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LITERATURA POPULAR U4 P2

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LITERATURA
POPULAR
Alessandra 
Bittencourt 
Flach
Eliana Cristina 
Caporale 
Barcellos
As condições de produção
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 � Justificar a importância da performance no processo de produção
da literatura popular.
 � Reconhecer o papel da tradição e das práticas sociais coletivas
para a literatura popular.
 � Comparar diferentes sistemas de produção da literatura popular.
Introdução
Neste texto, você terá a oportunidade de estudar sobre a relevância 
da performance para a literatura popular. Compreenderá como ela 
traduz a identidade do povo e, além disso, poderá ter contato com 
alguns exemplos de literaturas populares.
A importância da performance
Quando você reflete sobre literatura popular e suas condições de produção, 
deve levar em consideração a performance, pois esta se caracteriza pela sin-
cronia entre oralidade e corpo na manifestação literária popular. As condições 
de produção giram em torno da corporeidade. Segundo Zumthor, a perfor-
mance constitui “um momento da recepção, o ato de comunicação poética 
que requer a presença corporal tanto de um intérprete quanto de um ouvinte 
envolvidos em um contexto situacional do qual todos os elementos – visuais, 
auditivos e táteis – se lançam à percepção sensorial em um ato de teatralidade 
considerado para além do gênero artístico dramático” (NOVAES; ALVES, 
2013, p. 491).
Assim, a performance se constitui em tempo, espaço, lugar, corpo, voz 
e texto escrito, demarcando a linguagem de forma teatral, imbuída de força, 
na qual o corpo se configura como peça primordial. Com base em estudos 
de poemas medievais, Zumthor “destaca os marcadores da oralidade, que 
solicitam olhos, ouvidos e sentidos, inaugurando, assim, um novo modo de 
pensar acadêmico sobre a literatura oral que, a partir dele, se dignifica e des-
mistifica aquilo que se costumava rotular como ‘folclore’ num sentido pejora-
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tivo.” (NOVAES; ALVES, 2013, p. 492). Para o autor, oralidade e vocalidade 
são conceitos diferentes, uma vez “que a oralidade ultrapassa a ação da voz, 
caracterizando-se como uma expansão do corpo que implica tudo o que é 
endereçado ao outro: um gesto mudo, um olhar. Gesto e olhar também con-
cernem à oralidade e os movimentos do corpo são integrados a esta poética” 
(NOVAES; ALVES, 2013. p. 493), ao passo que vocalidade seria simples-
mente o uso da voz.
Retratar as condições de produção da literatura popular consiste em abranger tanto 
o artista quanto a plateia, pois essa literatura está atrelada a uma fenomenologia da 
recepção. Na poesia escrita, o texto deve se adequar ao gesto, ou seja, o texto deverá 
exprimir um sentimento. Já na poesia oral, ocorre o processo inverso, uma vez que é 
o corpo que tende a se adequar ao discurso e traduzir sua intenção. Nesse sentido, a 
poesia oral se torna representativa e encontra espaço na diversidade cultural.
Você deve ter em mente que a performance pode envolver o corpo 
como um todo ou apenas parte dele, como gestos fisionômicos. Comporta, 
também as danças não expressivas ou gesto nenhum. Segundo Zumthor, 
“As performances de corpo inteiro podem se realizar estaticamente, como 
postura, ou dinamicamente, como a ‘dança’; modulando um discurso (mí-
mico) ou dança propriamente dita. Em todas as culturas, normalmente é a 
forma do mimo que reveste a performance poética. Mimos são quase danças 
que constituem a maior parte dos cantos de trabalho ou lamentos, e a dança 
são os movimentos coletivos que acompanham simbolicamente os cantos, 
a exemplo dos cantos guerreiros da África Oriental, ou dos de trabalho no 
sertão nordestino. A oposição entre mimo e dança é tão gradual e incerta 
quanto a oposição entre prosa e verso e entre o dito e o cantado. A dança 
inverte a relação do corpo com a poesia: é o corpo que encena o discurso” 
(NOVAES; ALVES. 2013, p. 494).
Cultura local e identidade popular
A cultura local se torna relevante para o desenvolvimento de determinada 
região, uma vez que representa um meio de identidade popular e esti-
mula a produção e o trabalho. Segundo Turner (apud LÓSSIO; PEREIRA, 
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2007, p. 2): “cultura é um sistema de símbolos que uma população cria e 
usa para organizar-se, facilitar a interação e para regular o pensamento”. 
Ao retratar a cultura popular, você deve pressupor o envolvimento do 
espaço público.
A valorização da cultura popular se torna relevante para reafirmar a iden-
tidade do povo. Segundo Rúbia Lóssio e Cesar Pereira (2007, p. 4), “Existem 
várias maneiras de valorizar a cultura popular: a primeira pela dimensão de 
símbolos que possuímos através da comunicação, essa espetacular forma de 
gestos, mandingas da nossa cultura, afirmam o valor de cada manifestação; a 
segunda são questões de rivalidades entre as manifestações, a disputa acelera 
a competição sadia, incentivando a criatividade, e a terceira é afetividade, o 
afeto faz da manifestação uma divindade”.
