habitual dos procedimentos atualmente utilizados. 11 FERNANDA MAGNI BERTHIER Diferentemente do processo de aprendizado e conhecimento, o processo moral passa por outros plano. Enquanto, para uma criança, no processo de aprendizado, a obtenção de novos conhecimentos pode ser fundamental para que ela realize o que precisa realizar; no plano moral, isso não é uma necessidade. Enquanto o sofrimento da criança, no processo de aprendizado, ocorre pela não obtenção daquilo que ela deseja, como uma frustração; no plano moral, é possível achar soluções e dormir com elas, por mais que elas sejam insuficientes, não havendo sofrimento. Se não há dilemas e sofrimentos, não há motivação para modificar o esquema mental, porque isso exige um esforço. Tem-se a ideia, verificável em todas as religiões, de que o livre arbítrio e a escolha produzem sofrimento, e que o estado de ignorância é o estado de felicidade. O estado do conhecimento, que leva a dilemas, é o estado do sofrimento e do desprazer. Alguns autores dizem que os transtornos de personalidade são também transtornos de aprendizado, do processo de mudar e mudar a si mesmo, porque o aprendizado não é apenas a acumulação do conhecimento, mas o seu uso para modificar a perspectiva que se tem da vida, a perspectiva moral e existencial. A simples estereotipagem ou bloqueio de aprendizado é, por si só, um distúrbio de conduta (neurótico ou psicótico). 1. 3. 4. FUNÇÃO DO DILEMA MORAL Conforme Zimmerman: “todo indivíduo em geral enfrenta duas alternativas diante da dor ocasionada pelas múltiplas formas de frustrações: ou ele foge da dor com alguma tática evitativa e evasiva, ou ele experimente sensações dolorosas, tira um aprendizado com a experiência e isso o capacita a fazer transformações e modificações dos fatos frustradores”. A função do dilema moral, do qual fala Kohlberg ,é produzir uma frustração, a ser resolvida de uma de duas maneiras: 1) experimentando a frustração, buscando como superá-la e encontrar um novo estágio de equilíbrio até que outra frustração surja; ou 2) evitando a frustração de alguma forma. Assim, como fenômeno, a frustração é motor do processo de aprendizado. 1. 4. RESUMO Pode-se falar de uma fonte complexa de moralidade, de uma moralidade inata ou de uma regra darwiniana que leva à necessidade de colaboração social. Algo existe, que nasce conosco e está relacionado com, no mínimo, uma necessidade de autopreservação, e as chances de sobrevivência aumentam quando há uma colaboração entre os indivíduos. Ninguém estará seguro enquanto todos não estiverem seguros – no caso da pandemia, por exemplo, mesmo que se esteja vacinado, há a chance de nova contaminação enquanto existirem outras pessoas que ainda transmitirem o vírus. 12 FERNANDA MAGNI BERTHIER 2. ESTILOS PARENTAIS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL Uma das características do ser humano ao nascer é a sua extrema vulnerabilidade, por dependência absoluta, sendo ele incapaz de sobreviver sem o cuidado alheio. O primeiro núcleo temporal e espacial é o núcleo familiar, havendo o afeto e a empatia como ferramentas de sobrevivência: é graças ao vínculo afetivo criado entre pais e filhos que nasce a necessidade de proteção da criança, sem a expectativa imediata de retorno. Em sociedades nas quais as necessidades de sobrevivência material são colocadas em primeiro plano, esse vínculo afetivo fica subordinado à essa necessidade, tal como acontecia, naGrécia Antiga, com as crianças malformadas, e acontece até hoje em algumas comunidades – no nosso meio, supostamente isso foi superado. 2. 1. ESTILOS PARENTAIS DE BAUMRID 2. 1. 1. MODELO INICIAL Baumrind, psicóloga norte-americana, constrói uma teoria da influência parental, modificada ao longo do tempo por outras contribuições, e testada, mostrando os efeitos dos modelos na formação das crianças. Inicialmente, em 1966, o modelo era dicotômico: • Modelam, controlam e avaliam o comportamento da criança de acordo com regras de conduta estabelecidas e normalmente absolutam. • A métrica é externa, cabendo a conformidade. • Estimam a obediência como uma virtude e são a favor de medidas punitivas para lidar com aspectos da criança que entram em conflito com o que eles pensam ser certo. PAIS AUTORITÁRIOS • Tentam se comportar de maneira não punitiva e recepctiva diante dos desejos e das ações das crianças. • Apresentam-se para a criança como um recurso para a realização de seus desejos e não como um modelo ou um agente responsável por moldar ou direcionar seu comportamento. • A métrica é a própria criança, e o entorno deve se conformar a ela. • Ideia de que as crianças devem ser livres para o seu desenvolvimento, cabendo aos pais atender às suas necessidades previamente estabelecidas. PAIS PERMISSIVOS 13 FERNANDA MAGNI BERTHIER 2. 1. 2. PRÁTICAS E ESTILOS Começa então a surgir uma diferenciação entre as práticas parentais e os estilos parentais. O estilo seria o conjunto das atitudes dos pais, que criam uma clima emocional em que se expressam os comportamentos dos pais, incluindo as práticas parentais e outros aspectos da interação que possuem um objetivo definido, como o tom de voz, a linguagem corporal, o descuido e as mudanças de humor – não são apenas a prática, mas o contexto em que ela se dá. Já a prática corresponderia às estratégias adotadas com o objetivo de suprimir comportamentos considerados inadequados, ou incentivar a ocorrência de comportamentos considerados adequados. Em um estilo, é possível ter, associadas, práticas mais autoritárias, menos autoritárias, mais permissivas, ou eventualmente negligentes, todas elas juntas – é o conjunto das práticas, e não uma ou outra prática isolada que constitui o estilo. 2. 1. 