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extensão lateral de forma linear, retilínea: quando várias úlceras progredindo retilineamente se encontram, geralmente passam a separar áreas de mucosa normal, num aspecto de “pedras de calçamento”; aprofundamento através das camadas da parede intestinal, resultando em fístulas para o mesentério e órgãos vizinhos. A expressão “Doença Intestinal Inflamatória” (DII) aplica-se a duas doenças intestinais crônicas e idiopáticas: a Doença de Crohn (DC) e a Retocolite Ulcerativa (RCU). Ambas devem ser diferenciadas das demais doenças que também promovem inflamação dos intestinos, como infecções, diverticulite, apendicite, enterite por radiação, medicamentos ou toxinas, e vasculite intestinal. O que se sabe de concreto acerca da gênese dessas doenças é que sem dúvida existe um distúrbio na regulação da imunidade da mucosa intestinal, que justifica o surgimento de um processo inflamatório espontâneo provavelmente direcionado contra os germes da microbiota fisiológica. O principal fator de risco comprovado para ambas as DII é uma história familiar positiva (presente em 10-25% dos pacientes). A incidência nos parentes de primeiro grau de um indivíduo acometido chega a ser 100 vezes mais alta do que na população geral! Atualmente, parece haver uma discreta predominância da RCU em homens, ao passo que na DC haveria um maior número de casos em mulheres. São descritos dois picos de incidência: entre 15-40 anos (principal) e entre 50-80 anos. Um importante marcador genético também foi descrito: o gene NOD2/CARD15, que se encontra fortemente associado à DC. A diferenciação entre RCU e DC é feita por critérios clínicos, radiológicos, endoscópicos e histológicos. É importante salientar que em 10- 20% dos casos não é possível, pelo menos num primeiro momento, classificar o paciente como DC ou RCU. Tais indivíduos são classificados como portadores de “colite indeterminada”. • DOENÇA DE CROHN (DC) A doença de Crohn é também conhecida como enterite (inflamação da mucosa do intestino delgado) regional. ➢ ANATOMOPATOLOGIA A DC pode acometer qualquer parte do tubo digestivo, desde a boca até o ânus. Alterações microscópicas frequentemente são encontradas à distância dos locais onde estão as alterações macroscópicas, ou seja, a DC NÃO acomete o trato intestinal de forma homogênea, contínua. Este fato, associado às recidivas após ressecções segmentares, sugere que alterações sutis da mucosa estejam presentes ao longo de todo o trato gastrointestinal dos portadores desta condição. Na DC pode haver acometimento macroscópico em diferentes locais ao mesmo tempo, isto é, separados por trechos de mucosa normal. Ao contrário do que ocorre na RCU, a DC se caracteriza por um acometimento descontínuo e focal, tanto macroscópica quanto microscopicamente. Na DC, as alterações patológicas inflamatórias são tipicamente transmurais (na RCU estas alterações estão tipicamente restritas à mucosa). Isso explica o espessamento da parede intestinal, com estreitamento do lúmen (formação de estenoses), e também explica a potencialidade para formação de fístulas para o mesentério e órgãos contíguos. A DC geralmente se inicia com a formação das úlceras aftoides: pequenas ulcerações da mucosa que caracteristicamente se desenvolvem sobre as Placas de Peyer, no intestino delgado, ou sobre aglomerados linfoides no cólon. Estas ulcerações aftoides podem evoluir de 2 maneiras: 1. 2. Doença de Crohn diarreia crônica invasiva associada à dor abdominal; sintomas gerais como febre, anorexia e perda de peso; massa palpável no quadrante inferior direito*; (a existência de massa palpável no quadrante inferior direito pode representar, na DC, uma alça intestinal edemaciada, de diâmetro bastante aumentado, geralmente dolorosa à palpação, ou um abscesso intra- abdominal); doença perianal (caso presente num paciente com diarreia invasiva, define o diagnóstico diferencial com a RCU). OBS: Granulomas não caseosos, semelhantes aos da sarcoidose, podem ser encontrados em até 30% dos casos de DC. Como não ocorrem na RCU, o encontro desses granulomas em material de biópsia diferencia a DC da RCU! Contudo, por se tratar de achado pouco sensível (S = 30%), eles NÃO SÃO imprescindíveis para esta diferenciação... O fato é que, embora o achado de granuloma não seja fundamental para o diagnóstico de DC, sua presença constitui achado patognomônico, desde que sejam excluídas outras afecções granulomatosas como tuberculose, sarcoidose etc. OBS: Um terço dos pacientes com DC tem doença perianal (fístulas, fissuras, abscessos). Este fato pode distinguir a colite de Crohn da RCU. Do ponto de vista macroscópico, a porção distal do íleo e o cólon ascendente são os mais comprometidos (ileocolite, presente em 70-75% dos casos), mas outros padrões de lesão são reconhecidos: a) 10-20% dos pacientes apresentam acometimento exclusivo do cólon (colite de Crohn ou colite granulomatosa). O reto está preservado em 50% desses pacientes, o que raramente ocorre na RCU (dado importantíssimo para o diagnóstico diferencial); b) 20% dos pacientes têm doença limitada ao intestino delgado (ileíte de Crohn, também chamada de “enterite regional”). c) Uma pequena porcentagem (5%) tem comprometimento predominante na cavidade oral (úlceras aftoides) ou mucosa gastroduodenal (dor tipo ulcerosa ou síndrome de obstrução pilórica). d) Uma porcentagem ainda menor tem lesões em esôfago (odinofagia e disfagia) e intestino delgado proximal (síndrome de má absorção). Por fim, uma das alterações macroscópicas mais características da DC é invasão da serosa por tecido adiposo (fat wrapping)! Olhando a superfície externa de uma alça intestinal, também é possível notar a presença de pequenos nódulos esbranquiçados, conhecidos como “semente de milho”, que indicam a presença de granulomas na serosa, um achado específico da DC. ➢ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As características clínicas mais comuns da doença de Crohn são as de uma ileocolite: 1. 2. 3. 4. Evidentemente, os sintomas da DC variam em função de sua localização no trato gastrointestinal: a) as manifestações de uma colite de Crohn são muito semelhantes às da colite ulcerativa (RCU); b) o acometimento extenso e crônico do intestino delgado geralmente cursa com síndrome disabsortiva grave, seguida por desnutrição e debilidade crônica; c) a DC gastroduodenal imita a doença ulcerosa péptica. As manifestações extraintestinais tendem a ser mais frequentes nos pacientes com comprometimento colônico. Bruna Lago Santos LEVE A MODERADA: Tradicionalmente, recomenda-se a estratégia conhecida como “step up”, isto é, o tratamento começa com drogas menos potentes, passando-se para as mais potentes somente se houver intolerância ou refratariedade. Assim, portadores de ILEÍTE LEVE A MODERADA podem começar o tratamento com um derivado 5-ASA de liberação ileal (os mais estudados são Pentasa e Asacol). Por outro lado, portadores de COLITE LEVE A MODERADA podem utilizar todos os derivados 5-ASA (os mais ➢ DIAGNÓSTICO A ileocolonoscopia com biópsias é o exame de escolha! A grande maioria dos pacientes com doença de Crohn apresenta acometimento do íleo terminal e do cólon ascendente ou ceco. Encontraremos um comprometimento salteado (áreas doentes alternadas com áreas sãs), manifesto por úlceras aftosas que, quando coalescentes, dão o aspecto de “pedras de calçamento (paralelepípedo)”. O histopatológico é semelhante ao encontrado na RCU, porém, podem ser encontrados granulomas não caseosos, que no contexto apropriado são patognomônicos de Crohn. Um clister opaco (exame de raio-x) contrastado com ar (duplo contraste) pode revelar: (1) ulcerações assimétricas e focais (2) fístulas (3) preservação do reto (4) íleo terminal comprometido, com refluxo do bário. Nos dias de hoje, entretanto, métodos mais acurados como a entero-TC ou a entero-RNM (TC ou RNM com contraste oral + venoso, respectivamente) são preferíveis. Tais métodos identificam áreas de parede intestinal “doente” (aumento de espessura, hipercaptação focal de contraste), sendo obtidos de formamais rápida do que um trânsito de delgado, além de garantir a visualização de TODO o tubo digestivo (delgado + cólon). Marcadores sorológicos podem ser usados: ASCA (+) / p-ANCA (-): 97% de especificidade e 49% de sensibilidade para o diagnóstico de DC/ Anti-OmpC (+) e anti-CBir1 (+): sugestivo de DC. OBS: p-ANCA (anticorpo anticitoplasma de neutrófilo, padrão perinuclear de imunofluorescência); ASCA (anti- Saccharomyces cerevisiae); anti-OmpC (antiporina) e anti- CBir1 (antiflagelina). Esses dois últimos parecem predizer um pior prognóstico para a DC. ➢ TRATAMENTO O objetivo é alcançar e manter a remissão completa em longo prazo. A escolha do esquema terapêutico depende dos sítios acometidos pela doença, sua extensão e gravidade, comorbidades associadas, idade e preferências do paciente. O início precoce de agentes “biológicos” deve ser considerado de maneira independente naqueles que possuem fatores de risco para doença mais agressiva. O tabagismo deve ser abandonado, sempre. DIETA. Pelo risco de desnutrição, a dieta deve ser bem equilibrada, idealmente sem qualquer restrição. A dieta enteral (ministrada por cateter nasoentérico durante à noite) deve ser considerada em crianças com baixa ingesta oral e déficit de crescimento. A Nutrição Parenteral Total (NPT) pode ser indicada por curto prazo nos pacientes desnutridos e com doença grave em atividade, principalmente se os mesmos necessitarem de alguma intervenção cirúrgica. A NPT também é recomendada, em longo prazo, para os indivíduos submetidos a múltiplas ressecções cirúrgicas que evoluíram com a “síndrome do intestino curto”. CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE. O primeiro passo na definição da terapia farmacológica é classificar a gravidade da doença. 1. Doença de Crohn estudados são Sulfasalazina, Pentasa, Asacol e os enemas de mesalamina). Muitos autores continuam recomendando antibióticos (metronidazol, ciprofloxacina ou rifamixina) para os portadores de DC leve a moderada que não toleram ou não respondem (após 3-4 semanas de uso) aos derivados 5-ASA. Logo, os antibióticos constituem o tratamento de segunda linha. Classicamente, os glicocorticoides só são prescritos na DC leve a moderada como terceira linha terapêutica, isto é, na intolerância ou ausência de resposta aos derivados 5-ASA e antibióticos. Como vimos, tem-se preferido a budesonida de liberação ileal, mas também podemos utilizar a tradicional prednisona. Uma vez atingida a remissão, a terapia de manutenção idealmente será feita com um derivado 5-ASA. Pacientes que não toleram esses medicamentos, bem como aqueles que não respondem a nenhuma das estratégias iniciais, devem passar para o estágio seguinte (“step up”) lançando mão de imunomoduladores e/ ou biológicos (tanto na indução quanto na manutenção da remissão). 2. MODERADA A GRAVE: As drogas de primeira escolha para induzir remissão passaram a ser os biológicos, com preferência pelos agentes antiTNF e muitas vezes associada a um imunomodulador. A terapia dupla, no entanto, deve ser evitada em pacientes com risco particularmente alto de complicações. Segundo a literatura moderna, estes seriam: (1) homens com idade < 25 anos – maior risco de linfoma hepatoesplênico de células T; (2) idosos – maior risco de linfomas não Hodgkin e infecções oportunistas em geral. 3. GRAVE A FULMINANTE: Se houver perfuração a conduta prioritária será a correção cirúrgica do problema, e se houver abscesso o mesmo deverá ser drenado (de preferência pela via percutânea). Na vigência de obstrução intestinal, o tratamento pode ser inicialmente clínico (conservador), com dieta zero, drenagem nasogástrica, e reposição volêmica/hidroeletrolítica. Em todas essas três circunstâncias faz-se necessário o acréscimo de antibioticoterapia de amplo espectro, cobrindo enteropatógenos Gram-negativos e anaeróbios (ex.: ciprofloxacina + metronidazol; amoxicilina + clavulanato). A presença de obstrução total, ou subtotal persistente, indica uma abordagem cirúrgica, que consiste idealmente na estricturoplastia. Agentes biológicos ou glicocorticoides serão iniciados após o tratamento adequado das complicações intra-abdominais. É importante compreender que o procedimento de escolha para tratar a obstrução intestinal associada à DC estenosante é a ESTRICTUROPLASTIA (também chamada de “estenosoplastia”), e não a enterectomia segmentar! Referências: Tratado de gastroenterologia : da graduação à pós- graduação / editores Schlioma Zaterka, Jaime Natan Eisig. 2. ed, 2016. Bruna Lago Santos