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1 BIOÉTICA E BIODIREITO IDDM EDITORA ISBN 978-85-66789-33-1 Prof.ª Dra. Valéria Silva Galdino Cardin (UniCesumar/UEM) Prof.ª Me. Letícia Carla Baptista Rosa (UniCesumar/FAMMA) Prof.ª Dra. Tereza Rodrigues Vieira (Unipar) O Mestrado em Ciências Jurídicas e o Curso de Direito da Unicesumar promovem o III Con- gresso Internacional de Direitos da Personalidade e IV Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade, sob o tema "Direitos da Personalidade de Minorias e de Grupos Vulnerá- veis". Trata-se da terceira edição de um evento internacional que debate os direitos da personali- dade, tanto no que se refere aos novos direitos e aos limites da sua proteção na atualidade, quanto nos mecanismos jurídicos e extrajurídicos, políticas públicas e ações judiciais voltadas a sua concretização, juntamente com a quarta edição do evento nacional de Novos Direitos de Direitos da Personalidade, que neste ano realizar-se-ão concomitantemente promovendo a integração de discente, docente, pesquisadores e profissionais das mais diversas áreas do co- nhecimento. O evento se justifica, primeiramente, em razão da temática dos direitos da personalidade ser abordada de forma inédita pelo Mestrado em Ciências Jurídicas da Unicesumar, e, por propor- cionar uma cooperação internacional através do amplo diálogo e aproximação entre pesquisa- dores brasileiros e estrangeiros sobre as inovações normativas, institucionais, jurisprudenciais e as mais recentes literaturas na área. Quanto ao alcance, o evento justifica-se por propiciar a difusão de conhecimento entre os pesquisadores, professores, mestrandos, doutorandos e estudantes da graduação. Além disso, o evento será aberto ao público e a toda a comunidade científica do Brasil e do exterior, que será convidada a participar com envio de artigos científicos, painéis, exposição de arte e minicursos. BIOÉTICA E BIODIREITO PRIMEIRA EDIÇÃO MARINGÁ – PR 2017 IDDM EDITORA Todos os Direitos Reservados à Rua Joubert de Carvalho, 623 – Sala 804 CEP 87013-200 – Maringá – PR IDDM EDITORA Bioética e biodireito. / organizadores, Valéria Silva Galdino Cardin, Letícia Carla Baptista Rosa, Tereza Rodrigues Vieira. – 1. ed. – Maringá, Pr: IDDM, 2017. 228 p.:il; color. Modo de Acesso: World Wide Web: <https://www.unicesumar.edu.br/category/mestrado/> ISBN: 978-85-66789-33-1 1. Direitos da personalidade. 2. Genética humana – aspectos morais e éticos. 3. Responsabilidade civil e médica. 4. Dignidade da pessoa humana. 5. Família. I. Título. CDD 22.ed. 340.112 Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi –Bibliotecária CRB/9-1610 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) B615 Copright 2017 by IDDM Editora Educacional Ltda. CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Alessandro Severino Valler Zenni, Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Lattes: http://lattes.cnpq.br/5969499799398310 Prof. Dr. Alexandre Kehrig Veronese Aguiar, Professor Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2645812441653704 Prof. Dr. Fabrício Veiga Costa, Professor da Pós-Graduação Stricto Sensu em Proteção em Direitos Funda- mentais da Universidade de Itaúna. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7152642230889744 Prof. Dr. José Francisco Dias, Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Toledo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9950007997056231 Profª Drª Sônia Mari Shima Barroco, Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0910185283511592 Profª Drª Viviane Coelho de Sellos-Knoerr , Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito da Unicuritiba. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 http://lattes.cnpq.br/5969499799398310 http://lattes.cnpq.br/2645812441653704 http://lattes.cnpq.br/7152642230889744 http://lattes.cnpq.br/9950007997056231 http://lattes.cnpq.br/0910185283511592 http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 6 PREFÁCIO Eventos, livros e artigos, podem, de uma ou de outra forma, ser autorreferência. Neste sen- tido, inicia-se o presente prólogo dizendo que, observado em todos os seus aspectos, o presente livro materializa a autorreferência de um evento, do conjunto de capítulos que o totaliza, e da har- monia da obra em si mesma. Resultado do III Congresso Internacional de Direitos de Personalidade, e do IV Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade, realizados conjuntamente pelo Programa de Pós-gra- duação Stricto Sensu em Direito e pelo Curso de Direito do Centro Universitário de Maringá, duran- te os dias 26, 27 e 28 de setembro de 2016, este livro corporifica a maturidade científico-jurídica dos autores dos trabalhos que foram apresentados perante o GT1 que se desenvolveu durante o evento, e cujo nome original dá título ao livro. Neste sentido, importante dizer que o evento contou com o protagonismo de professores e profissionais, do Brasil e do exterior, que proferiram palestras relacionadas à temática dos Direitos da Personalidade, associada aos Novos Direitos, Minorias e Grupos Vulneráveis. Ademais, merece especial alusão a presença do público, formado por mais de mil e quinhentas pessoas que presti- giaram todas as atividades promovidas no decorrer dos dias de sua realização. Em relação ao livro que ora se apresenta, transcendental subscrever que a atualidade dos Direitos da Personalidade e dos Novos Direitos está a exigir reflexões que dimensionem, de um lado, o papel do Estado, do Direito e da própria sociedade, e de outro, os mecanismos de defesa e garantia jurídica e extrajurídica, as políticas públicas e as ferramentas que estão disponíveis à sua concreção. Por isto, capital enaltecer que, as páginas que seguem, oferecem o mais moderno e aguçado pensamento científico sobre o tema, pois tanto acirram o debate acadêmico sobre pontos contro- vertidos, como elucidam dúvidas, e provocam indagações que determinam a necessária continui- dade da discussão jurídica sobre questões ainda carentes de consolidação pelo Direito pátrio. Os organizadores da obra, outrora Coordenadores do Grupo de Trabalho que acolheu a apre- sentação verbal das produções intelectuais aqui concentradas, fazem jus ao nosso particular aplau- so, pois lograram reunir o resultado de pesquisas que percorreram, com maturidade acadêmico- -científico, todas as particularidades de cada assunto que perfaz um a um dos capítulos do livro. É deste modo que, na qualidade de Coordenadores do evento, cumpre-nos dizer que este livro não pode, sob qualquer hipótese, permanecer adormecido nas prateleiras de uma biblioteca. Tanto o seu conteúdo, como o trabalho científico que deu guarida à produção literária que se colo- ca à disposição do leitor, conclamam que o mesmo circule pelo universo acadêmico, seja utilizado como ferramenta de consulta, e adotado como referência obrigatória nas pesquisas implementadas pela influência, ou inspiração, dos assuntos retratados nesta obra. 1 Grupo de Trabalho. 7 Finalmente, estendemos um efusivo e afetuoso agradecimento para todos os que colabora- ram para o sucesso do III Congresso Internacional de Direitos de Personalidade, e do IV Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade. Aos Organizadores da obra, subscrevemos a grati- dão pela diligência, tanto na Coordenação do GT, como no adensamento dos artigos. Aos autores de cada um dos capítulos, assinamos um portentoso parabéns pelo brilho de sua pesquisa, e pela plenitude de seu manuscrito. José Eduardo de Miranda, Ph. D. José Sebastião de Oliveira, Ph. D. Valéria Silva Galdino Cardin, Ph. D. SUMÁRIO BIOÉTICA E BIODIREITO A PROBLEMÁTICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS SOB A ÉGIDE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA INTRODUÇÃO 14 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: A FERTILIZAÇÃO IN VITRO E A PROBLEMÁTICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS 15 O INÍCIO DA VIDA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE 17 SITUAÇÃO JURÍDICA DO EMBRIÃO EXCEDENTE 19 A INCIDÊNCIADO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOB A INFLUÊNCIA DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA 23 CONCLUSÃO 27 REFERÊNCIAS 28 CLONAGEM HUMANA TERAPÊUTICA NO DIREITO BRASILEIRO INTRODUÇÃO 30 CLONAGEM HUMANA 31 CLONAGEM HUMANA E O DIREITO INTERNACIONAL 36 CLONAGEM HUMANA E O DIREITO BRASILEIRO 38 CLONAGEM HUMANA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE 42 TIPOS PENAIS NA LEI DE BIOSSEGURANÇA 46 DECISÕES JUDICIAIS SOBRE A UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO 47 CONCLUSÃO 48 REFERÊNCIAS 49 SUMÁRIO CORPO COMO OBJETO DE CONSUMO: CONSEQUÊNCIAS E RESPONSABILIDADES INTRODUÇÃO 50 BREVE HISTÓRICO 51 A CIRURGIA PLÁSTICA E O DIREITO 52 CASUÍSTICA 59 CONCLUSÃO 62 REFERÊNCIAS 63 DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO: UMA ANÁLISE DE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS FRENTE AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE INTRODUÇÃO 65 DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO 66 CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 74 DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS FRENTE AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 76 CONCLUSÃO 77 REFERÊNCIAS 78 DA DISCRIMINAÇÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO EM DECORRENCIA DE DOENÇAS GRAVES. INTRODUÇÃO 81 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 82 DO PRINCÍPIO DO PLENO EMPREGO 83 DO PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO 85 TRABALHADORES PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES 86 DA DISCRIMINAÇÃO LABORAL DOS PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES. 92 CONCLUSÃO 96 REFERÊNCIAS 96 SUMÁRIO DESIGNER BABIES E A EUGENIA NEGATIVA: A TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA NO BRASIL INTRODUÇÃO 100 DA MANIPULAÇÃO GENETICA EM EMBRIÕES 101 DOS EMPECILHOS LEGAIS FUNDADOS NO MEDO 105 DA TUTELA DO MELHOR INTERESSE À VIDA EM POTENCIAL 109 DAS PRATICAS SEMELHANTES JÁ CONCEBIDAS NO BRASIL 111 CONCLUSÃO 113 REFERÊNCIAS 114 FAMÍLIAS PARALELAS VERSUS FAMÍLIAS POLIAFETIVAS INTRODUÇÃO 117 FAMÍLIAS PARALELAS OU SIMULTÂNEAS 118 FAMÍLIAS POLIAFETIVAS OU POLIAMOROSAS 122 CONCLUSÃO 127 REFERÊNCIAS 129 O AFETO COMO FATOR GERADOR DA FAMÍLIA E DOS LAÇOS DE FILIAÇÃO NA MULTIPARENTALIDADE E SUA POSSIBILIDADE NA FAMÍLIA POLIAFETIVA INTRODUÇÃO 131 NATUREZA DO DIREITO DE FAMÍLIA 132 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO FAMILIAR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 133 A VALORAÇÃO DO AFETO 134 A CONTRAÇÃO FAMILIAR SEM A REALIZAÇÃO DO CASAMENTO 135 FAMÍLIA PARENTAL OU ANAPARENTAL 137 FAMÍLIA COMPOSTA, PLURIPARENTAL OU MOSAICO 137 SUMÁRIO FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA 138 DIREITO PARENTAL 138 MULTIPARENTALIDADE OU PLURIPARENTALIDADE 139 POLIAFETIVIDADE ou POLIAMORISMO 140 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS 142 CONCLUSÃO 144 REFERÊNCIAS 146 O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 INTRODUÇÃO 148 O DIREITO À VIDA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO 149 INÍCIO DA VIDA 153 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO À VIDA DIGNA 155 CONCLUSÃO 159 REFERÊNCIAS 160 O DIREITO SUPREMO À VIDA X A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -EUTANÁSIA INTRODUÇÃO 163 EUTANÁSIA – CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES. 164 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 167 PRINCÍPIO DO DIREITO À VIDA. 169 OS MÉDICOS DIANTE DA LIMITAÇÃO E A OBSTINAÇÃO PELA VIDA. 169 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM OPOSIÇÃO AO DIREITO À VIDA EM RELAÇÃO ÀS FORMAS DE EUTANÁSIA. 170 CONCLUSÃO 172 SUMÁRIO OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA: ANÁLISE A LUZ DA BIOÉTICA E DO DIREITO INTRODUÇÃO 175 CONSIDERAÇÕES QUANTO À OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA 176 INFLUÊNCIAS DA MOTRIZ RELIGIOSA COMO OBJETOR DE CONSCIÊNCIA 180 OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA AO SERVIÇO MILITAR 181 OBJEÇÃO À EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL 182 TESTEMUNHAS DE JEOVÁ 183 7 CONCLUSÃO 184 REFERÊNCIAS 185 PESQUISA CIENTÍFICA EM ANIMAIS: ASPECTOS CIENTÍFICOS, ÉTICOS E JURÍDICOS INTRODUÇÃO 188 VIVISSECÇÃO E TESTES EM ANIMAIS: 190 PORQUE OS TESTES EM ANIMAIS AINDA SÃO LARGAMENTE USADOS POR PESQUISADORES 190 DAS INDÚSTRIAS BENEFICIADAS 191 DOS MÉTODOS ALTERNATIVOS 192 ASPECTOS JURÍDICOS 195 CONCLUSÃO 197 REFERÊNCIAS 197 RESERVA DO POSSÍVEL EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: MISTANÁSIA INTRODUÇÃO 199 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 200 DIREITO A VIDA: PRESSUPOSTO PARA OS DEMAIS DIREITOS 202 DIREITO À SAUDE: ESSENCIALIDADE E NECESSÁRIA EFETIVAÇÃO 204 RESERVA DO POSSÍVEL 206 SUMÁRIO MISTANÁSIA: O RESULTADO FÁTICO DO DESCASO DO ESTADO COM O DIREITO À SAÚDE E A VIDA DIGNA 207 CONCLUSÃO 209 REFERÊNCIAS 211 DA TRANSEXUALIDADE E DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE INTRODUÇÃO 213 DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE 214 DA SEXUALIDADE E DA IDENTIDADE DE GÊNERO 219 DA TRANSEXUALIDADE 220 DA TRANSEXUALIDADE COMO DOENÇA 221 DO ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO 222 DO ACOMPANHAMENTO HORMONAL 223 DA CIRURGIA DE ADEQUAÇÃO SEXUAL 224 CONCLUSÃO 225 REFERÊNCIAS 226 14 A PROBLEMÁTICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS SOB A ÉGIDE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Ana Flávia Terra Alves Mortati Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina – UEL, Londrina – PR. ana_mortati@hotmail. com. Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador Doutora em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Docente da Universidade Estadual de Londrina – UEL. rita.tarifa@gmail.com. RESUMO: O avanço da ciência no cenário da biotecnologia levou o ser humano ao conhecimento de técnicas até então não conhecidas, levando ao enfrentamento de suas consequências que não haviam sido, de mesmo modo, previamente enfrentadas. Nesse âmbito, destaca-se o instituto da reprodução humana assistida e a consequente problemática dos embriões excedentários. Impõe-se, pois, um estudo acerca das opiniões divergentes encontradas na doutrina acerca da incidência dos direitos da personalidade e dignidade da pessoa humana sobre os referidos embriões. E assim porque a ausência de uma tutela jurídica específica sobre eles poderia ensejar a coisificação da vida, o que é vedado ontologicamente sob o prisma dos princípios constitucionais presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Diante da insuficiência de normas ou da ausência de análises médicas satisfatórias, busca-se, pelo presente, destacar os diferentes posicionamentos encontrados na seara jurídica, bem como as consequências decorrentes destes, postura que é imperiosa em um Estado Democrático de Direito em que a vida revela-se enquanto primazia de todo o ordenamento. O método a ser utilizado é o interpretativo, consistente na análise doutrinária do tema, a fim de se verificar a fundamentação lógica, legal, moral e ética sobre os posicionamentos que até então vêm sido adotados. A importância do presente estudo releva-se sobretudo na exigência de limites às práticas que o contexto biotecnológico traz, a fim de legitimar seu desenvolvimento saudável aprimorando o direito à vida. PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da pessoa humana. Direitos da personalidade. Embriões excedentários. INTRODUÇÃO O desenvolvimento científico no âmbito da biotecnologia trouxe ao ser humano, à semelhança das descobertas feita pelo homem na história da humanidade, inúmeras vantagens que o possi- bilitam desfrutar de uma melhor qualidade de vida. A exemplo disso, destacam-se as técnicas de reprodução humana assistidas que atualmente viabilizam o projeto da paternidade, sanando, na maioria das vezes, os problemas biológicos de pessoas que, por meios naturais, nunca teriam fi- lhos. Ocorre que com o desenvolvimento de referidas técnicas, o ser humano deparou-se com questões inusitadas, sobre as quais debates éticos são constantemente travados, porém sem qual- quer solução satisfatória trazida sobre as problemáticas que se apresentam. Um dos temas que ainda se mostra controverso é aquele que envolve a tutela jurídica dos embriões excedentários. E assim porque diante de um ordenamento jurídico que tem como primazia o direito à vida e conse- quente tutela dos direitos da personalidade e do princípio da dignidade humana, surgem diversos entraves ontológicos sobre o destino que muitos conferem aos referidos embriões. Diante desse contexto,impõe-se uma análise doutrinária sobre o tema, a fim de verificar os posicionamentos adotados, bem como a postura prática que estes têm conduzido, sobretudo na 15 esfera do poder judiciário brasileiro. A importância do tema é inquestionável, já que debates como esses são responsáveis por legitimar praticá-las ou ceifá-las, a fim de zelar pela coerência lógica, moral, legal e jurídica de todo um sistema que há muito estabeleceu paradigmas a serem tomados em conta. Revela-se, assim, como objetivo primordial do trabalho, analisar à tutela jurídica conferida aos embriões excedentários por meio do estudo dos institutos jurídicos, dentre os quais merecem maior destaque os direitos da personalidade e a dignidade da pessoa humana. E assim porque os avanços biotecnológicos vêm sendo acompanhados pelos postulados formados pelas ciências da Bioética e do Biodireito, indispensáveis à compreensão e elucidação do tema ora estudado. 1 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: A FER- TILIZAÇÃO IN VITRO E A PROBLEMÁTICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS O desenvolvimento de técnicas na área da biotecnologia e, sobretudo, o avanço dos conhe- cimentos tangentes à reprodução humana assistida possibilitaram ao homem alcançar, sob certo aspecto, o domínio sobre a própria vida. Com efeito, o projeto da paternidade tornou-se possível independentemente da presença de infortúnios naturais, como a esterilidade. No entanto, simulta- neamente às conquistas científicas, verifica-se o surgimento de polêmicas não antes enfrentadas juridicamente, sobre as quais não existe um consenso. Assim, deve-se levar em conta que o ímpeto de satisfazer desejos humanos como o de pro- criar ou prolongar a vida, não pode estar subordinado apenas ao aspecto científico, mesmo porque a Ciência necessita de limites impostos por valores e princípios, mormete aqueles consagrados pelo ordenamento jurídico. Nesse contexto, faz-se mister salientar que “os homens são tecnica- mente seres livres, dotados de arbítrio para usar a tecnologia em proveito da dignidade humana. Negar o avanço da ciência é negar o óbvio, mas jurar vassalagem a ela é inadmissível”1. A despeito disso, a importância do desenvolvimento das técnicas de reprodução humana assistida é inegável, inserindo-se num contexto em que “a reprodução representa, para todo ser vivo, a continuidade de sua espécie, a perpetuação no mundo de seu patrimônio genético e, para o Homem, a perpetuação de seu nome, tradição e valores”2. Nesse âmbito, dentre as várias técnicas de reprodução humana assistida (também chamada de reprodução humana artificial), merecem destaque a inseminação artificial (I.A.) e a fertilização in vitro (F.I.V.). O presente estudo, entretanto, emprega maior análise sob esta última, já que é dela que advém a problemática concercente aos embriões excedentários. 