Resgatar aspectos da cultura popular voltou a ganhar espaço na socie-
dade atual, uma vez que a globalização permite o rompimento de fronteiras 
locais. O que antes era visto como rústico e atrasado passa a ser valorizado 
culturalmente. Vários fatores contribuem para esse novo olhar sobre a cultura 
popular, entre eles: a utilização de recursos tecnológicos; o interesse da classe 
média em estar inserida na cultura popular; a adaptação aos interesses eco-
nômicos, entre outros. Ainda assim, apesar de alguns avanços, essa continua 
sendo rotulada de subcultura, como indica a preferência por artistas de outras 
regiões para a abertura de espetáculos locais.
Duas grandes representações da literatura popular são os cordéis e os re-
pentes. A seguir, você vai conhecer melhor essas representações.
O cordel e o repente
A literatura popular tem características associadas ao trovadorismo, período 
literário português identificado pela composição de cantigas, bem como pelos 
jograis (denominação atribuída aos artistas ambulantes).
A literatura de cordel tem seu surgimento na França, no período me-
dieval, e é difundida para outros países na época das grandes navegações. 
No Brasil, o cordel chega por meio dos portugueses, durante o século XVIII. 
O cordel ou folhas soltas, assim chamado em Portugal, retrata o cotidiano 
e elenca diferentes temas, como o humor, a política, a religião e, princi-
palmente, o amor, se caracterizando por versos rimados. Sua transmissão 
primeiramente se deu oralmente, pois traduzia a memória da coletividade. 
Recebe esse nome por se tratar de folhas soltas expostas penduradas em uma 
corda, semelhante a um varal. 
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Você deve notar que existem diferenças entre as folhas soltas francesas e 
o cordel brasileiro. No Brasil, o cordel é marcado pela poesia em versos, em 
geral sextilhas, que contam a história. Assim como pela ilustração à base de 
xilogravuras.
Para você entender o que são as sextilhas, assista ao vídeo disponível em: < https://
www.youtube.com/watch?v=6s779CH4cQw>
O que é xilogravura?
Xilogravura significa gravura em madeira. É uma antiga técnica, de origem chinesa, em 
que o artesão utiliza um pedaço de madeira para entalhar um desenho, deixando em 
relevo a parte que pretende reproduzir. Em seguida, utiliza tinta para pintar a parte em 
relevo do desenho. Na fase final, utiliza um tipo de prensa para exercer pressão e revelar 
a imagem no papel ou outro suporte. Um detalhe importante é que o desenho sai ao 
contrário do que foi talhado, o que exige um maior trabalho ao artesão.
Existem dois tipos de xilogravura: a xilogravura de fio e a xilografia de topo, que 
se distinguem pela forma como se corta a árvore. Na xilogravura de fio (também co-
nhecida como madeira à veia ou madeira deitada), a árvore é cortada no sentido do 
crescimento,longitudinal; na xilografia de topo (ou madeira em pé), a árvore é cortada 
no sentido transversal ao tronco.
A xilogravura é muito popular na região Nordeste do Brasil, onde estão os mais po-
pulares xilogravadores (ou xilógrafos) brasileiros. A xilogravura era frequentemente uti-
lizada para ilustração de textos de literatura de cordel. Alguns cordelistas eram também 
xilogravadores, como o pernambucano J. Borges (José Francisco Borges). (Extraído de 
< https://www.significados.com.br/xilogravura/>)
As primeiras manifestações trouxeram a público as histórias de Carlos 
Magno e a princesa Magalona. A reprodução era realizada oralmente, so-
mente algum tempo depois passou a ser escrita. Para isso, os artistas utili-
zavam folhas baratas, a fim de deixar suas obras ao alcance do povo. Nesse 
sentido, é possível perceber a literatura de cordel como literatura popular, pois 
direciona sua obra e é produzida para o público popular.
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No Brasil, um dos pioneiros desse gênero foi Leandro Gomes de Barros. 
Antes dele, essas manifestações ocorriam somente pela transmissão oral. Ini-
cialmente, o cordel se instalou no Nordeste brasileiro, mas ganhou espaço em 
outras regiões do País com a migração de nordestinos, os quais acabaram por 
introduzi-lo em outras culturas.
A seguir, leia um trecho da obra “A vida de Pedro Cem”, de Leandro 
Gomes de Barros:
“Vou narrar agora um fato 
Que há cinco séculos se deu
De um grande capitalista
Do continente europeu
Fortuna como aquela
Ainda não apareceu
Pedro Cem era o mais rico
Que nasceu em Portugal
Sua fama enchia o mundo
Seu nome andava em geral
Não casou-se com rainha
Por não ter sangue real
Em prédios, dinheiro e bens
Era o mais rico que havia
Nunca deveu a ninguém
Todo mundo lhe devia
Balanço em sua fortuna
Querendo dar não podia
Em cada rua ele tinha
Cem casas para alugar
Tinha cem botes no porto
E cem navios no mar
Cem lanchas e cem barcaças
Tudo isso a navegar” [...]