3. MODELO EVOLUÍDO Há 2 variáveis determinantes nos estilos parentais e nos resultados, que são a exigência (quanto se exige) e a responsividade (quanto se dá em troca). ESTILO RESPONSIVIDADE EXIGÊNCIA RESUMO AUTORITÁRIO NÃO SIM As exigências estritas deles estão em desequilíbrio com a aceitação das exigências dos filhos, dos quais se espera que inibam seus pedidos e demandas, sem valorização do diálogo e da autonomia. INDULGENTE SIM NÃO Pais afetivos, comunicativos, receptivos e com uma grande tolerância para que a criança monitore seu próprio comportamento, sem regras ou limites. AUTORITATIVO SIM SIM Os filhos devem responder às exigências dos pais, mas estes também aceitam a responsabilidade de responderem, o quanto possível, aos pontos de vista e razoáveis exigências dos filhos. NEGLIGENTE NÃO NÃO Tendem a se orientar pela esquiva das inconveniências, o que os faz responder a pedidos imediatos das crianças apenas de forma a findá-los. Também pode ser usada a violência para conter a criança, tendência à abusividade. 14 FERNANDA MAGNI BERTHIER • Estilo parental negligente X negligência abusiva: Baumrind separa o estilo parental negligente da negligência abusiva. Mesmo no estilo parental negligente, em que há um padrão que pode culminar em violência, os pais negligentes, de certa forma, atendem às necessidades básicas da criança, mas não estão dispostos a se envolver com seus papeis de pais a longo prazo, com o custo material e afetivo decorrente, de forma que os componentes do papel parental tendem a diminui cada mais, até restar uma mínima relação funcional entre pais e filhos. Na negligência abusiva, ou na negligência como mau trato, há, desde o não atendimento das necessidades básicas da criança (físicas, sociais, psicológicas e intelectuais), como também a violência abusiva e sistemática como parte deste vínculo. • Palmada: Baumrind entende que comportamentos específicos de pais, sobre bater ou não bater nos filhos, em si, não é a questão, porque se isso for um fato isolado, ou se der em um contexto específico, como único mecanismo de contenção e dentro de determinados limites, não seria um problema. Os pais não estão autorizados a bater nos filhos, mas importa analisar como isso se insere dentro de um conjunto específico – enfocar qualquer destes comportamentos isoladamente pode levar a uma interpretação errônea. 2. 1. 4. COMPOSIÇÃO DE ESTILO A teoria de Baumrind tem por ideia ser universal, não se restringindo às configurações tradicionais de família, embora algumas estruturas ofereçam dificuldades maiores ou menores. Menos importante do que o estilo individual é a composição dos estilos. Nas dinâmicas relacionais, pode haver um equilíbrio mais ou menos estático, a partir de padrões estáticos de cada um (exemplo: pai autoritário e mãe autoritativa formam relação em que “um exige e o outro dá”), ou podem ambos trocarem de papeis com determinada frequência, não sendo um “mal” e o outro “bom”, o que distribui o ônus afetivo de uma maneira dinâmica. No primeiro caso, em uma separação do casal, há a tendência de ser exacerbados os padrões do ponto de vista reativo, com a mãe autoritativo assumindo a posição mais permissiva, para ser a “boa” da relação, transformando o pai em “malvado” da relação. Já no segundo caso, há a tendência de manutenção do padrão, produzindo impactos menos negativos nos filhos. 15 FERNANDA MAGNI BERTHIER 2. 1. 5. ESTUDOS • Perspectiva dos filhos sobre o estilo dos pais: Em estudos, concluiu-se que, de acordo com a perspectiva dos filhos, a maioria dos pais está agindo de forma considerada inadequada (45,4% de pais negligentes; 10,1% de pais autoritários e 11,8% de pais indulgentes, totalizando 67,3% de pais não autoritativos). É provável também que alguns pais se sintam perdidos em relação ao que fazer na educação dos seus filhos, não sabendo como agir em determinadas circunstâncias; enquanto outros acreditam estar agindo certo por terem sido educados da mesma forma – aqui entra o modelo transgeracional, eis que o nosso modelo de parentalidade é o dos nossos avós, reproduzido por nossos pais e por nós (ou ainda o modelo diametralmente oposto), caso não aja uma análise crítica. • Pais autoritativos: Os filhos de pais autoritativos têm sido associados sempre a aspectos positivos como melhor desempenho nos estudos, uso de estratégias adaptativas (adaptação a mudanças de meios e circunstâncias, resiliência) e maior grau de otimismo. São vistos como socialmente e instrumentalmente mais competentes do que os filhos de pais não autoritativos. • Pais autoritários: Por sua vez, os filhos de mães autoritárias em geral apresentam comportamentos de externalização (agressão verbal ou física, mentira, destruição de objetos) e de internalização (retração social, depressão, ansiedade). Quanto aos filhos de pais autoritários, estes foram descritos como tendo tendência para um desempenho escolar moderado, sem problemas de comportamento, mas com pouca habilidade social, baixa auto-estima e alto índice de depressão. • Pais permissivos: Já os filhos de pais permissivos tendem a apresentar uso de tabaco e ácool com maior frequência, baixa capacidade de auto-regulação (autocontrole) e baixa habilidade de reação a conflitos. Os pais permissivos, atendendo as demandas dos filhos, não os ajudam a resolver seus conflitos, porque os filhos ficam acostumados a terem suas demandas atendidas e não se frustrarem, mas a frustração é fundamental para o aprendizado da negociação, que é fundamental para a interação social. Dividindoos pais permissivos entre indulgentes e negligentes, os resultados mais negativos aparecem com os filhos de pais negligentes, que possuem menor desempenho em todos os domínios, com baixo rendimento escolar, sintomas depressivos e baixa autoestima, além de desenvolvimento atrasado, problemas afetivos e comportamentais e maior índice de estresse – visto aqui como patologia e sofrimento, nascido da incapacidade de adaptação às demandas do meio. 16 FERNANDA MAGNI BERTHIER • Reprodução transgeracional: Além dos estilos parentais influenciaram em diversos aspectos dos filhos, podem estar determinando o estilo parental que os eles vão adotar no futuro, por meio de uma transmissão intergeracional de estilos parentais. Uma pesquisa recente encontrou correlação positiva entre o autoritarismo de avós e mães, ou seja, as filhas educadas por mães autoritárias tenderam a adotar esse mesmo estilo parental com seus próprios filhos; de outro lado, não raras vezes, há uma fuga à permissividade, como outro lado da mesma moeda. • Uso de drogas: Baumrind concluiu também que os estilos parentais influenciam a disposição da criança para se envolver em abuso de drogas e a precocidade deste envolvimento, havendo uma predominância em filhos de pais negligentes ou permissivos, que não raro iniciaram esse uso dentro de casa, com a anuência dos pais. De outro lado, não se pode ignorar o comportamento reativo, pela ideia de se rebelar contra as regras estabelecidas em casa. 3. AUTOMATISMOS COMPORTAMENTAIS 3. 