1 SEGUIN, Elida. Biodireito. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 44. 2 MARINHO, Angela de Souza M.T. Reprodução humana assistida no direito brasileiro: a polêmica instaurada após o novo Código Civil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2010. p. 17 16 A princípio, impende salientar que a fertilização in vitro proporciona a fecundação extracorpó- rea do gameta feminino pelo masculino em ambiente propício, criado em laboratório3, para que, em momento oportuno seja transferido para o corpo da mulher o embrião decorrente dessa operação. Ocorre que, num período mais remoto, ao empregegar referida ténica, costumava-se retirar da mulher pequenos óvulos, sendo todos fecundados para que, posteriormente, fossem introduzi- dos no útero desta. Com o aperfeiçoamento das técnicas e com o aumento das probabilidades de implantes no útero, verificou-se, no entanto, muitas gestações e nascimento de gêmeos4. Diante desse cenário, limitou-se o implante a um número exíguo de embriões. Sendo assim, atualmente, muito embora mantida a prática de fazer a mulher hiperovular (com a consequente obtenção de vários óvulos e a fecundação de todos eles), implanta-se no útero apenas alguns dos óvulos fecundados, conferindo-se outro destino aos chamados excedentários. Nesse sentido, a Resolução 2.121 de 2015 do Conselho Federal de Medicina dispõe, inclusive, que “o número máximo de oócitos e embriões a seres transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro”5. Em síntese, aos embriões que sobram, isto é, que não são inseridos no útero, restam alguns tratamentos, dentre os quais merecem destaque a crioconservação – podendo o casal em trata- mento utilizá-los depois –, doação, utilização em pesquisas ou descarte. As polêmicas mais signi- ficavas que advém sobre o tema dos embriões excedentários surgem justamente do destino a ser conferido a eles, conforme demonstra-se na sequência. Com relação à crioconservação, por exemplo, surge o problema do tempo em que esses embriões ficarão congelados e de quem será a responsabilidade em caso de despesas e deterio- ração6. Nesse âmbito, em que pese o fato de a Resolução 2.121 de 2015 do Conselho Federal de Medicina7 autorizar que os embriões criopreservados com mais de cinco anos possam ser descar- tados se esta for a vontade dos pacientes, o que se percebe, na realidade é que “não existem res- postas conclusivas se o tempo de congelamento pode afetar ou não o desenvolvimento da carga genética deste embrião”8. Ademais, caso o tratamento escolhido fosse a doação, questões como o direito à identidade genética deveriam ser enfrentadas, tendo em vista que “os conceitos de maternidade e paternida- de, necessariamente, sofreriam alterações”9. Outrossim, em se optando pela destinação dos embriões excedentários para pesquisa cien- tífica, ou, ainda, pelo seu descarte, poderia haver afronta aos preceitos éticos-morais, “porque há o entendimento de que o embrião represente um ser humano em potencial, e, assim, entende-se 3 GOMES, Renata Raupp. A relevância da bioética na construção do novo paradigma da filização na ordem jurídica nacional. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord). Grandes temas da atualidade: bioética e biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 345. 4 Idem, ibidem, p. 346. 5 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.121, de 24 de setembro de 2015. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2121_2015.pdf>. Acesso em 09 de ago. 2016. 6 MARINHO, Angela de Souza M.T. op. cit., p. 38. 7 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. op. cit., loc. cit. 8 MARINHO, Angela de Souza M.T. op. cit., p. 38. 9 Idem, ibidem, p. 38. http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2121_2015.pdf 17 que há vida”10. Nesse contexto, muito embora os debates éticos revelem-se sempre presentes, o fato é que os instrumentos normativos existentes até então não se revelaram aptos a sanar satisfatoriamente os apontamentos elencados alhures. Impõe-se, pois, uma análise jurídica sobre o tema, aliando-se aos embates morais, mas não reduzindo-se a eles, mesmo porque “a função de normatizar os efei- tos da revolução biotecnológica sobre a sociedade em geral é do direito. Ao direito cabem a análise e a resposta final às múltiplas indagações produzidas pelas atividadaes biomédicas”11. Frise-se, portanto, a importância de que as normas sejam jurídicas, e não apenas éticas, vez que somente seu caráter coercitivo tem o condão de impedir o cientista de “sucumbir à tentação experimentalista e à pressão de interesses econômicos”12. Dessa forma, muito mais do que analisar a viabilidade ética das condutas que envolvem os embriões excedentários, revela-se imprescindível um estudo jurídico acerca de sua proteção, mor- mente no que diz respeito à incidência ou não dos direitos da personalidade, bem como sua relação com a dignidade da pessoa humana. Referido exercício é imperioso para que seja possível verificar a tutela incidente sobre os aludidos embriões, analisando-se, por consequência, a necessidade de sua expansão e a legitimidade de sua abrangência. Para tanto, é preciso lançar mão dos conceitos jurídicos já existentes,os quais circunscre- vem-se à temática do ínicio da vida e da personlidade jurídica sem, contudo, olvidar as diversas polêmicas a eles relacionadas quando sua análise toca as nuances peculiares da problemática dos embriões excedentários. 2 O INÍCIO DA VIDA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE A princípio, deve-se considerar que não é função primordial do Direito frear a evolução científi- ca. Por outro lado, referida evolução deve caminhar respeitando à dignidade humana e, sobretudo, considerando o ser humano como um fim em si mesmo13. A afirmação encontra raízes na constitu- cionalização do Direito Civil, por meio da qual “todas as questões relacionadas ao biodireito passa- ram a ser embasadas nos princípios estabelecidos pela Constituição Federal”14, como é o caso da dignidade da pessoa humana e o direito à vida. Sendo assim, verifica-se a necessidade cada vez mais iminente de que o Direito e, sobretudo, o Biodireito, amoldem-se às inovações trazidas pela biomedicina. Para tanto, faz-se imprescindível o estudo dos conceitos jurídicos primordiais que se relacionam com a temática dos embriões exce- dentários para que, em um momento posterior, seja possível relacioná-los à tutela jurídica conferida à temática a nível constitucional pelo ordenamento brasileiro. 10 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. Introdução ao biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 17. 11 Idem, ibidem, loc. cit. 12 Idem, ibidem, loc. cit. 13 BARBOZA, Heloisa Helena. Proteção jurídica do embrião humano. In: CASABONA, Carlos María Romeo; QUEIROZ, Juliane Fernandes (Coord). Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 249. 14 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 24. 18 Nesse contexto, o estudo do início da vida mostra-se de suma importância por ser uma preci- são minimamente necessária a ser considerada tanto para efeitos legais quanto para proteção da vida em potencial15, como parte da doutrina entende serem os embriões excedentários. Analisando a questão sob outro viés, Lorentz afirma que, no Brasil, a medicina adota o enten- dimento de que o início da vida se dá com a nidação, sob o argumento de que o embrião fecundado em laboratório morreria se não fosse implantado no útero da mulher16. No entanto, o mesmo autor contrapõe referido entendimento destacando a crítica que os concepcionistas fazem com relação a essa teoria, ao afirmarem que “a nidação não acrescenta nada à vida que se desenvolve, fornecendo-lhe, isso sim, condições ambientais favoráveis ao seu desenvolvimento”17. Sendo assim, impende sublinhar que, para a teoria concepcionista, é a fecundação do óvulo que assina o começo da vida humana, eis que o novo ser difere daqueles que lhe deram origem, possuindo, inclusive, um código genético próprio responsável por conduzir seu desenvolvimento18. Da análise do tema, verifica-se que grande parte da doutrina é pelo sentido de que o início da vida se dá a partir da concepção, em que pese as também expressivas correntes de posicionamen- to contrário. Assim, uma vez feita a perquirição quanto ao início da vida do embrião, cumpre ana- lisar se este pode ou não ser considerando pessoa e, como tal, possuir direitos da personalidade o que é – ressalve-se, desde já - defendido por parte da doutrina19. Impõe-se, portanto, a análise das consequências advindas do estudo da personalidade jurídica, sobretudo no Direito brasileiro. Nesse sentido, importa sublinhar a princípio que, assim como a grande maioria dos institutos jurídicos, a visão de personalidade e da pessoa enquanto sujeito de direito varia de acordo com o tempo e a evolução da sociedade20. Dessa maneira, é evidente que o desenvolvimento dos métodos de reprodução humana assistida forjou a necessidade de reconsiderar o estudo da personalidade jurídica21 à luz de consequências jurídicas e biológicas ainda não suficientemente enfrentadas. Ademais, conforme salientado alhures, o estudo da personalidade mostra-se imprescindível, vez que esta se revela enquanto conceito básico da ordem jurídica, estendendo-se a todos os ho- mens, sendo, inclusive, consagrada na legislação civil e pelos direitos constitucionais como a vida. Com efeito, a doutrina tradicional entende por pessoa “o ente físico ou jurídico suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”22. E assim porque quando se constata a existência de determinado direito, é forçoso concluir que um sujeito lhe detenha a titularidade. 