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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento INTERVENÇÃO AO AUTISMO VIA ENSINO DE CUIDADORES Marilu Michelly Cruz de Borba Orientador: Romariz da Silva Barros Belém, Pará Abril, 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento INTERVENÇÃO AO AUTISMO VIA ENSINO DE CUIDADORES Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento como requisito para obtenção de título de Doutora. Orientador: Prof. Dr. Romariz da Silva Barros Belém, Pará Abril, 2014 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Romariz da Silva Barros ORIENTADOR Profa. Dra. Camila Graciella Santos Gomes MEMBRO Profa. Dra. Daniela de Souza Canovas MEMBRO Profa. Dra. Amira Consuelo Melo Figueiras MEMBRO Profa. Dra. Eleonora Arnaud Pereira Ferreira MEMBRO AUTORIZO a reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras, bem como a distribuição em formato eletrônico, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos. Assinatura: ____________________ Local e Data: __________ i Às crianças que participaram deste trabalho e me ensinaram uma nova forma de ver o mundo e de viver. ii “E fui andando, voltei ao zero Um recomeço é uma forma de se encontrar” iii Agradecimentos Ao Aécio, por me ensinar o que é amar, por me fazer acreditar no amor. Pela vida que construímos juntos. Por acreditar em mim e me mostrar que as vezes as decisões mais loucas são as mais sensatas. Obrigada por fazer tudo tão mais fácil. Que eu possa te fazer tão feliz quanto você me faz. Aos meus pais, que desde cedo me mostraram o valor da educação. E investiram o que tinham e o que não tinham, ao longo de toda uma vida, para que para que hoje eu completasse essa etapa. Ao meu irmão, pelo apoio nos momentos difíceis. À Ivy, pelo amor incondicional independente da distância. À minha segunda família, pela compreensão e suporte, mesmo à distância. Especialmente à minha sogra que me apoiou neste doutorado como a um filho dela, e Dona Mavi, que me enchia de felicidade ao contar para todo mundo que em breve haveria mais uma doutora na família. Aos pais das crianças atendidas neste trabalho, que me confiaram a vida de seus filhos. Obrigada pelo exemplo de amor e dedicação. O que vocês fizeram e fazem todos os dias não pode ser descrito. O compromisso de vocês são os pilares desta forma de intervenção. Desejo que esse exemplo de superação seja seguido por muitos e que de alguma forma eu tenha ajudado na vida de vocês. Às minhas crianças, que me motivam a ser uma pesquisadora e uma psicóloga melhor. Que eu possa de alguma forma ter contribuído não só para um presente, mas para um futuro de vocês. Às minhas amigas, Maíra, Gabi P., Gabi R. e Karol, por todos esses anos de amizade, pelas risadas em momentos tão precisos. Que a gente envelheça juntas e com graça, com muita graça. iv Aos amigos Aline, Delage e Felipe, que me apoiaram mesmo quando minhas decisões pareciam desprovidas de sanidade. Obrigada, pela amizade cada dia mais sólida e verdadeira. Adriana e Luiz, pela compreensão com a minha falta de tempo. Prometo que agora vai melhorar! À Lidianne, por ter me mostrado um porto quando eu estava vagando. Ao Romariz, por ter acreditado que eu seria capaz de realizar um doutorado em dois anos. Por ter me aceitado como orientanda com todas as consequências advindas disso. Por ter sido um exemplo de pesquisador, orientador e líder. Pelo respeito que teve comigo e com esse trabalho, me dando autonomia e suporte para executar as atividades. Aprendi muito sobre autismo e análise aplicada do comportamento, mas também sobre postura profissional, habilidade social e gerenciamento de equipe. Levarei esses ensinamentos sempre comigo. À professora Eleonora, com quem comecei a trabalhar no primeiro ano de faculdade e que me fez amar o mundo da pesquisa pela primeira vez. Ao Professor Carlos, pelo exemplo de compromisso profissional e por toda dedicação para construção de uma equipe qualificada. Aos meus meninos, que participaram de cada etapa deste trabalho e sem os quais este não existiria. Pelas horas dedicadas ao trabalho, leitura, coleta e tabulação de dados. Este pesquisa não é decorrente do trabalho de uma pessoa, mas sim deste grupo, que se superou para construção deste realidade. À todos os membros do APRENDE pelo companheirismo, apoio e dedicação na construção de um cenário diferente para o atendimento de crianças com autismo em Belém. À equipe do Projeto Caminhar e a ONG AMORA que confiaram no nosso trabalho, estabeleceram uma parceria e trabalharam lado a lado para construção deste trabalho. À minha amiga Andrea, pela amizade e suporte nos momentos mais difíceis, pelo apoio emocional e acadêmico. Pela atuação direta na capacitação da equipe de ensino de v cuidadores e pelos conselhos neste novo caminho. Sem a sua intervenção este trabalho não seria possível. À Paty-Carol e ao Adriano, os melhores parceiros de trabalho que eu poderia ter. Exemplos de que não basta amar o que se faz, é preciso ter dedicação acima da média. Obrigada, pelos sábados e domingos de trabalho e churrasco! É muito difícil iniciar novas amizades após uma certa idade, dessas que sentimos que irá durar uma vida , mas vocês dois são a prova de que não é impossível. Ao Aécio, o melhor marido-co-orientador que poderia existir! Obrigada, pelas horas de trabalho em conjunto, pelas revisões e consultorias. Por muitas (e muitas vezes!) deixar suas prioridades profissionais de lado para ajudar nas minhas. E por me ensinar a lidar com o fato de que sem falha crítica não se ganha XP. vi Borba, M. M. C. (2014). Intervenção ao autismo via cuidadores. Tese de Doutorado. Belém: Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. 138 páginas. Resumo O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um distúrbio do desenvolvimento de grande prevalência na população mundial. A intervenção analítico-comportamental ao autismo vem sendo apontada internacionalmente com uma das formas mais efetivas de atendimento, desde que individualizada, intensiva, precoce e extensiva. Nessas condições, embora altamente efetiva, a intervenção analítico-comportamental é inacessível à maioria da população afetada no Brasil. Neste sentido, intervenções via cuidadores podem constituir uma alternativa eficiente e viável. Entretanto, pesquisas sobre a efetividade dessas formas de intervenção indireta são escassas, especialmente no Brasil. O objetivo deste trabalho foi desenvolver um programa de intervenção via cuidadores e avaliar sua eficácia para ensino de habilidades básicas (sentar, esperar, toque aqui, atender ao nome, rastreamento visual, imitação com e sem objeto). Participaram seis crianças, com até seis anos, diagnosticadas com TEA e seus respectivos cuidadores. Os cuidadores passaram por ensino conceitual e prático e eram supervisionados semanalmente. Os programas eram aplicados prioritariamente por tentativa discreta. Os resultados mostraram efetividade da intervenção via cuidadores, com amplo sucesso dos programas para desenvolver os desempenhos básicos acima mencionados. Também foi documentada a manutenção e generalidade dos repertórios aprendidos.Adicionalmente, o presente trabalho de tese inclui outros dois componentes que constituem relatos de pesquisa básica sobre a aquisição de tatos e mandos, as quais foram conduzidas no contexto do atendimento via cuidadores cujo estabelecimento foi relatado no primeiro componente. A viabilidade desses estudos subsequentes mostra que o ambiente de um serviço bem estruturado de intervenção comportamental ao autismo é também profícuo para o desenvolvimento de pesquisa básica sobre variáveis de procedimento para aquisição de repertórios específicos. Palavras-chave: intervenção via cuidadores, tentativa discreta, autismo. vii Borba, M. M. C. (2014). Autism intervention via caretakers. Doctorate Dissertation. Belém: Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, 138 pages. Abstract Autism Spectrum Disorder is a developmental disorder highly prevalent in the world population. Behavior-Analytic Intervention to autism is being pointed internationally as one of the most effective ways of intervention, provided that it is individualized, intensive, early, and extensive. Under such conditions, although highly effective, Behavior-Analytic Intervention is inaccessible to most of the affected population in Brazil. Having said that, intervention via caretakers may result as an efficient and viable alternative. Nevertheless, research on the efficacy of such ways of indirect intervention are rare, particularly in Brazil. The purpose of the present work was to develop an intervention program via caretakers and evaluate its efficacy to teach basic skills (“sit down”, “wait”, “greeting”, “attend when called by name”, “visual tracking”, “imitation with and without objects”). Six children diagnosed with ASD (with ages up to six years old) participated together with their respective caretakers. The caretakers were given conceptual and practical teaching and were supervised one a week. The teaching programs were carried out mainly by discrete trial. The results show efficacy of the intervention via caretakers, with the teaching programs being well succeeded to develop the above mentioned basic repertoires. Also, this research documented maintenance and generality of the taught repertoire. Additionally, the present dissertation includes other two components that are reports of basic research on the acquisition of tacts and mands, carried out in the context of the caretaker-based intervention program reported in the first component. The viability of such subsequent studies shows that a well-designed environment to deliver behavior-analytic services is also adequate to the development of basic research on procedural variables implied in the acquisition of specific repertoires. Key-words: intervention via caretakers, discrete trial instruction, autism. viii Sumário APRESENTAÇÃO 1 INTRODUÇÃO 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA ............................................................................. 