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Unidade II A LITERATURA CANÔNICA DE LÍNGUA INGLESA A formação do cânone de língua inglesa Profa. Ma. Andréa Cotrim Objetivos Neste curso você aprenderá o que vem a ser cânone e terá contato com narrativas literárias consagradas de Língua Inglesa, mediante o estudo de três gêneros: a poesia, a ficção e o teatro. O propósito de nosso estudo é analisar como e por que certas produções literárias, em detrimento de outras, passaram a representar um povo e, em virtude disso, se tornaram indispensáveis para seu entendimento. Objetivos específicos Os objetivos específicos compreendem a leitura de trechos de obras legitimadas como canônicas e sua apreciação. Sendo assim, na Unidade 2, A formação do cânone de Língua Inglesa, faremos um estudo mais amplo de obras inglesas e norte-americanas na poesia, na prosa e no teatro. Encerramos com uma reflexão sobre valor estético, calcada na crítica do Professor Doutor Jaime Ginsburg, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, da Universidade de São Paulo. Conteúdo Tópico 1 – A poesia canônica de língua inglesa Tópico 2 – A ficção canônica de língua inglesa Tópico 3 – O teatro canônico de língua inglesa Tópico 4 – Leituras Sugeridas Os cem escritores mais criativos Teóricos renomados, como Harold Bloom (2003), defendem a normatividade do cânone; ele propõe uma listagem dos cem escritores mais criativos da história da literatura. Dentre os nomeados estão Platão, Sócrates, Virgílio, Camões, Dante Alighieri, Molière etc. Dentre os escolhidos de terras anglo-saxônicas, Bloom elenca, por exemplo, Shakespeare, John Donne, John Milton, Jonathan Swift, William Blake, William Wordsworth e pouquíssimas mulheres, como Jane Austen, as irmãs Charlotte e Emily Bronté, George Eliot (Mary Ann Evans), Emily Dickinson e Virginia Woolf. A questão da canonização No tópico 1, faremos a contextualização das correntes poéticas e, ao final, uma reflexão de Bloom (1995) sobre Walt Whitman. Fica designado a você, caro aluno, uma leitura refinada, ao sabor das reflexões já feitas na Unidade I e das que se seguem na Unidade II. Tópico 1 – A poesia canônica de Língua Inglesa Para compreendermos a poesia canônica de língua inglesa, tanto aquela produzida na Inglaterra quanto a dos Estados Unidos, é necessário analisar as bases da fundação da nação inglesa. Quando detemos nosso olhar aos primeiros escritos, mergulhamos na diversidade do povo inglês: Jutos; Celtas; Anglo-saxões; Romanos; Normandos; Nórdicos. Contextualização: as origens A tradição oral trazida pelos invasores da Dinamarca e Suécia, por volta de 700 A.D. é transcrita em verso, no ano 1000 A.D. pelos monges escribas. Dessa forma, elementos cristãos são incorporados ao panteão de deuses nórdicos, e a literatura que ressalta bravura e lealdade ao rei, torna-se um cânone. Assim, temos a primeira narrativa de língua inglesa, Beowulf, em que o guerreiro nórdico defende a integridade de seu povo. A expansão territorial da Inglaterra Com o passar dos séculos, a tônica da poesia inglesa deixa transparecer os feitos do Império Britânico. Dessa forma, a expansão territorial da Inglaterra passa a caminhar lado a lado com o crescimento intelectual de seus compatriotas, o que impulsiona, de alguma forma, os escritos poéticos. A seguir, os versos de Beowulf, a primeira grande lírica de língua inglesa. A imagem do guerreiro é metáfora estendida a todos os nobres cidadãos ingleses que se prezam. Old English Fonte: http://www.wordorigins.org/index.php/site/comments/blogging_beo wulf_fit_ix_lines_559_661/ Acesso em junho de 2015. Inglês arcaico: língua de consoantes aglomeradas e difíceis de pronunciar. A primeira narrativa de língua inglesa: Beowulf Monges: registrando as narrativas orais em versos: facilita a memorização. 