15 LORENTZ, Joaquim Toledo. O início da vida humana. In: SÁ, Maria Fátima Freire de (Coord). Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 337. 16 Idem, ibidem, p. 338.. 17 Idem, ibidem, loc. cit. . 18 Idem, ibidem, p. 340. 19 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 127. Nesse sentido a autora aduz que: (...) o início da vida se dá a partir da concepção e, sob este aspecto, o embrião é pessoa e tem direitos da personalidade, tanto que qualquer dano causado ao embrião está adstrito ao instituo da personalidade civil. 20 LORENTZ, Joaquim Toledo. op. cit., p. 343. 21 Idem, Ibidem, p. 344. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v.1. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 129. 19 Nesse sentido, sujeito de direito “é aquele que é o sujeito de um dever jurídico, de uma preten- são ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial”23. Dessa forma, a personalidade é juridicamente compreendida enquanto elemento caracteriza- dor da pessoa que detém aptidão para ser sujeito ativo ou passivo de direitos24. Assim, “ligam-se à personalidade os caracteres exclusivos de uma pessoa, tudo o que lhe é próprio e essencial, distinguindo-se de uma outra pessoa, morfológica, fisiológica e psicologicamente”25. Perceptível, portanto, que por trazer consigo a ideia de individualidade e singularidade do indivíduo, a persona- lidade está intimamente ligada à figura humana. Além disso, aferir a incidência da personalidade jurídica é necessário para que se possa verifi- car quando determinada pessoa passa a ser tutelada pelo ordenamento jurídico, sendo-lhe cabível invocar os chamados direitos da personalidade Esses últimos são entendidos genericamente como “aqueles ligados diretamente à condição de ser humano, inerentes à pessoa enquanto sujeito de direitos e deveres, pois revelam toda a condição de dignidade da pessoa humana”26. Em outras palavras, entende-se que seu o objeto é o bem jurídico da personalidade e, ainda, que sua razão de ser encontra-se na necessidade de uma construção normativa capaz de discipli- nar o reconhecimento e a proteção jurídica reconhecidas pelo direito à pessoa27. Atualmente, o entendimento vigente no ordenamento jurídico brasileiro é que os direitos da personalidade existem a partir do nascimento da pessoa com vida. Referida concepção, no entan- to, merece uma análise mais aprofundada considerando as alterações que vem sofrendo em razão do fato de que diversas legislações, incluindo a brasileira, passaram a resguardar os direitos do nascituro. Nesse sentido, perceptível na doutrina a interpretação segunda a qual os direitos da perso- nalidade passam a existir a partir do momento em que se dá o início da vida o que ocorre com a fecundação28, e não o nascimento com vida propriamente dito, o que reflete diretamente na temáti- ca dos embriões excedente. 3 SITUAÇÃO JURÍDICA DO EMBRIÃO EXCEDENTE Segundo o Código Civil Brasileiro29, a personalidade civil tem início a partir do nascimento com vida. No entanto, o mesmo diploma põe a salvo, antes do nascimento, os direitos do nascitu- ro30. Da análise mais aprofundada dos dispositivos estampados neste mesmo diploma, percebe-se que o legislador distinguiu o entendimento conferido à pessoa nascida (pessoa natural), pessoa 23 Idem, ibidem, loc. cit. 24 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p.40. 25 Idem, ibidem, loc. cit. 26 Idem, ibidem, p. 45. 27 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 50. 28 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 41-42. 29 BRASIL. Código Civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 17. 30 Nascituro é o que está por nascer, mas já concebido no ventre materno. Extraído de: AMARAL, Francisco. Direito civil. op. cit., p. 222. 20 concebida (aqui entendida apenas como nascituro) e pessoa não concebida (prole eventual). Nesse cenário, Meirelles enfatiza que o legislador dissociou as noções referentes ao nasci- turo, enquanto pessoa concebida, e à prole eventual, enquanto pessoa não concebida, tornando referidos conceitos inconfundíveis31. Por essa razão, a mesma autora defende a posição segundo a qual o Código Civil, ao menos em seu artigo 2º, conferiu proteção legal à pessoa humana dirigin- do-se apenas ao nascituro, sem incluir, na mesma tutela, o embrião in vitro. Ademais, Meirelles aduz que não há uma sinonímia perfeita entre nascituro e o embrião de laboratório e assim porque o conceito do primeiro depende da existência prévia da gravidez o que, segundo a doutrina, ocorre após a nidação (implantação do novo ser ao útero)32. Em síntese: “é possível afirmar inadequar-se ao embrião humano in vitro a categorização de pessoa natural. Tam- bém não é nascituro. E nem se caracteriza como prole eventual”33. Diante do panorama apresentado, importa primeiro esclarecer a natureza jurídica conferida ao nascituro, para que seja possível, em momento posterior, proceder à análise da temática referente aos embriões excedentários. Portanto, quanto ao assunto, destacam-se as doutrinas natalista, da personalidade condicional e concepcionista. Nesse sentido, Lorentz esclarece que: A doutrina natalista (...) afirma que o nascituro não é pessoa, embora receba prote- ção legal. Sob essa ótica, a personalidade estaria subordinada à condição suspensi- va do nascimento com vida. Assim, nascendo a criança, mesmo que por um mínimo instante, viria a adquirir e transmitir todos os direitos reservados à pessoa natural.34 A corrente da personalidade condicional, por sua vez, sustenta que o nascimento com vida é condição para a aquisição dos direitos e obrigações relativas ao nascituro, as quais têm origem a partir de sua concepção. Para Lorentz, “essa teoria já considera existir humanidade na vida embrionária, sendo necessária sua proteção, devido ao caráter de existência de uma pessoa em potencial”35. Por fim, a doutrina concepcionista atribui personalidade ao ser humano desde o momento de sua concepção (fecundação do óvulo pelo espermatozoide) por entender que, desde então, encon- tra-se presente a vida. Das doutrinas apresentadas, Lorentz alia-se à concepcionista por entender que esta confere proteção ao ser humano em qualquer fase de seu desenvolvimento, no que, inclui o autor, tanto os embriões encontrados dentro quanto fora do útero. Em que pese a explanação feita alhures, o autor salienta que: (...) a determinação da personalidade deve objetivar a proteção do ser humano em um caráter mais amplo, sem se ater a critérios biológicos e outros que não conse- 31 MEIRELLES, Jussara M.L. de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo código civil brasileiro e o texto constitucional. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETO, Vicente de Paulo (Org). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85. 32 MEIRELLES, Jussara M.L. de. op. cit., p. 95. 33 Idem, ibidem, p. 91. 34 LORENTZ, Joaquim Toledo. op. cit., p. 345. 35 Idem, ibidem, p. 346. 