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA AO AUTISMO ....................................................... 6 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA AO AUTISMO VIA ENSINO DE CUIDADORES ........ 9 PRÉ-REQUISITOS ...................................................................................................................... 17 MÉTODO 19 PARTICIPANTES........................................................................................................................ 19 AMBIENTE ................................................................................................................................ 20 INSTRUMENTOS E MATERIAIS ................................................................................................. 20 TRIAGEM E CRITÉRIOS DE INCLUSÃO ..................................................................................... 21 PROCEDIMENTO DE ENSINO CONCEITUAL ............................................................................. 23 PROCEDIMENTO DE ENSINO APLICADO .................................................................................. 24 PROGRAMAS ............................................................................................................................. 26 FUNÇÃO DO RESPONSÁVEL E CORRESPONSÁVEL ................................................................... 27 TREINO DA EQUIPE .................................................................................................................. 27 PROCEDIMENTO DE ACOMPANHAMENTO/CONTROLE DA QUALIDADE ................................. 28 TESTE DE PREFERÊNCIA .......................................................................................................... 29 LINHA DE BASE ......................................................................................................................... 29 CORREÇÃO DE ERRO ............................................................................................................... 30 CONTROLE DA FREQUÊNCIA ................................................................................................... 30 ix RESULTADOS 31 ABLA ....................................................................................................................................... 33 INVENTÁRIO DE HABILIDADES ................................................................................................ 34 AVALIAÇÃO DOS PRÉ-REQUISITOS: COMPORTAMENTO COLABORATIVO, IMITAÇÃO, ATENÇÃO CONJUNTA, ATENÇÃO AO ESTÍMULO, CONTROLE INSTRUCIONAL. ............................................ 36 AVALIAÇÃO DOS COMPORTAMENTOS VERBAIS: ECOICO, MANDO, TATO, INTRAVERBAL. .......... 38 AVALIAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO E HABILIDADE MOTORA: DISCRIMINAÇÃO AUDITIVO-VISUAL, VISUAL-VISUAL POR IDENTIDADE, VISUAL-VISUAL ARBITRÁRIA, MOTORA FINA E AMPLA. ........ 40 RESULTADOS DOS PROGRAMAS .............................................................................................. 42 PROGRAMAS DE COLABORAÇÃO ............................................................................................... 42 PROGRAMAS DE ATENÇÃO ........................................................................................................ 49 PROGRAMAS DE IMITAÇÃO ........................................................................................................ 53 DISCUSSÃO 59 REFERÊNCIAS 73 ARTIGOS JÁ SUBMETIDOS 79 INTERVENÇÃO VIA CUIDADORES PARA O ENSINO DE MANDO E MANDO COM AUTOCLÍTICO EM CRIANÇAS COM DIAGNÓSTICO DE AUTISMO. ........................................................................... 79 INTERVENÇÃO VIA CUIDADORES PARA O ENSINO DE TATO COM AUTOCLÍTICO EM CRIANÇAS COM DIAGNÓSTICO DE AUTISMO. .......................................................................................... 104 ANEXOS xiv x Índice de Figuras Figura 1. Roteiro para ensino dos programas de ensino. 24 Figura 2. Nível ABLA apresentado pelas crianças nas três aplicações realizadas ao longo do estudo. 32 Figura 3. Percentagem de acertos no Inventário de Habilidades para: colaboração, imitação, atenção conjunta, atenção ao estímulo e controle instrucional 34 Figura 4. Percentagem de acertos no Inventário de Habilidades para: mando, tato, ecóico e Intraverbal 36 Figura 5. Percentagem de acertos no Inventário de Habilidades para: Discriminação Auditivo-Visual, Discriminação Visual-Visual por Identidade, Discriminação Visual-VisualArbitrária, Habilidade Motora Fina e Habilidade Motora Ampla 38 Figura 6. Percentagem de acerto para cada bloco de tentativas na aplicação do programa Sentar para os participantes Haroldo, Edgar, Vitor e Luna. 41 Figura 7. Percentagem de acerto no programa Esperar 43 Figura 8. Percentagem de Acerto no Programa Toque Aqui. 45 Figura 9. Percentagem de acerto do Programa Atender ao Nome 47 Figura 10. Resultado do Programa Rastreamento Visual 49 Figura 11. Percentagem de acerto no programa Imitação sem Objeto 52 Figura 12. Percentagem de acerto do programa Imitação com Objeto 54 xi Índice de Tabelas Tabela 1. Nome e idade das díades e intervenções realizadas por outros profissionais 19 Tabela 2. Cronograma de atividades das crianças 31 Tabela 3. CARS 34 1 Apresentação O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um distúrbio do desenvolvimento cujos prejuízos na interação social, linguagem e comunicação aparecem na primeira infância, durando na maioria das vezes por toda a vida. Paula, Ribeiro, Fombonne e Mercadante (2011) apontam uma prevalência de 1 a cada 368 crianças de 7 a 12 anos, porém esses dados são referentes a uma cidade do Brasil, havendo carências de estudos epidemiológicos nacionais. Já o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, aponta uma prevalência de 1 a cada 68 crianças de até 8 anos de idade. De acordo com o DSM–V (APA, 2013), TEA é caracterizado como uma deficiência persistente na comunicação e interação social, cujos sinais aparecem na primeira infância. O indivíduo apresenta déficits na reciprocidade emocional, na comunicação vocal e não-vocal, e no entendimento e manutenção de relações sociais em diferentes contextos. Outras características são os comportamentos restritos e repetitivos, estereotipias motoras e vocais, inflexibilidade de rotina e rituais, e interesse sensorial não usual. O transtorno pode ou não ser acompanhado de deficiência intelectual, atraso de linguagem, alteração sensorial e outros comprometimentos da saúde. A análise aplicada do comportamento, especialmente através da intervenção precoce e intensiva, vem se destacando, nas últimas décadas, como uma forma de intervenção ao autismo que pode levar a um considerável avanço no desenvolvimento das crianças, com algumas, atingindo um nível de funcionamento típico ou próximo do típico para a idade do indivíduo. Porém, sua maior efetividade a forma de intervenção precisa ser individualizada, precoce, intensiva e extensiva. Por essa razão ela pode ser onerosa e de difícil acesso a grande parte da população brasileira. Nesse sentido, alternativas como a intervenção via cuidadores, onde os pais aplicam os protocolos de intervenção, elaborados por profissionais experientes que supervisionam o atendimento, desponta como uma alternativa para a expansão da Análise 2 do Comportamento Aplicada, (ABA, na sigla em inglês Applied Behavior Analysis) ao maior número de famílias. No Brasil, são escassas as oportunidades de acesso a atendimento especializado ao autismo, não havendo serviço público avaliação da eficiência e qualidade desse serviço, tanto na área de saúde quanto na educação. É fundamental a pesquisa aplicada sobre características de modelos de intervenção adaptados à realidade brasileira, com acompanhamento de sua eficácia baseado na análise objetiva do desempenho das crianças atendidas, com realização de avaliação do repertório inicial e do repertório desenvolvido após a intervenção. O presente trabalho de tese inclui três estudos. O primeiro deles relata a implantação de um serviço aberto à comunidade, voltado para a intervenção analítico-comportamental ao autismo, no Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará. A implantação do serviço se constituiu como parte das atividades previstas no projeto de ensino, pesquisa e extensão intitulado Atendimento e Pesquisa sobre Aprendizagem e Desenvolvimento (APRENDE). Esse primeiro estudo inclui uma apresentação das bases de uma análise do comportamento aplicada, da sua aplicação ao autismo e da intervenção comportamental via cuidadores. Bem como avança ao detalhe dos procedimentos específicos da intervenção comportamental ao autismo aqui implementada, descrevendo e disponibilizando programas de ensino, além dos demais materiais de apoio desenvolvidos pela experiência de intervenção via cuidadores. Esses componentes se completam com a descrição objetiva dos resultados do trabalho de intervenção, acompanhada de sua discussão. Numa demonstração clara de que o ambiente de um serviço bem estruturado de intervenção comportamental ao autismo é também profícuo para o desenvolvimento de pesquisa básica sobre aspectos dos procedimentos para aquisição de repertórios específicos, os outros dois estudos do presente trabalho de tese se constituem de relatos de pesquisa dessa 3 natureza que foram conduzidas no contexto do atendimento via cuidadores cujo estabelecimento foi relatado no primeiro componente. Os artigos dos dois estudos posteriores são provenientes de uma fase mais avançada da implantação do serviço de atendimento: o primeiro é referente ao ensino de mando e mando com autoclítico e o segundo ao ensino de tato com autoclítico. Acredita-se que o relato de uma experiência como esta no Brasil possa inspirar iniciativas semelhantes e contribuir para o avanço do enfrentamento ao complexo quadro de dificuldades que se impõem à intervenção ao autismo no país e, em particular, na região norte. 