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1 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 ❖ Resumo elaborado com base nas aulas e slides do professor Rafael Selbach Scheffel. 2 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 SUMÁRIO Aula.................................................................................................................................Página Princípios da terapia antimicrobiana.......................................................................................3 Antibacterianos......................................................................................................................11 Antimicobacterianos..............................................................................................................27 Tratamento farmacológico de asma e DPOC...........................................................................36 Antivirais.................................................................................................................................45 Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs).............................................................................56 Glicocorticoides..................................................................................................................... 64 Tratamento da osteoporose.................................................................................................. 72 3 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 FARMACOLOGIA II → PRINCÍPIOS DA TERAPIA ANTIMICROBIANA O tratamento de infecções é feito por meio de antimicrobianos. Antimicrobianos classificam-se em antibacterianos, antifúngicos, antiprotozoários, anti-helmínticos e antivirais. Antibacterianos dividem-se em antibióticos, sintetizados por fungos, e quimioterápicos, produzidos em laboratório. Os primeiros ainda predominam, mas frequentemente são manipulados quimicamente (semissintéticos). Antibióticos são sintetizados por alguns microrganismos para se defender de outros, sendo caracteristicamente muito tóxicos para a célula bacteriana e, em geral, pouco tóxicos para o homem. A denominação de antibióticos prevalece na prática clínica diária, independentemente da origem natural ou sintética. O antimicrobiano ideal é uma substância tóxica para o microrganismo invasor, mas inócua ou menos tóxica para o hospedeiro. A descoberta dos antimicrobianos – a partir da identificação da atividade antibacteriana de sulfas (os primeiros quimioterápicos) e penicilinas (os primeiros antibióticos) – é reconhecida como um dos grandes avanços da humanidade. Mudou-se o curso inexorável de muitas doenças infecciosas graves, como tuberculose e endocardite bacteriana. Mais recentemente, novos sucessos foram obtidos, como a descoberta de antirretrovirais empregados no manejo de AIDS e hepatite C. A grande expectativa de benefício levou a frequente e inadequado emprego de antimicrobianos. Uso em infecções não sensíveis e doenças não infecciosas, sob esquemas inadequados, especialmente em profilaxia, terminaram por gerar resistência microbiana, decorrente da capacidade infinita de desenvolver mecanismos de defesa por muitos microrganismos. A velocidade de produção de novos antimicrobianos não acompanha a da emergência de cepas resistentes. Criou-se um ciclo vicioso: o aumento de taxas de resistência a antimicrobianos de uso corrente requer a descoberta de novos representantes, que, expostos ao mesmo desgaste, exigem o desenvolvimento de outros agentes, realimentando o processo. O uso racional de antimicrobianos pode minimizar o problema da resistência microbiana, preocupação mundial. Para fazê-lo, é necessário o conhecimento e a aplicação dos fundamentos descritos a seguir. » Tipos e finalidades da terapia antimicrobiana Uma abordagem útil para organizar os tipos e os objetivos da terapia antimicrobiana é considerar em que ponto da linha de progressão da doença o tratamento é iniciado; a terapia pode ser profilática, preventiva, empírica, definitiva ou supressora. → Terapia profilática: A profilaxia consiste em tratar pacientes que ainda não estão infectados. O objetivo da profilaxia é evitar a infecção de alguns pacientes, como pacientes imunossuprimidos, pacientes em risco de endocardite infecciosa, ao fazer procedimentos cirúrgicos ou procedimentos realizados em tecidos 4 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 infectados e pós-exposição. No entanto, os efeitos adversos do tratamento também são reais e devem ser considerados. → Terapia preventiva: O tratamento preventivo é usado como tratamento inicial dirigido para pacientes de alto risco com indícios laboratoriais ou outros exames indicando que, embora assintomáticos, já estão infectados. → Terapia empírica: O tratamento empírico consiste no uso inicial de antimicrobianos baseado nos agentes mais prováveis da infecção, antes da confirmação microbiológica. A primeira consideração ao escolher um antimicrobiano é determinar se ele é realmente indicado. O diagnóstico pode ser obscurecido quando o tratamento é iniciado antes de serem obtidos os materiais para as culturas apropriadas. Os antimicrobianos são potencialmente tóxicos e podem favorecer a seleção de microrganismos resistentes. Para algumas doenças, o risco de esperar alguns dias é pequeno, e esses pacientes podem aguardar pela confirmação microbiológica da infecção sem iniciar tratamento empírico. Quando os riscos associados à postergação do tratamento são altos com base no estado imune do paciente ou de outros fatores de risco conhecidos, a introdução do tratamento antimicrobiano empírico ideal deve basear-se na apresentação clínica e na experiência do médico. → Terapia definitiva: Quando um patógeno foi isolado e os resultados dos testes de sensibilidade estão disponíveis, o tratamento deve ser individualizado com um antimicrobiano específico. → Terapia supressora: Em alguns pacientes, a infecção é controlada, mas não totalmente erradicada pelo ciclo inicial de tratamento antimicrobiano, e a falha anatômica ou imune que resultou na infecção original ainda está presente. Nesses casos, o tratamento deve ser mantido com uma dose mais baixa. Isso é comum nos pacientes com Aids e nos indivíduos transplantados. O objetivo é mais propriamente de profilaxia secundária. No entanto, os riscos de toxicidade do tratamento mais prolongado também são reais. Nesse grupo de pacientes, a terapia supressora por fim deve ser interrompida quando sua função imune melhora. » Critérios de escolha de antimicrobianos De forma similar aos fármacos em geral, o uso de antimicrobianos fundamenta-se em alguns pontos: ▪ Eficácia microbiológica ▪ Parâmetros de farmacocinética e farmacodinâmica ▪ Eficácia experimental ▪ Eficácia clínico-farmacológica ► Eficácia microbiológica A eficácia microbiológica corresponde à capacidade de um antibacteriano eliminar bactérias (efeito bactericida) ou inibir sua multiplicação (efeito bacteriostático). • Concentração inibitória mínima (MIC – minimum inhibitory concentration) = É a menor concentração capaz de inibir a multiplicação das bactérias, medida em microgramas por mililitro. • Concentração bactericida mínima (MBC – minimum bactericidal concentration) = É a menor concentração capaz de eliminar culturas já existentes. 5 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Para determinar se um tipo específico de bactéria é sensível a um antibiótico, são realizados cultura e teste de sensibilidade (antibiograma). A cultura consiste em aplicar material infeccioso – obtido da pele e de outros tecidos, das secreções das vias respiratórias e outras, do sangue, da urina, do líquido cerebrospinal e do pus – à placa de cultura contendo meio de crescimento especial. Esse meio de cultura representa o “alimento” para as bactérias. Depois de especificado período de tempo, as bactérias sãoexaminadas ao microscópio e identificadas. O teste de sensibilidade (antibiograma) consiste em colocar o material infeccioso em placa de cultura separada, onde há pequenos discos impregnados com vários antibióticos. Após tempo especificado, a placa de cultura é examinada. A observação de pouco ou nenhum crescimento em torno de um disco indica que as bactérias são sensíveis a esse antibiótico específico. Por conseguinte, a infecção deverá ser controlada por esse antibiótico. Se houver crescimento considerável em torno do disco, as bactérias são consideradas resistentes a esse antibiótico específico, de modo que a infecção não será controlada com esse fármaco. ► Parâmetros farmacocinéticos/farmacodinâmicos A FARMACOCINÉTICA estuda a atuação do antimicrobiano no interior do organismo a partir dos parâmetros de velocidade de absorção, distribuição, metabolização e eliminação do fármaco. Após a administração de dose padronizada de um antimicrobiano, sua concentração plasmática aumenta rapidamente, até atingir a concentração sérica máxima; depois disso, na medida em que se distribui entre os tecidos e é eliminado ou metabolizado, sua concentração no sangue vai diminuindo progressivamente até se tornar nula. A concentração do antimicrobiano detectada no sangue antes da administração da dose seguinte (respeitando o intervalo padronizado) corresponde à concentração sérica mínima. A representação gráfica da relação concentração sérica do fármaco com o tempo (horas) é dada pela curva de concentração sérica-tempo de antimicrobiano, mostrada abaixo. 