1. REFLEXOS INATOS Somos dotados de reflexos inatos, que são respostas automáticas provocadas por estímulos, havendo uma relação direta, eis que um estímulo específico fornece uma resposta específica. Ainda, quando mais intenso o estímulo, maior a magnitude da resposta. Conforme a lei do limiar, o estímulo precisa atingir um limiar mínimo para atingir resposta. Socialmente, aprende-se a inibir reflexos para adequá-los às necessidades sociais, como o controle da vontade de urinar até que seja possível achar um banheiro próximo ou até o final de determinado evento. Esse processo de socialização requer amadurecimento social, na medida em que a criança é estimulada e incentivada a realizar o controle, bem como amadurecimento neurológico, para que esse controle seja possível. De acordo com a lei da latência, a resposta requer um determinado tempo, conforme o reflexo, para poder ser provocada novamente, como se houvesse uma saturação do sistema. A habituação pode ser produzida a partir da reiteração dos estímulos, havendo tolerância; ou então a potenciação, quando, mesmo com a redução do estímulo, mantém-se a resposta intensa. 17 FERNANDA MAGNI BERTHIER Seria possível emparelhar, em diversos níveis, alguns estímulos com algumas respostas, não só motoras, mas também emocionais, pelo “jeito de ser”. Determinados medos das crianças são criados na infância como uma resposta a determinados comportamentos dos pais, inclusive pela percepção de expressões faciais. O mesmo se observa em relação a hábitos alimentares, quando a criança verifica que os pais não gostam de determinado alimento e também não aceita prová-lo – é uma questão de sobrevivência. 3. 2. CONDICIONAMENTO OPERANTE Thorndike, em sua Lei dos Efeitos compreendeu que comportamentos que levam a um estado de satisfação são reforçados ou impressos (comportamento positivo), enquanto comportamentos que levam a um estado insatisfatório ou de mal-estar são enfraquecidos ou apagados (comportamentos negativos). Skinner, em particular, não está preocupado com os processos intermediários, mas com o controle do comportamento observável por meio das respostas dos indivíduos, entendendo quais estímulos geram quais resultados. Esses processos mantém relações funcionais entre as variáveis de input e de output que o compõe. Variáveis de input são estímulos, como eventos que afetam os sentidos do aprendiz, com reforços que aumentam a probabilidade da ocorrência de um ato que imediatamente o procedeu. Há contingências de reforços como arranjos de uma situação para o aprendiz na qual a ocorrência de reforço é tornada contingente à ocorrência imediatamente anterior de uma resposta a ser aprendida – ou seja, situação na qual ele precisa dar uma resposta na expectativa de uma recompensa. 18 FERNANDA MAGNI BERTHIER Variáveis de output são as respostas dos indivíduos, podendo ser respondentes (involuntárias), como é o caso dos reflexos, controlados por um estímulo precedente; ou operantes (voluntárias), compostas por tudo o que fazemos e que têm um efeito no mundo exterior, controladas por suas consequências. Para cada tipo de resposta, está associado um grau de condicionamento. As grandes críticas à lógica de Skinner são que ela coloca o homem como um organismo passivo governado por mecanismos externos; ignora os mecanismos internos da mente; e aplica ao comportamento humano princípios estudados experimentalmente com animais inferiores. O fato é que, ao longo dos últimos anos, mostrou-se que a sua teoria funciona. Entendendo as variáveis de contingência, os comportamentos humanos são eminentemente previsíveis. 3. 2. 1. ARTICULAÇÃO DE TEORIAS No epifenomenalismo, entende-se que, em algumas situações, os eventos físicos antecedem os eventos mentais, como se verifica pelo fato de que a transmissão do estímulo nervoso vem antes da dor, e o choro vem antes da lágrima. A partir disso, eventos mentais são vistos como completamente dependentes das funções físicas e, como tal, não têm existência independente ou eficácia causal: isso é mera aparência. Os estágios de desenvolvimento de Kohlberg sobrepõem-se à pirâmide de Pavlov, havendo uma ampla relação dos conceitos entre si: 19 FERNANDA MAGNI BERTHIER 5. MEMÓRIA – ESTRUTURA E PROCESSOS 5. 1. INTRODUÇÃO A memória é um processo complexo, que envolve a capacidade de codificação de elementos de informação, obtidos externa ou internamente. Podem-se mesclar elementos externos e internos, então uma memória pode vir a compor outras memórias. A interpretação da realidade só adquire sentido por comparação, ou seja, somente se sabe que um cachorro é um cachorro porque se viu um cachorro e alguém assim o nomeou, gravando essa informação na memória. 5. 2. PROCESSOS DE MEMÓRIA 5. 2. 1. ETAPAS A primeira etapa da memória é a recepção de informação, externa ou interna – essa recepção não é analógica: não se armazena a figura de um cachorro na memória, mas um código correspondente a um cachorro. Recebida a informação, ela é codificada, a fim de ser armazenada como código. A informação assim é deixada disponível, e, quando necessário o seu acesso, ela é recuperada e decodificada. Essas etapas são extremamente complexas e estão sujeitas a uma série de influências do meio, como a quantidade de informação que vai ser selecionada em um momento para ser percebida, conscientizada, codificada e armazenada. Por vezes, há a interpolação de outros elementos de informação, chamadas confabulações, o que é muito presente em crianças, que têm um conjunto pequeno de memórias e uma capacidade de decodificação mais limitada; e em idosos, o quanto mais comprometida ficar a recuperação de suas memórias, sobretudo de memórias recentes. CODIFICAÇÃO • Armazenamento da informação no cérebro RETENÇÃO • Manutenção da informação na memória RECUPERAÇÃO •Localização e utilização da informação armazenada 20 FERNANDA MAGNI BERTHIER 5. 2. 