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Júlia Camargos FACULDADE DE MEDICINA DE BARBACENA CLÍNICA MÉDICA I - NEFROLOGIA AULA 14 - HIPERNATREMIA ● A hipernatremia sempre será hipertônica: o sódio é o principal participante da tonicidade plasmática → Na > 145 mg/dL ● Em indivíduos normais ocorre a liberação de ADH e sede assim que a osmolaridade ultrapassa seu valor normal (280-290) ● Osmolaridade: puxa a água do intracelular para o extracelular, desidratando os neurônios específicos do cérebro, os osmorreceptores, localizados no hipotálamo ○ A deformação dessas células provoca sua ativação → enviam sinais para estimular a sede e liberar ADH → concentração urinária e aumento da ingesta de água → retorno dos valores normais de osmolaridade ● A hipernatremia pode ser: ○ Hipovolêmica; ○ Isovolêmica; ○ Hipervolêmica. ● Hipernatremia é sempre um problema da água que só acomete pessoas que não têm acesso à água → a sede é um mecanismo muito eficaz em manter a osmolaridade sérica. Mesmo na ausência ou na resistência ao ADH com débito urinário acima de 10 / 15 litros por dia, a hipernatremia não se desenvolve se o indivíduo tiver acesso a água ADAPTAÇÃO DO CÉREBRO À HIPERNATREMIA: ● As manifestações clínicas são principalmente neurológicas, secundárias à desidratação dos neurônios Vermelho: sais de sódio; azul: moléculas de água; verde: osmois orgânicos 1. Normalidade: Na+ = 140mEq/L fora da célula e a osmolaridade = 280 mosmo/Kg/H2O → osmolaridade dentro e fora da célula está a mesma. 2. O Na+ aumenta (160 mEq/L), o extracelular fica hiperoncótico em relação ao intracelular, a água então se move por osmose do intra para o extra, reduzindo seu volume. 1 Júlia Camargos 3. A célula então se protege, acumulando conteúdo orgânico (aminoácidos, polióis, metilaminas), retornando ao seu volume celular. 4. Se abaixar o Na+ sérico muito rápido, sem dar tempo para que essa célula se livre dos compostos orgânicos, ela fica hiperoncótica em relação ao extracelular, puxando água para dentro dela, aumentando o volume celular, podendo levar à lesão celular e morte (a calota craniana restringe o aumento volumétrico do cérebro → HIC → convulsões → morte). ● Esse processo de adaptação da célula cerebral à hipernatremia pode se completar dentro de 48h. Nos casos que duram mais que 48 horas, a correção deve ser lenta, para evitar o edema cerebral secundário. HIPERNATREMIA HIPOVOLÊMICA: ● Ocorre perda de água e Na+, sendo a perda de água maior que a de Na+. O conteúdo de líquido do extracelular vai reduzir e o Na+ vai aumentar → água vai mover do intra pro extracelular. ● As causas podem ser: ○ Renais: Uso de diuréticos osmóticos (Manitol); hiperglicemia acentuada, principalmente no DM 2; fase poliúrica da necrose tubular aguda. Em qualquer uma dessas situações, por mais que o paciente esteja hipovolêmico, o rim não consegue reter o Na+ e, consequentemente, o Na+ urinário estará alto > 20 mEq/L; ○ Extra-renais: Sudorese ou diarreia excessiva, desidratação no idoso ou no bebê → rim reabsorve todo Na+ que ele consegue → Na+ urinário estará baixo < 10mEq/L. ● Paciente terá sinais clínicos de desidratação e hipovolemia. O tratamento de ambas as situações é administração de soro fisiológico HIPERNATREMIA HIPERVOLÊMICA: ● É menos comum que a hipovolêmica. Ocorre expansão da água e do Na+, sendo que a do Na+ é maior. ● Ocorre nas seguintes situações: ○ NaCl a 0,9% em grandes quantidades (ressuscitação em quadro de choque); 2 Júlia Camargos ○ HCO3- para acidose; ○ Salina hipertônica; ○ Hiperaldosteronismo; Síndrome de Cushing → Aumento dos mineralocorticóides e maior reabsorção de Na+ e água. ● Dessa forma, ocorre uma expansão do extracelular, assim como expansão do Na+, fazendo que a água se mova do intra para o extracelular. ● A conduta em todos esses casos é oferecer água livre + uso de diuréticos. HIPERNATREMIA ISOVOLEMICA: ● Perda praticamente exclusiva de água, sem perda concomitante de Na+. ● Isso ocorre em: ○ Diabetes Insipidus ■ Central: redução da secreção de ADH; ■ Nefrogênico: resistência à ação do ADH no ducto coletor. ● Mesmo na ausência de ADH, a hipernatremia não se desenvolve se o indivíduo tiver acesso à água. ● Nesse caso não há contração do extracelular, pois se perde só água, mas como o Na+ aumenta pela redução da água, a água do intracelular se move do intra para o extracelular por osmose. ● O tratamento é adm de água livre, uso de vasopressina exógena e correção do fator causal da resistência renal ao ADH. 3 Júlia Camargos OSMORREGULAÇÃO DO ADH E DA SEDE: ● A hipernatremia não se desenvolve só pela ausência do ADH ou pela resistência renal à ação do ADH. ● Assim que a osmolaridade plasmática aumenta, há liberação de ADH e sede. ● O indivíduo então só não consegue regularizar a osmolaridade se ele não tiver acesso à água. ● A hipernatremia só vai ocorrer em recém-nascidos, idosos, pacientes acamado ou sedados, com ventilação mecânica, entre outros. DIABETES INSIPIDO: ● Diabetes insípido central: qualquer processo patológico que cause destruição das estruturas anatômicas do eixo hipotálamo-hipófise, envolvidos na produção e secreção de ADH ○ Trauma, Tumor, Neurocirurgia, Meningite. ● Diabetes insípido Nefrogênico: ○ Genético (defeito nos receptores V2, da aquaporina); Hipercalcemia; Hipocalemia; Lítio (potente inibidor da ação do ADH); Outras drogas (anfotericina B, demeclociclina). ● Diabetes insípido gestacional: ○ Secreção insuficiente de vasopressina (desaparece dentro de 4-6 semanas após o parto, podendo reaparecer em gravidez subsequentes); ○ Metabolização placentária aumentada do ADH ● Diabetes insípido dipsogênico: ○ Polidipsia primária: Causado por uma anomalia do centro regulador da sede. A terapêutica com vasopressina também reduz o débito urinário, mas diferente da neurogênica, não ocorre eliminação completa da sede e a ingestão excessiva de líquidos pode gerar intoxicação pela água e hiponatremia; ○ Polidipsia psicogênica ou potomania. SITUAÇÕES QUE PODEM LEVAR À INGESTÃO REDUZIDA DE ÁGUA: ● Falta de acesso à água: encarceramento, restrições, intubação, imobilização; ● Estado mental alterado: medicamentos, doenças; ● Doença neurológica: demência, função motora comprometida; ● Sede anormal: hipodipsia geriátrica; disfunção osmorreceptora (redefinição do limiar osmótico); ● Lesão nos centros de sede por quaisquer lesões no hipotálamo: metástase, doenças granulomatosas, anormalidades vasculares e trauma, auto anticorpos para o sensor de nível de sódio no cérebro ● Perda de água através do trato respiratório: ventilação mecânica. DIAGNÓSTICO: ● Anamnese (muitas vezes fecha o diagnóstico): ○ Sede excessiva; ○ Diurese; 4 Júlia Camargos ○ Uso de medicamentos (lítio); ○ Diabetes mellitus; ○ História de trauma ou neurocirurgia; ○ Gravidez; ○ Ressuscitação volêmica agressiva; ○ Uso de bicarbonato ou manitol; ○ Hospitalar ou extra-hospitalar. INVESTIGAÇÃO DA HIPERNATREMIA EXTRA-HOSPITALAR: ● Fatores de Risco: ○ Idade avançada, ou lactentes; ○ Impedimento físico ou mental; ○ Diabetes descompensado ou em diureticoterapia; ○ Síndromes poliúricas (fase de recuperação da IRA); ○ Hospitalização recente (iatrogenia); ○ Residente em abrigo, sobre cuidado de terceiros. INVESTIGAÇÃO DA HIPERNATREMIA INTRA-HOSPITALAR: ● Fatores de risco: ○ Depressão do sensório; ○ Alimentação enteral ou parenteral; ○ Diurese osmótica; ○ Uso de lactulose (laxativo usado na insuficiência hepática); ○ Ventilação mecânica. ○ Medicações (sedativos, diuréticos). SINAIS E SINTOMAS: ● O principal sintoma da hipernatremia é a sede, assim como a diurese excessiva, nos casos de DM Insipidus. ● A ausência de sede em pacientes conscientes com hipernatremia sugere alteração do mecanismo da sede, o que é raro. ● Pacientes com dificuldade de comunicação e deambulação podem não conseguir expressar a sede ou ter acesso a água → pacientes agitados. 5 Júlia Camargos INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL: ● Eletrólitos séricos (Na+, K+, Ca2+) -> descarta possibilidade de DM Insipidus Nefrogênico secundário a uma hipercalcemiaou hipocalemia; ● Glicemia; ● Ureia e Creatinina; ● Eletrólitos na urina (Na+, K+); ● Osmolaridade da urina e do plasma (se disponível, se não disponível olhas a densidade urinária pela fita do EAS); ● Volume de urina de 24 horas Nível sérico ADH (se indicado e disponível) ● Como não tem como dosar o ADH, pode ser feito o teste de restrição hídrica, avaliando indiretamente a secreção do ADH, através da análise da capacidade de concentração urinária em resposta ao aumento da osmolaridade plasmática. O indivíduo é colocado sob dieta seca, com restrição de água e ingestão de alimentos com menor teor de água → pesa o paciente e analisa a densidade urinária através da fita → aplica o ADH (DDAVP nasal, vasopressina IM ou SC). TRATAMENTO: Hipernatremia Cronica: ● Tratamento imediato quando o Na+ sérico estiver acima de 158 - 160 mEq/L, sobretudo na presença de sintomas; ● O risco do tratamento está na indução de edema cerebral, sendo a taxa exata de diminuição da hipernatremia ainda não está bem determinada; ● A administração de 3 mL/kg de água livre abaixa o sódio em torno de 1 mEq/L; ● Glicose 5%: 1,35 mL/Kg/h, ou seja, 100 mL/h em um adulto de 70kg; ● Hipovolemia: infusão inicial de NaCl a 0,9%; ● Pacientes estáveis: água por VO ou por SNG (sonda nasogástrica); ● Objetivo: ↓Na+ em torno de 10 mEq/L em 24h (lentamente), no máximo 12 mEq/L/24h. Hipernatremia Aguda (dentro de 48hrs ou menos): ● É incomum e ocorre por intoxicação de sal, pcts portadores de DM Insipidus que perdem agudamente a capacidade de suprir a perda de água, tratamento de hiperglicemia grave (coma hiperosmolar não cetótico) ● O objetivo é normalizar o Na+ sérico dentro de 24h (risco de mielinólise se o sódio subir rapidamente); ● Glicose 5%: 3 a 6 mL/Kg/h, ou seja, 210 a 350 mL/h em um adulto de 70kg; ● Acrescentar perdas (vômito, diarreia, perda renal de água...); ● Monitorar o Na+ e a glicemia a cada 2h; ● Na+ < 145 mEq/L → reduzir infusão para 1 mL/kg/h até o Na+ sérico chegar a 140 mEq/L; ● Reposição eletrolítica concomitante: ○ KCL na hipocalemia; 6 Júlia Camargos ○ NaCl a O,9% na hipovolemia. Hipernatremia associada à hiperglicemia: ● Assim que a hiperglicemia e hipovolemia são corrigidos, a [Na+] tende a aumentar, pois ocorre transferência osmótica de água do fluido extra para intracelular. Ocorre também perda de água livre e eletrólitos na urina, uma vez que o excesso de glicose é excretado. ● Então quando o paciente com hiperglicemia grave, cuja [Na+] é normal ou alta no início, é tratado, espera-se que esse paciente evolua com hipernatremia grave durante o curso da terapia. ● A prioridade é a correção da hipovolemia e hiperglicemia, tanto na cetoacidose, como no coma hiperosmolar não cetótico; ● Crianças e adultos jovens que desenvolvem hipernatremia; considerar como crônica e baixar o sódio lentamente (redução de no máximo 12 mEq nas 1 a 24h); ● Indivíduos idosos não apresentam edema cerebral secundário à correção rápida da hipernatremia e podem evoluir com mielinólise devido à elevação rápida do Na+ causada por hiperglicemia grave, por isso devem ser submetidos ao protocolo de correção rápida da hipernatremia aguda. O melhor modo de adm água livre é usar solução salina 0,45, que deve ser o dobro da solução glicosada, usando numa velocidade de 6-12 mL/Kg/h. MONITORIZAÇÃO DO NA+ DURANTE A CORREÇAO DA HIPERNATREMIA: ● Hipernatremia aguda (reduzir rapidamente o Na+ sérico, a 140 mEq/L em menos de 24h, evitando mielinólise): ○ Monitorar Na+ e glicemia de 1/1h ou no máximo de 2/2h; ● Hipernatremia crônica (a infusão rápida de água livre não é necessária): ○ Reavaliar o sódio 6h após o início da correção; ○ Na+ caiu em torno de 0,5 mEq/h: repetir dosagem a cada 12 a 24h; ○ Pacientes mantendo perda de água livre: dosar Na+ a cada 4 a 6h; ○ Na+ caiu mais ou menos do que o esperado: modificar a infusão de água livre e reavaliar o Na+ 4 a 6h após a modificação. ● Alteração da conduta caso o Na+ não caia como esperado: ○ Correção muito lenta (mais comum) (Na+ cai < 0,25 mEq/L/h): ■ Estimar perdas contínuas de água livre devido à diurese osmótica (hiperglicemia ou ureia muito alta que estão na recuperação de IRA, diarréia ou vômitos, SNG) e aumentar a infusão ○ Correção muito rápida: ■ Reduzir ou interromper a infusão; ■ Bebês: parar infusão e administrar Na+ (para melhora o edema cerebral iatrogênico). ESTIMATIVA DO DÉFICIT DE ÁGUA LIVRE: ● Fórmula de Adrogué e Madias: não elimina a necessidade de monitoramento cuidadoso do sódio sérico durante a terapia ACT = água corporal total → homens (60% do peso) e mulheres (50% do peso) 7 Júlia Camargos ● Essas fórmulas são falhas pois não incluem perdas excessivas ou perdas urinárias ou gastrointestinais de eletrólitos e água → mesmo as fórmulas que incluem, são imprecisas. ● Não devem ser utilizadas como único guia para terapia, mas podem ser úteis para fornecer uma estimativa aproximada da quantidade de água livre que será necessária e pode ajudar a identificar perdas inesperadas de fluidos. Exemplo: - Paciente do sexo masculino, 90 Kg, com Na+ = 160mEq/L - ACT = 90 x 0,6 = 54 litros - Déficit de água livre = 54 X (160/140 - 1) = 7,7 litros. Sumarizando: ● As disnatremias são basicamente distúrbios da água; ● As hiponatremias são o principal distúrbio hidro-eletrolítico e ocorrem principalmente em pacientes hospitalizados, sendo frequentemente associadas à administração inadvertida de água livre em pacientes com alguma predisposição; ● As hipernatremia só se desenvolvem em pacientes que não têm acesso à água, pois a sede é um excelente mecanismo de manutenção da osmolaridade sérica; ● A correção urgente da hiponatremia só se justifica nos casos graves e com sintomatologia, geralmente casos agudos. ● A correção da hiponatremia pode levar à mielinólise e a correção da hipernatremia pode levar à edema cerebral; ● O desenvolvimento rápido de uma hipernatremia também pode levar à mielinólise. 8
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