6 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Já a FARMACODINÂMICA relaciona as concentrações do fármaco com sua atividade antimicrobiana. A sensibilidade dos microrganismos aos antimicrobianos é representada pela concentração inibitória mínima (MIC) de cada microrganismo para cada antimicrobiano, que corresponde à menor concentração do antimicrobiano capaz de inibir o desenvolvimento visível do microrganismo. Como regra, bactérias são sensíveis a todos os antimicrobianos in vitro. Mas, para alguns desses, as altas concentrações necessárias à ação antibacteriana tornam inexequível seu uso clínico, pois seriam tóxicas para o paciente. Nesse caso, as bactérias são resistentes às doses usuais dos antimicrobianos. Do ponto de vista prático, correlaciona- se MIC com concentrações plasmáticas obtidas em esquemas posológicos factíveis e não tóxicos. Em geral valores eficazes de MIC são inferiores a 1 micrograma/mℓ, mas há bactérias só sensíveis a concentrações de até 64 microgramas/mℓ, valores atingidos in vivo com altas doses do antibacteriano. Aceita-se haver correlação entre eficácia em laboratório e resposta clínica quando as concentrações in vitro suplantam a MIC. A íntima relação entre atividade farmacodinâmica e concentração in vivo de antimicrobianos é avaliada por estudos de correlação farmacocinética/farmacodinâmica. Três parâmetros, expressos por meio de razões, são utilizados para medir a relação farmacocinética/farmacodinâmica: área sob a curva/MIC (ASC/MIC), concentração máxima/MIC (Cmáx/MIC) e tempo/MIC. Esse último parâmetro corresponde ao tempo em que a concentração plasmática permanece acima da MIC, entre as doses de um antimicrobiano. Acredita-se que esses parâmetros possam prever o comportamento clínico de um antimicrobiano. Assim, a partir dos estudos farmacodinâmicos, os antimicrobianos podem ser classificados em: • tempo-dependentes; • concentração-dependentes. Antimicrobianos tempo-dependentes: São aqueles que têm sua ação regida pelo tempo de exposição das bactérias às suas concentrações séricas e teciduais. A ação destes antimicrobianos independe dos níveis séricos que atingem, mas dependem do tempo que permanecem acima da concentração inibitória mínima para esse microrganismo. Na prática, quando utilizamos um antimicrobiano tempo-dependente devemos procurar maximizar a duração da exposição do patógeno ao fármaco. Ex: vancomicina e antimicrobianos β-lactâmicos. Antimicrobianos dose-dependentes: Por outro lado, os antimicrobianos dose-dependentes são aqueles que exibem propriedades de destruição de bactérias em função da concentração, isto é: quanto maior a concentração da droga, mais rápida a erradicação do patógeno. Assim, no caso das drogas dose-dependentes, o melhor parâmetro indicador é o pico de concentração da droga (Cmáx) em relação à MIC, ou o índice da área sob a curva (ASC) dividido pela MIC. Ex.: aminoglicosídeos e fluoroquinolonas Doses e intervalos de administração de antimicrobianos são ditados por parâmetros farmacocinéticos/farmacodinâmicos, toxicidade e comodidade posológica. Para antimicrobianos dose-dependentes, recomendam-se maiores doses, podendo-se espaçar o intervalo. Essa conduta não apenas permite administração única diária, como também alcance de concentrações tissulares maiores e presumível redução dos efeitos adversos. Para antimicrobianos tempo-dependentes é necessário usar intervalos menores. 7 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 → Efeito pós-antibiótico Antimicrobianos com parâmetros farmacocinéticos/farmacodinâmicos dose-dependentes inibem a multiplicação bacteriana mesmo após a queda de suas concentrações abaixo da MIC por tempos prolongados. A este fenômeno se conferiu a denominação de efeito pós-antibiótico, caracteristicamente presente em aminoglicosídeos e quinolonas. Antimicrobianos com parâmetros farmacocinéticos/farmacodinâmicos tempo-dependentes, como os betalactâmicos, são desprovidos de efeito pós-antibiótico, requerendo-se concentrações superiores à MIC por períodos mais prolongados entre as doses. Aparentemente, não há prejuízo no maior espaçamento de doses de antimicrobianos com efeito pós-antibiótico. → Efeitos de concentrações subinibitórias de antimicrobianos Algumas bactérias expostas a concentrações subinibitórias de antimicrobianos (subMIC) apresentam importantes alterações morfológicas e funcionais que não chegam a se expressar por morte ou inibição de multiplicação. O conceito de concentração antimicrobiana mínima (MAC, em língua inglesa) foi cunhado para descrever esse fenômeno. Características morfológicas repercutem sobre o reconhecimento de formas não usuais de microrganismos em exames microbiológicos. Do ponto de vista clínico, especula-se que muitas destas alterações podem contribuir para diminuição de virulência do germe, reduzindo aderência, produção de toxinas e resistência aos mecanismos de defesa orgânica. ► Eficácia experimental x Eficácia farmacológico-clínica • Eficácia experimental: Investigação de efeitos antibacterianos em modelos de infecção nos animais de experimentação constitui indicador indireto de atividade antimicrobiana no homem. Esse método apresenta vantagem teórica em relação à avaliação de eficácia microbiológica, pois testa efeitos antimicrobianos em condições mais próximas das encontradas nos pacientes. Apesar da similaridade com a infecção no homem, diferenças de espécie não podem ser renegadas. • Eficácia farmacológico-clínica: Ensaios clínicos têm avaliado a utilidade de antimicrobianos em algumas doenças em pacientes humanos. ENFIM... A escolha do antimicrobiano mais apropriado depende da eficácia, da segurança, da conveniência da posologia, do acesso e do custo do fármaco, além de condições do próprio paciente, como idade, peso, gestação/lactação, estado imunológico, insuficiência renal e hepática, história de hipersensibilidade à fármacos, gravidade da doença, origem da infecção (comunitária x hospitalar), uso prévio de antimicrobianos e medicamentos em uso (para evitar interações). » Mecanismos de resistência bacteriana Os tipos de resistência bacteriana são apresentados abaixo: ► Resistência natural ou intrínseca: Algumas espécies bacterianas são naturalmente resistentes aos antibacterianos (resistência primária), como bactérias anaeróbias a aminoglicosídeos.O principal mecanismo é a inexistência de sistema metabólico ou organela, alvos da ação do antimicrobiano no microrganismo. Antibióticos betalactâmicos, que inibem a síntese da parede bacteriana, são, por exemplo, primariamente ineficazes para microrganismos desprovidos de parede, como Mycoplasma pneumoniae. 8 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 ► Resistência fisiológica: Ocorre em condições especiais de crescimento bacteriano. A formação de biofilmes constitui o exemplo mais típico. São produzidos por algumas bactérias, consistindo em matriz extracelular polimérica. Ocorrem somente em bactérias fixadas em superfícies, dificultando a penetração de antimicrobianos. As bactérias podem produzir biofilmes em superfícies inanimadas, como cateteres e outros dispositivos, como órteses e próteses, e em superfícies orgânicas (placas dentárias, lentes de contato, trato respiratório de pacientes com fibrose cística e outras). Nessas circunstâncias, ocorre resistência a antimicrobianos e biocidas. Pseudomonas aeruginosa destaca-se entre os microrganismos capazes de produzir biofilme. ► Resistência adquirida: Decorre do desenvolvimento de novos mecanismos de defesa ante exposição continuada a antimicrobianos. Pode gerar-se por mutação ou transferência horizontal de material genético. Exemplos de resistência bacteriana: ➢ A resistência do Staphylococcus aureus é um dos exemplos clássicos e mais significativos desse problema. Quando da descoberta das penicilinas, S. aureus era sensível a concentrações muito baixas de penicilina G. Com o passar do tempo, algumas cepas passaram a sintetizar betalactamase, enzima capaz de inativar penicilina G (por isso, tal enzima é chamada de penicilinase). Penicilinas penicilinase-resistentes (meticilina e congêneres) contornaram este problema por um tempo, mas hoje são muitas vezes inativadas por novas betalactamases, produzidas por estafilococos meticilinorresistentes (MRSA). Para esses microrganismos, restou o tratamento com vancomicina, mas atualmente já há cepas de estafilococos que também lhe são resistentes. 9 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 ➢ Resistência de Enterococcus faecalis à vancomicina (vancomycin resistent Enterococcus – VRE) é muito preocupante, não tanto pela bactéria, que é combatida por outras opções terapêuticas, mas pelo risco de tal resistência se transferir a Staphylococcus aureus meticilinorresistente (MRSA), muitas vezes só sensível à vancomicina. Essa transferência, já demonstrada em laboratório, ainda não tem expressão clínica. ➢ Cepas de Streptococcus pneumoniae resistentes progressivamente à penicilina têm-se difundido muito rapidamente pelo mundo. Alteração em esquemas terapêuticos para meningite tem sido postulada por alguns autores em face da probabilidade de infecção por germe resistente. Em pneumonias, no entanto, parece não haver mudança na resposta clínica, mesmo em presença de pneumococos que requerem maior MIC. Já há Streptococcus pneumoniae resistente a cefalosporinas, como ceftriaxona, consideradas substitutas de penicilinas em meningite. » Efeitos adversos de antimicrobianos Antimicrobianos podem produzir efeitos adversos tóxicos, colaterais, secundários e reações de hipersensibilidade. ► Efeitos tóxicos: Decorrem de concentrações superiores às terapêuticas junto ao órgão ou sistema suscetível. Aminoglicosídeos, com baixo índice terapêutico, podem induzir oto- e nefrotoxicidade. Betalactâmicos, mesmo com ampla margem de segurança, não estão isentos de toxicidade. Altas doses, especialmente em insuficientes renais, determinam neurotoxicidade. ► Efeitos colaterais: Ocorrem mesmo com esquemas posológicos que produzem concentrações terapêuticas. Comumente, são relatados efeitos gastrointestinais, como dor epigástrica por efeito irritativo de tetraciclinas e eritromicina e gosto metálico induzido por