21 guem abarcar a dignidade da pessoa humana como um todo, sem interessar o está- gio de desenvolvimento físico em que se encontre.36 Sobre outro viés, Mantovani propõe que a problemática concernente à situação jurídica do embrião excedentário pode ser solucionada de três formas, as quais possuem diferentes concep- ções acerca da natureza pela qual se compreende o embrião (pelo autor chamado de concebido)37. A primeira solução apontada pelo autor consiste na diferenciação total do embrião e do ho- mem, este último na qualidade de pessoa. Sob esse enfoque, o embrião é considerado enquanto coisa, não lhe sendo reconhecida qualquer tutela jurídica direta, o que possibilita sua disponibilida- de. Assim, sustenta o autor que, para essa corrente, “é lícito produzir embriões in vitro para quais- quer finalidades de pesquisa ou experimentação genética”38. Muito embora a tese não seja amplamente sustentada em razão de seu viés extremamente utilitarista, esta foi aplicada recentemente, no ano de 1973, pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos que qualificou o embrião in vitro como uma vida potencial, e, portanto, considerou-o subs- tancialmente como uma não vida39. A segunda solução, a seu turno, pauta-se na concepção personalista e equipara totalmente o concebido ao homem, motivo pelo qual ambos possuiriam a mesma natureza e, inclusive, a mesma dignidade humana, o que tornaria o embrião indisponível. Dessa forma, “(...) sobre ele são lícitas somente as intervenções terapêuticas e não pode ser sacrificado senão para salvaguarda a vida da mãe”40. A terceira e última solução proposta pelo autor respalda-se na diferenciação parcial, pelo que se entende o embrião como ser humano, mas não ainda como homem enquanto pessoa conside- rado. Assim, “como tal, é merecedor de tutela jurídica, mas em grau inferior à do homem-pessoa”41. Ainda sobre a mesma problemática, Meirelles sustenta que: Seguindo-se a orientação tradicional, a se outorgar personalidade jurídica ao em- brião in vitro, estar-se-ia pretendendo caracteriza-lo como sujeito de direito, apto a se posicionar nas diferentes relações jurídicas, adquirindo direitos ou contraindo obri- gações. Sendo assim, em uma raciocínio inicial, tal qual o nascituro, seria o embrião pré-implantatório titular de direitos subordinados a condição.42 Dessa forma, cumpre esclarecer que a condição a que se refere a autora poderia ser anali- sada sob dois enfoques. Pelo primeiro, referida condição poderia ser ou suspensiva ou resolutiva, dependendo a primeira da implantação no útero e ocorrendo a segunda quando ausente a implan- tação. 36 Idem, ibidem, p. 347. 37 MANTOVANI, Ferrando. Uso de gametas, embriões e feto na pesquisa genética sobre cosméticos e produtos industriais. In: CASABONA, Carlos Mária Romeo. (Org.). Biotecnologia, Direito e Bioética: perspectivas do direito comparado. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas, 2002. p.185-186. 38 Idem, ibidem, loc. cit. 39 Idem, ibidem, p.186. 40 Idem, ibidem, loc. cit. 41 Idem, ibidem, loc. cit. 42 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo código civil brasileiro e o texto constitucional. In: (...), op. cit., p. 87. 22 Sob outra análise, poder-se-ia estar diante de uma condição dúplice, isto é, simultaneamente suspensiva e resolutiva. Assim, a implantação no útero seguida da nidação representaria a primei- ra, tornando-o nascituro e, então, titular de direitos, pelo que estaria submetido à segunda condi- ção, agora resolutiva, representada pelo nascimento com vida43. Entretanto, a autora aduz que a possibilidade de o embrião pré-implantatório tornar-se sujeito de direitos depende do interesse direto das pessoas que com ele viriam se relacionar44, diferen- temente do que acontece com o nascituro, por exemplo, cuja personalidade jurídica sujeita-se ao nascimento com vida. Em outras palavras: “a transferência ao útero dependeria, além dos fatores biológicos, da intenção de quem realizasse e de quem se submetesse a tal intervenção médica”45. Nesse sentido, cumpre destacar que: É preciso lembrar que os embriões de laboratório podem representar as gerações fu- turas; e, sob a ótica oposta, os seres humanos já nascidos foram, também, embriões, na sua etapa inicial de desenvolvimento (e muitosdeles foram embriões de laborató- rio). Logo, considerados os embriões humanos concebidos e mantidos in vitro como pertencentes à mesma natureza das pessoas humanas nascidas, pela via da simili- tude, a elas são perfeitamente aplicáveis o princípio fundamental relativo à dignidade humana e a proteção ao direito à vida. Inadmissível dissocia-los desses que são os fundamentos basilares do amparo aos indivíduos nascidos, seus semelhantes.46 Ademais, para a autora, a constatação de que é inegável a natureza humana do embrião faz com que seja possível o reconhecimento da necessidade de sua proteção jurídica o que, por sua vez, aponta para imprescindibilidade de uma legislação que o proteja expressamente47. Sobre o tema, importa mencionar ainda o entendimento de Maria Helena Diniz, segundo quem tanto o nascituro (vida intrauterina) quanto o embrião concebido in vitro (vida extrauterina) possuem personalidade jurídica formal, considerando que ambos detém carga genética diferenciada desde o momento da concepção48. Ademais, Diniz defende que ambos encontram-se em estado potencial, só vindo a adquirir direitos patrimoniais e obrigacionais quando da aquisição da personalidade jurídica material o que, no entanto, só acontece através do nascimento com vida49. Por derradeiro, faz-se mister não olvidar do entendimento postulado por Claúdia Loureiro. Se- gundo a autora, os direitos da personalidade estão ligados à condição de ser humano, sendo res- ponsáveis por revelar a condição de dignidade deste. Assim, por entender que a condição de pes- soa ocorre desde a concepção, também os direitos da personalidade estariam ligados ao embrião. 43 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo código civil brasileiro e o texto constitucional. In: (...), op. cit., p. 87 44 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Reprodução assistida e o novo Código Civil Brasileiro. In: (...), op. cit., p. 74. 45 Idem, ibidem, loc. cit. 46 Idem, ibidem, p. 75. 47 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Os embriões humanos mantidos em laboratório e a proteção da pessoa: o novo código civil brasileiro e o texto constitucional. In: (...), op. cit., p. 86. 48 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. op. cit., p. 225. 49 Idem, ibidem, loc. cit. 23 Dessa forma, esclarece: Os direitos da personalidade são estendidos ao embrião porque a vida tem início com a concepção, com a fecundação, e até mesmo a lei resguarda os direitos do nascituro, desde a concepção. Constatado o início da vida, os direitos do embrião devem ser resguardados em todo o seu desenvolvimento até que chegue ao nasci- mento, respeitando-se a sua integridade física e a sua dignidade, evitando qualquer ofensa à sua vida.50 Nesse ínterim, em que pese os diversos posicionamentos mencionados alhures, percebe-se um traço comum entre os autores no sentido de que se mostra necessário traçar uma definição quanto ao significado conferido aos embriões excedentários, considerando que sua natureza tan- gencia a humana. Assim, ainda que presentes diversas nuances quanto à sistemática jurídica ou biológica, no- ta-se que a problemática ora apresentada reclama uma análise feita com base em uma valoração essencialmente ligada ao homem o que, por sua vez, colide inevitavelmente com princípio da dig- nidade da pessoa humana e suas questões afins. 4 A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOB A INFLUÊNCIA DO BIODIREITO E DA BIOÉTICA Os posicionamentos e conceitos até então analisados não convergem em diversas peculia- ridades, porém traçam um raciocínio em comum: o embrião merece tutela jurídica, ainda que esta não seja totalmente equiparada à conferida à pessoa humana convencionalmente reconhecida. A afirmação decorre do fato de que a ordem constitucional brasileira tutela a natureza humana enquanto um valor que possui um fim em si mesmo, lhe conferindo a proteção necessária para o desenvolvimento da vida nas esferas concernentes a sua essencialidade. Assim, tudo aquilo que causa entrave à ética inerente às condutas humanas que possivelmente prejudiquem a seus seme- lhantes deve ser pensado a luz daquele que é um dos mais importantes princípios norteadores do ordenamento jurídico brasileiro: a dignidade da pessoa humana. Somando-se a isso, os novos ramos que surgem diante das inovações tecnológicas na área da reprodução humana assistida, como é o caso do Biodireito e da Bioética, buscam garantir que o desenvolvimento científico não ameaça o direito à vida humana em nenhuma de suas manifesta- ções o que, sob um profundo juízo axiológico, poderia incluir os embriões excedentários. Assim, como assevera Heloisa Helena: No momento, parece que o mais razoável, à luz do princípio da dignidade da pes- soa humana, seja conferir ao embrião humano uma “tutela particular”, desvinculada dos conceitos existentes, mas que impeça, de modo eficaz, sua instrumentalização, dando-lhe, enfim, proteção jurídica condizendo, se não com a condição de indivíduo pertencente à espécie humana, com o respeito devido a um ser que não pode ser coisificado51. 50 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 42. 51 BARBOZA, Heloisa Helena. Proteção jurídica do embrião humano. In: (...), op. cit., p.268. 