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Quinonas 1. Introdução Desde a antigüidade, plantas contendo quinonas têm sido usadas por suas atividades biológicas ou como fonte de corantes naturais. A alizarina, uma antraquinona obtida das raízes de Rubia tinctorum L. (Rubiaceae) já era conhecida e usada no antigo Egito, Pérsia e Índia. Essa planta foi um dos primeiros materiais corantes usados pelo homem, que a utilizava também na sua dieta alimentar e como alimento para os animais. Os ossos desses animais adquiriam coloração púrpura-avermelhada, pela capacidade de ligação da alizarina com os tecidos de calcificação. Quinonas são compostos oxigenados, essencialmente homólogos oxidados de derivados aromáticos e são caracterizados por um padrão 1,4-dicetociclohexa-2,5-dieno (para-quinonas), ou 1,2-dicetociclohexa-3,5-dieno (orto-quinonas). 1,3-dicetonas (meta-quinonas) não existem. Em quinonas de ocorrência natural, a diona encontra-se conjugada a um anel aromático (benzoquinonas), ou conjugadas a um sistema aromático condensado policíclico: naftaleno (naftoquinonas), antraceno (antraquinonas), 1,2-benzantraceno (antraciclinonas), naftodiantrenos (naftodiantronas) etc. Partindo-se da premissa que quinonas derivam de oxidação de fenóis, seria normal esperar encontrar o padrão das quinonas em diferentes classes de metabólitos secundários. Algumas flavono-quinonas são conhecidas (oxidação no anel B), e também um razoável número de quinonas com o esqueleto terpenóide. Nesse último caso, o mais comum é encontra quinonas diterpênicas com o esqueleto abietano, característico das 1 Lamiaceae. Raramente são encontradas combinadas com um heterociclo contendo um nitrogênio, formando as carbazolequinonas. A unidade quinóide ocorre com com relativa abundância em substâncias com origem natural. O interesse por essa classe de produtos naturais, tem crescido significativamente. Recentemente, a naftoquinona trimérica conocurvona, isolada de Conospermum incurvum Lindley (Proteaceae), demonstrou atividade inibitória da replicação do vírus HIV. Diversas outras pesquisas estão sendo divulgadas na literatura especializada. 2. Ocorrência e distribuição Mais de 1500 quinonas foram descritas até o momento, na sua maioria de fontes vegetais em Angiospermas, Gimnospermas, fungos, liquens etc. Ocasionalmente são encontradas no reino animal, especialmente em echinodermatas e artrópodes. Benzoquinonas simples são características de artrópodes, e um pouco raros em plantas superiores, onde parecem específicas de um pequeno número de famílias: Myrsinaceae, Primulaceae e Boraginaceae. A distribuição de naftoquinonas é limitada em fungos e esporádica em Angiospermas. Elas ocorrem em gêneros de um limitado número de famílias: Bignoniaceae, Ebenaceae, Droseraceae, Junglandaceae, Plumbaginaceae, Lythraceae, Proteaceae, Verbenaceae entre outras. Antraquinonas são um pouco mais distribuídas, São abundantes em um pequeno grupo de famílias das Angiospermas: Rubiaceae, Fabaceae, Polygonaceae, Rhamnaceae, Liliaceae, Scrophulariaceae e outras, onde são normalmente encontradas como glicosídios. 3. Biossíntese A biossíntese das quinonas é caracterizada pela diversidade de caminhos metabólicos que podem ser utilizados. Um reduzido número de precursores aparece nesses caminhos metabólicos. 2 3.1. Caminho dos policetídios Em um grande número de casos, a própria estrutura da quinona demonstra que a mesma teve sua origem biossintética em um poli-β-cetoester: como exemplo, temos o crisofanol I e outros compostos relacionados. Algumas naftoquinonas, como as da Plumbaginaceae tem essa origem. 3.2. Caminhos dos ácidos mevalônico e corísmico Um outro caminho biossintético – de fato o mais comum em plantas superiores – é o do ácido o-succinilbenzôico (OSB). Esse ácido surge da reação entre os ácidos cetoglutárico e isocorísmico na presença de fosfato de tiamina. Ele é então acilado pela coenzima A e ciclizado para o ácido 1,4-didroxi-2-naftôico (DHNA), o precursor imediato das naftoquinonas. 3.3. Caminho do ácido p-hidroxibenzôico O caminho do ácido p-hidroxidobenzôico leva (em Boraginaceae) às naftoquinonas tais como shikonina e seu isômero alkanina. O ácido p-hidroxidobenzôico que vem do caminho metabólico da fenilalanina, age como um receptor para a alquilação por uma molécula de geranil pirofosfato (GPP). 3 4 Métodos de Extração, purificação e isolamento Solventes orgânicos comuns são eficientes no processo extrativo de quinonas a partir de fontes vegetais (a extração dos glicosídios é feita com o uso de solventes mais polares) Essa extração ocorre normalmente sem nenhum problema devido à relativa estabilidade desses compostos. No entanto, a formação de artefatos é sempre uma possibilidade. Exemplos da formação de artefatos é a metilação de naftoquinonas por metanol e também a dimerização de algumas quinonas como a 7-metiljuglona ou as vismionas (Vismia spp., Hypericaceae), sobretudo aquelas com acetoxila em C-6 na presença de sílica gel durante os processos cromatográficos. 