4 Análise do Comportamento Aplicada A pesquisa em Análise do Comportamento envolve hoje três aspectos fundamentais: pesquisas teóricas e reflexivas; pesquisas básicas dos processos comportamentais e pesquisas aplicadas para a solução de demandas humanas (Malavazzi, Malerbi, Del Prette, Banaco, & Kovac, 2011). Além da pesquisa, destaca-se ainda a prática profissional com a prestação de serviços (Tourinho & Sério, 2010; Hawkis & Anderson, 2002). A pesquisa aplicada surgiu na década de 60 buscando um modelo que incorporasse ciência e prática. O equilíbrio entre esses dois objetivos permanece em constante discussão. Na pesquisa aplicada, o controle experimental é de extrema relevância, mas muitas vezes é mais difícil, uma vez que o local de coleta de dados é a própria sociedade (Baer, Wolf, & Risley, 1968). Enquanto isso, na prática analítico-comportamental, o compromisso é oferecer ajuda ao cliente (cf. Hawkis & Anderson, 2002). Para pesquisadores como Tourinho e Sério (2010), a análise aplicada seria um ponto intermediário entre a pesquisa básica e a prestação de serviço. Baer et al. (1968) definiram a ABA como um processo onde princípios da análise do comportamento são aplicados para a melhoria de um comportamento em específico, devendo as mudanças ocorrerem em função da aplicação desses princípios. Assim como na pesquisa básica, há uma busca pela identificação das variáveis que mantêm e controlam um determinado comportamento. Os autores apresentam sete princípios que deveriam nortear a ABA: ser aplicada, comportamental, analítica,tecnológica, conceitual, efetiva e permitir generalidade 1 . 1 O termo “generalização” vem sendo utilizado no contexto aplicado para referir (a) a manutenção do desempenho ensinado em novos contextos ou com diferentes aplicadores e (b) o surgimento de comportamento novo, como imitação generalizada, seguimento generalizado de instruções, emparelhamento generalizado por identidade etc. O termo “generalização”, contudo, tem definição diversa e já bem estabelecida em Análise do Comportamento, no contexto de controle de estímulos. Naquele contexto, o termo inclusive alude a fenômeno 5 Dizer que a pesquisa deve ser aplicada implica que a escolha do que será investigado é feita com base na importância desse assunto para a sociedade. Há grande relação entre o comportamento estudado, os estímulos envolvidos e o indivíduo que se comporta, e a ação do experimentador que observa o comportamento. Desta forma, é de extrema relevância a quantificação deste comportamento (o que significa ser comportamental). A perspectiva analítica implica que a análise de um comportamento deve deixar claro que variáveis estão envolvidas na ocorrência do problema em questão, e deve controlar, na medida do possível, essas variáveis através de um delineamento experimental apropriado (Baer et al., 1968). A técnica usada para modificação do comportamento precisa ser descrita de forma detalhada, sendo possível uma replicação (tecnológica), e também deve partir dos princípios básicos da análise do comportamento (conceitual). A dimensão efetiva diz respeito ao fato de que a intervenção precisa estar comprometida em efetivamente causar uma mudança esperada no comportamento. Por fim, o comportamento adquirido ou modificado deve mostrar generalidade, ou seja, ser mantido com o passar do tempo e em diferentes ambientes (Baer et al., 1968; Malavazzi et al., 2011). Em um artigo posterior, Baer, Wolf e Risley (1987) ampliaram e revisaram alguns desses conceitos. Os autores apontaram que a solução dos problemas sociais investigados na análise aplicada deve contribuir para a sobrevivência e prosperidade da sociedade. O método desenvolvido deve incluir a observação direta do comportamento e confiabilidade de um observador externo. Já as dimensões analítica e conceitual passam a serem vistas em conjunto, uma vez que não adianta modificar o comportamento utilizando métodos imprecisos e que não podem ser replicados. oposto ao apontado no item “a” acima. Por essa razão, as ocorrências descritas nos itens “a” e “b” acima serão aqui referidas como “refinamento de controle de estímulos” e “generalidade” respectivamente. 6 Além disso, em sua revisão sobre as dimensões da análise comportamental aplicada, os autores adicionaram ênfase ao sujeito que modifica o comportamento, e não apenas ao comportamento, e ao contexto em que esse comportamento ocorre e necessidade de manejo do mesmo. Os autores também discorreram sobre o delineamento experimental, enfatizando que um bom design é aquele que responde de modo convincente as perguntas de pesquisa em seu contexto, mesmo que nem sempre ele possa ser enquadrado facilmente nos conceitos já bem estabelecidos de design experimental. Em outras palavras, os autores destacam que o analista comportamental aplicado deve ser criativo para organizar o ambiente de forma a obter evidências convincentes do controle do comportamento sob interesse, independentemente de estar lançando mão de um design experimental classicamente bem definido. Baer et al. (1987) apontam ainda que, por mais que os resultados da análise aplicada do comportamento mostrem a generalizada dos resultados, não há um consenso ainda de que sistema levaria a maior generalidade, e se de fato há esse sistema. Sobre a efetividade da intervenção os autores discutem que não basta analisar a mudança de um comportamento, mas é necessário também analisar o impacto que essa mudança causou na vida do individuo. A observância dessas dimensões da análise comportamental aplicada tem sido uma forma de buscar o avanço com qualidade da disseminação da aplicação da análise do comportamento à intervenção a autismo. Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo Um importante trabalho da ABA voltada ao Autismo foi desenvolvido por Lovaas (1987). Participaram da pesquisa 19 crianças no grupo experimental, 40 crianças no grupo controle I e 21 crianças no grupo controle II. Cada criança do grupo experimental recebeu mais de 40 horas de intervenção direta por semana, via profissional. Além disso, os pais eram 7 parte da equipe de intervenção e recebiam um treinamento extensivo de como proceder com a criança em situações diárias. Já as crianças do grupo controle I receberam menos de 10 horas semanais de intervenção e não passavam por procedimentos com punição. O grupo controle II, que recebia a mesma intervenção do grupo controle I, fazia parte de outro projeto de pesquisa. A duração da intervenção foi de mais de 2 anos para os três grupos. Os resultados mostraram desenvolvimento significativo do grupo experimental, com 47% das crianças atingindo nível intelectual e educacional compatível com a idade, em contraste com apenas 2% dos grupos controle. Entre as críticas ao trabalho de Lovaas, está o uso de estimulação aversiva no ensino das crianças, a necessidade de uma grande equipe e aparato para a intervenção, além dos problemas de controle experimental, não havia participantes com autismo grave. O trabalho de Lovaas (1987) apontou três premissas para a aplicação da análise do comportamento ao autismo: a de que a intervenção deveria ser intensiva (entre 20 e 40 horas semanais), precoce (iniciado antes dos seis anos) e duradoura (durar no mínimo 2 anos). Esse modelo de intervenção ficou conhecido como Intervenção Comportamental Intensiva e Precoce (Early Intensive Behavioral Intervention, EIBI) (cf. Anderson, Avery, DiPietro, Edwards, & Cristian, 1987; Diggle, McConachie, & Randle 2005; McEachin, Smith, & Lovaas, 1993, Smith, Buch, & Gamby, 2000). Green (2011) aponta que a base do método EIBI está relacionada com: a intensidade do programa em horas; a intervenção direta com a criança por meio de um profissional treinado; a longa duração; o ensino de múltiplas habilidades; a divisão das habilidades ensinadas em pequenas unidades; a ênfase no reforçamento positivo; o uso de análise funcional para reduzir comportamentos-problema; a adaptação às necessidades individuais da criança e da família; o treinamento básico dos cuidadores para manutenção dos 8 comportamentos aprendidos; a preocupação com a generalidade da aprendizagem; a capacitação do profissional que emprega a terapia; e o início da intervenção antes dos 5 anos. McEachin et al. (1993) investigaram a manutenção dos repertórios aprendidos pelas crianças de Lovaas (1987) quando