metronidazol. ► Efeitos secundários: Dois tipos de efeitos podem resultar da ação primária de antimicrobianos. O primeiro é a superinfecção, devido ao desequilíbrio de floras bacterianas normais, com favorecimento de crescimento de bactérias ou outros microrganismos resistentes. Diarreia é efeito adverso frequente de antimicrobianos, em geral decorrente de desequilíbrio da flora intestinal. Candidíase oral ou vaginal é exemplo corriqueiro. O curso dessas superinfecções é em geral benigno, melhorando com a suspensão do antibacteriano. Superinfecções mais graves devem ser suspeitadas quando pacientes, recuperando-se das infecções, apresentam inexplicável recaída. Desequilíbrio de floras bacterianas em pacientes criticamente enfermos e com baixa imunidade é condição que predispõe à superinfecção recorrente em Unidades de Tratamento Intensivo, muitas vezes por microrganismos multirresistentes. A suspensão temporária de antimicrobianos nesta condição pode até ter efeito terapêutico, por permitir a reconstituição de floras bacterianas, mas algumas podem se tornar crônicas, com dificuldade de erradicação por outros antibióticos. A gastroenterite por Clostridium difficile é um exemplo, podendo ocasionar o desenvolvimento de colite pseudomembranosa. A recomposição da flora intestinal mediante administração de fezes colhidas de indivíduos normais (procedimento conhecido como bacterioterapia ou transplante fecal) tem-se mostrado eficaz em estudos iniciais, constituindo-se em prova do conceito de que algumas infecções decorrem de desequilíbrio de floras bacterianas. Efeitos sistêmicos decorrentes da lise de microrganismos (p. ex., reação de Jarich-Herxheimer) são também reações secundárias a antibióticos e quimioterápicos. O exemplo clássico dessa reação ocorre com o tratamento da sífilis com penicilina benzatina. Acredita-se que essa reação seja uma resposta a lipoproteínas liberadas pelos microrganismos T. pallidum morrendo. É uma reação drástica, embora 10 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 geralmente benigna, consistindo em febre, calafrios, mialgias, cefaleia, taquicardia, frequência respiratória aumentada, contagem de neutrófilos circulantes aumentada e vasodilatação com hipotensão leve. Os pacientes devem ser avisados para esperar tais sintomas, os quais podem ser controlados com tratamento sintomático. ► Reações de hipersensibilidade: São ocasionadas por resposta imunológica a antimicrobianos que funcionam como haptenos. São independentes de dose e de difícil previsibilidade. Todos os tipos de reações alérgicas imediatas ou tardias podem ser induzidos por qualquer antimicrobiano. Penicilinas são antimicrobianos comumente envolvidos com essas reações, em parte por sua frequente utilização. 11 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 FARMACOLOGIA II → ANTIBACTERIANOS Os antibacterianos podem ser classificados por seu mecanismo de ação em inibidores da síntese da parede celular, inibidores da síntese de proteínas, inibidores do metabolismo, inibidores das funções da membrana celular e inibidores do da função ou síntese dos ácidos nucleicos. » Agentes antimicrobianos que afetam a síntese da parede celular bacteriana Alguns antimicrobianos interferem seletivamente na síntese da parede celular bacteriana – uma estrutura que as células dos mamíferos não possuem. Estes fármacos são bactericidas, ou seja, eliminam as bactérias. Os inibidores da síntese de parede celular apresentam eficácia máxima quando os microrganismos estão se proliferando. Eles têm pouco ou nenhum efeito em bactérias que não estejam crescendo e se dividindo. Os membros mais importantes do grupo são os antimicrobianos β-lactâmicos, vancomicina e daptomicina. Na maioria das bactérias, a parede celular envolve a célula como uma armadura rígida que a protege contra influências externas nocivas e impede a ruptura da membrana plasmática pela elevada pressão osmótica interna. A parede celularé constituída de um polímero complexo de polissacarídeos e polipeptídeos de ligação cruzada, denominado peptidoglicano (também conhecido como mureina ou mucopeptídeo). O polissacarídeo contém aminoaçúcares alternados, N- acetilglicosamina e ácido N-acetilmurâmico. Essas substâncias são sintetizadas na bactéria, transportadas para fora por meio da membrana 12 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 celular e montadas como ilustrado no esquema. A enzima transpeptidase faz as ligações cruzadas das cadeias peptídicas de cadeias de aminoaçúcares adjacentes. Nas bactérias que se comportam como gram- negativas no método de coloração, a camada de peptideoglicano está recoberta por uma membrana adicional. Essa camada bloqueia o acesso de muitos desses antibióticos às bactérias gram-negativas. ► β-lactâmicos: Os antibióticos β-lactâmicos – penicilinas, cefalosporinas, carbanêmicos e monobactâmicos – compartilham uma estrutura (anel β-lactâmico) e um mecanismo de ação (i.e., inibição da síntese da parede celular bacteriana composta de peptidoglicanos). A resistência bacteriana aos antibióticos β- lactâmicos continua a aumentar a uma velocidade surpreendente, devido a atividade de enzimas β-lactamases (penicilinases), que hidrolisam a ligação amida cíclica do anel β- lactâmico, resultando em perda da atividade bactericida. Os inibidores da β-lactamase como o clavulanato e o avibactam podem ampliar a utilidade desses antibióticos contra microrganismos que produzem essas enzimas. Infelizmente, a resistência consiste não apenas na produção de β-lactamases, mas também em alterações das enzimas bacterianas usadas como alvos pelos antibióticos β-lactâmicos e na redução do acesso ou na expulsão ativa do antibiótico. → Penicilinas: As penicilinas estão entre os fármacos mais amplamente eficazes e também entre os menos tóxicos conhecidos, mas o aumento da resistência limitou o seu uso. Os membros dessa família diferem entre si no substituinte R ligado ao ácido 6-aminopenicilânico. Elas atuam inibem o crescimento das bactérias ao interferir na reação de transpeptidação da síntese da parede celular bacteriana. Farmacocinética das penicilinas: • São fármacos usualmente hidrofílicos • Têm baixa absorção via oral (logo são geralmente administradas por outras vias) • Excreção preferencialmente renal (logo deve-se ter atenção em indivíduos que tenham insuficiência renal) • Baixa toxicidade e grande janela terapêutica • Sensíveis à penicilinase (que são enzimas β-lactamases) 13 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Classificação das penicilinas: As penicilinas são classificadas em: • Penicilinas naturais: penicilina G (benzilpenicilina) e penicilina V (fenoximetilpenicilina) • Penicilinas semissintéticas de largo espectro: amipicilina e amoxicilina • Penicilinas semissintéticas resistentes às β-lactamases: meticilina (protótipo), oxacilina, flucloxacilina, temocilina • Penicilinas que tem ação contra pseudomonas: carbenicilina, ticarcilina, mezlocilina e piperacilina. Penicilinas naturais: As penicilinas naturais, também chamadas de benzilpenicilinas, englobam a penicilina G (que é a verdadeira benzilpenicilina) e a penicilina V (que é a fenoximetilpenicilina) e são obtidas de fermentações do fungo Penicillium chrysogenum. As penicilinas naturais são primeira escolha para muitas infecções, como faringoamigdalites, escarlatina e erisipela (causadas por Streptococcus sp.), meningite por Neisseria meningitidis, sífilis, tétano e leptospirose. • Penicilina G: Benzilpenicilina ou penicilina G é um tipo de penicilina que é administrada endovenosamente ou intramuscularmente (injetável). ⤷ Penicilina G cristalina (endovenosa): Possui uma meia vida curta e duração de efeito reduzida. Por esse motivo, utiliza-se em situações bem específicas, devido a posologia ser menos conveniente. ⤷ Penicilina G procaína (intramuscular): Os níveis terapêuticos se mantêm por mais tempo (até 24h). ⤷ Penicilina G benzatina (intramuscular): É insolúvel e os níveis terapêuticos se mantêm por mais tempo (até 28 dias). • Penicilina V: Fenoximetilpenicilina ou penicilina V é administrada exclusivamente por via oral. Penicilinas semissintéticas de largo espectro: A ampicilina e amoxicilina têm um espectro antibacteriano similar ao da benzilpenicilina, mas são mais eficazes contra bacilos gram-negativos. Pela comodidade do uso oral, frequentemente substituem a benzilpenicilina no manejo de muitas infecções. • Ampicilina: É estável e bem absorvida por todas as vias. Seu efeito tem duração de 6 a 8 horas. • Amoxicilina: Tem maior biodisponibilidade via oral. Seu efeito tem duração de 8 a 12 horas. 14 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Penicilinas semissintéticas resistentes às β-lactamases: São penicilinas, cujo protótipo era meticilina, não mais disponível comercialmente. Atualmente, são representadas pela oxacilina, flucloxacilina e temocilina. São também chamadas de penicilinas penicilinase-resistentes, propriedade que justifica sua indicação exclusiva em infecções por Staphylococcus aureus produtor de penicilinase (o que corresponde a maioria das cepas, especialmente em hospitais). No entanto, os estafilococos tornaram-se progressivamente resistentes à oxacilina (methicilin resistant Staphylococcus aureus – MRSA). O MRSA comunitário é resistente também aos demais betalactâmicos, mas em geral sensível a cloranfenicol, clindamicina, sulfametoxazol + trimetoprima, quilononas e vancomicina. Ao contrário, MRSA hospitalar é com frequência sensível somente à vancomicina. Penicilinas que têm ação contra pseudomonas: Carbenicilina, ticarcilina, mezlocilina e piperacilina são denominadas penicilinas antipseudomonas devido à sua atividade contra Pseudomonas aeruginosa. Esses antimicrobianos estão disponíveis apenas em preparações parenterais. A piperacilina é o mais potente deles. 