2. ARMAZENAMENTO NO CÉREBRO Durante muito tempo, trabalhou-se com a ideia de lugares específicos no cérebro responsáveis pela memória, identificados e mapeados, aonde se localizam tipos específicos de memória, motoras, sensitivas, entre outras. Pensando que tudo o que fazemos utiliza, em alguma medida, a memória, percebe-se que todo o corpo é a própria memória – existe,por exemplo, a memória muscular ao longo do corpo; e, no próprio cérebro, o conjunto dos tipos específicos de memória produz a capacidade global de codificar, armazenar e recuperar. 5. 3. IDENTIFICAÇÃO DA MEMÓRIA 5. 3. 1. MEMÓRIA COMO APRENDIZADO A memória se confunde, para alguns autores, com a própria noção de aprendizado, ou seja, mudança no comportamento resultante da experiência. A memória integra o processo de aprendizado porque modifica o comportamento, remetendo à discussão sobre Inteligência artificial, que envolve sistemas capazes de aprender a se automodificar, devido à capacidade de armazenar memória e recuperar informações. 5. 3. 2. MEMÓRIA COMO IDENTIDADE Se se aprende e muda com o processo de codificação, armazenamento e recuperação da informação a ser utilizado, se é, de certa medida, definido pelo aprendizado, pela experiência prévia e pelas memórias. É possível assim correlacionar a memória com várias coisas extremamente relevantes na vida humana. • Doença de Alzheimer: Na doença de Alzheimer, por exemplo, inicia-se com uma simples perda de memória em que o indivíduo não se recorda de algumas coisas e de algumas pessoas, não recuperando alguns eventos, especialmente os mais recentes, embora ainda recupera memórias mais antigas. Se é, assim, incapaz de aprender coisas novas, mas ainda se lembra do que aprendeu no passado. Logo depois, não se lembra também o que foi aprendido no passado. Seguem alterações de comportamento, porque, da memória, vem o aprendizado, e, do aprendizado, vem a construção da personalidade. Essas mudanças de comportamento também são a perda da memória da própria identidade. Às vezes acontecem casos de abuso sexual ou de tentativas de abuso sexual por idosos, porque se perde a capacidade de adequação social e de percepção de condutas como inadequadas. Aprofundada a perda de memória, o indivíduo esquece mesmo quem ele é. As doenças degenerativas que comprometem a memória mostram como ocorre o processo inverso, de perda de identidade a partir da perda de memória. Se eu não lembro quem sou, eu não sou. 21 FERNANDA MAGNI BERTHIER 5. 4. TIPOS DE MEMÓRIA 5. 4. 1. QUANTO AO TEMPO TIPO DE MEMÓRIA ORDEM ESPECIFICIDADES CURTÍSSIMO PRAZO Milissegundos Se apresentam geralmente com representação auditiva ou visual. CURTO PRAZO Minutos Pode se apresentar como memória operacional, tipo de memória de curto prazo que dá condição para a manipulação de informação de forma consciente, como a permanência da informação para o trabalho de decisão rápida. LONGO PRAZO Dias e meses São consolidadas dentro de uma janela de tempo e armazenadas nos córtices de associação de acordo com suas propriedades e modalidades. LONGUÍSSIMO PRAZO Indeterminada São informação que foram consolidadas e podem ficar armazenadas por praticamente toda a vida. As memórias de longo prazo são divididas entre explícitas e implícitas. Certos procedimentos, como andar de bicicleta e caminhar, são memórias procedimentais. A memória disposicional, por sua vez, leva a determinados comportamentos em determinados ambientes, e a perda desses condicionamentos faz com que o indivíduo perca a capacidade de se comportar adequadamente no meio social. 22 FERNANDA MAGNI BERTHIER 5. 4. 2. QUANTO AO CONTEÚDO CARACTERÍSTICAS EPISÓDICA SEMÂNTICA FONTE DE INFORMAÇÃO Sensorial Compreensão UNIDADES DE INFORMAÇÃO Acontecimentos Ideias e fatos ORGANIZAÇÃO Relacionada com o tempo Conceitual CONTEÚDO EMOCIONAL Mais importante Menos importante PROBABILIDADE DE ESQUECIMENTO Grande Pequena TEMPO NECESSÁRIO PARA RECORDAR Longo Curto TESTE Recordar episódios Conhecimento em geral UTILIDADE Menos útil Mais útil O processamento da memória se dá de forma semântica, acústica ou visual, sendo que a visual é a mais pobre de todas, a acústica é intermediária e a semântica é superior. É muito mais armazenado o sentido da experiência do que a experiência propriamente dita – por esse motivo, duas ou mais pessoas que vivenciaram o mesmo evento podem ter memórias diferentes sobre ele, o que não é apenas aceitável, mas também exigível, tendo em vista o funcionamento do cérebro humano. • Refere-se ao passado, sendo mais específica em termos de "onde" e "quando". • Atravessa o tempo e permite a continuidade da identidade individual e a evocação de fatos da história pessoal, como na memória autobiográfica. • Exemplo: relatos sobre um determinado acidente de automóvel. EPISÓDICA • É voltada para o presente e contém o acervo de fatos e informação sobre o mundo do indivíduo (linguagem, conhecimentos). • É muito duradoura e mais refratária a disfunções corticais. • Exemplo: explicação sobre acidentes de automóveis. SEMÂNTICA 23 FERNANDA MAGNI BERTHIER 5. 5. POSICIONAMENTO SERIAL No eixo y, há o percentual de recuperação da informação; e, no eixo x, o posicionamento serial dos dados armazenados, que podem ser palavras, fórmulas matemáticas, números. Há dois efeitos em recuperação de memória. 1) conforme o efeito primazia, se recorda melhor daquilo que se estudou primeiro, em taxa de recuperação de 20 a 50%; e, 2) conforme o efeito recenticidade, se recorda ainda melhor aquilo que se estudou mais recentemente, em taxa entre 50 a 100% de recuperação. Assim, não valeria a pena virar a noite estudando para uma prova, porque aquilo estudado no meio da noite não será recordado. O desempenho melhor na avaliação dependerá daquilo que for primeiro estudado, descansado e com bastante atenção; e no final, devido à recenticidade, que tem um período de meia-vida muito curto. Seria melhor então estudar um pouco, descansado, aproveitando um efeito primazia, e então dormir, para acordar 1 ou 2 horas imediatamente antes da prova e aproveitar mais tanto um efeito primazia como um efeito recenticidade – o efeito é o mesmo. 24 FERNANDA MAGNI BERTHIER 6. MASLOW E AS NECESSIDADES HUMANAS 6. 