as crianças estava com aproximadamente 11 anos e 5 meses. Os autores avaliaram se as crianças com os melhores resultados em Lovaas (1987) continuavam sendo consideradas fora do espectro do autismo. Os resultados mostraram que as crianças do grupo experimental apresentavam QI de acordo com a sua idade, e superior ao grupo controle, além de apresentarem maior quantidade de comportamentos adaptativos. Já as crianças que haviam apresentado, na pesquisa de Lovaas (1987), desenvolvimento compatível com a idade, continuaram a apresentar neste estudo medidas de inteligência e funcionamento adaptativo dentro da média, além de padrão típico de emoções, habilidades sociais, com apenas um participante apresentando baixo nível nos testes clínicos e de personalidade e alguma dificuldade de comunicação. Eikeseth, et al. (2002) testaram a efetividade da EIBIbaseado na ABA. O grupo experimental foi composto de 35 crianças. A pesquisa foi realizada em contexto escolar, com parte da intervenção em uma sala separada e outra parte em contexto domiciliar (via cuidadores) por 10 horas por semana. Os programas eram aplicados por um facilitador e pelos cuidadores, ambos sem experiência prévia em terapia ABA. Os resultados mostraram melhoras significativas nas medidas comportamentais das crianças em relação ao grupo controle que também recebia 10 horas de intervenção, mas de uma intervenção eclética. Esses ganhos foram mantidos no follow-up. As melhoras obtidas através da EIBI afetam o resultado em testes de QI, habilidades acadêmicas e de vida diária, comunicação e interação social, com muitas crianças atingindo padrões compatíveis com o desenvolvimento típico. Além disso, há manutenção dessas http://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=/search%3Fq%3DEarly%2BIntensive%2BBehavioural%2BIntervention%2Bin%2BAutism%2BSpectrum%2BDisorders%2BOlive%2BHealy%2Band%2BSin%25C3%25A9ad%2BLydon%26biw%3D1366%26bih%3D705&rurl=translate.google.com.br&sl=en&u=http://www.intechopen.com/books/recent-advances-in-autism-spectrum-disorders-volume-i/early-intensive-behavioural-intervention-in-autism-spectrum-disorders&usg=ALkJrhgq4-GftGUTXSunGAH7FR93UipyJA#B18 9 melhoras a médio e longo prazo (Eikeseth et al., 2002; Jacobson, Mulick, & Green, 1998; Lovaas, 1987; McEachin, et al., 1993). Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo via Ensino de Cuidadores Apesar de ser uma intervenção comprovadamente eficaz nos casos de TEA, a ABA nos moldes de EIBI ainda é acessível apenas a uma pequena parcela da população brasileira. Smith, Buch, et al. (2000) apontaram que por ser one-to-one (com um cuidador para cada criança), essa intervenção é onerosa e com um número de profissionais capacitados inferior à demanda. Jacobson et al. (1998) estimaram o custo-benefício da EIBI na intervenção ao autismo e outros distúrbios do desenvolvimento e apontaram que, apesar de ser uma intervenção onerosa, ela levaria a uma economia a longo prazo. Algumas soluções para aumentar o número de famílias beneficiadas por essa intervenção estão sendo investigadas, como a intervenção em ambiente escolar (cf. Eikeseth, et al., 2002), a via ensino de cuidadores (cf. Lafasakis & Sturmey, 2007; Sheinkopf & Siegel, 1998; Weiss, 1999), e a intervenção conjunta de um estudante da psicologia (paraprofissional) e cuidadores com a intervenção sendo elaborada e acompanhada por um profissional habilitado (cf. Smith, Buch, et al., 2000). Diggle et al. (2005) e Steiner, Koegel, Koegel, e Ence (2012) apontaram que o ensino de cuidadores é essencial para o sucesso de uma intervenção ABA, estando presente constantemente nas intervenções realizadas via profissional e nas demais intervenções, como a escolar (cf. Anderson et al. 1987; Lovaas, 1987; Eikeseth, et al., 2002). Steiner et al. (2012) colocam que por estarem em interação com a criança a maior parte do tempo e em diferentes ambientes, os pais poderiam realizar uma intervenção mais intensiva e com amplo potencial de generalidade. Entretanto, pesquisas de intervenções realizadas exclusivamente via http://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=/search%3Fq%3DEarly%2BIntensive%2BBehavioural%2BIntervention%2Bin%2BAutism%2BSpectrum%2BDisorders%2BOlive%2BHealy%2Band%2BSin%25C3%25A9ad%2BLydon%26biw%3D1366%26bih%3D705&rurl=translate.google.com.br&sl=en&u=http://www.intechopen.com/books/recent-advances-in-autism-spectrum-disorders-volume-i/early-intensive-behavioural-intervention-in-autism-spectrum-disorders&usg=ALkJrhgq4-GftGUTXSunGAH7FR93UipyJA#B18 http://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=/search%3Fq%3DEarly%2BIntensive%2BBehavioural%2BIntervention%2Bin%2BAutism%2BSpectrum%2BDisorders%2BOlive%2BHealy%2Band%2BSin%25C3%25A9ad%2BLydon%26biw%3D1366%26bih%3D705&rurl=translate.google.com.br&sl=en&u=http://www.intechopen.com/books/recent-advances-in-autism-spectrum-disorders-volume-i/early-intensive-behavioural-intervention-in-autism-spectrum-disorders&usg=ALkJrhgq4-GftGUTXSunGAH7FR93UipyJA#B18 http://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=pt-BR&prev=/search%3Fq%3DEarly%2BIntensive%2BBehavioural%2BIntervention%2Bin%2BAutism%2BSpectrum%2BDisorders%2BOlive%2BHealy%2Band%2BSin%25C3%25A9ad%2BLydon%26biw%3D1366%26bih%3D705&rurl=translate.google.com.br&sl=en&u=http://www.intechopen.com/books/recent-advances-in-autism-spectrum-disorders-volume-i/early-intensive-behavioural-intervention-in-autism-spectrum-disorders&usg=ALkJrhgq4-GftGUTXSunGAH7FR93UipyJA#B18 10 cuidadores ainda estão em uma fase inicial, havendo resultados favoráveis e desfavoráveis, como será apresentado a seguir. Entre os estudos que apontam resultados não favoráveis, encontra-se a pesquisa de Smith, Buch, et al. (2000). Eles aplicaram o EIBI através de programas da UCLA, (University of California, Los Angeles), mas sem o uso de estimulação aversiva. A intervenção envolvia cuidadores e estudantes de psicologia. Participaram seis famílias e estudantes. Os pais e os estudantes realizaram seis workshops de um dia e mais seis treinamentos posteriores. O ensino dos cuidadores durava 26.2 horas por semana e era realizado através de tentativa discreta. Foram realizados: levantamento das habilidades aprendidas nos cinco primeiros meses, análise de follow-up após 2 ou 3 anos, levantamento da qualidade da intervenção e da impressão dos cuidadores. Cinco crianças aprenderam rapidamente as habilidades ensinadas (imitação vocal e não vocal, falar frases curtas, cooperar com pedidos de outros, brincar funcionalmente e habilidades de vida diária), mas apenas duas mantiveram essas habilidades no follow-up. Os pais relataram satisfação com a intervenção e aprenderam a aplicar os programas, mas não com a consistência de um profissional. Entretanto, os autores relataram não ter controle sobre a intervenção após os cinco primeiros meses, o que pode ter influenciado diretamente nos resultados no follow-up. Smith, Buch, et al. (2000) apontam ainda que entre os fatores que podem diminuir a efetividade da intervenção via cuidadores estão: demanda excessiva aos pais, que além de trabalhar, cuidar da casa, de outros irmãos e da criança com TEA, precisaria atuar diretamente na intervenção acompanhamento infrequente do consultor, pouca experiência do consultor e equipe com excesso de trabalho. Outra pesquisa cujos resultados não foram favoráveis ao ensino de cuidadores foi desenvolvida por Bibby et al. (2001). Estes autores investigaram a aplicação do modelo da 11 UCLA via cuidadores, através de tentativa discreta e ensino incidental. Os progressos das crianças foram medidos para avaliar a qualidade da intervenção. Participaram 66 crianças e seus cuidadores, supervisionados por um consultor. Os programas foram aplicados em média por 30.3 horas por semana. Os dados foram avaliados após três meses e depois após um ano de aplicação, com a constatação de que os ganhos não foram significativos. Entretanto, os autores não fornecem informações detalhadas sobre como foi realizado o ensino dos cuidadores ou acompanhamento da intervenção realizada pelos mesmos, mas relataram não ter controle da qualidade do atendimento dos pais e dos consultores. Vale ressaltar que o comportamento dos pais ou cuidadores é frequentemente o ambiente com o qual a criança interage, de modo que, em um programa de ensino parental, os pais são ensinados a modificar não apenas o comportamento da criança, mas também o deles próprios, visto que estes interferem diretamente nas crianças (Crockett, et al., 2007; Marinho, 2010). Matson, Mahan, e Matson (2009) apontam esta variável como uma das razões para o abandono a intervenção em programas de intervenção via cuidadores. Todavia, a maioria dos resultados são favoráveis a intervençãovia cuidadores. Steiner, et al. (2012) relatam que a intervenção via cuidadores é efetiva para reduzir comportamentos- problema, diminuir interesse restrito e repetitivo, aumentar a comunicação, atenção conjunta, hábitos de dormir, comportamentos de autoajuda e habilidades de vida diária em crianças com TEA. McConachie, MPhil, Diggle, e Psych (2005) fizeram um levantamento de pesquisas sobre intervenção via cuidadores que envolvessem: crianças de no máximo seis anos, com metodologias sistemáticas, grupos controle, medidas de desempenho das crianças e cuidadores, follow-up e uso de testes. Os resultados desta revisão mostram que ainda há poucos estudos comparativos com grupos de participantes passando por outras formas de