3.182 linhas com aliteração, divididos em 44 seções. Valores difundidos: honradez, obediência e amor ao reino. Narrativa do guerreiro na luta entre o bem e o mal. Beowulf x monstro Grendel = cristãos x deuses pagãos. Por esse motivo, a narrativa apresenta passagens bíblicas e a presença de um único Deus criador. Valores do poema épico Beowulf é conhecido não somente por seus atos, mas por ser filho de quem é; habita nele o desejo de perpetuar a tradição da família, já que seu pai era um homem destemido e cujas façanhas sobrevivem ao tempo. Desde Beowulf, a lealdade, a honra, a coragem sobre-humana, a amizade incondicional, são elementos majorados em qualquer narrativa canônica. Nação, tradição e lealdade Mesmo sabendo que Grendel aterrorizava o reino de Hrothgar, Beowulf e seus homens partem em viagem pelo mar para enfrentar a criatura. A bravura de Beowulf serve de modelo a todos os cidadãos de outrora e aos de hoje. Beowulf honra seu posto e ensina ao leitor como se comportar diante dos desafios para proteger a nação que estava, simbolicamente, subjugada pelo monstro. A conformação do cânone se dá porque as culturas nacionais produzem sentidos sobre a nação. Até hoje vemos o modelo do herói Beowulf em outras narrativas literárias, teatrais, cinematográficas e até em jogos de RPG (Role-playing game). O romance de cavalaria e os Contos da Cantuária Dessa forma, o francês era falado pela nobreza, enquanto o domínio do latim pertencia à classe mais culta. A língua inglesa fica relegada ao povo. A Conquista Normanda resgata o mito do rei bretão, Artur, e dos cavaleiros da Távola Redonda. O cavaleiro é um símbolo universal de heroísmo porque expulsa o invasor. Outro mito poderoso surge na figura de Robin Hood, o fora- da-lei que não aceita o domínio normando. Middle English (inglês médio) Tanto O Rei Artur e os Cavaleiro da Távola Redonda, como Robin Hood são escritos em middle english (inglês médio), língua de transição. O espírito de união da nação mantém-se vivo nessas narrativas, as quais se tornaram canônicas. Após a derrota da Normandia pelos ingleses em 1204, o inglês volta a ser falado e abre caminho para os escritos de Geoffrey Chaucer, o primeiro grande poeta inglês. Interatividade Qual a alternativa incorreta? a) A partir de Chaucer, o inglês ganha estatuto literário. b) Chaucer retrata todos os segmentos sociais. c) O Romance de Cavalaria não fala de honradez como no poema épico de Beowulf. d) A batalha de Beowulf contra Grendel simboliza a luta entre cristãos e os deuses pagãos. e) O inglês volta a ser falado na Inglaterra, após a derrota contra os normandos. Darlene Realce Geoffrey Chaucer Nasce por volta de 1340. Sua obra–prima, Os Contos da Cantuária, é uma coletânea que versa sobre as virtudes e, principalmente, os vícios do ser- humano durante uma peregrinação religiosa. Vários tipos sociais (barão, religioso, comerciante, doutor). A história dos peregrinos dá, pela tônica do humor, voz a todas as camadas sociais e serve de ensinamento moral. Leiamos um excerto, em que a habilidade de um médico está a serviço do dinheiro que pretende ganhar: Os Contos da Cantuária O Médico [...] Tinha a dieta muito moderada, Pois de supérfluo não comia nada, Mas só alimento rico e digestivo. Em ler a Bíblia parecia esquivo. Gastava o seu dinheiro com cuidado, Guardando o que na peste havia lucrado. Como o ouro entre os cordiais tem mais valia, Ao ouro mais que tudo ele queria. A Era de Ouro A Rainha Elizabeth, filha de Ana Bolena com Henrique VIII, tinha apenas vinte e cinco anos quando assume o trono. Afeita às artes, a monarca passa a incentivar o desenvolvimento, principalmente do teatro. A Renascença floria o intelecto e a estética. As viagens recém-empreendidas a outras terras significou o alargamento das fronteiras e o estabelecimentodo Império Inglês, em lugares como a Índia e os Estados Unidos. Transição do teocentrismo ao antropocentrismo. Surge então, William Shakespeare, do qual falaremos no tópico 3. Os poetas metafísicos O intuito de suas poesias era levar os assuntos espirituais e filosóficos ao conhecimento de todos. A emoção era trabalhada em versos de temática intelectual. Havia