15 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Usos terapêuticos das penicilinas: • Infecções pneumocócicas e meningocócicas • Infecções por estreptococos β-hemolíticos e viridans • Infecções por enterococos, clostridium, listeria • Infecções por alguns anaeróbios • Infecções das vias respiratórias superiores • Sífilis • Algumas infecções do trato urinário Efeitos adversos das penicilinas: Apesar da sua grande margem de segurança, são relatados alguns efeitos adversos do uso de penicilinas: • Irritação gastrointestinal (especialmente ampicilina via oral): Náusea, vômito, dor abdominal e diarreias. • Flebite com o uso endovenoso • Dor e reação inflamatória local com o uso intramuscular • Neurotoxicidade (é raro) • Superinfecção • Hipersensibilidade: Aproximadamente 5% dos pacientes têm algum tipo de reação, variando de urticária até angioedema (inchaço acentuado de lábios, língua e área periorbital) e anafilaxia (em 0,01 a 0,05% dos pacientes). Para determinar se o tratamento com um β-lactâmico é seguro quando se observa alguma alergia, é essencial obter a anamnese com relação à gravidade de reações prévias. É importante ter em mente que podem ocorrer reações alérgicas cruzadas entre os antimicrobianos β-lactâmicos. Prescrição das penicilinas: ❖ Reação imediata (0 - 1h): anafilaxia, hipotensão, angioedema, broncoespasmo em 0,01 a 0,05% dos pacientes ❖ Reação acelerada (1 - 72h): urticária, angioedema, broncoespasmo ❖ Reação tardia (> 72h): anemia hemolítica, Steven-Johnson Só ocorre caso o paciente tenha uma sensibilização prévia! ➔ Tratamento: epinefrina, corticoides e anti-histamínicos 16 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 → Inibidores de β-lactamase: A hidrólise do anel β-lactâmico destrói a atividade antimicrobiana do fármaco β-lactâmico. Inibidores da β-lactamase, como ácido clavulânico, sulbactam e tazobactam, contêm um anel β-lactâmico, mas por si não têm atividade antibacteriana significativanem causam algum efeito adverso significativo. Ao contrário, ligam-se às β-lactamases e as inativam, protegendo, assim, os antimicrobianos que normalmente seriam substratos dessas enzimas. Por isso, os inibidores das β- lactamases são formulados em associação com os antimicrobianos suscetíveis à β-lactamase. Por exemplo, a figura ao lado mostra o efeito do ácido clavulânico e da amoxicilina no crescimento de E. coli produtora de b-lactamase. (Nota: o ácido clavulânico sozinho é praticamente isento de atividade antibacteriana.) Frequentemente, associa-se as penicilinas com inibidores de β-lactamase. As associações disponíveis no Brasil são amoxicilina + clavulanato, amoxicilina + sulbactam, ampicilina + sulbactam, piperacilina + tazobactam e ticarcilina + clavulanato. Não há diferença de eficácia entre inibidores de betalactamases. As indicações dessas associações se baseiam em parte na atividade do betalactâmico associado. → Cefalosporinas: As cefalosporinas são antimicrobianos β-lactâmicos muito relacionados estrutural e funcionalmente com as penicilinas. A maioria das cefalosporinas é produzida semissinteticamente pelo acréscimo de cadeias laterais ao ácido 7-amino-cefalosporânico. As cefalosporinas têm o mesmo mecanismo de ação das penicilinas e são afetadas pelos mesmos mecanismos de resistência. Contudo, elas tendem a ser mais resistentes a certas β-lactamases do que as penicilinas. 17 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Classificação das cefalosporinas: As cefalosporinas são classificadas em: • Cefalosporinas de primeira geração: cefazolina, cefalotina, cefalexina, cefadroxil • Cefalosporinas de segunda geração: cefoxitina e cefuroxima • Cefalosporinas de terceira geração: ceftriaxona, ceftazidime, cefotaxima • Cefalosporina de quarta geração: cefepima As gerações iniciais são ativas contra bactérias gram-positivas, mas não possuem atividade contra bactérias gram-negativas. Com o passar das gerações, tal panorama muda. As cefalosporinas, no geral, não têm ação anaerobicida. Cefalosporinas de primeira geração: Apesar de mais antigas, são ainda as mais ativas contra cocos aeróbios gram-positivos (exceto enterococo). Atuam contra Staphylococcus aureus produtores de penicilinase, mas não contra os resistentes à oxacilina. Não podem ser usadas em meningites, pois não penetram a barreira hematoencefálica. Cefalosporinas de segunda geração: Atuam também contra microrganismos gram-negativos, incluindo Haemophilus influenzae, mantendo ação contra gram-positivos. Cefalosporinas de terceira geração: Possuem melhor atividade contra bacilos gram-negativos anaeróbios em comparação a cefalosporinas de primeira e segunda gerações. Ceftriaxona é útil em meningites por sua excelente penetração no sistema nervoso central e ação contra Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae. Cefoperazona e ceftazidima possuem ação contra Pseudomonas sp. Cefalosporina de quarta geração: É ativa contra microrganismos gram-positivos e negativos, mas sem ação anaerobicida. Mantém atividade contra Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus sensível à meticilina e Haemophilus influenzae. Logo, é muito utilizada para tratar pneumonias nosocomiais. Maior atividade contra Pseudomonas aeruginosa e enterobacteriáceas constitui-se na diferença de espectro em relação a agentes de terceira geração. Efeitos adversos das cefalosporinas: • Predisposição a sangramentos • Irritação gastrointestinal • Sensibilidade cruzada com penicilina • Nefro e hepatotoxicidade Prescrição das cefalosporinas: 18 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 → Carbapenêmicos: Os carbapenêmicos são β-lactâmicos que contêm um anel β-lactâmico acoplado e uma estrutura anular de cinco elementos, que difere das penicilinas por ser insaturado e conter um átomo de carbono em lugar do átomo de enxofre. Essa classe de antibióticos possui espectro de atividade mais amplo que a maioria dos outros antibióticos β-lactâmicos. São resistentes contra muitas betalactamases. Por isso, são reservados para infecções nosocomiais causadas por bactérias resistentes a outras opções. Os fármacos desse grupo disponíveis atualmente são imipeném, meropeném e ertapeném. Efeitos adversos dos carbapenêmicos: As reações adversas mais comuns são náuseas, vômitos, diarreia e exantema. → Monobactâmicos: Os monobactâmicos, que também desorganizam a síntese da parede celular bacteriana, são singulares, pois o anel β-lactâmico não está fundido com outro anel. O aztreonam é o único representante monobactâmico. Tem espectro de ação que abrange exclusivamente bacilos gram-negativos aeróbios, inclusive bactérias nosocomiais como Pseudomonas aeruginosa. Diferentemente dos outros β-lactâmicos estudados, ele não tem atividade contra bactérias gram-positivas. Tem limitada utilização por espectro restrito e rápido desenvolvimento de resistência bacteriana. 19 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 ► Vancomicina: A vancomicina é a principal representante dos antibióticos glicopeptídicos. Estes fármacos inibem a síntese de parede bacteriana, bloqueando a polimerização de peptidoglicanos em sítio diverso daquele dos betalactâmicos. Constituem-se em antimicrobianos utilizados contra bactérias gram positivas, primariamente em infecções por Staphylococcus meticilinorresistente (MRSA). Dessa forma, são utilizados apenas no contexto hospitalar e são administrados pela via intravenosa. Usos terapêuticos dos antibióticos glicopeptídicos: • Infecções por MRSA • Enterocolite por clostridium • Endocardite por E. faecalis e S. viridans • Meningite pneumocócica Efeitos adversos dos antibióticos glicopeptídicos: • Febre • Calafrios • Flebite com o uso endovenoso ► Outros agentes ativos na parede e membrana celular: Outros agentes antimicrobianos que atuam na parede e membrana celular são a fosfomicina, a daptomicina e a bacitracina. » Agentes antimicrobianos que afetam a síntese das proteínas bacterianas Muitos antimicrobianos exercem seu efeito antimicrobiano agindo nos ribossomas bacterianos e inibindo a síntese proteica das bactérias. Os ribossomas bacterianos diferem estruturalmente dos ribossomas citoplasmáticos dos mamíferos e são compostos de subunidades 30S e 50S (os ribossomas de mamíferos têm subunidades 40S e 60S). Estes fármacos são bacteriostáticos, ou seja, não eliminam as bactérias, mas inibem a sua multiplicação. Como exemplos, podemos citar as tetraciclinas, os macrolídeos, a clindamicina, o cloranfenicol e os aminoglicosídeos. ► Tetraciclinas: As tetraciclinas consistem em quatro anéis fundidos com um sistema de ligações duplas conjugado. Substituições nesses anéis alteram a farmacocinética individual e o espectro de atividade antimicrobiana. 