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Se você se interessar em conhecer a obra “A vida de Pedro Cem” na íntegra, acesse o 
link < https://pt.wikisource.org/wiki/A_Vida_de_Pedro_Cem>
Os repentistas, também considerados como expressão da literatura de 
cordel, têm sua origem na poesia trovadoresca, baseados no improviso de 
versos rimados. Conhecidos, também, como cantadores de viola ou violeiros, 
os repentistas são artistas populares que expressam sua criatividade em rimas 
do cotidiano desde a primeira metade do século XIX.
Agostinho Nunes da Costa (1797-1858) é apontado como o primeiro re-
pentista reconhecido popularmente. Esses artistas são mais conhecidos na re-
gião Nordeste do Brasil e, originalmente, atuavam nas zonas rurais, entre os 
agricultores nordestinos. Segundo Edimilson Ferreira (2010, p. 1), “Ao longo 
desses dois séculos os repentistas evoluíram numa série de aspectos: urbani-
zaram-se, politizaram-se e, na medida do possível, alguns formalizaram os 
seus conhecimentos adquiridos como autodidatas, sem, no entanto, perder as 
suas principais características. Continuaram utilizando a viola como instru-
mento de apoio, empregando rima e métrica com rigor. O desafio de dominar 
tais regras parece ter sido um atrativo tanto para os ouvintes quanto para o 
surgimento de um número crescente de novos repentistas, contingente multi-
plicado a cada geração”.
O repente, poesia cantada pelo repentista, se caracteriza por se tratar 
de improvisos subjugados a regras rígidas, tais como a rima, a métrica e a 
oração. Um dos grandes desafios enfrentados no repente é o tempo para a 
criação, pois cada repentista tem, em média, de cinco a 10 segundos, que 
correspondem ao tempo de o parceiro cantar sua estofe, para criar a rima 
seguinte. Além disso, a plateia é extremamente exigente e sabe reconhecer a 
qualidade do repente e, por conseguinte, o talento do artista.
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“A rima é um critério adotado também por outros poetas, compositores etc, mas no 
caso dos repentistas há um rigor que não existe nos demais. Enquanto é mais comum 
nas outras composições a utilização da rima apenas sonora, exata ou não, os repen-
tistas adotam a rima gráfica, ou seja, Pará rima com cá, babá, mas não rima com cantar 
nem com ar, mesmo que o ‘r’ final dessas palavras não apareça na pronúncia. Apesar 
desse rigor, a rima é considerada o item mais simples dos três obrigatórios na cantoria.
A métrica é outro item indispensável, principalmente para a manutenção do ritmo 
em qualquer modalidade musical. Para os repentistas, além do rigor silábico, sete, dez 
ou onze sílabas poéticas, entra em cena uma regra que faz toda a diferença: a tonici-
dade, isto é, não basta um verso em decassílabo ter dez sílabas, estas deverão estar dis-
postas de modo que a terceira, a sexta e a décima sejam tônicas. Teoricamente parece 
muito complicado e, de fato, não é simples, mas, assim como a rima, a métrica se torna 
algo de certa forma automatizado. Vejamos um exemplo de tonicidade numa estrofe 
em decassílabo:
A estrofe que eu canto chega plena
Da tristeza da roupa da viúva
São José e são Pedro dando chuva
Santo Antônio e são João roubando a cena
O festejo das noites de novena
As imagens na mesa, o som do hino
O terreiro enfeitado de menino
E o foguete explodindo no espaço
O repente que eu canto é um pedaço
Da história do povo nordestino 
(autoria própria)
Sublinhamos as sílabas poéticas, que nem sempre coincidem com as sílabas gra-
maticais. A contagem das sílabas poéticas finda na última sílaba tônica da palavra. E a 
oração, qual a sua importância? Esse é o item mais complicado, minucioso e, portanto, 
mais difícil. Trata-se da obediência ao tema e do aprofundamento da abordagem feita. 
Claro que trabalhar qualquer tema de maneira consistente é algo que apresenta consi-
derável grande dificuldade até em prosa, como acontece, por exemplo, numa redação 
de vestibular. Imagine, então, em verso, em que há limite de palavras, quantidade fixa 
de sílabas, rimas, etc.” (FERREIRA, 2010, p. 2-3)
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BARROS, L. G. A vida de Pedro Cem. Disponível em: < https://pt.wikisource.org/wiki/A_
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www.teatrodecordel.com.br/A%20arte%20dos%20repentistas%20artigo%20para%20
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2016.
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ponível em: < http://periodicos.uesb.br/index.php/folio/article/viewFile/1869/2448>. 
Acesso em: 6 set. 2016.
O QUE É XILOGRAVURA. Disponível em: < https://www.significados.com.br/xilogravu-
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Leituras recomendadas
CHARTIER, R. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históri-
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ZUMTHOR, P. A performance. In: ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Trad. Jerusa Pires 
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