sempre o conflito entre fé e razão, pensamento e sentimento. O desejo carnal opunha-se ao desejo maior: a elevação do espírito. Uso de argumentação rebuscada e a forma elíptica do verbo. A poesia de John Donne foi reconhecida como genial no século XX. A categorização do cânone muda, de acordo com o período histórico-social. John Donne (1573-1631) “Nenhum homem é uma ilha isolada cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; [...] a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” Os versos românticos da Inglaterra O século XVIII gozava de prosperidade com o império britânico em ascensão. Sentimento de liberdade, igualdade e fraternidade, promulgados pelas Revoluções Americana e Francesa. Versos como instrumento político, social e cultural. William Blake (1757-1827) rejeitou o poder da razão humana em voga, até então. A canonicidade de um autor também é atribuída à sua ousadia de mostrar algo que vai contra a corrente de uma época. A poesia do Modernismo O trauma da Primeira Guerra Mundial: desesperança. Um mundo esfacelado e incerto era o que os poetas tentavam retratar em seus poemas. Elizabeth Bishop (1911-1979), americana. One Art The art of losing isn’t hard to master; so many things seem filled with the intent to be lost that their loss is no disaster. Em foco: Walt Whitman (1819-1892) por Harold Bloom Em 1855, ele escreve Leaves of Grass, Song of Myself e The Sleepers. É original em versos livres, mas o que o torna excepcional é a inventividade mitológica e o domínio da linguagem figurativa. Song of Myself “Sou o poeta do corpo/ E sou o poeta da alma Sou o poeta da mulher tanto quanto do homem/ E digo que é tão bom ser mulher quanto ser homem” Whitman “ocupa o centro do cânone americano porque muda o eu e a religião americanos, mudando a representação de nossos eus não-oficiais e nossa persuasiva, embora oculta, religião pós-cristã” (BLOOM, 1995, p.371). Tópico 2: A ficção canônica de língua inglesa Iremos enfatizar, agora, o gênero em prosa que ocorre no século XVIII, período histórico de muitas transformações: o Romance: oriundo do letramento de uma pequena parcela da burguesia. Período histórico das Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), calcadas nos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. A geração do final do século reagiu à mecanização da vida e à racionalização das ideias, procurando retomar o contato com a natureza e exaltar a sensibilidade. Intelectuais opuseram-se à existência da escravidão e às condições precárias de vida dos trabalhadores. O Romantismo Movimento literário que imprimiu um caráter individualista e que ganhou força, por meio das obras-primas de mulheres, antes à margem da escrita, como Jane Austen, Mary Shelley e as irmãs Bronté, já no século XIX. O romance inglês dos séculos XVIII e XIX institui-se como o eixo cultural da sociedade vitoriana, dando à literatura uma nova dimensão. Mary Shelley (1789-1851) Frankenstein (1817) é narrado a partir de 3 pontos de vista; Mistura elementos góticos e românticos; Fala sobre a responsabilidade dos nossos atos, da ganância que habita o humano, sobre moralidade e sobre os sentimentos de dor, solidão, sofrimento, ódio e remorso. Did I request thee, Maker, from my clay To mould me Man, did I solicit thee From darkness to promote me? As frases sugerem a revolta existencial do indivíduo sobre sua permanência no mundo, diante das provações cotidianas. Jane Austen (1775-1817) Expõe a vida privada das elites inglesas, em uma sociedade ainda rural. Trata do casamento por conveniência e outras relações humanas, mediadas pelo interesse. Bailes, visitas, chás, encontros e desencontros percorrem as narrativas de Austen. protagonistas com pulso forte, opondo-se a um contexto de submissão, em que o destino parecia apenas apontar para o casamento. Suas heroínas vão querer arbitrar seu futuro. Jane Austen (1775-1817) (2) Razão e Sentimento (1811), Orgulho e Preconceito (1813), Mansfield Park (1814), Emma (1816), Northanger Abbey (1818) e Persuasão (1818) utiliza a ironia e a observação apurada como ferramentas para narrar: It is a truth universally acknowledged, that a single man in possession of a good fortune, must be in want of a wife. A frase inicial do romance Pride and Prejudice espelha o estilo irônico de Austen: as mulheres do século XIX firmavam suas identidades com o casamento e se tornavam subservientes a seus maridos. Era notório que os homens tivessem ciência do fato e que se aproveitassem disso, escolhendo as jovens mais bonitas e com o mais alto dote a oferecer, como moeda de troca. As irmãs Bronté Não só o amor e suas convenções percorrem as veias dos romances vitorianos. Bigamia, violência, cobiças, casamentos entre grupos raciais distintos, acordos escusos e as incertezas do século XIX configuravam o pano de fundo dos romances de três irmãs letradas: as irmãs Bronté: Anne (1820- 1849), Charlotte (1816- 1855) e Emily (1818-1848). Literatura questionadora do status quo. Em O morro dos ventos uivantes (1847), a força da paixão entre Heathcliff e Catherine supera os ditames sociais: It would degrade me to marry Heathcliff now; so he shall never know how I love him; and that, not because he’s handsome, Nelly, but because he’s more myself than I am. Whatever our souls are made of, his and mine are the same. Interatividade Assinale a alternativa incorreta. O período da Renascença marca: a) O antropocentrismo na cultura, na filosofia e na História. b) O brilhantismo de Shakespeare nos palcos e na poesia. c) O reinado da Rainha Elisabeth na Inglaterra. d) O declínio econômico da Inglaterra. e) O desenvolvimento das artes, em especial, do teatro. Darlene Realce Romance vitoriano 1837 até 1901. Neste período, a Inglaterra expande seus territórios, transformando países em colônias e se firmando como o maior império do mundo. A riqueza que a Inglaterra obtinha das colônias e a opulência da Corte contrastavam com a miséria e a exploração de dos trabalhadores das metrópoles industriais. É nesse período que Charles Dickens desponta como o escritor cuja principal preocupação eram as figuras marginais, em função das injustiças que sofriam, no cenário vitoriano da Revolução Industrial. Charles Dickens (1812-1870) Cria histórias sobre crianças, retratadas em condições desumanas. Oliver Twist, publicado em fascículos entre 1837 e 1839. A trama cede lugar à denúncia que Dickens faz das condições a que estavam submetidas as crianças da época. Dickens criticava o consumismo supérfluo, incentivado pelas facilidades do maquinário, em oposição ao valor atribuído aos sentimentos como o amor e a solidariedade. Outras obras: As aventuras do senhor Pickwick (1837) Um conto de Natal (1843), Hard Times (1854). A tradição da prosa norte-americana A tradição da literatura norte-americana se inicia com as lendas, mitos, crenças, histórias e canções das culturas indígenas pré-colombianas, transmitidas oralmente. Em seguida, têm-se os registros dos povos que invadiram os Estados Unidos e daqueles que tentaram colonizá-lo (literatura de exploração). Contudo, a literatura americana só se consolida quando se desprende das característicasestruturais da literatura do Império, a partir da independência dos Estados Unidos da América, em 1746. A predestinação era uma ideia forte. O período romântico (1820-1860) O Romantismo americano coincidiu com a expansão nacional e entoou sua voz única, carregada de idealismo. Edgar Allan Poe (1809-1849) aventura-se na literatura fantástica. Nathaniel Hawthorne (1804-1864) questiona a repressão puritana em tempos de mudança, enquanto Herman Melville (1819-1891) faz de Moby Dick (1851) o campo de reflexão sobre a busca do conhecimento. Com a Guerra Civil (1861-1865), o Norte sai vencedor e se industrializa, rapidamente, enquanto os estados do Sul têm de enfrentar a derrota, abdicando da mão-de-obra escrava. William Faulkner (1897-1962) trabalhará a questão da Reconstrução como em A Rose for Emily, por exemplo. Virginia