20 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 As tetraciclinas são antibióticos bacteriostáticos de amplo espectro que inibem a síntese proteica. As tetraciclinas penetram nos microrganismos em parte por difusão passiva e em parte por um processo de transporte ativo dependente de energia. Os organismos suscetíveis concentram o medicamento no nível intracelular. Uma vez dentro da célula, as tetraciclinas se ligam de maneira reversível à subunidade 30S do ribossomo bacteriano, bloqueando a ligação do aminoacil-tRNA ao sítio aceptor no complexo mRNA- ribossomo. Isso impede a adição de aminoácidos ao peptídeo em crescimento. Apesar do seu extenso espectro de ação, as tetraciclinas têm grande potencial de indução de resistência. Assim, as tetraciclinas já foram usadas no tratamento de diversas infecções comuns, inclusive gastrenterite bacteriana e infecções do trato urinário. Contudo, muitas cepas de bactérias causadoras de infecções tornaram-se resistentes, e outros agentes superaram em muito as tetraciclinas. Dessa forma, atualmente, o seuuso é restrito em odontologia. A principal indicação é o tratamento de periodontite de estabelecimento precoce em adolescentes e adultos jovens, cujo agente causal predominante é o Actinobacillus actinomycetemcomitans. A doxiciclina, em contraste com outras tetraciclinas, é eliminada por mecanismos não renais, não se acumula de forma significativa e não precisa de ajuste de dose na insuficiência renal. Assim, geralmente é a tetraciclina mais utilizada. Efeitos adversos das tetraciclinas: • Hepatotoxicidade • Intolerância gastrointestinal • Superinfecção • As tetraciclinas ligam-se de imediato ao cálcio depositado no osso ou no dente recentemente formado em crianças pequenas, podendo causar retardo do crescimento ósseo e hipoplasia do esmalte. Em razão disso, tais antibióticos têm seu uso recomendando apenas em maiores de 8 anos. Prescrição: Obs: A administração com produtos lácteos ou outras substâncias que contenham cátions di e trivalentes (p. ex., antiácidos com magnésio e alumínio ou suplementos com ferro) diminuem a absorção. Logo, devem ser ingeridos com o estômago vazio. ► Macrolídeos: Os macrolídeos são um grupo de antimicrobianos com uma estrutura lactona macrocíclica à qual estão ligados um ou mais açúcares desoxi. Os macrolídeos se ligam irreversivelmente a um local na 21 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 subunidade 50S do ribossoma bacteriano, inibindo, assim, etapas de translocação na síntese de proteínas. Na prática, são bem mais prescritos do que as tetracicinas, pois possuem menos efeitos adversos. Os macrolídeos possuem um espectro de ação que abrange bactérias gram positivas e germes atípicos. Assim, em casos de suspeita de infecção por germe atípico, pode se fazer uma associação entre beta-lactâmicos e macrolídeos. (Lembre-se: os beta-lactâmicos agem na parede celular e, como os atípicos não tem parede, esses fármacos são inúteis no seu tratamento; assim, associando um macrolídeo, caso a suspeita de infecção por germe atípico seja confirmada, o indivíduo será tratado.) Além disso, macrolídeos podem ser uma alternativa para pacientes com hipersensibilidade grave às penicilinas, visto que possuem um espectro semelhante aos desses fármacos (atingindo várias bactérias gram positivas). O fármaco protótipo, a eritromicina, que consiste em duas moléculas de açúcar presas a um anel de lactona com 14 átomos, foi obtido em 1952. A claritromicina e a azitromicina são derivados semissintéticos da eritromicina. Eritromicina • É o protótipo dos macrolídeos • É produzido em quatro formas: base, estearato, estolato e etilsuccinato. Estolato e etilsuccinato possuem melhor absorção via oral • Atualmente, dentre os macrolídeos, a eritromicina é a menos utilizada, devido a sua hepatotoxicidade Claritromicina • Pode ser administrada com ou sem alimentos • Alto metabolismo de primeira passagem Azitromicina • Possui uma excelente distribuição tecidual • Tempo de meia vida longa de 2 a 4 dias • Menor hepatotoxicidade quando comparada à eritromicina • Interação com alimentos não é clara. Sugere-se administração 1 h antes ou 2 h após as refeições, pela baixa biodisponibilidade oral Fidaxomicina • Não absorvido sistemicamente e utilizado apenas para tratamento de colite por Clostridium difficile Prescrição 22 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 ► Lincosaminas: A clindamicina – único representante das lincosaminas – tem o mesmo mecanismo de ação dos macrolídeos, inibindo a atividade do ribossomo 50S. Ela é usada primariamente no tratamento de infecções causadas por microrganismos gram-positivos e bactérias anaeróbicas. A clindamicina está disponível em formulações endovenosa e oral, mas o uso da forma oral é limitado pela intolerância gastrintestinal. O efeito adverso mais comum é diarreia, que pode representar uma colite pseudomembranosa grave por supercrescimento de C. difficile. ► Clorafenicol: O cloranfenicol se liga reversivelmente à subunidade ribossomal bacteriana 50S e inibe a síntese proteica na reação de peptidiltransferase. Foi muito utilizado no passado; no entanto, por ter muitos efeitos colaterais, atualmente quase não é usado. ► Aminoglicosídeos: O termo “aminoglicosídeo” se origina da sua estrutura: dois aminoaçúcares unidos por ligação glicosídica a um núcleo hexose central. Uma vez no interior da célula, os aminoglicosídeos ligam-se aos polissomos e interferem na síntese de proteínas, levando a erros de leitura e terminação precoce da tradução do mRNA. O sítio de ação primário intracelular dos aminoglicosídeos é a subunidade 30S ribossômica. Os aminoglicosídeos (gentamicina, tobramicina, amicacina, netilmicina, canamicina, estreptomicina, paromomicina e neomicina) são utilizados principalmente para tratar infecções causadas por bactérias Gram-negativas aeróbicas. Assim, só os utilizamos em monoterapia quando temos certeza que a infecção é causada por um germe gram-negativo. Na maioria dos casos, no entanto, são usados em combinação com um antibiótico β-lactâmico ou vancomicina. Contudo, sua utilidade clínica é limitada por graves toxicidades. Todos os aminoglicosídeos têm o potencial de serem ototóxicos e nefrotóxicos. 23 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 » Agentes antimicrobianos que interferem na síntese ou na ação do ácido fólico Alguns fármacos atuam inibindo o metabolismo da bactéria. Como exemplos, podemos citar as sulfonamidas e a trimetroprima, que inibem a formação de ácido fólico, componente essencial para a formação de DNA. Portanto, na falta de ácido fólico, as células bacterianas não crescem nem se dividem. Logo, estes são fármacos bacteriostáticos, ou seja, não eliminam as bactérias, mas inibem a sua multiplicação. ► Sulfonamidas e Trimetoprima: As sulfonamidas (sulfas) são uma família de antimicrobianos que inibem essa síntese de ácido fólico. Um segundo tipo de antagonista do ácido fólico – a trimetoprima – impede que os microrganismos convertam o ácido di-hidrofólico em ácido tetra- hidrofólico com efeitos mínimos nas células humanas capazes de fazer essa conversão. Assim, sulfonamidas e trimetoprima interferem na capacidade de uma bactéria infectante de sintetizar o DNA. A associação de sulfametoxazol + trimetoprima (a denominação genérica para a associação é cotrimoxazol) resulta em uma combinação sinérgica. 24 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 A atividade antimicrobiana sinérgica do cotrimoxazol resulta da inibição de duas etapas sequenciais na síntese do ácido tetra- hidrofólico. O sulfametoxazol inibe a incorporação do PABA nos precursores do ácido di-hidrofólico, e a trimetoprima previne a redução do di-hidrofolato a tetra-hidrofolato As sulfas exercem ação bacteriostática sobre bactérias gram-positivas e negativas. No entanto, observa-se resistência adquirida crescente contra esses antibióticos, proveniente de utilização de rotas metabólicas alternativas ou aumento de PABA. Usos terapêuticos • Infecções do trato urinário • Nocardiose • Toxoplasmose cerebral • Pneumonia por Pneumocystis Jiroveci • Infecções diversas Efeitos adversos Muitas vezes, os efeitos adversos severos limitam a utilização desses fármacos. • Discrasias sanguíneas • Intolerância gastrointestinal • Hiperbilirrubinemia e kernicterus (afecção decorrente de lesão neurológica por deposição de bilirrubina indireta nos núcleos da base) • Rash cutâneo » Agentes antimicrobianos que interferem na síntese do DNA bacteriano Alguns fármacos atuam inibindo a função ou síntese dos ácidos nucleicos. Estes fármacos são bacteriostáticos, ou seja, não eliminam as bactérias, mas inibem a sua multiplicação. Como exemplos, podemos citar as fluoroquinolonas e o metronidazol. ► Fluoroquinolonas: As quinolonas são análogos fluorados sintéticos do ácido nalidíxico, também chamadas de fluoroquinolonas. Essesantimicrobianos atuam inibindo a DNA girase e a topoisomerase IV bacterianas. A DNA girase atua relaxando o DNA superespiralado, processo necessário para que ocorra a transcrição e a replicação do DNA. Já a topoisomerase IV é necessária para separação do DNA cromossômico replicado durante a divisão celular. 25 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Alguns autores dividem esses antimicrobianos em quinolonas de primeira, segunda e terceira geração. No entanto, na prática, não se usa essa divisão. Geralmente, classificamos as quinolonas como respiratórias ou não-respiratórias. • Quinolonas não-respiratórias (norfloxacina, ciprofloxacina e ofloxacina): Atuam bem contra bactérias gram-negativas. • Quinolonas respiratórias (levofloxacina, gemifloxacina, gatifloxacina e moxifloxacina): Atuam bem contra bactérias gram-positivas. As quinolonas, no geral, têm um ótimo espectro para tratar todas infecções, posologia favorável e boa absorção via oral. No entanto, esses fármacos, quando muito utilizados, podem induzir a formação de betalactamase pelas bactérias. Por isso, a sua prescrição é muito bem controlada. Usos terapêuticos • Infecções do trato urinário • Prostatite • Infecções sexualmente transmissíveis • Infecções gastrintestinais e abdominais • Infecções respiratórias • Outras infecções Efeitos adversos Este é o grupo mais frequentemente associado a efeitos adversos. • Intolerância gastrointestinal • Discrasias sanguíneas • Efeitos adversos SNC • Nefrotoxicidade • Tendinite e ruptura de tendão ► Metronidazol: O metronidazol é um fármaco que tem ímpar atividade antibacteriana e antiprotozoária, permanecendo como fármaco de escolha ou alternativa em várias infecções bacterianas e parasitárias. Age por meio de inibição da síntese de ácido nucleico, levando à degradação do DNA. 26 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 É agente bactericida com atividade contra anaeróbios e, assim, não deve ser usado em monoterapia, pois é ineficaz contra aeróbios. Em geral, tal fármaco é bem tolerado. Durante