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CINESIOLOGIA E FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO Diego Santos Fagundes Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Diferenciar os termos homeostasia e estado estável. � Reconhecer a diferença entre atividade física e exercício. � Definir sedentarismo. Introdução A fisiologia do exercício abarca inúmeros elementos para analisar e ava- liar o efeito da atividade física e do exercício em seus diversos graus de exigência sobre tecidos, órgãos e sistemas do corpo humano. Os exercícios impõem um desafio para a homeostasia orgânica juntamente com os fatores ambientais externos e internos. Nesse sentido, os estudos deflagrados pela fisiologia do exercício promovem o entendimento não somente dos efeitos da atividade física e do exercício no organismo e no sistema homeostático, mas também a compreensão do papel da atividade física e do exercício na prevenção e reabilitação física de vários processos patológicos, incluindo os efeitos orgânicos promovidos pelo sedentarismo. Neste capítulo você vai ver com mais detalhes a diferença entre homeostasia e estado estável, além de conhecer a diferença entre ati- vidade física e exercício. Por fim, vai tomar conhecimento da definição de sedentarismo. Homeostasia O conceito de um meio interno relativamente estável é atribuído ao médico francês Claude Bernard, em meados de 1800 (SILVERTHORN, 2017). Nesse sentido, homeostasia pode ser definida como uma condição dinâmica da manutenção estável e relativamente constante do ambiente interno do corpo – por exemplo, as oscilações da pressão arterial diante das demandas do dia a dia, mas, contudo, a pressão arterial média (PAM = P diastólica + 1/3 (P sistólica – P diastólica ou PAM = PAS + (PAD × 2)/3) se mantém relativamente constante –, diante das alterações do meio externo e interno. As alterações do meio externo podem incluir, por exemplo, as alterações de temperatura (calor intenso ou frio intenso) e a diminuição de oxigênio no meio ambiente. Já as alterações do meio interno incluem, entre outros exemplos, o nível baixo de glicose no sangue (hipoglicemia) (KAWAMOTO, 2018; MARIEB; HOEHN, 2008). Os sistemas do corpo humano participam de ações determinadas para a manutenção da homeostasia, destacando o sistema nervoso e endócrino, por exemplo, em um quadro de febre os impulsos nervosos estimulam as glândulas sudoríparas a secretarem mais suor, o que provoca a diminuição da temperatura corporal à medida que o suor evapora. Outro exemplo seria a manutenção dos níveis de glicose sanguínea que, após uma ingestão excessiva de açúcares, o hormônio insulina é liberado na circulação sanguínea com o objetivo de normalizar os níveis de glicose no sangue. Convém salientar que os impulsos nervosos geralmente promovem correções mais rápidas que os hormônios que atuam de forma mais lenta (KAWAMOTO, 2018). Habitualmente a quebra de homeostasia é leve e temporária, mas pode ser intensa, grave e por um período prolongado (KAWAMOTO, 2018). Porém, se a compensação em busca do equilíbrio for bem-sucedida, a homeostasia é restabelecida. Em contrapartida, se por algum motivo essa compensação falha, o resultado advindo pode ser uma disfunção ou até mesmo uma patologia. Nesse sentido, o estudo das funções dos sistemas humanos durante o estado de uma patologia é denominado como fisiopatologia (SILVERTHORN, 2017). O organismo monitora certas funções-chave. Dentre elas, podemos citar a pressão arterial e a glicemia. Essas funções devem permanecer dentro de certos limites, obedecendo um intervalo específico fisiológico denominado “normal”, mantendo, dessa maneira, o organismo “saudável”. A manutenção desses valores dentro de seus intervalos específicos por meio dos mecanismos fisiológicos de controle e regulação não devem se distanciar do ponto de ajuste ou de seu valor ótimo. Caso isso aconteça, existem dois padrões básicos de Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício2 mecanismo de controle, a saber: (i) controle local e (ii) controle reflexo de longa distância. Os sistemas de controle reflexo de longa distância se apresentam mais complexos do que os sistemas mais simples (mecanismo de controle local), porém, esses sistemas mais complexos podem processar informações de múltiplas fontes e apresentar respostas sobre múltiplos alvos (SILVERTHORN, 2017). Todos os sistemas, para atuar, têm um desenho básico de controle que consiste em, a saber: (i) um sinal de entrada, (ii) um controlador ou centro integrado (integra as informações recebidas de um sistema aferente e inicia uma resposta adequada) e (iii) um sinal de saída