Woolf (1882-1941) por Harold Bloom Contribui para a criação do romance moderno: menos eventos e mais dilemas da consciência; Utiliza o fluxo de consciência e monólogos interiores para dar vazão aos sentimentos de suas personagens e metáforas e símbolos para endossar os efeitos psicológicos. [...] ela foi a mais completa pessoa-de-letras da Inglaterra em nosso século (BLOOM, 1995, págs. 560 - 561). Seu romance, Orlando (1928) consiste na história de uma única personagem que atravessa quatro séculos e, portanto, vivencia a mudança de ideias e valores da sociedade. A canonicidade de Woolf Orlando chega no século XX, imortal, anseando por uma sociedade mais livre sem censuras ou preconceitos. Bloom refuta a literatura partidária feminista ou de qualquer outra ordem, mas vê em Orlando um discurso não panfletário e de extrema sensibilidade: Em resumo, a adoração da Arte suplanta outras intenções que não o prazer da leitura, a qualidade estética da obra e o convite à percepção, os quais fazem de Woolf um gênio. A adoração da Arte, o prazer da leitura, a qualidade estética da obra e o convite à percepção, fazem de Woolf um gênio ou autoridade canônica. Tópico 3: O teatro canônico de língua inglesa Os grandes heróis românticos, por exemplo, cederam lugar a pessoas comuns do cotidiano, em temáticas engajadas contra os problemas sócias que se apresentavam; a linguagem rebuscada do movimento literário anterior fenece e sobe aos palcos a língua do povo. A vanguarda artística do século XX abriu caminho para experimentações, como o teatro do absurdo de Samuel Beckett e Harold Pinter. O drama realista inglês toma forma especialmente com as peças Bernard Shaw, o qual aborda temas sociais, de forma irreverente e inconformista. Bernard Shaw (1856-1950) Denunciou as mazelas sociais, opinando sobre a ciência e a emancipação das mulheres. Sua primeira obra foi “Casa de Viúvos”, em 1892, que dá início ao ciclo das “peças desagradáveis”. Entra para uma organização socialista e acaba militando naquilo que escreve. Pygmalion (1912) estreia nos palcos e se consagra com a personagem da criada irlandesa, com sotaque peculiar. Shaw: o drama realista inglês A peça é uma crítica ao esnobismo anglófono que recai também sobre a origem social e educação formal das pessoas. O choque entre classes sociais se dá no convívio com o misógino professor e linguista Higgins que anseia a “ascensão” de Eliza Doolittle pela lapidação de sua fala. O assistencialismo, a convicção da mudança pela ciência e o preconceito às mulheres na vida pública são sutilmente colocados em cada ato. O Drama do Realismo Americano Com o fim da Guerra Civil Americana (1861-1865), o país passou por um período de exaustão. O antigo idealismo deu lugar à ideologia do homem que se faz por si só (self-made man). O país descobriu o progresso: o sistema ferroviário, o telégrafo, a chegada dos imigrantes como mão de obra e deixara de ser agrário. Era o início da industrialização. Ainda que internamente o país estivesse fraturado com a crise de 1929, os EUA se assumiram uma superpotência. A literatura registra os vários âmbitos da modernidade em formas inovadoras. Eugene O’Neill (1888-1963) Peças que tratam dos trabalhadores e pobres e as que exploram áreas subjetivas, tais como as obsessões e o sexo, reflexo de suas leituras de Freud. Em The Hairy Ape, o autor lida com questões de aceitação do diferente e do choque entre a realidade moderna dos Estados Unidos e aqueles colocados à margem, ou seja, todos aqueles para quem o progresso e a riqueza são mera ilusão. Eugene não está na lista de gênios feita por Harold Bloom, uma vez que sua obra é comprometida com questões sociais e com a quebra/manutenção de tabus. Ainda assim, O’Neill torna-se canônico por sua força de criação, sua observação criteriosa e o desencanto anti- idealista que pontuaram suas obras. O Modernismo em Ação A vida moderna era mais científica, tecnológica e mecanizada e o Modernismo espelha tais mudanças, inovando