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HIPOCALCEMIA INTRODUÇÃO A hipocalcemia é definida por cálcio total < 8,5 mg/dL ou cálcio ionizado inferior aos limites da normalidade, além de representar uma condição frequentemente encontrada na Medicina. Em seu extremo, os pacientes podem apresentar-se com quadro de hiperexcitabilidade neuromuscular grave e tetania. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA A detecção de níveis séricos de cálcio anormalmente baixos por exame laboratorial é, na maioria das vezes, um evento factício, resultante da diminuição da concentração plasmática de proteínas secundária à diminuição da síntese proteica ou hemodiluição. Como o cálcio circulante é altamente ligado às proteínas, a diminuição da concentração de albumina sérica – como ocorre na desnutrição, doença hepática ou síndrome nefrótica – produz reduções proporcionais dos níveis séricos de cálcio total. Nessas situações, os níveis séricos de cálcio podem ser corrigidos pelo acréscimo de 0,8 mg/dL para cada redução de 1 g/dL de níveis de albumina sérica ocorrida abaixo de 4 g/dL. Uma medida acurada dos níveis de cálcio ionizado contornará muitas dessas falhas. A hipocalcemia verdadeira pode ser subdividida em hipocalcemia com baixos níveis de PTH, caracterizando quadros de hipoparatireoidismo, e hipocalcemia com PTH aumentado, o que caracteriza o hiperparatireoidismo secundário. Geralmente, a hipocalcemia ocorre de forma associada a alterações da concentração do fósforo e pode estar relacionada a distúrbios do magnésio, já que este pode inibir a secreção do PTH. No compartimento extracelular, 50% do cálcio está sob a forma de cálcio ionizável, e o restante está ligado à albumina ou formando complexos com outros íons. Porém, essa proporção de cálcio sérico total 2:1 em relação ao cálcio ionizável pode ser alterada por condições como acidose, alcalose metabólica e hiperventilação. Por exemplo, pacientes com hiperventilação podem apresentar quadro de parestesias e contrações musculares com estímulo mínimo, estas ocasionadas pela redução transitória do cálcio ionizado. A hiperfosfatemia pode induzir o paciente à hipocalcemia, assim como a infusão de citrato também é descrita como causa dessadeficiência. O aumento da atividade osteoblástica, também descrito como causa de hipocalcemia, é possível na chamada síndrome do osso faminto, que ocorre após a paratireoidectomia e pode ser distinguida do hipoparatireoidismo pós-operatório devido à hipofosfatemia e aos níveis aumentados de PTH característicos da primeira. As extensas metástases osteoblásticas causam hipocalcemia e aparecem, principalmente, nos pacientes com carcinomas de próstata. Em pacientes gravemente doentes, também é possível ocorrer a hipocalcemia, como naqueles com sepse grave. Na pancreatite aguda, formam-se complexos de ácidos graxos com cálcio. Além disso, a hipocalcemia pode ser causada por transfusões de grandes volumes de sangue utilizando hemácias previamente tratadas com quelantes de cálcio para prevenção de coagulação. Medicações também são causa de hipocalcemia, como as drogas antirreabsortivas, os bisfosfonatos e os anticonvulsivantes. QUADRO CLÍNICO O quadro clínico da hipocalcemia é dividido em sintomas agudos (tetania, parestesias perioral e de extremidades, espasmos musculares, sinais de Trousseau e Chvostek, convulsões, broncoespasmo, prolongamento de intervalo QT, hipotensão, arritmias) e crônicos (sinais extrapiramidais, calcificações de gânglios basais, parkinsonismo, demência, dentição anormal, pele seca, catarata). O determinante dos sintomas é a concentração de cálcio ionizável. Portanto, em condições como alcalose metabólica, embora o cálciototal esteja normal, os pacientes podem apresentar sintomas de hipocalcemia. Os sintomas dependem da severidade e da cronicidade da condição e estão relacionados principalmente com a hiperexcitabilidade neuromuscular, além de alterações de dentes e anexos, cardíacas e oftalmológicas. A hipocalcemia aguda tem, como marca registrada, a tetania. Em casos leves, os pacientes apresentam parestesias de extremidades e periorais e, em casos graves, espasmo carpopedal, laringoespasmo e contrações musculares graves. Os sintomas de tetania normalmente ocorrem com concentrações de cálcio ionizável menores do que 4 mg/dL. Alguns pacientes, mesmo com hipocalcemia grave, não apresentam sintomas. Os sintomas de tetania iniciam-se usualmente com quadro de parestesias acrais. A ansiedade e a hiperventilação podem exacerbar as parestesias. Os sintomas motores surgem em seguida, com mialgias, espasmos musculares e rigidez muscular. O espasmo da musculatura respiratória pode levar a estridor laríngeo e à cianose. Os achados clássicos de irritabilidade neuromuscular são os sinais de Trousseau e Chvostek. O primeiro consiste na indução do espasmo carpopedal ao insuflar o manguito de pressão arterial acima da pressão arterial sistólica por 3 minutos. Já o sinal de Chvostek consiste na contração de músculos faciais ipsilaterais ao se percutir o trajeto do nervo facial próximo à orelha. Convulsões, na forma de crises de ausência, focais ou crises tônico clônicas generalizadas, podem ser a única manifestação de hipocalcemia. Alterações de movimento semelhantes ao parkinsonismo, com distonias, hemibalismo e coreoatetoses podem ocorrer de 5 a 10% dos casos, assim como disartria e ataxia. Sabe-se que pacientes com hipocalcemia crônica podem apresentar calcificações de gânglios da base, mas a contribuição dessa lesão para os sintomas neuromusculares é discutível. Em pacientes com hipocalcemia grave, podem ocorrer papiledema e neurite óptica, que melhoram com a correção da hipocalcemia. Alterações psiquiátricas, como labilidade emocional, ansiedade e depressão, também são descritas. Cataratas e, menos frequentemente, ceratoconjuntivite podem ocorrer, mas a correção da hipocalcemia diminui sua progressão. Hipoplasia dentária e alteração da mineralização dos dentes são manifestações crônicas associadas. Os pacientes podem ainda apresentar disfunção cardíaca sistólica e prolongamento do intervalo QT, com arritmias cardíacas secundárias. A hipocalcemia prolonga a fase 2 do potencial de ação como consequência da alteração da concentração de cálcio no soro e da função dos canais de cálcio dos miócitos. O prolongamento do intervalo QT está associado ao início pós-repolarização e desencadeia arritmias.
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