terapia com metronidazol, os pacientes não devem consumir bebidas alcoólicas, devido à produção de reações similares às do dissulfiram, caracterizadas por náuseas, vômito, cólica abdominal, alteração do gosto (gosto metálico) e cefaleia. » Agentes antimicrobianos que interferem nas funções da membrana celular Alguns fármacos atuam inibindo as funções da membrana celular. Estes fármacos são bactericidas, ou seja, eliminam as bactérias. Como exemplos, podemos citar a isoniazida, a anfotericina B e a polimixina. Essa classe não foi explorada em aula. 27 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 FARMACOLOGIA II → ANTIMICOBACTERIANOS As micobactérias são bacilos aeróbicos em forma de bastonete que se multiplicam lentamente, a cada de 18 a 24 horas in vitro. Suas paredes celulares contêm ácidos micólicos, que lhes conferem a denominação do gênero. Os ácidos micólicos são ácidos graxos β-hidroxilados com cadeias muito longas. As micobactérias produzem paredes celulares altamente lipofílicas, que coram mal com a coloração de Gram. Uma vez corados, os bacilos não descoram facilmente com solventes orgânicos acidificados. Por isso, são denominados bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR). As infecções micobacterianas resultam na formação clássica de lesões granulomatosas de crescimento lento, que causam destruição de tecidos em qualquer lugar do organismo. A Mycobacterium tuberculosis pode causar infecção tuberculosa latente e a doença conhecida como TUBERCULOSE. A tuberculose é a principal causa infecciosa de morte no mundo, e mais de 2 bilhões de pessoas já foram infectadas. Aumentando em frequência, estão doenças causadas por micobactérias não tuberculosas; essas espécies incluem M. avium-intracellulare, M. chelonae, M. abscessus, M. kansasii e M. fortuitum. Finalmente, a M. leprae causa hanseníase. » Mecanismos de resistência das micobactérias A infecção por Mycobacterium continua a ser de difícil tratamento, devido aos mecanismos de resistência das micobactérias: • Parede celular: Como já dito, o termo Mycobacterium, do grego mycos, se refere à aparência cerosa das micobactérias decorrente da composição de suas paredes celulares. Mais de 60% da parede celular é composta por lipídeos, principalmente ácidos micólicos compostos de ácidos graxos com duas ramificações 3-hidróxi com cadeias constituídas de 76 a 90 átomos de carbono. Este extraordinário escudo impede que diversos compostos farmacológicos cheguem à membrana celular bacteriana ou ao citosol. 28 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 • Bombas de efluxo: Uma segunda camada de defesa consiste em uma abundância de bombas de efluxo presentes na membrana celular. Essas proteínas de transporte bombeiam para fora agentes químicos potencialmente prejudiciais do citoplasma bacteriano para o espaço extracelular e são responsáveis pela resistência nativa das micobactérias aos vários antibióticos padrões. • Localização no hospedeiro: Uma terceira barreira é a propensão de alguns bacilos a se esconder no interior das células do paciente, envolvendo-se dessa forma com uma barreira fisicoquímica extra que deverá ser atravessada pelos agentes antimicrobianos para que sejam eficazes. • Alterações enzimáticas: As micobactérias podem ainda promover alterações enzimáticas que impeçam a conversão do profármaco à sua forma ativa. Atualmente, já conhecemos mutações genéticas de subpopulações de bacilos que conferem resistência natural aos medicamentos usados no tratamento da tuberculose. Assim, se o esquema terapêutico é equivocado, realizado de maneira irregular, com doses inadequadas ou interrompido precocemente, cepas resistentes aos medicamentos podem ser selecionadas, caracterizando a resistência adquirida. » Fármacos antimicobacterianos Existem diversos fármacos antimicobacterianos, também chamados de antituberculínicos; no entanto, os quatro principais são: • RifampicinaR • IsoniazidaH • PirazinamidaZ • EtambutolE 29 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 30 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 » Mecanismo de ação dos antimicobacterianos O estudo do mecanismo de ação dos antimicobacterianos geralmente não é tão aprofundado quanto o dos antibióticos. De qualquer forma, esses fármacos, em geral, interferem no sistema enzimático do bacilo ou bloqueiam a síntese de algum metabólito essencial para o seu crescimento. • Rifampicina: Inibe a síntese de RNA. • Isoniazida: Interfere na biossíntese de ácido micólico. • Pirazinamida: O mecanismo de ação preciso é desconhecido. • Etambutol: Interfere na síntese da parede celular. O bacilo é dependente de oxigênio para o seu metabolismo e tem seu comportamento modulado pela concentração do gás no ambiente em que ele se encontra. Assim, a tabela abaixo nos mostra os medicamentos adequados para cada tipo de localização possível da micobactéria. Perceba que a rifampicina e a isoniazida são úteis em todos os casos e por isso são os fármacos mais importantes do esquema RHZE. 31 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 » Objetivos do esquema terapêutico O esquema terapêutico antituberculínico, para ser mais efetivo, deve atender a três grandes objetivos: ➔ Ter atividade bactericida precoce. A atividade bactericida precoce é a capacidade de matar a maior quantidade de bacilos, o mais rápido possível. Em geral, após duas a três semanas de tratamento com esquema antituberculínico que contenha fármacos com atividade bactericida precoce, ocorre significativa diminuição da capacidade de transmissão de bacilos pelos indivíduos doentes. Os medicamentos com maior atividade bactericida precoce são a isoniazida, estreptomicina e rifampicina. Perceba que no esquema básicoRHZE possuímos dois desses fármacos! ➔ Ser capaz de prevenir a emergência de bacilos resistentes. Para a prevenção da seleção de bacilos resistentes e a efetiva cura da doença, é necessária a utilização de esquemas terapêuticos com associação de diferentes medicamentos que agirão sobre os bacilos sensíveis e nas diversas populações de bacilos naturalmente resistentes, uma vez que bacilos resistentes a um medicamento podem ser sensíveis a outro. ➔ Ter atividade esterilizante. A atividade esterilizante é a capacidade de eliminar todos os bacilos presentes no indivíduo, seja nas cavidades pulmonares, no interior das lesões caseosas fechadas ou no interior dos macrófagos. Por este motivo, o tratamento da tuberculose é demorado, durando um total de 6 meses. Assim, nos dois meses iniciais de tratamento, o objetivo principal é eliminar os bacilos que estão se multiplicando rapidamente. Nos últimos quatro meses, o objetivo passa a ser esterilizar inclusive os bacilos em atividade quiescente. Assim, os medicamentos do esquema RHZE, associados, possuem as propriedades relacionadas anteriormente para o sucesso terapêutico e a cura da doença. Confira a tabela abaixo. Os fármacos que mais previnem resistência são rifampicina, isoniazida e etambutol (e os três estão no esquema básico). Os fármacos que têm maior atividade bactericida são isoniazida, rifampicina, levofloxacino e moxifloxacino (dois dos quais estão no esquema). Os fármacos que têm maior atividade esterelizante são rifampicina, pirazinamida, levofloxacino e moxifloxacino (dois dos quais estão no esquema). Além disso, os fármacos do esquema estão entre os menos tóxicos. Dessa forma, conseguimos entender por que o RHZE é o esquema básico recomendado. 32 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 » Esquema de tratamento para a tuberculose O esquema de tratamento da tuberculose é padronizado, deve ser realizado de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde e compreende duas fases: a intensiva (ou de ataque) e a de manutenção. A fase intensiva tem o objetivo de reduzir rapidamente a população bacilar e a eliminação dos bacilos com resistência natural a algum medicamento. Uma consequência da redução rápida da população bacilar é a diminuição da contagiosidade. Para tal, são associados medicamentos com alto poder bactericida. A fase de manutenção tem o objetivo de eliminar os bacilos latentes ou persistentes e a redução da possibilidade de recidiva da doença. Nessa fase, são associados dois medicamentos com maior poder bactericida e esterilizante, ou seja, com boa atuação em todas as populações bacilares. Assim, no Brasil, o esquema básico para tratamento da tuberculose em adultos e adolescentes é composto por quatro fármacos na fase intensiva (RHZE) e dois na fase de manutenção (RH). A apresentação farmacológica dos medicamentos, atualmente em uso, para o esquema básico é de comprimidos em doses fixas combinadas com a apresentação tipo 4 em 1 (RHZE) ou 2 em 1 (RH). Fase intensiva ou de ataque (2 meses) • R: Rifampicina • H: Isoniazida • Z: Pirazinamida • E: Etambutol Fase de manutenção (4 meses) • R: Rifampicina • H: Isoniazida 33 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Esquemas especiais, incluindo outros fármacos, são preconizados para diferentes populações, mas não serão abordados aqui. Os esquemas especiais preconizados possuem complexidade clínica e operacional que fazem com que o Ministério da Saúde recomende a sua utilização, preferencialmente, em unidades com perfis assistenciais especializados. Confira na tabela abaixo. » Efeitos adversos dos antimicobacterianos A maioria dos pacientes completa o tratamento sem qualquer reação adversa relevante. No entanto, elas podem acontecer. As reações adversas podem ser divididas em dois grandes grupos: reações adversas “menores”, em que normalmente não é necessária a suspensão dos medicamentos; e reações adversas “maiores”, que normalmente causam a suspensão do tratamento. O paciente deve ser orientado da ocorrência dos principais efeitos adversos e da necessidade de retornar ao serviço de saúde na presença de algum sintoma que identifique como possivelmente associado ao uso dos medicamentos. 