na forma como as histórias eram contadas. Um dos expoentes do teatro modernista estadunidense é Tennessee Williams (1911-1983). Em sua peça A Streetcar Named Desire, o autor delineia personagens tomadas pelo desejo, ciúmes e violência. Abaixo, um excerto que revela a vida desregrada de Blanche: SCENE TEN It is a few hours later that night. Blanche has been drinking fairly steadily since Mitch left. Shakespeare (1564-1616) por Harold Bloom William Shakespeare escreveu 37 peças (tragédias e comédias e peças históricas). Comédias têm finais felizes (Merchant of Venice, A Midsummer Night´s Dream, Much do About Nothing, Taming of the Shrew); suas tragédias falam das paixões humanas (Macbeth, King Lear, Hamlet, Julius Cesar, Romeo and Juliet) e, finalmente, as peças históricas que fazem menção a alguém do passado (Richard III, Henry VI, Henry VIII etc). Genialidade e habilidade vernacular. Para Bloom, Shakespeare é o centro do Cânone Ocidental, um gentleman; o signo do Renascimento inglês, a referência para os outros autores. Shakespeare por Harold Bloom (2) [...] a universalidade dele não é histórica, mas fundamental; e ele põe as vidas deles[centenas de milhões que não são brancos europeus] em seu palco. Em seus personagens, eles contemplam sua própria angústia e suas próprias fantasias, são as manifestas energias sociais da Londres mercantil dos primeiros tempos. (BLOOM, 1995, p. 57). Bloom ainda afirma que somente o dramaturgo inglês poderia vir a ser um cânone universal, multicultural e multivalente, pois é “encenado e lido em toda parte, em todas as línguas e circunstâncias” (p. 57). Shakespeare por Harold Bloom (3) Bloom distingue os canônicos pela memória: Shakespeare e Hamlet, autor central e drama universal, obrigam- nos a lembrar não apenas o que se passa em Hamlet, porém mais crucialmente o que se passa na literatura que a torna memorável e assim prolonga a vida do autor (BLOOM, 1995). A história do príncipe dinamarquês que pretende vingar a morte de seu pai suscita em nós o que há de mais humano. Sofrimento, raiva, angústia, dúvidas, loucura, são sentimentos compartilhados quando lemos Hamlet. Mas o que realmente confere a genialidade e autoridade canônicas a Shakespeare é o fato de nossa memória associar Literatura ao dramaturgo inglês, quase que instantaneamente. Interatividade Um adjetivo que se aplica à obra de Shakespeare, segundo Bloom é: a) Universal. b) Eurocêntrica. c) Engajada. d) Histórica. e) Mercantil. Darlene Realce Tópico 4: Leituras Sugeridas: poesia No campo da poesia, vale ler O Corvo, de Edgar Allan Poe, em que a atmosfera lúgubre e a descrição rica corroboram para a imersão do leitor. Veja a tradução de Machado de Assis: Em certo dia, à hora Da meia-noite que apavora, Eu caindo de sono e exausto de fadiga, Ao pé de muita lauda antiga,De uma velha doutrina, agora morta, Ia pensando, quando ouvi à porta Do meu quarto um soar devagarinho E disse estas palavras tais: "É alguém que me bate à porta de mansinho; Há de ser isso e nada mais." Food for thought A – Responda: O século em que Edgar Allan Poe viveu foi palco de incontáveis mudanças políticas, sociais e literárias. Mencione alguma delas. De que forma esse turbilhão de mudanças, tanto na chave histórica, social e política, quanto a de sua vida pessoal pode ter influenciado a escrita de Poe? Leituras Sugeridas: prosa Vale dedicar-se mais a um dos pais fundadores da tradição literária americana, Nathaniel Hawthorne (1804-1864). Com ele, conhecemos um pouco mais sobre a história dos Estados Unidos e dos preceitos puritanos. Sugerimos a leitura de seu mais famoso livro A Letra Escarlate (1850), alegoria da forma de vida dos puritanos que cometeram atos sombrios em Salém. Caça às bruxas Karnal (2007, p. 51) explicita que: Um dos fatos mais significativos derivado do ideal de Igreja- Estado foi a perseguição às bruxas. O autoritarismo de uma religião que se pretendia única desencadearia, naturalmente, na perseguição de todas as formas de contestação – fossem reais ou imaginárias. [...] Um surto de feitiçaria como o de Salem, em 1692, assumia proporções inéditas [...]