5. Reações de caracterização de quinonas A combinação de reações químicas e métodos espectrofotométricos são normalmente utilizados para caracterizar a presença de compostos quinóides em vegetais. 5.1. Reagente de Bornträger Quinonas em meio alcalino e na presença do reagente de Bornträger mudam de cor e servem para diferencia as hidroxiquinonas quanto à posição de seus substituintes: 1,8-dihidroxiantraquinonas (por exemplo emodina), apresentam coloração vermelha, enquanto as 1,2-dihidroxiantraquinonas (por exemplo alizarina) apresentam coloração azul violeta. 5.2. 2,4-dinitrofenil-hidrazina p-quinonas reagem com esse reagente para produzir um precipitado vermelho tijolo, o qual na presença de vapor de amônia adquirem coloração que vai do laranja até o violeta. 5.3. Reagente de Craven Esse reagente (cianoacetato de etila em solução etanólica de hidróxido de amônio) permite detectar p-benzo ou naftoquinonas que apresentam pelo menos um átomo de hidrogênio ou cloro adjacente à carbonila do anel quinônico, através de intensa cooração azul. 4 6. Propriedade biológicas A principal utilidade de certas quinonas nas plantas é como uma fitoalexina. Várias quinonas encontradas no lenho de algumas leguminosas apresentam toxicidade contra cupins. Na quina (Cinchona ledgeriana Moens & Trimen., Rubiaceae) só foram encontradas antraquinonas em partes da planta infectadas por fungos patogênicos à espécie. A benzoquinona primina comum em espécies ornamentais do gênero Primula, apresenta ação protetora contra insetos fitófagos. Outra função atribuída às quinonas é a chamada atividade alelopática, ou seja, a produção e excreção de substâncias capazes de inibir a germinação de outras espécies nas proximidades. A naftoquinona juglona, excretada pelas raizes da nogueira (Juglans regia L., Juglandaceae), é um exemplo clássico de atividade alelopática. 6.1. Atividades farmacológicas A maioria dos vegetais contendo quinonas usados na terapêutica, devem seu uso à atividade laxante, as substâncias responsáveis por essa atividade são os derivados hidroxi-antracênicos. Outras drogas vegetais clássicas contendo sobretudo naftoquinonas, apresentam atividades biológicas bastante variadas, mas são usadas com menor freqüência que as drogas laxantes. Diversas naftoquinonas presentes em gêneros das famílias Ebenaceae, Bignoniaceae, e Plumbaginaceae apresentaram atividades contra Leishmania. Naftoquinonas também são responsáveis pelas atividades antibacteriana, antifúngica e antitumoral de estratos de Kigelia pinnata DC., Bignoniaceae. Benzoquinonas como primina e perezona e naftoquinonas como β-lapachona, mansononas A, C, E e F apresentaram atividades contra tripanossomatídeos 5 7. Uso industrial e emprego farmacêutico As quinonas estão incluídas entre os pigmentos naturais utilizados como corantes alimentares e nesse grupo incluem-se as antraquinonas de diversas espécies de Rubiaceae (Morinda, Rubia, Cinchona e Galium), destituídas de ação laxante e obtidas sobretudo de cultura de tecidos in vitro, em condiçõesque permitam rendimentos otimizados. A quinona que apresenta maior valor comercial como pigmento é a naftoquinona chicocina, um pigmento vermelho obtido originalmente das raízes de Alkanna tinctoria Tausch (Boraginaceae). Essa molécula apresenta um centro assimétrico, sendo que o isômero dextrógiro (1’R) é denominado alcanina. A alcanina é utilizada como corante para cosméticos e alimentos. A juglona tem uso industrial como corante (Natural brown 7) e também como indicador de pH. A antraquinona alizarina é usada como matéria prima para a síntese de outros corantes, como indicador ácido-base e em testes de identificação de alumínio, mercúrio, zinco e zircônio. A aloe-emodina é utilizada como matéria prima para a síntese de antibióticos do grupo das antraciclinas. Extratos à base de antraquinonas, e também algumas substâncias isoladas, como a aloína, são utilizadas como laxantes. Atualmente, no Brasil, a maioria das especialidades farmacêuticas contendo compostos antraquinônicos, com indicação de laxante, consiste de associações de vários extratos vegetais e as vezes incluem também outras substâncias ativas de origem não vegetal. Neste grupo, os vegetais mais comumente utilizados contendo antraquinonas (cáscara-sagrada, sene e ruibarbo), são os vegetais mais amplamente utilizados no Brasil e em outros países. 