que produz uma resposta (KAWAMOTO, 2018; SILVERTHORN, 2017; POWERS; HOWLEY, 2014). Sendo assim, o controle local é a forma mais simples para manutenção e regulação da homeostasia. Essa forma está restrita a uma ação em um tecido ou célula. Nesse tipo de controle a resposta ocorre de forma isolada em um tecido, ou seja, uma célula ou um grupo de células que estão próximas detectam alguma alteração adjacente e procedem com uma resposta que geralmente se apresenta como uma liberação de alguma substância química. É importante salientar que essa resposta é restrita e permanece no local onde a alteração ocorreu, daí a expressão mecanismo de controle local (SILVERTHORN, 2017). Um exemplo de mecanismo de controle local está centrado nos episódios de hipóxia em um tecido, ou seja, na diminuição do aporte e oxigênio em um tecido. Nesse sentido, as células que revestem os pequenos vasos sanguíneos que conduzem o sangue para a região detectam a concentração reduzida de oxigênio e respondem secretando um mensageiro químico que se difunde até a parede do vaso, levando a mensagem para essa musculatura lisa relaxar e, desse modo, causar uma vasodilatação, aumentando o fluxo sanguíneo na região desse tecido e promovendo um aporte maior de oxigênio aquela região (SILVERTHORN, 2017; POWERS; HOWLEY, 2014). Já as alterações que ocorrem e se distribuem por todo o organismo, ou seja, de forma sistêmica, necessitam de sistemas de controle e manutenção mais complexos. Por exemplo, a manutenção adequada da pressão arterial para distribuir o sangue para todo o organismo é considerada uma ação sistêmica, e não local. Como a pressão arterial é sistêmica, a sua manutenção demanda uma comunicação de longa distância (controle reflexo de longa distância) e uma coordenação adequada principalmente entre os sistemas nervoso e endócrino (SILVERTHORN, 2017). Os reflexos fisiológicos com vistas à modulação e recuperação da homeos- tasia são conhecidos como feedback negativo e feedback positivo. A maioria dos sistemas de controle e manutenção do organismo atua por meio da via de feedback negativo. Essa via promove a restauração dos valores normais de uma 3Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício variável biológica, a fim de manter a homeostasia (por exemplo, a regulação de concentração de CO2 no líquido extracelular pelo sistema respiratório). Nesse sentido, o aumento da concentração de CO2 extracelular acima dos níveis aceitáveis sensibiliza os receptores que enviam essa informação ao centro de controle respiratório (nesse caso é considerado o centro integrador como vimos anteriormente), que, por sua vez, toma a decisão de intensificar os movimentos respiratórios por meio dos efetores, que, nesse caso, são os músculos que participam do processo respiratório. Essa intensificação dos movimentos respiratórios proporcionará uma diminuição das concentrações extracelulares de CO2, restabelecendo a homeostasia. Esse sistema descrito é um exemplo de feedback negativo, uma vez que a resposta do sistema de controle é negativa (oposta) em relação ao estímulo (SILVERTHORN, 2017; VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016; POWERS; HOWLEY, 2014). Em relação aos mecanismos de controle por feedback positivo, estes atuam de maneira a intensificaro estímulo original, ou seja, ocorre em convergên- cia com o estímulo (por exemplo, a intensificação das contrações do parto quando uma mulher dá à luz). Nesse sentido, à medida que a cabeça do bebê desloca-se pelo canal de parto, exerce mais pressão sobre o cérvice que es- timula receptores sensoriais que enviam mensagens ao encéfalo (nesse caso, é considerado o centro integrador como vimos anteriormente), que, por sua vez, responde por meio da liberação do hormônio ocitocina que está arma- zenado na glândula hipófise posterior que, pela corrente sanguínea, chega ao útero promovendo o incremento das contrações. Nesse sentido, quando o parto ocorre, o estímulo de pressão exercida pela cabeça do bebê no canal de parto cessa e, então, nesse momento, o estímulo de liberação de ocitocina se finda, desligando o mecanismo de feedback positivo (KAWAMOTO, 2018; POWERS; HOWLEY, 2014). É importante salientar que embora os termos homeostasia e estado estável sejam similares, ambos apresentam diferenças. Para compreendermos melhor essas diferenças, retomamos o conceito macro de homeostasia que é definida como a manutenção e o controle de um ambiente interno fisiológico, portanto, dentro dos limites da normalidade, constante ou imutável, normalmente sob condições de repouso livres de estresse. Já o conceito de estado estável está centrado em um ambiente