1. PRESSUPOSTOS Maslow tem como pressupostos que a natureza humana é basicamente boa e que o desenvolvimento humano normal envolve a realização dessa bondade inerente, havendo um desígnio pré-estabilização, cuja realização nos tornaria harmônicos com o meio em que vivemos, enquanto sua não realização causaria transtornos, então a psicopatologia resultaria da frustração da natureza essencial do ser humano. 6. 2. PIRÂMIDE DE MASLOW A pirâmide de Maslow hierarquiza as necessidades em uma escala ascendente, com o objetivo de compreender as motivações das pessoas. A relação entre os degraus não é absolutamente estática, havendo fluidez nessas necessidades. O indivíduo consegue enxergar a almejar um estágio acima do seu. As necessidades fisiológicas são as básicas, que separam a miséria da pobreza, representando as necessidades instintivas de sobrevivência, como a alimentação, o descanso e a proteção contra elementos naturais, como chuvas e tempestades. Satisfazendo as necessidades mais básicas, surgem necessidades de estabilidade e segurança no emprego e de proteção contra privações, perigos e ameaças – aqui, sobressai a sensação de segurança, pela percepção no entorno de garantias. Havendo a segurança, torna-se possível fazer planos para o futuro. 25 FERNANDA MAGNI BERTHIER A partir das necessidades sociais, passa-se de um plano material para um plano maior abstração, que pode ser tanto mais abstrata quanto melhores forem as condições. As necessidades sociais incluem as necessidades de participação, de dar e receber afeto, amizade e amor, surgindo após a satisfação das necessidades primárias. A não satisfação dessas necessidades pode levar à falta de adaptação social e à autoexclusão. Aqui, há um paralelo com Kohlberg à faixa etária da adolescência, quando se busca a aceitação social no meio. As necessidades de autoestima, por sua vez, correspondem às necessidades de respeito próprio, como autoconfiança,aprovação, consideração social, prestígio profissional, dependência e autonomia. Não satisfeitas essas necessidades, podem haver sentimentos de inferioridade e desânimo. Na medida em que o indivíduo supre as necessidades de autoestima, tem realizações mais elevadas e mais abstratas, em que começa a utilizar suas capacidades para obter satisfação, ao mesmo tempo em que obtém satisfação com o uso de suas capacidades, tratando das necessidades de auto-realização, que significa realizar o potencial de ser tudo o que o indivíduo é capaz de se tornar. O indivíduo inteligente que, supridas suas necessidades básicas, passa o poder divagar, satisfazendo-se ao fazer o que sabe e gosta. A necessidade de auto-realização, para Maslow, é a motivação primária de indivíduos saudáveis. Hannah Arendt, no âmbito da auto-realização, separa muito bem os conceitos de labor e trabalho. Labor é a tarefa que se precisa fazer para garantir o próprio sustento, enquanto o trabalho garante a satisfação com a produção de algo novo e bom em que se realiza. 6. 2. 1. PAVLOV VS MASLOW No plano mais inferior de Pavlov, onde está a memória biológica, os indivíduos com doenças capazes de alterar isso em um plano mais inicial, como um hipotireoidismo congênito grave, terão foco apenas em suas necessidades fisiológicas. Há também indivíduos que, por sua limitação neurofisiológica à aprendizagem simbólica e à abstração, irão aspirar no máximo as necessidades sociais, através do afeto. 26 FERNANDA MAGNI BERTHIER 7. FANTASIAS SEXUAIS E VIOLÊNCIA 7. 1. FANTASIA SEXUAL Os indivíduos têm fantasias sexuais centrais, cujo material está organizado em torno de temas básicos, assentados muito cedo na vida, correlacionando-se fortemente com as experiências sexuais da infância e da adolescência (não no sentido de experiências com outras pessoas). Essas fantasias podem se desenvolver, entre outras circunstâncias, em resposta a experiências sexuais traumáticas ou da exposição a ambientes sexualizados, associados a altos níveis de tensão emocional. A tensão emocional está relacionada à fixação de determinadas memórias; especificamente, das memórias desagradáveis e traumáticas, o que tem também uma função seletiva, de sobrevivência da espécie. A partir da associação entre um dado evento e um alto nível de tensão emocional, evita-se a ocorrência desse evento ao longo da vida. Esse evento vai sempre ser um gatilho dessa mesma tensão, que facilita a sua fixação na memória – se não na memória episódica, pelo menos na semântica. Um dos fenômenos identificados precocemente no ser humano envolvendo a atividade sexual é a masturbação, mesmo inconsciente, quando não feita com o intuito de obter prazer sexual. As fantasias sexuais são inicialmente fragmentadas e têm componentes que remetem a situações de prazer (usualmente sem conotação específica inicial, mas pode ser assim associado no futuro). Através da repetição, frequentemente associada à masturbação e/ou outras atividades sexualmente excitantes que levem ou possam levar ao orgasmo, imagens previamente incongruentes tornam-se condensadas em um script coerente, a partir de uma série de regras que preveem, interpretam, respondem e controlam um conjunto de cenas interpessoais que possuem significado para um determinado indivíduo. 7. 2. FANTASIA SEXUAL AGRESSIVA A partir de experiências específicas, em idade muito precoce, as fantasias podem se organizar em torno de scripts violentos, cujo componente interpessoal envolva alguma prática de violência, praticada, recebida ou ambas, o que pode se manifestar em um desejo de atuar tais pensamentos, tornando-os reais e concretos. O componente violento está presente, em alguma medida, em boa parte das fantasias infantis – é muito comum que crianças pratiquem atos violentos com um certo sadismo, o que faz parte do desenvolvimento do ser humano. O abuso na infância pode fortalecer esses elementos violentos, tornando-os ainda mais agressivos, colocando no indivíduo um foco dominante e controlador. Pesquisas indicam que mais de 70% dos abusadores sexuais têm uma história de abuso na infância; por outro lado, a maior parte dos abusados na infância não serão abusadores – isso predomina muito mais entre homens do que entre mulheres. 