intervenção e o número de participantes é em geral pequeno. Entretanto os resultados são 12 suficientes para se afirmar que a intervenção via cuidadores funciona e é eficiente em aumentar a comunicação social, com ganhos na linguagem e comportamento. Além disso, há aumento do conhecimento e habilidades dos cuidadores, redução de estresse e generalidade das habilidades aprendidas. Matson et al. (2009) também realizaram uma revisão abrangendo pesquisas com diferentes metodologias e participantes de diferentes faixas etárias. Os autores concluem que pais são habilitados para ensinar diversas habilidades, com resultados efetivos da aprendizagem da criança e ganhos na generalidade e manutenção. Porém, os autores apontam a necessidade de estudos longitudinais, para averiguar a manutenção dos ganhos a longo prazo. Entre as pesquisas com resultados favoráveis destaca-se o estudo de Sallows e Graupner (2005). Eles replicaram o modelo desenvolvido pela UCLA (Lovaas, 1987; McEachin et al., 1993), porém sem o uso de estimulação aversiva, com orçamento menor e procurando identificar que crianças seriam beneficiadas com esse tipo de intervenção. Participaram da pesquisa 13 crianças em um grupo de atendimento via profissional e 10 crianças em atendimento via cuidadores. O primeiro grupo recebeu cerca de 40 horas de intervenção por semana, entre seis e dez horas de supervisão em casa e uma hora por semana de supervisão com o autor do trabalho. Enquanto o segundo recebeu cerca de 32 horas de intervenção por semana (com exceção de uma família que escolheu receber 14 horas de intervenção), seis horas por mês de supervisão em casa, e uma supervisão com o autor do trabalho a cada dois meses. Os resultados mostraram dados similares aos da UCLA, com aumento significativo nos resultados dos testes de QI de 48% das crianças. Além disso, o grupo via cuidadores apresentou melhoras tão expressivas quanto o grupo de intervenção via profissional. Entre as 13 variáveis pré-intervenção que influenciaram nos resultados Sallows e Graupner (2005) apontaram os resultados nos testes de QI das crianças, habilidade de imitação, linguagem, atenção conjunta, idade precoce e menor severidade dos sinais. Weiss (1999) investigou a influência das primeiras aprendizagens da criança em seu desenvolvimento posterior em uma intervenção via cuidadores. Participaram da pesquisa 20 crianças, em idade precoce, recebendo 40 horas de atendimento em casa. O acompanhamento das famílias era realizado entre 4 a 6 semanas, e a intervenção durou dois anos. Os resultados mostraram que as crianças que aprenderam com mais rapidez no início do ensino tiveram os melhores resultados após dois anos de intervenção. Além disso, os dados corroboraram estudos anteriores sobre o impacto positivo de uma intervenção EIBI em crianças com autismo, mostrando essa possibilidade via ensino de cuidadores. Sheinkopf e Siegel (1998) investigaram a aplicação de uma intervenção ABA com os pressupostos de Lovaas (1987) em contexto familiar. Participaram 11 crianças no grupo experimental com intervenção em casa e 11 crianças no grupo controle com intervenção padrão na escola. O acompanhamento das crianças era realizado por telefone. Os resultados do teste de QI foram significativamente melhores para o grupo experimental, porém as melhoras nos sintomas foram modestas. Lafasakis e Sturmey (2007) investigaram os efeitos do ensino de instrução por tentativa discreta sobre a aprendizagem da aplicação dessa forma de ensino em três mães, sobre a generalidade para habilidades não ensinadas aos pais diretamente e sobre desenvolvimento da criança. Os resultados foram positivos para os três objetivos. Essa preocupação com a generalidade da aprendizagem proporcionada a pais e crianças aparece em diferentes pesquisas. Koegel, Glahn, e Nieminen (1978) analisaram qual procedimento (somente demonstração em vídeo ou leitura mais demonstração em vídeo) 14 levaria a maior generalidade para o ensino de novas habilidades, com os pais como terapeutas, e o efeito disso no desempenho da criança. Os resultados mostraram que os cuidadores aprenderam a realizar tentativa discreta somente com a demonstração de uma pessoa, mas a generalidade para novas habilidades só ocorreu no segundo modelo. Outro dado importante obtido pelos autores foi de que a melhora no desempenho estava diretamente relacionada à qualidade da aplicação por parte dos pais. Crockett, Fleming, Doepke, e Stevens (2007) investigaram os efeitos de um treino intensivo de cuidadores, utilizando instrução, demonstração, role-play e prática com feedback, na generalidade da aprendizagem de aplicação de tentativas discretas. Duas mães foram ensinadas a aplicar quatro programas. Os resultados mostraram um controle do treino sobre as respostas dos cuidadores, e extensão dessa aprendizagem para habilidades não treinadas. As crianças tiveram apenas pequenas melhoras, mas os pais só aplicaram entre 4 a 6 blocos de ensino, em um laboratório, portanto, esses dados não são conclusivos. Não há registro de estudos sobre a intervenção comportamental ao autismo via cuidadores na literatura nacional. A iniciativa mais antiga e duradoura de intervenção analítico-comportamental via cuidadores vinculada a uma universidade (e portanto com o potencial para desenvolvimento de pesquisas) no Brasil é o projeto CAIS-USP (Centro para o Autismo e Inclusão Social) mantido, há alguns anos, por meio de uma parceria entre o Programa Genoma e o Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo. Uma iniciativa de natureza semelhante (o Instituto LAHMIEI, Laboratório de Aprendizagem Humana, Multimídia Interativa e Ensino Informatizado) está sendo desenvolvida na Universidade de São Carlos (UFSCar) além do projeto APRENDE, na Universidade Federal do Pará, o qual sediou o presente trabalho de tese. É possível, portanto, que num futuro próximo, pesquisas sobre diferentes modalidades de intervenção 15 comportamental ao autismo no Brasil, incluído a intervenção via cuidadores, sejam publicadas. As iniciativas nesse sentido, contudo, ainda são modestas, considerando a demanda de um país populoso como o Brasil. Como observado nas pesquisas anteriormente mencionadas, um dos procedimentos mais comuns de intervenção ao autismo é realizado através do uso de tentativa discreta. A tentativa discreta é uma pequena unidade de ensino onde o aplicador apresenta um estímulo discriminativo, com ou sem dica, aguarda a resposta da criança por um tempo pré- determinado, e consequencia com reforço em caso de acerto ou realiza procedimento de correção desta resposta, em caso de erro (Fazzio, 2007). As tentativas são realizadas em blocos de ensino, que podem conter um diferente número de tentativas. Cada bloco é pré-determinado por um programa de ensino dividido em passos que vão de habilidades mais simples para habilidades mais complexas, com dicas sendo fornecidas e retiradas gradativamente. Os programas de ensino em conjunto irão formar o currículo de ensino (Taylor & McDonough, 1996). O ensino da aplicação de tentativa discreta é, na maioriadas vezes, realizado através de instruções orais ou por escrito, modelação (ao vivo ou por vídeo), role-play e prática com feedback, com vídeos sendo usados em alguns casos (Fazzio, 2007). De acordo com Smith (2001), a tentativa discreta deve aumentar as oportunidades de aprendizagem para criança e sua motivação para aprender. A tentativa discreta possui três vantagens: como cada tentativa é curta, esse procedimento leva a muitas oportunidades de ensino; o ensino one-to-one proporciona um maior conhecimento da criança; ela é mais fácil de ser identificada pela criança. A quantidade de horas de intervenção com tentativa discreta para que haja ganhos 16 significativos para as crianças é colocada pela maioria dos pesquisadores como variando entre 20 e 40 horas por semana, porém além de onerosa essa pode ser uma intervenção estressante para a família e para a criança. Alguns pesquisadores (cf. Smith, Douahoe, & Davis, 2000) argumentam que 10 horas seria o suficiente. Entretanto há necessidade de um maior número de pesquisas para conclusões definitivas. Fazzio (2007) conduziu dois experimentos para investigação de procedimentos para o treino de tentativa discreta. No Experimento I, participaram cinco estudantes, sendo treinados no ensino de três habilidades comparando o uso de um manual auto-instrutivo com o de feedback mais demonstração. Já o Experimento II replicou o Experimento I, com dois professores e três pais. Os resultados demonstraram eficácia dos dois procedimentos tanto para o ensino de estudantes quanto de professores e pais. Wightman et al. (2012) testou um pacote para o ensino de tentativa discreta (cf. Fazzio & Martin, 2011) que envolvia um manual auto-instrutivo, vídeo-modelação e prática. Os participantes eram 13 tutores novatos, a intervenção era realizada na casa da criança. O treino consistia na aprendizagem de três repertórios, apontar uma figura, realizar imitação e pareamento. O manual era composto de 65 páginas, a vídeo modelação era realizada em quatro etapas. O treino durou três horas e 56 min, e a aprendizagem do procedimento de tentativa discreta ocorreu de modo efetivo (com exceção de um participante). Esse procedimento traz uma alternativa econômica, uma vez que não há necessidade de feedback, demonstração ou modelagem. Entretanto, algumas questões não ficaram claras, como o papel da parte prática na