24 Sobre o assunto, Cláudia Loureiro entende que o embrião possui status de pessoa por ser humano, devendo referido status ser atribuído a todo homem durante a sua existência enquanto tal52. Consequentemente, entende que referida condição estende-se ao ser humano ainda não nas- cido, considerando que este “leva consigo todo o potencial para desenvolver o modo de vida que é característico dos indivíduos da espécie natural ser humano”53. Por esta razão: (...) a bioética personalista usa critérios de discernimento entre o que é tecnicamente possível e o que é eticamente lícito. Tais critérios de discernimento organizam-se a partir de uma antropologia ontologicamente fundada (o reconhecimento da substan- cialidade do ser da pessoa humana) e de uma metafísica finalística (o reconhecimen- to de uma lei natural com ordem da realidade).54 Diante disso, a autora entende que o embrião é portador da dignidade ética e de direitos inatos, considerando sua qualidade de pessoa. Assim, também faz o embrião jus ao direito fun- damental à vida, não sendo papel do Estado conceder referido direito, mas apenas reconhecê-lo, porquanto trata-se de algo inerente à própria condição de pessoa55. Corroborando com a afirmativa feita alhures, Jussara Meirelles salienta que “os limites jurídi- cos para quaisquer atividades relativas aos embriões humanos devem ser buscados no valor da pessoa humana que norteia todo o ordenamento jurídico brasileiro”56. Dessa maneira, fica claro que a proteção conferida ao embrião humano mantido em labora- tório não se condiciona a necessidade de lhe outorgar personalidade jurídica. Sendo assim, es- clarece-se, que sequer é preciso caracterizá-lo como sujeito de direito para que lhe seja garantida proteção. Nesse sentido: O juízo da existência e de valor do ser humano e de sua necessária proteção não se limita ao estatuto jurídico da pessoa. E sob o enfoque da valoração do ser hu- mano em qualquer fase do seu ciclo vital, o que informa semelhança entre os seres nascidos e aqueles concebidos e mantidos em laboratório é a sua natureza comum e o que representam axiologicamente, e não a maior ou menor possibilidade de se adequarem à categoria abstrata da personalidade jurídica.57 Diante desse cenário, mostra-se imprescindível tecer considerações acerca do princípio da dignidade da pessoa humana e como este relaciona-se com a conjuntura atual dos desenvolvimen- tos biotecnológicos num patamar nos quais a Bioética e o Biodireito ganham relevante papel. A princípio, cumpre salientar que os avanços na área da biotecnologia naturalmente prece- dam a elaboração de soluções jurídicas para os dilemas éticos quesustentam58. No entanto, esse 52 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 26. 53 Idem, ibidem, loc. cit. 54 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 27-28. 55 Idem, ibidem, p. 89. 56 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Reprodução humana assistida e exame de DNA: implicações jurídicas. op. cit., p. 79. 57 Idem, ibidem, p. 92. 58 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo bioética e lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998. p. 209. 25 fato não deve ser o bastante para ilidir a realidade de que é a pessoa humana a raiz de todos os va- lores que informam o ordenamento jurídico e a atuação estatal, “devendo por isso mesmo e dentro de uma visão antropocêntrica, ser o destinatário final da norma, base mesma do direito, revelando, assim, critério essencial para conferir legitimidade a toda ordem jurídica”59. Em apertada síntese, Francisco Amaral assenta que o princípio da dignidade da pessoa hu- mana: (...) é um valor jurídico, constitucionalmente positivado que se constitui no marco jurídico, no núcleo fundamental do sistema brasileiro dos direitos da personalidade como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais. Signi- fica ele que o ser humano é um valor em si mesmo, e não um meio para os fins dos outros.60 Nessa esteira, Ingo Wolfgang salienta que enquanto qualidade intrínseca do ser humano, a dignidade não pode ser renunciada ou alienada, justamente por ser elemento que qualifica o ser humano como tal61. Por ser inerente à pessoa, enquanto qualidade integrante de sua própria condição humana, o autor considera que a dignidade não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito, em que pese o importante papel desempenhado por este último quando de sua proteção e promoção62. Assim, assevera o autor, que dentre as funções exercidas pelo princípio fundamental da dig- nidade da pessoa humana, “destaca-se, pela sua magnitude, o fato de ser, simultaneamente, ele- mento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem constitucional”63. Em que pese as explanações feitas alhures, o princípio ora analisado funda-se, sobretudo, nos ensinamentos do filósofo prussiano, Immanuel Kant. Ao discorrer sobre a faculdade da razão que é intrínseca aos seres humanos, o autor afirma que estes submetem-se a uma lei segundo a qual “cada um deles jamais deve tratar a si mesmo e a todos os outros como mero meios, mas sempre ao mesmo tempo como um fim em si mesmo”64. Nesse mesmo raciocínio, Kant assevera que: No reino dos fins tudo tem ou bem um preço ou bem uma dignidade. O que tem pre- ço, em seu lugar também se pode por outra coisa, enquanto equivalente; mas o que se eleva acima de todo preço, não permitindo, por conseguinte, qualquer equivalen- te, tem uma dignidade.65 Com efeito, faz-se mister que, num contexto de desenvolvimento biotecnológico, os bioeti- cistas possuam como paradigma o respeito à dignidade da pessoa humana. E assim não apenas em decorrência do fato de ser este o cerne de todo o ordenamento jurídico, mas também porque a 59 FAGUNDES JÚNIOR, José Cabral Pereira Fagundes. Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In: SANTOS, Maria Celestre Cordeito Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p. 271. 60 AMARAL, Francisco. op. cit., p. 253. 61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 53. 62 Idem, ibidem, loc. cit. 63 Idem, ibidem, p. 91. 64 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido Antônio de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial, Barcarolla, 2009. p. 261. 65 KANT, Immanuel. op. cit., p. 265. 26 pessoa humana e sua dignidade são valores que devem prevalecer sobre todo e qualquer tipo de avanço científico e tecnológico. Por esses motivos, bem sublinha Maria Helena Diniz ao dizer que “não poderão bioética e biodireito admitir conduta que venha a reduzir a pessoa humana à condição de coisa, retirando dela sua dignidade e o direito a uma vida digna”66. Evidente, portanto, que uma pessoa não pode ser tratada da mesma maneira instrumental com que se lida normalmente com o mundo das coisas, mesmo porque estas últimas estão dis- poníveis para uso enquanto a pessoa, a seu turno, traz consigo a marca da indisponibilidade e da intangibilidade67. Sendo assim, também no âmbito do Biodireito e da Bioética não há se de admitir condutas que reduzam a pessoa à condição de coisa, sob pena de retirar-lhe sua dignidade68. No entanto, como já salientado alhures, a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana ao embrião esbarra, sobretudo, nos questionamentos pendentes acerca do início do ser humano. Nesse âmbito, retomando a teoria da concepção já apresentada, Antônio Jorge Pereira aduz que desde o fusão do óvulo pelo espermatozoide surge um novo ser humano com caracte- rísticas diferentes dos gametas que o antecederam. Por assim dizer, o autor afirma que “neste ser, embrionário, está impressa a condição humana, com sua dignidade própria”69. Sob o mesmo enfoque, Márcio Accioly de Andrade reconhece que a partir da fecundação (ou concepção), tem-se um ser totalmente individualizado que, por conter carga genética própria e dis- tinta da dos seus genitores – pelo que visível sua autonomia e independência intrínseca – traduz-se na existência de um novo indivíduo, “um novo ser humano, uma nova pessoa humana”70. Nesse sentido Cláudia Loureira explica que “o direito fundamental do embrião à vida não é lei criada pelo Estado, mas apenas por este reconhecida e que aquele pertence pelo simples fato de estar vivo; é-lhe inerente e não concedida”71. Diante da afirmação e tecendo considerações acerca da tutela jurídica sobre a vida humana, a autora aduz que: A vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. Ainda que não houvesse tutela constitucional ao direito à vida, que por ser decorrente de norma de direito natural, é deduzida do ser humano, legitimaria aquela imposição erga omnes, porque o direito natural é o fundamento do dever-ser, ou melhor, do direito positivo, uma vez que se baseia num consenso, cuja expres- são máxima é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fruto concebido pela consciência coletiva da humanidade civilizada.72 Ainda nesse contexto, é possível afirmar que o fato de o embrião fazer jus a dignidade huma- na não só provoca a consequência de que ele seja titular do direito à vida, mas também detentor 66 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 40. 67 Idem, ibidem, p. 61. 68 BETIOLI, Antônio Bento. Bioética e ética da vida: (onze temas). São Paulo: LTr, 2013. p. 64. 69 JÚNIOR, Antônio Jorge Pereira. No princípio da vida começa o princípio da dignidade humana. In: JÚNIOR, Antônio Jorge Pereira; GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo (Org). Direito e dignidade da família: do começo ao fim da vida. São Paulo: Almedina, 2012. p. 35. 70 ANDRADE, Márcio Accioly de. Nascituro – pessoa humana, sujeito de direitos. In: FILHO, Agassiz Almeida; MELGARÉ, Plínio (Org). Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 147. 71 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães. op. cit., p. 89. 72 Idem, ibidem, p. 93. 