34 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 ► Reações adversas menores: ► Reações adversas maiores: 35 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 » Tratamento da tuberculose drogarresistente O tratamento da tuberculose drogarresistente é um dos maiores desafios para o controle da doença no mundo, especialmente a que envolve resistência à rifampicina, isolada ou combinada a outros fármacos, pois se trata do medicamento mais ativo contra o bacilo da tuberculose. Esquemas sem a rifampicina na sua composição, seja por resistência ou por intolerância, requerem o uso de fármacos de segunda linha, resultam em tratamento com duração mais prolongada, com maior potencial de toxicidade e de pior prognóstico. O desenho de esquema terapêutico para tuberculose drogarresistente deve contar com pelo menos quatro fármacos efetivos (nunca usados anteriormente ou com elevada probabilidade de que sejam sensíveis), de acordo com a classificação racional dos medicamentos, contendo pelo menos dois fármacos essenciais (com capacidade bactericida e esterilizante), mais dois fármacos acompanhantes (ação protetora aos essenciais contra a resistência adquirida). 36 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 FARMACOLOGIA II → TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DE ASMA E DPOC A farmacologia pulmonar compreende o entendimento de como os fármacos atuam no pulmão e a terapia farmacológica de doenças pulmonares. Grande parte da farmacologia pulmonar está associada aos efeitos dos fármacos sobre as vias respiratórias e a terapia da obstrução das vias respiratórias, particularmente a asma e a DPOC, que estão entre as doenças crônicas mais comuns no mundo. Tanto a asma quanto a DPOC caracterizam-se por inflamação crônica das vias respiratórias, embora haja diferenças acentuadas nos mecanismos inflamatórios e na resposta à terapia entre essas duas doenças. » Asma A asma é caracterizada por obstrução variável do fluxo aéreo e, normalmente, apresenta uma boa resposta terapêutica aos broncodilatadores e corticosteroides. Geralmente, começa no início da infância, pode desaparecer durante a adolescência e reaparecer na idade adulta. A gravidade da asma em geral não muda, de maneira que os pacientes com asma leve raramente evoluem para asma grave e pacientes com asma grave geralmente a têm desde o início. ► Mecanismos fisiopatogênicos da asma: O mecanismo de inflamação crônica na asma ainda não é bem compreendido. Pode ser inicialmente estimulada pela exposição a alergênios, mas parece tornar-se autônoma, de maneira que a asma é essencialmente incurável. A inflamação pode ser coordenada por células dendríticas que regulam as células Th2, que impulsionam a inflamação eosinofílica, bem como a formação de IgE por linfócitos B. O que se sabe é que a asma é uma doença inflamatória crônica das vias respiratórias, que se caracteriza por ativação dos mastócitos, infiltração de eosinófilos, linfócitos T auxiliares 2 (Th2) e linfócitos inatos tipo 2 (ILC2). A ativação dos mastócitos por alérgenos e estímulos físicos libera mediadores broncoconstritores, como histamina, leucotrieno D4 e prostaglandina D2, que provocam broncoconstrição, extravasamento microvascular e exsudação do plasma. O aumento do número de mastócitos no músculo liso das vias respiratórias é uma característica da asma. A resposta inflamatória crônica produz vários efeitos nas células-alvo das vias respiratórias, causando as alterações fisiopatológicas e de remodelamento características associadas à asma. 37 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 • Musculatura lisa das vias respiratórias: A constrição dos músculos lisos das vias aéreas (broncoconstrição) secundária à liberaçãolocal de mediadores bioativos ou neurotransmissores constitui a explicação mais amplamente aceita para obstrução reversível aguda das vias aéreas nas crises de asma. Portanto, os broncodilatadores são importantes como aliviadores dos sintomas. • Respostas vasculares: Há aumento do fluxo sanguíneo na mucosa das vias respiratórias na asma, o que pode contribuir para o estreitamento das vias respiratórias. As vias respiratórias dos pacientes asmáticos têm quantidades aumentadas de vasos sanguíneos em consequência da angiogênese secundária aos fatores de crescimento, principalmente o fator de crescimento do endotélio vascular. O extravasamento microvascular das vênulas pós-capilares em resposta aos mediadores também ocorre na asma, causando edema das vias respiratórias e exsudação plasmática para dentro do lúmen dessas estruturas. • Secreção aumentada de muco: Acredita-se que a IL-13 induz hipersecreção de muco. A secreção aumentada de muco contribui para a formação dos tampões de muco viscoso que obstruem as vias respiratórias dos pacientes asmáticos. Há hiperplasia das glândulas submucosas que se limitam às vias respiratórias calibrosas e de quantidades aumentadas de células caliciformes epiteliais. • Fibrose sub-basal: Em todos os pacientes asmáticos, a membrana basal parece espessada em razão da fibrose subepitelial com deposição de colágeno dos tipos III e V abaixo da membrana basal verdadeira; essa alteração está associada à infiltração por eosinófilos, possivelmente devida à liberação dos mediadores pró- fibróticos como o fator β transformador do crescimento. ► Fármacos utilizados no tratamento da asma: → Broncodilatadores: Os broncodilatadores relaxam o músculo liso das vias respiratórias contraído in vitro e causam reversão imediata da obstrução das vias respiratórias na asma in vivo. Eles também previnem a broncoconstrição (e assim fornecem broncoproteção). Três classes principais de broncodilatadores estão em uso clínico atualmente: • Agonistas β2-adrenérgicos (simpaticomiméticos) • Teofilina (uma metilxantina) • Agentes anticolinérgicos (antagonistas dos receptores muscarínicos) AGONISTAS β2-ADRENÉRGICOS (SIMPATICOMIMÉTICOS): A utilização de β2-agonistas adrenérgicos relaxa diretamente o músculo liso das vias aéreas. Tais fármacos são usados para o alívio rápido dos sintomas, bem como no tratamento auxiliar para controle de longo prazo da asma. ⤷ Ação curta – SABAs (Short-Acting Beta-Agonists): Os β2-agonistas de curta ação têm rápido início de ação e proporcionam alívio de 3 a 4 horas. Eles são usados no tratamento sintomático do broncoespasmo e dão alívio rápido na broncoconstrição aguda. Exemplos: salbutamol, fenoterol, levossalbutamol, metaproterenol, terbutalina, pirbuterol, etc. ⤷ Ação longa – LABAs (Long-Acting Beta-Agonists): Os β2-agonistas de longa ação têm duração de mais de 12 horas e, assim, são medicamentos de manutenção, não devendo ser usados para o alívio rápido de um ataque de asma agudo. No entanto, tenha em mente que os β2-agonistas não têm efeito anti-inflamatório e nunca devem ser usados como terapêutica única para os pacientes com asma crônica. Exemplos: salmeterol, formoterol, etc. 38 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 A ativação dos receptores β2 (β2AR) resulta em ativação da adenililciclase (AC) por meio da proteína Gs, levando a um aumento do AMPc intracelular e à ativação da PKA. A PKA fosforila uma variedade de substratos-alvo, resultando em abertura dos canais de K+ ativados por Ca2+, facilitando, assim, a hiperpolarização (relaxamento) do músculo liso. Os efeitos colaterais do uso dos fármacos β2-agonistas estão relacionados à dose e são causados pela estimulação de receptores β extrapulmonares. TEOFILINA (METILXANTINA): As metilxantinas, como a teofilina, foram utilizadas no tratamento da asma desde 1930; no entanto, devido ao advento de novos fármacos, atualmente são pouco usadas. A teofilina é um broncodilatador que promove alívio na obstrução das vias aéreas na asma crônica e diminui seus sintomas; atua inibindo a degradação do AMPc. Ela também possui atividade anti- 39 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 inflamatória, embora o mecanismo seja obscuro. Todavia, os β2-agonistas inalatórios são muito mais efetivos como broncodilatadores, e os corticosteroides inalatórios têm maior efeito anti-inflamatório. AGENTES ANTICOLINÉRGICOS (ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES MUSCARÍNICOS): Os efeitos da acetilcolina sobre o sistema respiratório consistem em broncoconstrição e secreção traqueobrônquica de muco. Logo, os agentes anticolinérgicos bloqueiam a contração dos músculos lisos das vias aéreas e a secreção de muco. ⤷ Ação curta: Os agentes anticolinérgicos de ação curta podem ser utilizados durante crises de asma. Exemplo: brometo de ipratrópio ⤷ Ação longa: Os agentes anticolinérgicos de ação longa podem ser utilizados como fármacos de manutenção na asma. Exemplo: brometo de tiotrópio → Corticoesteroides: A introdução dos corticosteroides revolucionou o tratamento da asma crônica. Como a asma é uma doença inflamatória crônica, os corticosteroides inalatórios são considerados como terapia de primeira escolha para todos os pacientes, exceto aqueles com doença mais leve. Os corticosteroides entram nas células-alvo e ligam-se a um receptor no citoplasma. O complexo esteroide-receptor move-se para o núcleo, onde liga-se a sequências específicas nos elementos reguladores proximais de determinados genes-alvo, resultando em aumento (ou raramente, diminuição) da transcrição do gene, com subsequente aumento (ou diminuição) da síntese dos produtos do gene. Assim, os corticosteroides têm efeitos disseminados sobre a transcrição de genes, aumentando a transcrição de vários genes anti-inflamatórios e suprimindo a transcrição de muitos genes inflamatórios. Além disso, os corticosteroides também possuem mecanismos de ação não genômicos. 