27 FERNANDA MAGNI BERTHIER A criança pode utilizar da fantasia para escapar da realidade, entrando em um mundo onde possuem mais controle sobre seus medos e atuam abusivamente sobre os outros, em vez de serem as vítimas: no mundo de fantasia, sua forma de lidar com a violência não é através da liberdade e da felicidade, mas da troca de papel com o abusador. O componente de virada é como a criança, em um primeiro momento, faz uso da fantasia para escapar da violência real. O desenvolvimento da fantasia sexual desviante, associada à sua resultante imagem mental, constitui a formação de um script agressivo. Na medida em que há componentes traumáticos, que começam a ganhar forma e constituir um verdadeiro script, esse script deixa de ser uma relação interpessoal com algum equilíbrio, para se tornar uma relação de dominação, controle e violência. 28 FERNANDA MAGNI BERTHIER 7. 3. MODELO TRIPARTITE DE FANTASIA SEXUAL NA AGRESSÃO SEXUAL 7. 3. 1. FUNÇÃO • Regulação do afeto e do humor: A função primária é a regulação do afeto e do humor, e, em segunda ordem, tem-se as funções de busca de sensações prazerosas para o indivíduo, a regulação de humor disfórico, a elevação do estado de humor ambivalente, ou a melhora de um estado positivo anterior. • Regulação da exercitação social: Outra função fundamental é a função primária de regulação da excitação social, em uma função básica de reprodução da espécie. Há a indução do estado de excitação sexual, precursora da masturbação, da atividade sexual consentida ou da agressão. O estupro, para o homem, requer a excitação sexual, porque, salvo na utilização de outros objetos, é necessária ereção, que requer excitação, que requer fantasia – o ato real e concretizado é a atuação de uma fantasia preexistente. A fantasia não é mera precursora, mas é adjuntiva, ou seja, permanece junto, mantendo a excitação durante a atividade, e o esgotamento da fantasia é também o esgotamento da atividade. O problema é que, ao longo da vida, o indivíduo passa a desenvolver tolerância, o que significa que há uma escalada, mais lenta ou mais rápida, na explicitude da fantasia ou no movimento do temário geral para um temário mais específico, que, no caso do indivíduo violento, será cada vez mais agressivo. É produzida uma mudança de padrão ao longo da vida, e a grande facilidade atual ao acesso da pornografia tem produzido uma escalada na explicitude da fantasia de forma muito precoce na vida dos indivíduos, com reflexos patológicos já muito precoces. Em homens, verificam-se as perspectivas envolvendo principalmente explicitude e elementos mais agressivos; enquanto, em mulheres, há, além da explicitude, uma corrida muito grande por cirurgias relacionadas aos órgãos sexuais. • Coping: Essa expressão significa “lidar com”, “adaptar-se”. Em segundo ordem, há o escapamento, através da fantasia, de uma situação imaginária, ou o controle de uma ameaça interna ou externa, real ou percebida. O problema é que a utilização da fantasia para lidar com estressores reais ou percebidos pode criar a legitimidade do conteúdo, e, na transposição para o mundo real, a mesma justificativa que legitima a fantasia pode vir a legitimar o ato. Pode haver o caminho inverso também, em que o escape do indivíduo para o mundo de fantasia impeça a vivência do comportamento após uma agressão. 29 FERNANDA MAGNI BERTHIER • Modelagem da experiência: É modelada a experiência real na medida em que ela começa a ganhar um contorno que permita, entre outras coisas, revivê-la, ou criar novas experiências, incorporando a experiênciaprévia com novas fantasias. Isso pode se dar como recall passivo, recall ativo ou re-atuação das experiências aberrantes do passado e produzidor um contorno das sensações emocionais e fisiológicas, tanto durante a masturbação como durante da atividade sexual consentida (prazer não vem da situação específica, mas da fantasia vivenciada). Em última instância, o prazer vem exclusivamente do que é elaborado na mente. Na perspectiva da auto-regulação, tende-se a evitar a agressão, ao menos até que as fantasias se tornem mais preparatórias, quando há um verdadeiro plano. 7. 3. 2. CONTEÚDO O conteúdo pode ser geral ou focado, tendendo do geral ao foco ao longo da vida. Esse foco faz com que a fantasia geral perca o seu caráter excitatório e o indivíduo perca a sua inibição, na medida em que começa a ficar mais a vontade em circunstâncias, ambientes e dentro da sua própria fantasia. Há vários conteúdos: demográfico (quem é o outro? Homem, mulher, adulto, criança, idoso?), comportamental (como se dá o comportamento do outro em relação ao fantasiante?), relacional (como se dá a relação entre os dois? É simétrica ou assimétrica?), situacional (em que ambientes ocorre? Fantasias de ambientes públicos e lugares de risco em ser encontrado por alguém) e auto- perceptivo. 7. 3. 3. PROPRIEDADES ESTRUTURAIS Há uma série de elementos envolvendo a origem da fantasia, como interna/imaginária, associada a abuso na infância, pornografia, experiências sexuais passadas, experiências modeladas e mídia. Além disso, tem-se o contexto, o gatilho, a modalidade perceptual, a clareza, a intensidade, a emoção, a ação, entre outros. Merece destaque ainda a exposição a imagens sexuais em idades precoces como influenciadora nos scripts sexuais. 7. 4. PERFIL TEMPORAL DA FANTASIA SEXUAL NA AGRESSÃO O conteúdo da fantasia sexual e seus componentes variam durante os diferentes estágios do processo de agressão. A fantasia não se resume aos estágios de pré-agressão, à pré-excitação e ao pré-ato sexual: ela está presente antes, durante e depois, moldando-se pela experiência vivida. Indivíduos com fantasias precoces (infância e primeiras experiências) geram agressões mais sádicas e predatórias. 30 FERNANDA MAGNI BERTHIER A primeira agressão produz uma cessação nas fantasias gerais e um estreitamento do foco da fantasia agressiva no componente comportamental, ou seja, do papel que o indivíduo coloca na situação. Iniciado o primeiro crime, há uma grande mudança no indivíduo. A fase pós-agressão cessa o comportamento ofensor, havendo uma redução significativa no seu nível de tensão, seja pela detecção do seu comportamento criminal, seja pela decisão consciente de se abster desse comportamento, até que os conteúdos re-emerjam em um processo contínuo de escalada – o mesmo acontece no contexto da violência doméstica. Ao longo do tempo, os intervalos entre cada agressão ficam cada vez mais curtos; e, eventualmente, a violência da agressão fica cada vez maior. 