aprendizagem, visto que apenas quatro participantes seguiram as instruções nesta etapa. Além da tentativa discreta, outro procedimento de ensino comum aos pais é o ensino 17 incidental, onde o ensino é realizado através de oportunidades diárias, de modo menos estruturado, porém mais contextualizado. Smith (2001) apresenta o ensino incidental como um dos procedimentos de ensino que podem ser realizados em conjunto com a tentativa discreta para aumentar a generalidade da aprendizagem de repertórios pela criança para outros ambientes, promovendo oportunidades para ela colocar em prática as habilidades aprendidas na tentativa discreta. Pré-requisitos O ensino de crianças com autismo através da intervenção ABA é baseado na individualização da intervenção. Assim, cada criança inicia os programas de ensino de acordo com suas características e necessidades. Entretanto, currículos padrões podem servir de guia neste processo, estabelecendo pré-requisitos que devem ser alcançados antes que habilidades mais complexas sejam ensinadas (Taylor & McDonough, 1996). Fazzio (2007) aponta que os currículos ABA, com intervenção intensiva, podem incluir habilidades de cooperação, atenção conjunta e atenção ao estímulo, linguagem, habilidade motora fina e ampla, habilidades de cuidado diário, repertório pré-acadêmico e acadêmico, de lazer e socialização. Taylor e McDonough (1996), por sua vez, indicam como programas pré-requisito: atender ao nome, sentar, de linguagem receptiva (seguir uma instrução), de imitação, de linguagem expressiva (apontar um objeto desejado) e de pareamento. Smith (2001) coloca a aprendizagem da imitação como essencial, uma vez que ela permite a aprendizagem por observação. Toth, Munson, Meltzoff, e Dawson (2006) investigaram a influência da atenção conjunta, imitação, e brincar no desenvolvimento da linguagem e comunicação. Seis crianças em idade pré-escolar participaram da pesquisa. Os resultados indicaram que atenção conjunta, 18 quando iniciada pela criança, e imitação estavam mais relacionadas às habilidades de linguagem. Os estudos até aqui apresentados permitem apontar que as formas de intervenção ao autismo são complexas, intensivas e demandam considerável investimento. A literatura científica sobre o tema é predominantemente internacional. Há pouca pesquisa sistemática voltada para adaptação de modelos de atendimento à realidade brasileira e para a análise de sua eficácia. Com o avanço na capacitação de profissionais para o diagnóstico, o número de crianças diagnosticadas com autismo vem aumentando. É possível prever que haverá grande dificuldade de dar à população brasileira amplo acesso à intervenção eficaz, segundo o modelo EIBI descrito por Lovaas (1987). Pelas características já mencionadas acima, o modelo original requereria maciço investimento governamental para ser aplicado via profissionais de forma ampla no Brasil. Isso é verdade em especial observando-se que tanto o sistema educacional quanto o sistema de saúde brasileiros não estão preparados para tal demanda. Steiner et al. (2012) apontam que é escasso o número de trabalhos que indicam como conduzir uma intervenção via cuidadores e que não é claro como deve ser realizado um ensino de cuidadores de modo a trazer resultados positivos para as crianças e os pais. Considerando essa necessidade e a escassez de pesquisas na realidade brasileira sobre formas de intervenção ao autismo via cuidadores com acompanhamento de sua eficácia baseado em evidências obtidas de forma objetiva em medidas do desempenho das crianças submetidas à intervenção, o presente estudo descreve a implantação de um serviço de atendimento analítico-comportamental de intervenção ao autismo via cuidadores. O objetivo deste trabalho foi avaliar, dentro do modelo ABA, (sem intervenção EIBI) a intervenção via cuidadores, e a eficácia da execução de um conjunto de programas de ensino para desenvolvimento de repertórios comportamentais (dentro da área acima descrita como pré- 19 requisito) em crianças diagnosticadas com autismo. Para isso, foi realizado o ensino conceitual e prático junto aos cuidadores para aplicação de programas pré-requisitos, seguindo os princípios da EIBI, sob orientação constante de um profissional. Método Participantes Participaram do estudo seis crianças, quatro meninos e duas meninas, com diagnóstico de TEA, e seus respectivos cuidadores (ver Tabela 1). Todos os cuidadores eram pais biológicos das crianças e haviam concluído pelo menos o Ensino Médio. Nenhum dos pais havia participado de qualquer programa de ensino de manejo de comportamentos ou aplicação de intervenção ABA com crianças com autismo. Grupo 1. O primeiro grupo foi formado com cinco cuidadores. Destes, apenas três vieram às reuniões de capacitação teórica. Uma mãe abandonou o grupo no meio do ensino conceitual. Outra mãe, apesar de passar por todo o procedimento, não entrou na pesquisa em função de sua criança apresentar outras síndromes associadas ao autismo. Permaneceram desse primeiro grupo apenas Haroldo e sua mãe Heloísa 2 . Grupo 2. O Grupo 2 começou quatro meses após o primeiro grupo, sendo constituído por cinco cuidadores e cinco crianças que permaneceram até o final desta pesquisa. Destes, a família de Edna e Edgar era moradora do município de Salinópolis, localizado a 220 km de Belém. Os demais eram moradores da região metropolitana de Belém. 2 Todos os nomesde crianças e cuidadores são fictícios. Para facilitar a leitura, o nome dos cuidadores sempre começa com a mesma letra do nome dado à criança. 20 TABELA 1. Nome e idade das díades e intervenções realizadas por outros profissionais Criança Repertórios Vocais de Entrada Cuidador(es) Intervenções por outros profissionais Vítor, 5 anos Ecoico (pouco), Mando (um), Tato (pouco) Vitória, 43 anos _________ Haroldo, 4 anos Ecoico, Mando (gesto) Heloísa, 26 anos Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional Edgar, 4 anos Sem repertório Edna, 33 anos __________ Cláudio, 4 anos Ecoico, Mando (poucos), Tato (poucos). Cláudia, 36 anos Camilo, 31 anos Fonoaudiologia Luna, 6 anos Sem repertório Lúcia, 42 anos Lucas 46 anos Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional Jéssica, 4 anos Sem repertório Júlia, 28 anos _________ Ambiente Além da coleta de dados realizada pelos cuidadores pelo menos quatro vezes por semana no ambiente residencial, com duração média de 2 horas, era realizada uma vez por semana uma sessão de coleta de dados nas instalações do projeto APRENDE, na Universidade Federal do Pará, com duração de média de 2 horas. A sala de atendimento na universidade continha cinco mesas e 16 cadeiras infantis, dois armários e brinquedos dentro dos armários (Anexo 1). Instrumentos e Materiais Foram utilizados os seguintes materiais: Câmera de vídeo; Brinquedos e comestíveis; Computadores com Microsoft Excel para tabulação. 21 Teste ABLA, Assesment of Basic Learning Abilities (DeWiele & Martin, 1998); PPVT, Peabody Picture Vocabulary Test (Dunn & Dunn, 1997); CARS, Childhood Autism Rating Scale (Tabela 3) Inventário de Habilidades (Anexo 2); Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 3) Cartilhas para ensino teórico dos cuidadores (Anexo 4) Currículo dos pré-requisitos (Anexo 5); Folha de registros (Anexo 6); Checklist do Responsável e Co-responsável (Anexo 7); Critérios para Desligamento (Anexo 8); Critérios para Premiação (Anexo 9); Roteiro para Entrevista de Anamnese (Anexo 10); Definição dos Procedimentos de Ajuda (Anexo 11). Os programas utilizados foram elaborados pela equipe do APRENDE responsável pelo atendimento via profissional, sendo realizadas apenas algumas adaptações de linguagem para a melhor compreensão dos cuidadores. Os programas eram elaborados seguindo passos com diversos níveis e tipos de ajuda, seguindo as orientações as definições do procedimento de ajuda do APRENDE (Anexo 11). Triagem e Critérios de Inclusão O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA, conforme o parecer no. 175.303 de 14/12/2012, em consonância com a Resolução 196/96 do CNS/MS. 22 Os participantes foram encaminhados ao APRENDE através do Hospital Bettina Ferro de Souza, que já realizava uma triagem de acordo com os critérios de inclusão, que eram os seguintes: crianças de até seis anos, sem histórico de comportamento autolesivo grave, como bater repetidamente partes do corpo causando lesões físicas, e cuidadores com escolaridade mínima de nível médio e disponibilidade de tempo de: duas tardes durante o ensino conceitual e uma tarde durante o ensino aplicado, e de 2 horas para aplicação em casa, cinco vezes por semana.. Primeiramente foi realizada uma reunião com vários cuidadores onde foi apresentando o projeto, seus objetivos e método de ensino; foram identificadas as expectativas dos cuidadores e esclarecido quais seriam trabalhadas; foi apresentado o papel que os cuidadores teriam no ensino da criança. Aqueles que desejaram participar firmaram um Termo de Consentimento livre e esclarecido (Anexo 3). Em seguida, esses cuidadores passaram por uma anamnese para confirmação dos critérios (Anexo 10). As crianças selecionadas foram encaminhadas para um processo de adaptação as instalações e a equipe de pesquisadores, com duração de duas sessões, onde a equipe brincava com a criança, identificando possíveis reforçadores e realizando o processo de pairing. Em uma terceira sessão foi realizada a avaliação onde era aplicado o teste ABLA, um teste que aponta se a criança é capaz de realizar a habilidades de: imitação motora, discriminação de posição, discriminação visual, escolha de acordo com o modelo e discriminação condicional auditivo-visual, prevendo a partir de então a execução dessas atividades em situações naturais. Um inventário de Habilidades desenvolvido localmente e inspirado na avaliação de desempenho referente a algumas das habilidades previstas no ABLLS (Assessment of Basic Language and Learning Skills) (Anexo 2). 