40 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Perceba como os esteroides têm efeitos inibitórios sobre muitas células inflamatórias e estruturais que são ativadas na asma e evitam o recrutamento de células inflamatórias nas vias respiratórias. Na asma, existem três principais vias de administração para os corticosteroides: • Inalatórios: Os corticosteroides inalados são recomendados como terapia de primeira escolha para todos os pacientes com asma, exceto para os com doença leve. Uma das razões de serem a terapia de escolha é por apresentam mais efeito local e menos efeitos colaterais sistêmicos. Exemplos: budesonida, propionato de fluticasona, etc. A técnica de inalação apropriada é crítica para o sucesso do tratamento. Os pacientes devem ser instruídos para inalar de modo correto (o que pode mudar dependendo do tipo de inalador utilizado), para evitar a deposição do fármaco na mucosa laríngea, em vez da musculatura lisa dos brônquios. Mesmo assim, uma grande fração (geralmente 80-90%) dos corticoides inalados se deposita na boca e faringe ou é deglutida. O restante, 10-20% da dose de corticoide inalada, que não é deglutida, se deposita nas vias aéreas. Se o corticosteroide não é inalado corretamente, a absorção sistêmica e os efeitos adversos são muito mais prováveis. 41 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Os possíveis efeitos colaterais do uso de corticosteroides inalatórios estão mostrados abaixo. • Intravenosos & orais: Os esteroides intravenosos e orais são indicados na asma aguda em pacientes que não apresentem melhora significativa com esteroides inalatórios ou beta-agonistas de curta duração ou cuja condição patológica não permite a inalação. Exemplo de corticosteroide intravenoso: hidrocortisona Exemplos de corticosteroides orais: prednisona e prednisolona → Associação de broncodilatadores e corticoesteroides: Geralmente, o tratamento da asma é feito associando um broncodilatador (mais frequentementeum β2-agonista) a um corticosteroide. Assim, temos um fármaco tratando o broncoespasmo e outro fármaco tratando a inflamação da via aérea. 42 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 → Outras opções de tratamento: Os fármacos citados a seguir são considerados apenas no tratamento de asma em pacientes mal controlados com o tratamento convencional. • Antagonista de receptores de leucotrienos: Montelucaste • Anticorpo monoclonal humanizado anti-IgE: Omalizumabe • Antagonista do receptor de interleucina 5: Mepolizumabe (anticorpo monoclonal humanizado que inibe a IL-5 de se ligar aos seus receptores nos eosinófilos e, consequentemente, reduz a inflamação eosinofílica) • Agonista do receptor alfa de interleucina 5: Benralizumabe (anticorpo monoclonal humanizado IgG1- kappa; ao ligar-se ao receptor alfa da IL-5, leva a apoptose do eosinófilo, determinando uma rápida e quase completa depleção dos níveis de eosinófilos séricos) ► Esquema de manejo da asma: O tratamento da asma implica uma abordagem personalizada, incluindo, além do tratamento farmacológico, a educação do paciente, o plano de ação por escrito, o treinamento do uso do dispositivo inalatório e a revisão da técnica inalatória a cada consulta. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o manejo da asma é dividido em etapas de I a V: 43 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 O fluxograma abaixo apresenta o manejo da asma de acordo com o Global Initiative for Asthma (GINA), que é dividido em 5 passos, de maneira muito semelhante ao apresentado anteriormente. » Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma obstrução crônica e irreversível do fluxo aéreo. Geralmente é progressiva. O fumo é o maior fator de risco da DPOC e está ligado diretamente com o declínio progressivo da função pulmonar. ► Mecanismos fisiopatogênicos da DPOC: A DPOC envolve a inflamação do trato respiratório com um padrão que difere da asma. Na DPOC, observa-se um predomínio de neutrófilos, macrófagos, linfócitos T citotóxicos (células Tc1) e células T auxiliares 17 (Th17). A inflamação afeta predominantemente as pequenas vias respiratórias, resultando em estreitamento progressivo das vias respiratórias pequenas e fibrose (bronquiolite obstrutiva crônica) e destruição do parênquima pulmonar com destruição das paredes alveolares (enfisema). Essas alterações patológicas resultam em fechamento das vias respiratórias na expiração, levando ao aprisionamento do ar e hiperinsuflação, particularmente ao esforço (hiperinsuflação dinâmica). Isso explica a falta de ar ao esforço e a limitação de exercícios que são sintomas típicos da DPOC. 44 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 Os broncodilatadores reduzem o aprisionamento de ar dilatando as vias respiratórias periféricas e são a base do tratamento na DPOC. No entanto, diferentemente da asma, a inflamação observada em pacientes com DPOC é pouco responsiva aos corticosteroides. Muitos pacientes com DPOC apresentam comorbidades, incluindo cardiopatia isquêmica, hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes melito, osteoporose, perda de massa do músculo esquelético, depressão, doença renal crônica e anemia. Essas doenças podem ocorrer em conjunto como parte de uma multimorbidade, como doenças de envelhecimento acelerado, com mecanismos patogênicos comuns. ► Fármacos utilizados no tratamento da DPOC: Os fármacos utilizados no tratamento da DPOC são os mesmos usados na asma. A diferença é que na DPOC é dada uma ênfase maior aos broncodilatadores em vez dos corticoesteroides. Isso pode ser explicado pela patogenia das doenças (visto que, na asma, o componente inflamatório é mais exacerbado) e também pelo fato de o uso de corticoesteroides está associado com aumento do risco de pneumonia em pacientes com DPOC. Além disso, na DPOC, são usados mais broncodilatadores de longa duração (visto que se trata de uma doença crônica e progressiva). Assim, ao contrário da asma, na DPOC, geralmente, o tratamento é feito associando um β2-agonista de longa duração a um agente anticolinérgico de longa duração. Objetivo do tratamento Enquanto na asma o objetivo do tratamento é deixar o indivíduo assintomático ou oligossintomático, na DPOC isso é mais difícil e, atualmente, nenhum tratamento reduz a progressão da doença. Assim, o tratamento farmacológico da DPOC é direcionado ao alívio dos sintomas e exacerbações (o máximo possível). As únicas medidas capazes de reduzir a mortalidade da DPOC são: parar de fumar e oxigenoterapia (em pacientes com hipoxemia crônica). ► Esquema de manejo da DPOC: A classificação da gravidade da DPOC tem por objetivo estabelecer o grau da obstrução do fluxo aéreo, determinar a intensidade dos sintomas (especificamente o grau da dispneia) e escolher o melhor tratamento farmacológico. Assim, as recomendações para o tratamento farmacológico da DPOC da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, envolvem três tipos de terapia: monoterapia broncodilatadora, terapia dupla broncodilatadora e terapia tripla (dois broncodiladores e um corticoesteroide). 45 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 FARMACOLOGIA II → ANTIVIRAIS Existe mais de uma centena de vírus patogênicos ao homem, contudo, medicamentos antivirais estão disponíveis para tratamento principalmente de infecções causadas pela família herpes-vírus, hepatites virais B e C, influenza e HIV/AIDS. Este capítulo aborda o tratamento antiviral dessas doenças, com exceção dos fármacos utilizados no tratamento da infecção HIV/AIDS, que serão estudados apenas no próximo semestre. » Sobre os vírus Estrutura Os vírus são agentes infecciosos pequenos (em geral, na faixa de 20 a 30 nm), incapazes de se reproduzir fora das células de seu hospedeiro. A partícula viral de vida livre é denominada vírion e consiste em segmentos de ácido nucleico (RNA ou DNA) circundados por uma capa proteica, denominada capsídeo. A capa viral, juntamente com o núcleo de ácido nucleico, recebe o nome de nucleocapsídio. Alguns vírus contêm um envelope lipoproteico externo extra, que pode ser composto de glicoproteínas ou fosfolipídios antigênicos virais adquiridos de seu hospedeiro, quando o nucleocapsídio brota através das membranas da célula infectada. Os vírus são, em geral, caracterizados como vírus de DNA ou vírus de RNA, dependendo da natureza de seu conteúdo de ácido nucleico. Essas duas categorias amplas são convencionalmente divididas em subgrupos, que classificam os vírus de acordo com a presença de ácidos nucleicos de filamento simples ou duplo e a forma como funcionam durante a replicação. Essa divisão não vem ao caso durante o nosso estudo. Ciclo de replicação Os vírus não contam com um sistema metabólico próprio, portanto, para se replicar, eles primeiro devem se ligar – e penetrar – à célula de um hospedeiro vivo e sequestrar os processos metabólicos da própria vítima para se replicar. A primeira etapa desse processo é facilitada pelos locais de ligação polipeptídica no envelope ou capsídio, interagindo com os receptores na célula do hospedeiro. Esses “receptores” são constituintes normais da membrana; por exemplo, receptores para citocinas, neurotransmissores ou hormônios, canais iônicos, glicoproteínas integrantes da membrana etc. Após a ligação, o complexo vírus-receptor entra na célula, muitas vezes por via de endocitose mediada por receptores (embora alguns vírus não utilizem esta via). O invólucro nuclear é removido pelas enzimas celulares do hospedeiro (frequentemente de natureza lisossômica), e o vírion é desmantelado. No interior da célula do hospedeiro, o ácido nucleico viral é liberado e depois utiliza a maquinaria da célula 46 Gabriela Figueiredo Güntzel – ATM 24/1 hospedeira para sintetizar ácidos nucleicos e proteínas. Estas são subsequentemente montadas,
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