8. GENERAL STRAIN THEORY (GST) 8. 1. INTRODUÇÃO Strain pode ser traduzido como tensão, estresse, frustração, trauma, lesão ou excesso, sendo a teoria desenvolvida por Robert Agnew, unificando uma série de componentes, tendo como ideia central que o crime resulta das tensões, do stress e das frustrações a que os indivíduos se veem expostos, aumentando a probabilidade de ocorrência de um crime. Essa teoria é um desenvolvimento recente da Teoria de Merton, segundo a qual o crime resulta da incapacidade, real ou percebida, do indivíduo de atingir certos objetivos por vias legítimas. Há uma diferenciação entre a GST e outras teorias do controle social e do aprendizado social, em suas definições de tipos de relações sociais que levam à delinquência, bem como motivações para a delinquência. Há um enfoque nas relações negativas com os outros, no âmbito familiar, escolar, social e de amigos, enquanto fatores que resultam em frustração. A delinquência é resultado da pressão de estados negativos como a raiva e outras emoções negativas, como resultado de relações negativas. 8. 2. STRAIN COMO FRUSTRAÇÃO Encarando strain como frustração, esta é a falha em alcançar objetivos positivos válidos. Expectativas e aspirações realistas são difíceis de serem definidas: em princípio, é possível ser o que quiser, mas há limitações, como classe social, inteligência, atração física, habilidades, entre outras. As frustrações são baseadas na compreensão individual do que cada um considera justo e na comparação com o outro, e são importantes tanto para desenvolver resiliência, como para criar expectativas realistas sobre sua própria capacidade. São moldadas as aspirações, as expectativas e os sucessos reais desde muito cedo, como objetivos ideais, baseados no entendimento do que o indivíduo deveria poder ser capaz de ser. 31 FERNANDA MAGNI BERTHIER 8. 3. STRAIN COMO TENSÃO/ESTRESSE Na compreensão de Strain como tensão, estresse ou remoção de estímulos positivos válidos, tem-se a tentativa de impedir a perda do estímulo, a tentativa de substituir o estímulo e a vingança pela perda do estímulo positivo. São exemplos de tais tensões e estresses a rejeição pelos pais, a perda de um amigo próximo, a ausência de abrigo e a perda de emprego. No ponto de vista de Strain como tensão, estresse ou submissão a estímulos negativos, entram outras coisas, como a apresentação real ou antecipada de estímulos negativos ou lesivos (por exemplo, abuso sexual ou físico, negligência parental, violência doméstica, escola perigosa). Os estímulos lesivos podem promover agressões e outros resultados negativos, havendo um ciclo vicioso, em que um comportamento desviante aparece como sinal de uma disfunção que não está inicialmente na criança. Os jovens podem se engajar em comportamentos delinquentes como formas de escapar ou evitar estímulos negativos, encerrá-los ou buscar vingança contra eles. As tensões que conduzem ao crime são as mais internsas e mais injustas, associadas a baixo autocontrole, originando incentivo para o envolvimento no crime. O afeto negativo, especialmente a raiva, promove o desejo de corrigir a situação, tornando a delinquência uma opção possível. 8. 3. 1. CATEGORIAS DE TENSÕES/ESTRESSES • Eventos ou situações que a maioria das pessoas não gosta. • Podem haver avaliações diferentes, subjetivas, de uma tensão objetiva, por ressignificações, dependendo dos traços de personalidade, objetivos, valores e experiências de cada um. TENSÕES OBJETIVAS • Eventos ou condições que desagradam a uma pessoa em particular, mas não necessariamente aos demais. TENSÕES SUBJETIVAS EXPERIENCIADAS • Eventos ou situações vividos pelo próprio indivíduo VICARIANTES • Eventos ou situações vividos por alguém próximo ao indivíduo ANTECIPADAS • Eventos ou situações vividos pelo indivíduo, que considera que vão se manter ou que ainda serão experenciados. 32 FERNANDA MAGNI BERTHIER 8. 3. 2. TENSÕES/ESTRESSES QUE MAIS POTENCIALIZAM O COMPORTAMENTO CRIMINAL • Rejeição parental; • Supervisão/disciplina instável, excessiva ou severa; • Abuso de crianças ou negligência; • Experiências negativas na escola secundária; • Relações abusivas com pares; • Ter um “mau emprego”, que não traz satisfação e não paga as contas; • Desemprego crônico, relacionado à desqualificação do profissional; • Problemas conjugais; • Não conseguir alcançar certos objetivos; • Ter sido vítima de crime; • Residir em comunidades de baixo nível socioeconômico; • Não ter casa; • Sofrer discriminação baseada em características (raça, etnia, gênero). 8. 3. 3. OUTROS FATORES QUE INTERAGEM COM A TENSÃO GERAL NA PRODUÇÃO DO CRIME • Pouca competência de coping convencionais; • Pouco suporte convencional; • Associação com outros delinquentes; • Atitudes favoráveis ao crime; • Incapacidade para se envolver em atividades legais; • Custos do crime;• Disposições para o crime. 8. 3. 4. ASPECTOS DE TENSÕES/ESTRESSES Esses estresses potencializam o comportamento criminal em aspectos como a magnitude da situação de tensão (tamanho; intensidade; duração; frequência; afetação de valores, objetivos e necessidade; se é recente); a percepção do estresse como causa voluntária, intencional, perversa, injusta e desnecessária; o baixo nível do controle social; e a caracterização enquanto tipo de estresse que pressiona ou incentiva reações criminais. 33 FERNANDA MAGNI BERTHIER 8. 3. 5. PROCESSAMENTO DA INFLUÊNCIA O estresse leva a emoções negativas, as quais apressam uma ação corretiva, eis que os indivíduos se sentem mal e querem fazer alguma coisa quanto a isso. Há uma redução dos níveis de controle social e o favorecimento de aprendizagem de comportamentos criminais. Situações de tensão constante têm influência em traços de personalidade, como a impulsividade, a rejeição a normas sociais e a escolha pelo risco – crianças submetidas à tensão crônica têm maior tendência a escolher o risco, porque ficam “anestesiadas” e precisam de riscos mais altos para perceberem mudanças em seu estado de humor. Alguns indivíduos são menos capazes de lidar com as tensões de uma maneira socialmente aceitável, e, para certos indivíduos, as respostas criminais não trazem grande prejuízo, por não haver muita coisa a ser perdida. Assim, alguns indivíduos são mais inclinados para o crime do que outros, por fatores como controle de impulsos e agressividade. 