23 Procedimento de Ensino Conceitual Os cuidadores passaram por ensino conceitual dos princípios da Análise do Comportamento. O ensino feito através de encontros realizados duas vezes por semana por cerca de 4 horas, totalizando aproximadamente 32 horas. O método de ensino utilizado foi baseado em Keller (1999). Cada pai recebia uma cartilha para leitura individual, com o assunto que seria abordado e algumas atividades ao final (Anexo 4). Após a leitura individual, um monitor (aluno de mestrado ou da graduação da psicologia) orientava o cuidador, solucionava dúvidas, realizava perguntas e corrigia os exercícios. Quando todos apresentavam domínio do conteúdo presente na cartilha, sendo capazes de formular exemplos com os conceitos ensinados, o grupo abria para discussão. A pesquisadora então realizava uma apresentação dos conceitos estudados e, apresentava vídeos ilustrando esses conceitos, para que os cuidadores realizassem análise das situações. Os temas abordados nos encontros foram: (1) caracterização do autismo; (2) analisando o comportamento: resposta, evento antecedente e evento consequente; (3) fortalecimento do comportamento; (4) enfraquecimento do comportamento; (5) revisão; (6) controle discriminativo e generalidade; (7) comportamento verbal; (8) programas de ensino. Após aproximadamente nove meses do início do projeto, foi realizado mais um encontro, com respectivo material didático, para discutir comportamentos-problema, como birra, estereotipia e interesse restrito. Para este encontro foram convidadas todas as pessoas 24 que de uma forma ou de outra faziam parte do dia-a-dia da criança, como tios, irmãos e avós. Em todos os encontros, foram servidos lanches, como sugerido por Marinho (2010). No decorrer do projeto, foram realizadas reuniões individualizadas com as família do Vítor, Haroldo, Cláudio, Edgar para tratar de situações familiares que estavam interferir no desempenho da criança. Além disso, todas as dúvidas dos pais eram retiradas, sendo constantes as orientações sobre como proceder para aumentar a independência, atividades de vida diária e interação com outras crianças. Procedimento de Ensino Aplicado O ensino dos programas foi realizado seguindo o esquema da Figura 1. Os cuidadores deveriam aprender a: realizar o teste de preferência; aplicar os programas; registrar as respostas; avaliar os resultados; modificar o passo de acordo com o critério. O feedback era imediato e enfatizava o comportamento adequado. 25 Figura 2. Roteiro para ensino dos programas de ensino. Os cuidadores só avançavam de passo na medida em que apresentavam um bom desempenho nas fases de ensino, descrevendo com precisão e aplicando adequadamente os programas. Não foi estabelecido um critério preciso do que seria considerado bom desempenho, como uma quantidade determinada de tentativa discreta realizada corretamente. Apesar de a habilidade de analisar os dados ser necessária neste momento, possivelmente a ausência de um critério preciso de aquisição desta habilidade determinou que houvesse falha neste ensino, como os dados mostrarão. Os cuidadores mostraram constantemente falhas aotentar analisar os dados produzidos por eles em casa com o objetivo de tomar decisão sobre avanço, manutenção ou recuo de passo no programa de ensino. Por essa razão, após Tentativa do cuidador com a criança, com registro dos dados. Ao final, o cuidador analisava os dados registrados e avaliava o Passo. Tentativa do cuidador com a criança, sem registro dos dados. Ao final, o cuidador analisava os dados registrados pelo monitor e avaliava o Passo. Demonstração do monitor com a criança. Neste momento, o cuidador ficava responsável pelo registro dos dados. Role-playing entre o cuidador e um monitor. Onde o cuidador aplicava e registava os programas e ao final os dados obtidos eram contabilizados e analisados. Demonstração da aplicação através de dois monitores. Neste momento, os cuidadores eram incentivados a descrever o procedimento que estava sendo executado. Demonstração através de vídeos. Entrega dos Programas para leitura e solução de dúvidas. 26 aproximadamente um mês de coleta, um novo ensino de como analisar os dados e modificar os passos foi realizado, havendo melhora para alguns cuidadores. Os cuidadores foram ensinados primeiramente a aplicar os programas sentar, esperar e toque aqui. Na medida em que a criança avançava nos programas e os cuidadores demonstravam maior precisão nas tentativas discretas, foram ensinados os demais programas: imitação com e sem objeto, atender ao nome, rastreamento visual e atenção ao estímulo. A princípio, os novos programas eram ensinados durante os dias de supervisão de atendimento. Porém, na medida em que os programas aumentaram de complexidade, percebeu-se a necessidade de realizar este ensino em outro dia e sem a presença da criança, realizando o ensino através dos passos descritos na Figura 2, com um dia para ensino só do cuidador e outro com a criança. Programas Inicialmente era realizada a medida de linha de base das diversas habilidades pré- requisito para embasar a definição sobre que programas as crianças já dominavam e quais seriam necessários realizar o ensino. Os procedimentos específicos de cada programa são detalhados com a apresentação dos programas na íntegra no Anexo 5. Os programas seguiam um procedimento de ensino de modo que, ao final do ensino, as habilidades das crianças pudessem atender aos critérios de Taylor e McDonough (1996) de serem demonstradas mediante instrução dos cuidadores, sem ajuda, com todos os componentes, em diferentes contextos, com diferentes pessoas e vários estímulos. 27 Função do Responsável e Corresponsável Cada família era assistida por dois pesquisadores, um responsável pelo caso e um corresponsável. O primeiro organizava o material da criança, realizava a supervisão dos cuidadores, analisando os dados aplicados, fornecendo feedback aos cuidadores durante a aplicação no APRENDE, orientando sobre os procedimentos em casa e tabulando os dados. O corresponsável realizava o teste de preferência e linha de base da criança, realizava as filmagens, organização dos vídeos no computador e organização do material da sessão. Ambos possuíam um check-list com as funções que cada um deveria executar para um controle e desempenho mais preciso. O check-list foi desenvolvido no decorrer do projeto, com base nas dúvidas e dificuldades que a equipe apresentava para realizar a intervenção, e possibilitava a auto-observação do responsável e corresponsável de caso (Anexo 7). Treino da Equipe Os responsáveis e corresponsáveis de caso eram estudantes do curso de graduação e pós-graduação de Psicologia, com experiência em ABA e que haviam passado por seis a dez meses de treinamento, em um programa de atendimento via profissional. Todos os responsáveis deveriam dominar os passos do programa e procedimento de análise de dados. Foram realizados (aproximadamente cinco) treinamentos em grupo com duração de três a quatro horas cada, para o treino prático de aplicação dos programas. Nesses treinamentos, os programas foram discutidos e as dúvidas sanadas. Após esse momento, foi realizado role-playing dos programas com duas pessoas fazendo papeis da criança e do aplicador e uma terceira fazendo o papel do responsável, analisando e dando feedback. Os papéis eram invertidos no decorrer do tempo, de modo que todos passavam por todas as etapas. As sessões eram filmadas em caso de necessidade de um estudo posterior. 28 Uma psicóloga clínica e estudante de doutorado com experiência na clínica com crianças com autismo, supervisionava os treinamentos. Além disso, foram realizadas reuniões semanais para discussão dos casos entre os membros da pesquisa e reuniões semanais para discussão de literatura, porém nem todos os membros participaram das reuniões de literatura. Procedimento de Acompanhamento/Controle da Qualidade O acompanhamento era semanal nas instalações do APRENDE. Neste momento, os cuidadores entregavam as folhas de registro dos programas aplicados em casa para avaliação e feedback. Com base nos resultados, era definido que passo do programa a criança realizaria no laboratório. As crianças ficavam com o monitor auxiliar, que aplicava o teste de preferência e realizava linha de base, caso fosse necessário. Os dados dos programas que a criança estava realizando em casa eram coletados na presença do responsável pelo caso e do monitor auxiliar. Este era um momento importante para verificar a confiabilidade dos resultados trazidos da coleta em casa, uma vez que diferenças significativas e sistemáticas entre os dados obtidos no laboratório e dados obtidos em casa poderiam indicar alguma inconsistência na coleta de dados. Além disso essas ocasiões eram importantes para o acompanhamento do desempenho dos cuidadores e da criança. Os pais recebiam feedback imediato durante a aplicação. Após a coleta de dados, o auxiliar ficava com a criança enquanto o responsável ia analisar os dados