6 7. Relação estrutura-atividade das antraquinonas O grupo de compostos antracênicos constitui o maior grupo entre as quinonas, o mais homogêneo e também o de maior interesse terapêutico. Dados conclusivos já existem para sobre algumas relações estrutura-atividade: 7.1. Os glicosídios constituem a forma de transporte e de maior potência farmacológica, porém, pela reduzida lipossolubilidade, têm menores índices de absorção (menos biodisponibilidade) que as formas livres. 7.2. As antronas e diantronas são até 10 vezes mais ativas que as formas oxidadas e constituem as formas realmente ativas dos compostos antracêcinos, sendo formadas ou liberadas no intestino grosso pela flora bacteriana após hidrólise dos glicosídios ou, em menos proporção, através da redução das antraquinonas. Assim, os glicosídios das antronas são os mais potentes, enquanto que os glicosídios das antraquinonas só têm ação laxante em doses bem maiores. 7.3. As hidroxilas nas posições C-1 e C-8 são essenciais para a ação laxante. 8. Drogas vegetais clássicas 8.1. Sene Nome científico: Senna alexandrina Miller Sinonímia científica: Cassia angustifolia Vahl, C. Senna L. e C acutifolia Del. Família botânica: Caesalpiniae Partes usadas: folíolos e frutos Monografias farmacopéicas: F. Bras. IV, DAB 10, 2.AB-DDR, Ph. Helv. VII, ÖAB 9, USP XXII Senna alexandrina Miller é encontrada na maioria das farmacopéias so b dois nomes: Cassia senna L. (Sene de alexandria ou sene egípcia) e C. angustifolia Vahl (sene de tinnevelly ou sena indiana). A primeira é nativa do Norte da África, Egito e Sudão, sendo exportada sobretudo através doporto de Alexandria, enquanto que a segunda é originária do Egito, mas vem sendo cultivada na Índia, especialmente nas regiões de Tinnevelly, 7 Madras e Bombaim desde o século XIX. Estes 2 nomes foram sinonimizados. Embora usada medicinalmente pelos árabes já no século IX, o uso como laxante só passou a ter maior destaque na época do renascimento e é o responsável pelo seu emprego terapêutico atual. De forma geral, a composição de derivados antracênicos é semelhante nos folíolos e frutos, mas o teor total de glicosídios antranóides é maior nos frutos – cerca de 5 % - que nos folíolos – cerca de 3 %, embora nestes últimos o teor de derivados de aloe-emodina (com maior atividade) seja mais alto. Assim, na mesma dose, folíolos apresentam efeito laxante mais intenso que os frutos. Os principais constituintes são diantronas-8-8’-diglicosídios chamados senosídios A-F, com predomínio dos senosídios A e B. Os senosídios E e F correspondem a glicosídios conjugados com grupos sulfato e oxalato. Durante a secagem da planta, através de uma combinação de reações redox e processos enzimáticos, formam-se a partir desses glicosídios as correspondentes diantronas e antraquinonas. Como as diantronas possuem 2 centros assimétricos (C-10 e C-10’), tem-se a possibilidade de uma série de estereoisômeros, bem como de alguns compostos opticamente ativos. Conforme a combinação deantronas, têm–se diferentes agliconas e glicosídios de diantronas, como pode ser visto na figura seguinte. 8 8.2. Cáscara-sagrada Nome científico: Rhamnus purshianus DC. Sinonímia científica: Frangula purshiana (DC.) A.Gray ex J. G. Cooper Família botânica: Rhamnaceae Parte usada: Casca do caule Monografias farmacopéicas: F. Brasil IV, DAB 10, Ph. Eur. II, Ph. Helv. VII, ÖAB 9, USP XXII Trata-se de uma espécie originária da costa oeste dos Estados Unidos, atualmente cultivada em outras regiões e no Canadá, de forma que praticamente toda cáscara-sagrada utilizada medicinalmente provem de cultivo. O seu uso como laxante é muito popular nos Estados Unidos, onde existem vários medicamentos à venda contendo extratos dessa planta. É considerada a droga mais suave entre os laxantes antracênicos. A cáscara-sagrada contém teores em torno de 6 % de derivados hidroxiantracênicos, dos quais no mínimo 60 % devem corresponder aos cascarosídios. O total de glicosídios antracênicos é composto por 80 a 90 % de C-glicosídios e 10 a 20 % de O-glicosídios. O grupo dos C-glicosídios inclui glicosidios mistos dp tipo 8-O-,10-C-diglicosídios (como os sacarosídios A, B, C e D), além das aloinas (10-C-glicosídios derivados da aloe-emodina). Já os O-glicosídios são representados por monoglicoídios da emodina, aloe-emodina e crisofanol. Os fragmentos das cascas dessecadas dos caules devem ser aquecidas a 100 o C por 1 a 2 horas ou então estocados por no mínimo 1 ano antes de ser liberados para uso, já que a droga contém antronas, podendo provocar fortes vômitos e até espasmos nos usuários. Referências bibliográficas Bruneton, J. (1995) em Pharmacognosy, Phytochemistry and Medicinal Plants Pgs 339-370. Intercept Ltd., London, England. Falkenberg, M.B. (2000) em Farmacognosia, da planta ao medicamento. (2a Ed.) Capítulo 25, Pgs 545-570. Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. 9
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