8. 3. 6. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE É possível a redução das taxas de criminalidade através da redução da exposição dos indivíduos aos fatores de estresse, por mecanismos como justiça restaurativa, terapias cognitivas e treino de competências para a resolução de problemas. 9. IMPUTABILIDADE PENAL 9. 1. DEFINIÇÃO Como regra geral, o pressuposto da lei sobre culpabilidade é de que o indivíduo é responsável, sendo a sua conduta recriminável e reprovável até que haja prova em sentido contrário. Nesse sentido, estuda-se o potencial da consciência da ilicitude, abrangendo o erro de proibição; a exigibilidade de conduta diversa, compreendendo a obediência hierárquica e a coação irresistível; e a imputabilidade penal. A partir do caso de Daniel M’Naghten, julgado em 1843, pela House of Lords, é estabelecida a regra de M’Naghten, como definição de responsabilidade criminal. Sustenta-se que, “para estabelecer uma defesa com base em insanidade, deve ser claramente provado que, no momento da prática do ato, o acusado atuava sob tal defeito da razão, devido a uma doença mental que lhe impossibilitasse compreender a natureza e a qualidade do ato que estava praticando, ou, que, se o compreendesse, não soubera que era ilícito”. 34 FERNANDA MAGNI BERTHIER Essa regra é praticamente transcrita em vários ordenamentos, incluindo nosso Código Penal, no artigo 26, havendo diferenças quanto aos standarts probatórios. O artigo assim dispõe: “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. 9. 2. FATORES BIOLÓGICOS E PSICOLÓGICOS Esse sistema é chamado de biopsicológico, porque prevê a coexistência entre fatores de ordem biológica (como doença mental, desenvolvimento mental retardado ou desenvolvimento mental incompleto) com fatores de ordem psicológica (momento intelectual e momento volitivo). Não basta dizer que o indivíduo não consegue se controlar ou ter um controle volitivo se isso não for associado a fatores biológicos, e a recíproca é verdadeira: o simples fato de a pessoa ter uma doença mental não leva a uma exclusão automática da imputabilidade. A partir disso, tem-se a anormalidade psíquica. No aspecto biológico, há a doença em si, atestada por perícia psiquiátrica. O impacto disso, no ponto de vista psicológico, está no entendimento ou na autodeterminação – se o indivíduo não compreende a ilicitude do que está praticando ou compreende a coisa de forma diversa, não se pode falar em autodeterminação. A capacidade de entender compromete automaticamente a capacidade de autodeterminação, mas é possível que o indivíduo entenda, mas não consiga se autodeterminar. 9. 2. 1. DISCRIMINANTES • Alienações mentais/psicoses: presentes na esquizofrenia, no transtorno afetivo bipolar e nas intoxicações, situações em que o indivíduo vive dissociado da sociedade, evidente nos estados paranoicos. • Deteriorações mentais: demência, estado em que o indivíduo, tendo atingido o ápice de sua capacidade intelectual, passa a perde-la, o que é muito variável, dependendo do patamar de que se parte. Perda inicial de capacidades executivas, em que há a associação de inputs de diferentes ordem para atingir fins. • Perturbações da harmonia intrapsíquica: neuroses, incluindo transtorno obsessivo compulsivo, depressões e adicções. • Transtornos de personalidade, também denominados como perturbações do caráter: personalidades psicopáticas. • Desenvolvimento mental incompleto: o Silvícolas inadaptados: anteriormente, eram considerados como indivíduos com desenvolvimento mental incompleto, mas, atualmente, há uma análise caso a caso, confrontando os costumes da comunidade com a lei. o Surdos-murdos: é necessária a perícia para avaliação, porque há indivíduos com pleno desenvolvimento mental e indivíduos muito afetados, devido ao comprometimento na comunicação. 35 FERNANDA MAGNI BERTHIER • Desenvolvimento mental retardado: indivíduo com debilidades mentais (oligofrenia: gama de casos em que há um déficit de inteligência no ser humano). Idiotias, imbecilidades, debilidades, cretinices, mongolismo, microcefalia, macrocefalia. • Hipnose: alguns livros tratam da hipnose como espécie de doença mental transitória. 9. 2. 2. MENORIDADE Trata-se de critério biológico puro, não adentrando na discussão psicológica: todos os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente). Na exposição de motivos do Código Penal de 1940, justamente assim se dispunha: “o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social, na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal”. 9. 2. 3. EMOÇÃO E PAIXÃO O indivíduo sob violência emoção ou efeitos da paixão continua sendo penalmente imputável. No entanto, quando ele comete o crime sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima, há a possibilidade de redução da pena. 9. 2. 4. EMBRIAGUEZ A embriaguez, quando voluntária ou culposa, por álcool ou substância de efeitos análogos, não exclui a imputabilidade penal, tampouco reduz a pena. Ao contrário, apurando-se que a embriaguez se deu de forma preordenada para cometer o crime, há o aumento. • Viva excitação do sentimento • Passageira, efêmera, aguda • Ira, simpatia, empatia EMOÇÃO • Emoção em estado crônico • Profunda, monopolizante, duradoura • Amor, ódio, vingança, ciúme PAIXÃO 36 FERNANDA MAGNI BERTHIER A embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior (embriaguez forçada, erro em dosagem de remédio, etc), levaria à isenção de pena do agente; no entanto, para a maior parte das substâncias, a embriaguez completa levaria a um coma alcoólico ou estado psicótico. Ainda sobre a embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, se o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento, haveria a redução da pena. 9. 3. SEMI-IMPUTABILIDADE Para a semi-imputabilidade, há a hipótese de redução da
Compartilhar