junto com o cuidador e definir que passo ele realizaria em casa, com base nos dados que haviam sido obtidos no laboratório. As sessões do laboratório eram filmadas para solucionar possíveis dúvidas posteriores quanto aos dados. As filmagens também eram usadas para análise dos experimentadores e tomadas de decisões sobre a correta aplicação dos programas, necessidade de orientações 29 adicionais aos cuidadores ou análise funcional de algum comportamentos-problema que estivesse ocorrendo. Teste de Preferência Antes de iniciar a sessão, era realizado pelo auxiliar um teste de preferência através do Multiple Stimulus Without Replacement, MSWO (Carr, Nicholson, & Higbee, 2000; DeLeon & Iwata, 1996). Neste teste, cinco itens (brinquedos ou comestíveis) eram apresentados ao mesmo tempo em uma mesa, e a criança era instruída a escolher um. Ao primeiro brinquedo escolhido, era atribuído o valor “1” na folha de registro. A criança interagia por cerca de 10 segundos com o brinquedo. Após esse período, o brinquedo era retirado e era solicitado que a criança escolhesse outro brinquedo. Ao segundo brinquedo, era atribuído o valor “2” na folha de registro. Isso era repetido até que restasse apenas um brinquedo. Todos os cinco itens eram então reapresentados, reiniciando o procedimento por mais duas vezes. Ao final, os valores numéricos atribuídos a cada brinquedo ao longo do teste eram somados e os brinquedos com menor valor numérico eram os mais preferidos. Os três brinquedos preferidos eram usados durante a sessão como reforçadores. Caso a criança demonstrasse interesse por outro item que não havia sido selecionado para o programa, este era imediatamente inserido na tentativa discreta. Linha de Base A linha de base foi realizada de forma decrescente, começando do passo mais avançado do programa e retrocedendo caso a criança não mostrasse o desempenho previsto para aquele passo. As respostas corretas não eram reforçadas ou corrigidas. Após aproximadamentetrês ou cinco tentativas, pedia-se uma resposta alternativa de um repertório que a criança já dominasse e reforçava-se, com o objetivo de manter o engajamento da criança 30 na tarefa. Foram realizadas cinco tentativas de cada passo. O passo selecionado para início do ensino era aquele onde a criança apresentava no mínimo quatro acertos. Caso a criança chegasse ao Passo 2 sem apresentar o repertório, o programa era automaticamente iniciado do Passo 1. Não era realizada linha de base do Passo 1 para não expor a criança a possíveis erros sem necessidade. Correção de Erro A resposta era considerada errada caso a criança não respondesse dentro do tempo estipulado ou apresentasse resposta diferente daquela definida como resposta correta. Nesse caso, era aplicado um procedimento de correção de erro: Se a criança não emitisse a resposta ou emitisse uma resposta diferente da definida como correta, o cuidador retirava os estímulos que havia disponibilizado no campo visual da criança e olhava para o lado por 5 segundos. Após esse tempo, ele apresentava o estímulo novamente e iniciava uma tentativa do Passo 1, com ajuda completa, e esperava a resposta da criança. Respostas corretas em tentativas de correção não eram reforçadas. Ao invés disso, como consequência para acertos em tentativas de correção, se iniciava uma nova tentativa com o item sendo mais uma vez apresentado para criança e com nível de ajuda previsto no passo corrente. Se a criança errasse por três vezes consecutivas, para manter o engajamento da criança, o aplicador solicitava uma resposta já bem estabelecida no repertório da criança e a reforçada com um reforçador de menor magnitude (ou seja, um reforçador de menor preferência, de acordo com o teste de preferência de reforçadores descrito anteriormente). Controle da Frequência Após o período de férias se intensificaram os atrasos, as faltas e remarcações dos cuidadores nas orientações. Isso estava prejudicando o progresso das crianças. Muitas vezes 31 os pais só realizavam a troca de passo durante a orientação, e passavam até 15 dias realizando o programa em um passo inapropriado, ou eles realizavam o programa com alguma falha e esta demorava mais tempo para ser identificada. Nos casos em que o cuidador se atrasava, havia menor tempo para orientação com consequente perda de qualidade. Em função disso, foram elaborados dois procedimentos para controle da frequência. O primeiro estabeleceu regras de funcionamento do grupo e consequências potencialmente punitivas para o não cumprimento das mesmas (Anexo 8) e o segundo estabeleceu as regras e uma premiação ao final do mês para os cuidadores que obtivessem um número mínimo de cumprimento das mesmas (Anexo 9). Resultados A Tabela 2 apresenta os meses em que cada procedimento foi realizado com as crianças. As principais diferenças são encontradas em função da família de Haroldo ter começado a intervenção três meses antes, de Jéssica ter pedido desligamento do programa devido a mudança de cidade e da família de Edgar ter apresentado períodos de ausência do projeto, entre 11 de junho e 09 de novembro. 32 TABELA 2. Cronograma de atividades das crianças. Meses Haroldo Vítor, Cláudio Luna Jéssica Edgar Nov/2012 Apresentação Anamnese 1 a AH Dez/2012 Ensino Teórico Jan/2013 Ensino Prático Fev/2013 Ensino ABLA 2 a AH Apresentação Anamnese 1 a AH ABLA Apresentação Anamnese 1 a AH ABLA Apresentação Anamnese 1 a AH ABLA Mar/2013 Ensino Ensino Teórico Ensino Teórico Ensino Teórico Abr/2013 Ensino Ensino Ensino Ensino Mai/2013 Ensino Ensino Ensino Ensino ABLA Jun/2013 Ensino Ensino Ensino Ensino (até o dia 10) Jul/2013 3 a AH ABLA Ensino 2 a AH ABLA Férias a partir da 3 a Semana Ensino 2 a AH ABLA Férias a partir da 3 a Semana Ago/2013 1 a Follow-up Ensino 1 a Follow-up Ensino 1 a Follow-up Ensino Set/2013 Ensino Ensino Ensino Out/2013 3 a AH ABLA Ensino 3 a AH ABLA Ensino 1 a Follow-up Ensino Nov/2013 Ensino Ensino 3 a AH ABLA 2 a Follow-up 3 a AH ABLA Ensino Dez/2013 2 a Follow-up 2 a Follow-up 2 a Follow-up 33 ABLA Vítor, Jéssica e Edgar não apresentaram repertório mínimo na primeira aplicação do ABLA. Destes, apenas Jéssica obteve avanços nas avaliações posteriores, indo para o Nível 1 na segunda avaliação e Nível 3 na terceira avaliação (realizada após aproximadamente três meses sem intervenção). Luna iniciou no Nível 3 e avançou para Nível 4, na segunda e terceira avaliações. Haroldo iniciou no Nível 4 e alcançou o Nível 6 na segunda e terceira avaliações (ver Figura 2). 0 1 2 3 4 5 6 1A 2A 3A N ív el n o A B LA Avaliação Jéssica Vítor Luna Edgar Cláudio Haroldo Figura 3. Nível ABLA apresentado pelas crianças nas três aplicações realizadas ao longo do estudo. “1A" indica a avaliação feita antes do início da intervenção; “2A", avaliação feita após três meses de intervenção; “3A”, após seis meses de intervenção. 34 CARS O CARS é uma escala que avalia a gravidade do autismo. Nessa escala é considerada normal a criança cujo resultado final fica entre 15 e 29,5; autismo leve/moderado entre 30 e 36,5; e autismo grave acima de 37. TABELA 3. Avaliação do CARS de todas as crianças. H a ro ld o 1 A v H a ro ld o 2 A v V ít o r 1 A v V ít o r 2 A v L u n a 1 A v L u n a 2 A v Jé ss ic a 1 A v Jé ss ic a 2 A v C lá u d io 1 A v C lá u d io 2 A v E d g a r 1 A v E d g a r 2 A v Relacionamento Interpessoal 2 1,5 2 2,5 3 3 3 2,5 1,5 1 3 2 Imitação 2,5 1 3 2 3 2 4 1,5 2 1 4 2 Resposta Emocional 2 2 3 2 3 2,5 2 2,5 1,5 1 2 2 Expressão Corporal 2,5 1,5 3 2 3 2,5 3 2 2 1 2,5 2 Uso de Objetos 2,5 1 2,5 2 3 1,5 3 1,5 2,5 1 2,5 3 Adaptação a mudanças 3 3 3 3 2 3 2 1 3 1 2 2 Uso do Olhar 2,5 1,5 3 2,5 3 2,5 3 2 2 1 2,5 2 Uso da Audição 2,5 1 3 2 4 3 2,5 2 2,5 1 3 2 Uso do Paladar 2 1 1,5 1,5 2 1,5 1,5 1 1 1 2 2 Medo e Nervosismo 1,5 1,5 1,5 1,5 3 2 3 2 3 1,5 1,5 1 Comunicação Verbal 3,5 1,5 3 2,5 4 2,5 3 3 3 1,5 4 4 Comunicação não-Verbal 3 1,5 3 1,5 3 2 3 2,5 2,5 1 3 2 Atividade 3 1,5 3 2,5 3 2,5 2 2 3 1,5 3 2,5 Grau das respostas de inteligência 1 1 3 3 3 2,5 3 2 2 1 3 2 Impressão Geral 2 2 3 3,5 3 3 3 3 2 1 3 3 TOTAL 35,5 22,5 40,5 34 45 36 41 30,5 33,5 16,5 41 33,5 35 Foram realizadas duas avaliações, a primeira na entrada das crianças no projeto (através da análise de vídeos da avaliação inicial) e a segunda após a intervenção. O CARS de cada criança foi realizada por duas pessoas diferentes, sem que uma tivesse conhecimento das notas atribuídas pela outra, os valores foram somados e divididos por dois, valores com discrepância superior a 1 ponto eram discutidos. De acordo com os resultados do CARS (Tabela 3), Haroldo e Cláudio apresentaram grau leve/moderado de autismo na primeira avaliação e grau normal na segunda avaliação. As demais crianças iniciaram com autismo grave e na segunda avaliação apresentaram autismo leve/moderado. Inventário de Habilidades O comportamento opositor e de birra apresentado por Vítor e Edgar aumentou de intensidade e frequência da primeira para a terceira avaliação, o que pode ter influenciado no resultado da avaliação de habilidades. Foi encontrada queda de precisão de desempenho também nos programas dessas crianças no mesmo período em que a avaliação foi realizada. As mães foram instruídas sobre como realizar o manejo dos comportamentos- problema. Mesmo assim, havia indícios de que esses repertórios eram mantidos pelos pais, o que levou a equipe a iniciar uma nova capacitação de cuidadores para que os pais das crianças
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