. A cidade de Salem viveu uma histeria coletiva. Food for thought Hawthorne espelha as esperanças de um país pós-colonial, ao mesmo tempo que denuncia o pensamento retrógrado e punitivo em nome de Deus. Se alguém era acusado de feitiçaria, teria de comparecer diante do juiz; os acusados de cometerem rituais de bruxaria iriam para a prisão ou seriam sentenciados à morte por enforcamento. A- Responda: A que escola literária Hawthorne pertence? Como o autor consegue imprimir uma crítica severa ao seu tempo? Indique um dos motivos pelos quais A Letra Escarlate se torna uma obra canônica. Leituras Sugeridas: teatro Deixamos o teatro nas mãos de Arthur Miller (1915-2005), um dos principais dramaturgos do pós-guerra. Em Morte de um Caixeiro Viajante, Willy Loman é um velho caixeiro-viajante que trabalhou a vida inteira sem, contudo, obter sucesso profissional. Entre momentos de lucidez e de alucinação, sua mulher o venera porque acredita no sonho americano. O casal tem dois filhos, Biffy e Happy. O último carrega uma fama de oportunista e mulherengo. Envolto em dívidas, o velho homem decide suicidar-se, saldando a dívida e livrando sua família das cobranças. The Death of a Salesman Miller exerce uma postura crítica, em relação à ganância por dinheiro: And when I saw that, I realized that selling was the greatest career a man could want. ’Cause what could be more satisfying than to be able to go, at the age of eighty-four, into twenty or thirty different cities, and pick up a phone, and be remembered and loved and helped by so many different people? He’s a man way out there in the blue, riding on a smile and a shoeshine . . . A salesman is got to dream, boy. Food for thought A- Responda: 1. Após ler os excertos, que ideais americanos estão sendo exaltados/postos em cheque? 2. A escolha do nome Happy para a personagem de um dos filhos não é em vão. Por quê? Há uma crítica em relação ao comportamento dessa personagem? Uma sugestão é ampliar a sua análise observando as produções cinematográficas, baseadas nos livros, acima mencionados. Quais as diferenças e semelhanças na transposição para um outro gênero? Quais os efeitos provocados? Há alguma intencionalidade nos acréscimos ou supressões de cenas? Harold Bloom por Jaime Ginsburg As obras de envergadura canônica parecem dialogar com outras épocas e escapam a uma categoria definida de tempo e espaço, certo? O objetivo primeiro desse livro-texto é que se faça uma reflexão acurada sobre os critérios que respaldam a seleção do que deve ser uma obra canônica. Jaime Ginsburg, Professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do curso de Letras da Universidade de São Paulo, escreve um artigo no qual identifica elementos de autoritarismo na teoria de Harold Bloom. Harold Bloom por Jaime Ginsburg (2) Para Bloom, o ato de ler passou a ser a examinação rigorosa dos critérios de literariedade, processo criativo, estilo e recepção. Ginsburg aponta: Entre os elementos que podem ser examinados em cursos universitários de Teoria Literária está o valor. Os estudantes devem saber distinguir uma boa obra literária de uma obra sem interesse, um autor relevante de um nome sem importância. Devem fazê-lo não aleatoriamente ou por impulso emocional, mas com base em argumentos fundamentados em um conhecimento seguro (GINSBURG, 2004). Harold Bloom por Jaime Ginsburg (3) O problema do valor é que ele exige a determinação de alguns critérios e não apenas o valor em si, o que torna o assunto controverso. O valor se dá em meio a referências historicamente construídas. No Ensino Médio, por exemplo, o ensino de Literatura está articulado com os exames vestibulares que promulgam os valores canônicos, assumidos institucionalmente pelos programas de exames. Se, no Brasil, a discussão de cânone incide sobre o valor estético da obra, podemos inferir que muitos segmentos