27 dos direitos da personalidade em geral, considerando serem estes últimos aqueles que decorrem da própria condição de ser humano. E assim porque todos os direitos da personalidade “são ex- pressões da pessoa considerada em si mesmo”73, nos quais os bens jurídicos mais fundamentais estão contidos. Do exposto, faz-se mister não olvidar que o ordenamento jurídico brasileiro não tem o condãode permanecer distante dos novos acontecimentos e transformações ocorridas no plano médico e filosófico da sociedade contemporânea, devendo, contudo, acompanhar de maneira mais rápida e eficaz a sua evolução e seus necessidades74. E assim porque, se não o fizer, pode-se gerar um cenário no qual a vida e a dignidade caminhem separadamente quando, na verdade, são fatores incindíveis: “vida sem dignidade não é vida”75. O que se constatou mais recentemente no cenário jurídico brasileiro quanto ao tema é que, muito embora o entendimento amplamente defendido pela doutrina seja de que a vida tem início com a concepção, o Supremo Tribunal relativizou essa posição, autorizando a realização de pes- quisas com células-tronco embrionárias, de acordo com as condições previstas no artigo 5º da Lei de Biossegurança. Assim, o que se vislumbra é a necessidade de se compatibilizar os ideias defendidos a fim de que o ordenamento jurídico, enquanto conjunto coerente de normas, não pode admitir confrontos constitucionalmente ilógicos, principalmente no que diz respeito ao direito do qual emanam todos os outros: a vida. CONCLUSÃO Do exposto, fica claro que os avanços biotecnológicos são imprescindíveis não só ao desen- volvimento das potencialidades ser humano na atual era do conhecimento, mas também à proteção da própria vida. São as novas descobertas científicas que permitem ao homem garantir uma maior alcançabilidade quanto a diversos de seus direitos fundamentais como é caso do planejamento familiar e da própria saúde. Não cabe, pois, ao Direito simplesmente frear as inovações científicas alcançadas até então. No entanto, verifica-se que, muitas vezes, referidos avanços ocorrem desacompanhados de qualquer ponderação ética, o que leva, muitas vezes, à incoerências lógicas entre aquilo que é previsto legalmente e o que de fato ocorre na prática. E assim porque o ordenamento jurídico é in- formado, sobretudo pelo princípio da dignidade da pessoa humana que tem como base primordial a concepção kantiana de que o homem deve ser tratado enquanto fim e nunca na qualidade de meio, o que, de uma maneira geral, nem sempre é a preocupação que prevalece. No que diz respeito mais especificamente à tutela jurídica conferida aos embriões exceden- tários, percebe-se que parte expressiva da doutrina é pela proteção do direito à vida e do respeito 73 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Autonomia privada e critério jurídico de paternidade na reprodução assistida. In: LOTUFO, Renan (Coord). Direito civil constitucional. Caderno 3. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 330. 74 ANDRADE, Márcio Accioly de. op. cit., p. 140. 75 Idem, ibidem, p. 469. 28 à dignidade da pessoa humana que a eles devem ser conferidas, eis que considerados num plano em que sua natureza humana deve ser levada em conta. Nisso calcam-se argumentos de que qual- quer ação que trate referidos embriões enquanto instrumentos como meio de conseguir benefícios a outrem, enseja a coisificação da vida, esta vedada logicamente pelo ordenamento jurídico. De uma maneira geral, no entanto, há uma necessidade de firmar-se um posicionamento doutrinário capaz de ser aplicado na prática no desenvolvimento biotecnológico. Há, pois, a imi- nência de entender que os direitos das personalidade e que o princípio da dignidade da pessoa humana podem ser relativizados em situações em que seus titulares coloquem sua aplicação em um confronto necessário. A coerência deve vir, assim, nas situações em que referida relativização revele-se ou não legítima, daí a maior dificuldade enfrentada sobre o tema, para qual não há, ainda, um consenso. Em síntese, conclui-se que a temática dos embriões excedentários, apesar de há muito de- batida, não encontra ainda sustentáculos capazes de saná-la. Por esse motivo, importa conciliar os estudos elaborados pela doutrina à efetividade encontrada pela jurisprudência, a fim de que os embates travados não caiam em um vazio, do qual não existem consequências práticas. Antes importa garantir que o desenvolvimento biotecnológico desenvolva-se a fim de proteger aquilo que ele busca aprimorar: a vida. REFERÊNCIAS AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETO, Vicente de Paulo (Org). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BETIOLI, Antônio Bento. Bioética e ética da vida: (onze temas). 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And so because the lack of a specific legal protection could bring the instrumentalization of life, which is sealed ontologically in the light of constitutional principles present in the Brazilian legal system. There are not enough rules on the subject, not even satisfactory medical analysis. Therefore, it should be noted the different positions found in the legal scenario and its consequences. The method to be used is the interpretation, consisting of doctrinal analysis of the topic, in order to verify the reasoning used by the positions that have been adopted so far. The importance of this study is the requirement to impose limits on practices that biotechnologybrings. And this to legitimize their healthy development, improving the right to life. KEY-WORDS: Dignity of human person. Rights of personality. Supernumerary embryos. 30 CLONAGEM HUMANA TERAPÊUTICA NO DIREITO BRASILEIRO Kellen Cristina Gomes Ballen Professora do Centro de Ensino Superior de Maringá - UNICESUMAR. Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro de Ensino Superior de Maringá – UNICESUMAR com ênfase em direitos da personalidade. Especialista em Direito Civil, Direito de Família e Processo Civil pelo Centro de Ensino Superior de Maringá UniCesumar. Membro do IBDFAM. Advogada em Maringá - Paraná. Endereço Eletrônico: kellenballen@hotmail.com Joyce de Oliveira Rapazzi dos Santos Acadêmica do Curso de Direito do UNICESUMAR - Centro Universitário de Maringá, Maringá/PR, economista graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Maringá/PR; PIC sem bolsa; endereço eletrônico: millano_millano@ hotmail.com; joycerapazzi@gmail.com RESUMO: Desde o nascimento da ovelha Dolly, em julho de 1996 na Escócia, muitas dúvidas surgiram com relação à manipulação de materiais genéticos e o assunto “Clonagem” tornou-se bastante polêmico. Sabe-se que diversas são as questões éticas, religiosas e jurídicas que são exaltadas com relação a essa técnica. Entende-se que, a clonagem rompe com o sistema natural de reprodução humana, pois vem modificar totalmente o sentido da procriação, do nascimento do indivíduo, da concepção de família, da maternidade e paternidade biológicas, assim como a relação de vínculos existentes entre esses indivíduos. Essas questões demonstram que o tema ainda é objeto de muita discussão, pois não há um consenso absoluto do que é certo ou errado, aceitável ou não, principalmente em decorrência, até mesmo, da própria aceleração científica e da modernidade tecnológica dos últimos tempos, que acabaram por agregar novos conhecimentos e novas expectativas. O objetivo desta pesquisa é diferenciar a clonagem humana reprodutiva da clonagem humana terapêutica, mostrando a abordagem histórica de cada uma e os principais aspectos da clonagem humana terapêutica. Para isso, faz-se necessário estudar a clonagem e traçar um paralelo com abordagem jurídica dada a esse tema, principalmente na esfera penal, identificando os tipos penais e suas sanções em relação à manipulação genética em organismos humanos conforme a nova Lei de Biossegurança (lei nº 11.105/05), verificando se a criminalização dada por esta lei é a mais adequada. Foi utilizada a metodologia de pesquisa teórica, abordando os aspectos constitucionais e legislativos referentes à clonagem terapêutica com a finalidade de esclarecer alguns mitos e despertar o interesse pelo assunto não só às famílias que convivem diariamente com a angústia de ter um ente querido acometido por doenças degenerativas, bem como na população em geral. O método utilizado foi o dedutivo, partindo da análise legislativa até chegar à análise de situações submetidas ao poder judiciário. PALAVRAS-CHAVE: Células-tronco; Biogenética; Organismos geneticamente modificados. INTRODUÇÃO Atualmente o ser humano tem se preocupado muito com uma melhor qualidade de vida. Com a evolução tecnológica e também com os avanços no campo da biomedicina, cada vez mais o ho- mem pode interferir na ordem natural da vida, traçando novos rumos para seu destino. Um exemplo claro disto é o nascimento de bebês fertilizados in vitro, a prevenção e cura de diversas doenças e até mesmo o prolongamento da vida por meio de tratamentos e aparelhos. O objetivo deste trabalho é justamente verificar se os direitos individuais das pessoas estão sendo respeitados ou não, negligenciados por uma simples omissão do Estado em não incentivar o progresso científico capaz de tornar a vida desses cidadãos mais fácil e, conseqüentemente me- 31 lhor. Desde o nascimento da ovelha Dolly sabe-se que a clonagem animal é um fato concreto, resta saber se num futuro bem próximo a clonagem humana também o será. Por isso esse tema deve ser abordado e discutido, pois só assim se verificará as conseqüências que a utilização das novas técnicas pode causar ao ser humano e a sociedade. Busca-se mostrar justamente o que está pesando nos dois lados da balança quando o as- sunto é o “direito à vida”. De um lado a utilização de embriões