interno constante não significando necessariamente que esse ambiente esteja em repouso e normal, ou seja, quando o corpo se apresenta em estado estável, denota que se atingiu um equilíbrio entre as demandas impostas ao corpo e a resposta ofertada a essas demandas. Como exemplo, podemos citar a temperatura corporal durante o exercício físico. Na realização de exercício físico submáximo em condições ambientais termo- Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício4 neutras (baixa umidade e baixa temperatura), em determinado momento após seu início, a temperatura corporal sobe e atinge um platô estável (temperatura apresenta-se constante), entretanto, essa temperatura corporal está acima da temperatura corporal de repouso normal e, por isso, não apresenta uma condição homeostática verdadeira. Assim, a palavra homeostasia é utilizada para descrever condições de repouso normal e a expressão estado estável é aplicada frequentemente às mudanças ocorridas durante o exercício físico em que, por exemplo, a variável temperatura é imutável, mas pode ser diferente do valor de repouso (homeostasia) (POWERS; HOWLEY, 2014). Sendo assim, o exercício físico demanda aos sistemas e mecanismos de controle e regulação a manutenção da homeostasia do organismo. De maneira geral, os mecanismos de controle corporal da homeostasia conseguem manter o estado estável na maioria dos tipos de exercícios submáximos em ambientes frios. Em contrapartida, os exercícios intensos ou o trabalho prolongado realizados em um ambiente com alta temperatura e unidade podem exceder a capacidade dos mecanismos de controle em manter um estado estável e, como consequência, a homeostasia pode sofrer disfunções graves (POWERS; HOWLEY, 2014). O melhor desempenho em relação à atividade física e aos exercícios provém das adaptações do ato de treinar que resultam em uma manutenção mais eficiente da homeostasia. Nesse sentido, a adaptação refere-se a uma alteração na estrutura e função de uma célula ou sistema orgânico, que resulta na melhora da capacidade de manter a homeostasia diante de condições estressantes (séries de exercício regulares). Do mesmo modo, as células podem se adaptar aos estresses ambientais, como um estresse de calor produzido em ambiente quente. Esse tipo de adaptação ambiental potencializa as respostas homeostáticas já existente. Essa situação é denominada como aclimatização. Está comprovado que a realização regular de exercícios promove alterações celulares que contribuem para incrementar a capacidade de preservar a homeostasia durante o “estresse” do exercício. A capacidade melhorada das células e dos sistemas orgânicos de manter a homeostasia é mediada por uma variedade de mecanismos de sinalização celular. A sinalização celular é compreendida como um sistema de comunicação que administra as atividades celulares e coordena as ações celulares. Nesse sentido, existem muitos mecanismos de sinalização celular que participam da regulação da homeostasia e ainda são necessários para a regulação da adaptação celular. Sendo assim, os principais mecanismos de sinalização celular são: sinalizações intrácrina, autócrina, justácrina, endócrina e parácrina (POWERS; HOWLEY, 2014). 5Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício Atividade física versus exercício Rotineiramente, no âmbito dos exercícios físicos, juntamente com suas pres- crições, a atividade física é confundida com exercício. A atividade física apre- senta uma denominação que está centrada em qualquer forma de movimento voluntário em que exista gasto energético (por exemplo, tarefas domésticas ou um esporte de alto rendimento). Já os exercícios significam o controle da atividade física, ou seja, é quando são estabelecidos critérios e valores voltados para a atividade física, como duração, intensidade, entre outros. Nesse sentido, esses valores e critérios devem ser prescritos de acordo com o objetivo do praticante e/ou atleta (RASO; GREVE; POLITO, 2013). É importante salientar que a atividade física proporciona benefícios para a mente e o corpo, por exemplo, algumas vantagens, a saber: a redução do risco de hipertensão, de acidente vascular cerebral (AVC), de doenças cardíacas, de alguns tipos de câncer e de quadros de depressão, além de reduzir a ansiedade e o estresse e estimular o convívio social. A Organização Mundial da Saúde recomenda 150 minutos semanais de atividade física leve ou moderada ou pelo menos 75 minutos de atividade física de maior intensidade por semana (BRASIL, 2017). Veja no Quadro 1 um fluxograma que mostra a cadeia hierárquica entre atividade física, exercício físico e esporte. Fonte: Adaptado de Santiago (2017). Atividade física Pode ser definida como qualquer atividade que envolva contração muscular voluntária que apresente gasto energético maior que em uma situação de repouso. Exercício É uma subcategoria da atividade física e pode ser definido como toda a atividade física planejada, estruturada e repetitiva que tem como objetivo a manutenção ou incremento de um ou mais componentes da aptidão física. Esporte É uma atividade competitiva e institucionalizada que demanda esforço físico vigoroso e utilização de habilidades motoras relativamente complexas, visando a atingir o máximo desempenho. Quadro 1. Cadeia hierárquica entre atividade física, exercício e esporte Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício6 Sedentarismo O sedentarismo pode ser compreendido a partir das pessoas não praticantes de programas de exercícios físicos regulares (RASO; GREVE; POLITO, 2013). Entre 1980 e 1985, havia um consenso em que o sedentarismo era a principal preocupação de saúde pública. Em 1992, a American Heart Association analisou o sedentarismo como uma condição de risco para as doenças cardiovasculares, assim como o tabagismo, a hipertensão e a hipercolesterolemia. No ano de 1995, o American College of Sports Medicine publicou uma recomendação de atividade física voltada para a saúde pública, na qual consistia que todo o norte-americano adulto deveria realizar 30 minutos ou mais de atividade física com intensidade moderada, de preferência todos os dias. Um ano após essa publicação, em 1996, um estudo realizado pelo Surgeon General’s Report on Physical Activity and Health destacava que o sedentarismo estava matando os norte-americanos adultos, já que 60% não estavam comprometidos com o recomendado para realização de atividades físicas e 25% não eram ativos. Essa pesquisa, que se baseou em estudos epidemiológicos, estudos em pequenos grupos, investigações clínicas que demonstravam os efeitosbenéficos da ati- vidade física regular, como diminuição do risco de morte prematura e doenças cardiovasculares, auxilia a manutenção do peso corporal ideal, promove que ossos, músculos e articulações se mantenham funcionais e saudáveis, auxilia na diminuição da pressão arterial em indivíduos hipertensos, além de promover o bem-estar psicossocial (POWERS; HOWLEY, 2014). A Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil evidenciou que um a cada dois adultos não pratica o nível de atividade física recomendada pela Or- ganização Mundial da Saúde (ou seja, 150 minutos semanais de atividade física leve ou moderada ou pelo menos 75 minutos de atividade física de maior intensidade por semana). Outro importante dado levantado está centrado no fato de que as pessoas sedentárias apresentam de 20 a 30% mais risco de ir a óbito por doenças crônicas, como as que envolvem o sistema cardiovascular e a diabetes, do que as pessoas que realizam 30 minutos diários de atividades físicas com intensidade moderada, cinco vezes por semana (BRASIL, 2017). 7Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício O sedentarismo e a obesidade têm aumentado continuamente nos Estados Unidos desde 1991 e, atualmente, quase 70% dos adultos norte-americanos estão com so- brepeso ou são obesos (SILVERTHORN, 2017). No link a seguir, você poderá conhecer quatro dicas para começar a prática de atividade física. https://goo.gl/5Yskrt BRASIL. Ministério da Saúde. Atividade física. Brasília, DF, 2017. Disponível em: http:// portalms.saude.gov.br/component/content/article/781-atividades-fisicas/40390- -atividade-fisica. Acesso em: 27 fev. 2019. KAWAMOTO, E. E. Anatomia e fisiologia na enfermagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. MARIEB, E. N.; HOEHN, K. Anatomia e fisiologia. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condiciona- mento e ao desempenho. 8. ed. Barueri, SP: Manole, 2014. RASO, V.; GREVE, J. D. A.; POLITO, M. D. Pollock: fisiologia clínica do exercício. Barueri, SP: Manole, 2013. SANTIAGO, P. A diferença entre atividade física, exercício físico e esporte. [entrevista ce- dida a Vitória Junqueira]. Jornal da USP, set. 2017. Disponível em: https://jornal.usp. br/atualidades/a-diferenca-entre-atividade-fisica-exercicio-fisico-e-esporte/. Acesso em: 27 fev. 2019. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. VANPUTTE, C.; REGAN, J.; RUSSO, A. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício8 Leitura recomendada KRAEMER, W. J.; FLECK, S. J.; DESCHENES, M. R. Fisiologia do exercício: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 9Conceitos introdutórios em fisiologia do exercício
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