culturais como o cordel ou a tradição oral indígena ficam em segundo plano. Harold Bloom por Jaime Ginsburg (4) Segundo Chamberlain (apud GINSBURG, 2004, p. 99) haveria uma conexão entre os critérios de exclusão estética e as experiências de exclusão social. A reprodução passiva do cânone na formação dos estudantes limita sua capacidade de pensamento crítico. É preciso apresentar a eles diferentes temas e formas para que exercitem a comparação criteriosa. Harold Bloom por Jaime Ginsburg (5) Ginsburg pontua a não aceitação de Harold Bloom de uma literatura vinculada a projetos de mudança social e aos movimentos associados a raças, etnias e gêneros, mostrando seu caráter reacionário e anglófilo, a exemplo de seu livro O Cânone Ocidental que mais parece uma elegia a homens brancos, europeus (ou norte-americanos) e mortos. Mas, independentemente, do fenômeno elitista na categorização do cânone, eles merecem a sua leitura e dedicação criteriosa, a fim de que você possa, além de deleitar-se, estabelecer futuras relações com as opiniões discutidas por nós. Conclusão Para chegar ao high canon, o escritor tem de afinar sua escrita e elaborar seu pensamento, utilizando-se, habilmente, de metáforas. É aí que está sua força criadora. Mas, faça sempre uma leitura reflexiva! Preste atenção aos valores que são disseminados por uma determinada obra. Pergunte-se sempre quais atributos estão sendo legitimados e quais deles, desvalidados, com que finalidade, em que contexto sócio-histórico e a que grupos sociais se endereçam. Bons estudos! Interatividade O que é incorreto dizer sobre a crítica de Jaime Ginsburg sobre Harold Bloom? a) O professor identifica elementos de autoritarismo na teoria de Harold Bloom. b) Para Bloom, o ato de ler dispensa a examinação rigorosa dos critérios de literariedade, processo criativo e estilo. c) Entre os elementos que podem ser examinados em cursos universitários de Teoria Literária está o valor. d) Bloom é considerado anglófilo e reacionário por Ginsburg. e) No Ensino Médio, o ensino de literatura está articulado com os exames vestibulares que promulgam os valores canônicos. Darlene Realce ATÉ A PRÓXIMA! Slide Number 1 Objetivos Objetivos específicos Conteúdo Os cem escritores mais criativos A questão da canonização Tópico 1 – A poesia canônica de Língua Inglesa � Contextualização: as origens� A expansão territorial da Inglaterra Old English A primeira narrativa de língua inglesa:Beowulf Valores do poema épico Nação, tradição e lealdade O romance de cavalaria e os Contos da Cantuária Middle English (inglês médio) Interatividade Resposta Geoffrey Chaucer Os Contos da Cantuária A Era de Ouro Os poetas metafísicos John Donne (1573-1631) Os versos românticos da Inglaterra A poesia do Modernismo � Em foco: Walt Whitman (1819-1892) por Harold Bloom� Tópico 2: A ficção canônica de língua inglesa� O Romantismo Mary Shelley (1789-1851) Jane Austen (1775-1817) Jane Austen (1775-1817) (2) As irmãs Bronté Interatividade Resposta Romance vitoriano Charles Dickens (1812-1870) � A tradição da prosa norte-americana� O período romântico (1820-1860) Virginia Woolf (1882-1941) por Harold Bloom A canonicidade de Woolf � Tópico 3: O teatro canônico de língua inglesa� Bernard Shaw (1856-1950) Shaw: o drama realista inglês � O Drama do Realismo Americano� Eugene O’Neill (1888-1963) � O Modernismo em Ação� � Shakespeare (1564-1616) por Harold Bloom� � Shakespeare por Harold Bloom (2)� � Shakespeare por Harold Bloom (3)� Interatividade Resposta � Tópico 4: Leituras Sugeridas: poesia� Food for thought � Leituras Sugeridas: prosa� Caça às bruxas � Food for thought� � Leituras Sugeridas: teatro� The Death of a Salesman Food for thought � Harold Bloom por Jaime Ginsburg� � Harold Bloom por Jaime Ginsburg (2)� � Harold Bloom por Jaime Ginsburg (3)� � Harold Bloom por Jaime Ginsburg (4)� � Harold Bloom por Jaime Ginsburg (5)� Conclusão Interatividade Resposta Slide Number 67
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