para pesquisa, a criação de seres humanos idênticos, a manipulação genética visando à predeterminação das características físicas. Do outro as inovações médicas que permitem amenizar o sofrimento de pessoas que têm doenças raras, permitindo-lhes uma vida mais confortável e mais digna. Inicia-se com a conceituação do termo, a seguir, esboça um panorama histórico sobre o tema para ao final apresentar os pontos positivos e negativos da clonagem tentando assim chegar a uma conclusão. A metodologia utilizada neste trabalho foi a da pesquisa qualitativa teórica baseada em livros e artigos científicos, trazendo uma perspectiva histórica, cultural e dialética. O método empregado foi o dedutivo, partindo da análise legislativa até chegar a uma análise das situações submetidas ao poder judiciário. CLONAGEM HUMANA CONCEITO Para melhor entendimento sobre clonagem, é preciso inicialmente apresentar a definição do termo. A palavra “Klon” vem do grego e significa broto, ramo. Um clone consiste em uma réplica de genes, células, tecidos ou de organismos obtida a partir de um único ancestral comum, mediante técnicas de manipulação genética.76 É utilizada em biologia para significar qualquer grupo de cé- lulas ou organismos originado de outro e produzido assexualmente, mas por divisão ou partição.77 Vários autores trazem o conceito de clonagem. Mayana Zats em seu artigo “Clonagem e Cé- lulas-tronco”, cita o conceito de Webber, que explica que um clone é definido como uma população de moléculas, células ou organismos que se originam de uma única célula e que são idênticas à célula original e entre elas.78 Em suma, a clonagem feita artificialmente ocorre com a retirada do núcleo de uma célula e a membrana de um óvulo, para juntá-los e implantar numa barriga de aluguel ou produzir tecidos e órgãos em laboratório, o que podemos chamar de clonagem reprodutiva e a clonagem terapêutica. 76 KELCH, Rita. Direitos da personalidade e clonagem humana. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009. P.49. 77 BENTO, Luiz Antonio. Bioética: desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2008, p.226. 78 ZATS, Mayana. Clonagem e Células-tronco. Estudos Avançados, v.18, nº51, p.247-256, mai./ago.2004, disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200016 http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200016 32 TIPOS DE CLONAGEM Existem vários tipos de clonagem. As mais conhecidas são a clonagem reprodutiva e a clona- gem terapêutica. CLONAGEM REPRODUTIVA Sabe-se que por meio do processo de clonagem é possível que o material genético seja ma- nipulado de tal forma em que possa ocorrer uma pré-seleção de características genéticas capazes de originar o novo ser. A clonagem reprodutiva é um procedimento pelo qual há a possibilidade de reproduzir um or- ganismo animal plenamente constituído para obter um organismo geneticamente idêntico.79 Cita-se como exemplo a “introdução de uma célula somática numa célula retirada da mulher logo depois da ovulação. Antes são removidos os cromossomos que contêm genes e funcionam para continuar a informação hereditária da célula recipiente. Introduzida a célula somática, as duas células se fun- dem dando início à formação de um embrião normal; é colocado então no útero de uma “mãe de aluguel” para um desenvolvimento mais propício.80 Diante dessa possibilidade de clonagem principalmente de seres humanos, há uma preocu- pação muito grande dos doutrinadores, pois de certa forma haveria um desrespeito enorme com a dignidade humana, uma vez que se retira da pessoa o seu direito de possuir um patrimônio gené- tico próprio e único. CLONAGEM TERAPÊUTICA Na clonagem terapêutica, segundo o entendimentodo Dr. Dráuzio Varella, as células-tronco jamais serão introduzidas em um útero.81 Os estágios iniciais são idênticos à clonagem para fins reprodutivos, mas o que difere real- mente esse tipo de clonagem é o fato da blástula (segundo estado de desenvolvimento do embrião) não ser introduzida no útero. Ela é utilizada em laboratório para a produção de “células estaminais” a fim de produzir tecidos ou órgãos para transplante, para reparação de tecidos e órgãos danifica- dos, partindo de células “stem” que são células imaturas com capacidade de auto-regeneração e diferenciação.82 O objetivo da clonagem terapêutica não é a reprodução de um ser humano idêntico a um outro que já existe, mas à cura eficaz de uma patologia grave. Chama-se “clonagem terapêutica” a criação de células embrionárias derivadas dos 79 BENTO, Luiz Antonio. Bioética: desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2008, p.228. 80 BETIOLI, Antonio Bento. Bioética: a ética da vida. São Paulo: LTr, 2013, p. 148. 81 VARELLA, Dráuzio. Clonagem humana. Estudos Avançados, v.18, nº51, mai./ago.2004.p.263-265 em : www. scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200018&script... 82 BETIOLI, Antonio Bento. Bioética: a ética da vida. São Paulo: LTr, 2013, p. 148. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200018&script http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200018&script 33 tais embriões clonados que possam servir para eventuais tratamentos de determina- das doenças, como mal de Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, várias doenças do sangue-como diabetes-, doenças do fígado, recuperação de células cerebrais perdidas, além de seqüelas de um derrame cerebral, amputação de perna, de braço ou perda de outro órgão.83 É muito importante entender que, neste tipo de clonagem, não são clonados fetos até um tempo determinado dentro do útero para depois lhes retirar os órgãos. É um procedimento em que os tecidos são produzidos em tubos de ensaio. Por exemplo, em uma criança que ficou paraplégica ou foi afetada por uma doença genética incapacitante - como a distrofia muscular, a clonagem per- mitiria retirar o DNA de uma célula da pele dessa criança (ou de sua mãe), introduzi-la em um óvulo “vazio” e produzir no laboratório células-tronco que poderão ser enxertadas na medula espinhal, para repor os neurônios perdidos ou na musculatura para recompor músculos enfraquecidos pela distrofia.84 A clonagem com fins terapêuticos seria “a luz no fundo do túnel”, indispensável para o trata- mento de doenças raras, e contribuiria de maneira imensurável para uma revolução no tratamento das ditas crônicas, podendo ser a esperança de muitos que vivem maiores períodos internados em hospitais do em suas próprias casas. Na clonagem terapêutica, objetiva-se não a criação de outro indivíduo com o mesmo código genético do doador a ser implantado em um útero para se desenvolver, mas a produção de células-tronco embrionárias totipotentes, que são as células potencialmente capazes de se transformar em quaisquer tecidos do corpo humano. A clonagem terapêutica visa a duplica- ção de embriões para a obtenção de células e tecidos a serem utilizados em transplantes, com a vantagem de se evitar o risco de rejeição, quando o material genético a ser implantado no núcleo for o do próprio paciente que irá receber o transplante. Os embriões serão gerados em laboratório sem a implantação posterior no útero, o que configuraria a clonagem reprodu- tiva. Os cientistas acreditam que as células-tronco embrionárias, quando estimuladas, podem vir a se transformar em diferentes tipos de células, como: musculares, hepáticas, de pele, nervosas etc., o que poderia representar a cura, ou ao menos uma revolução no tratamento de inúmeras doenças como a diabetes, o Mal de Parkinson, as mais diversas de cânceres, paralisias, entre outras.85 A clonagem terapêutica é resultado do avanço da biotecnologia, que aliado a medicina propor- cionariam uma qualidade de vida melhor para muitas pessoas. FISSÃO GEMELAR A fissão gemelar não é considerada por muitos cientistas como uma forma de clonagem, pois é uma cópia do processo natural de formação de gêmeos univitelinos. O que ocorre nesta técnica é a duplicação de um embrião originário que dá origem a dois ou mais embriões dotados das mes- mas características genéticas.86 83 BENTO, Luiz Antonio. Bioética: desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2008, p.229. 84 VARELLA, Dráuzio. Clonagem humana. Estudos Avançados, v.18, nº51, mai./ago.2004.p.263-265 em : www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200018&script... 85 KELCH, Rita. Direitos da personalidade e clonagem humana. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009.p.54. 86 KELCH, Rita. Direitos da personalidade e clonagem humana. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009.p.54. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200018&script 34 Esse processo ocorre logo no início da divisão celular, quando o embrião ainda se encontra na fase conhecida como “mórula”. TRANSFERÊNCIA DE NÚCLEO Este foi o procedimento utilizado na clonagem da ovelha Dolly: a transferência do núcleo de uma célula somática da glândula mamária de uma ovelha para um óvulo enucleado. O que se constatou foi que esse óvulo começou a se comportar como um óvulo recém-fecundado por um espermatozóide. Isso possivelmente ocorreu porque o óvulo, quando fecundado, tem mecanismos para nós ainda desconhecidos de reprogramar o DNA, de modo a tornar todos os seus genes no- vamente ativos, o que ocorre no processo de fertilização normal.87 Supondo que o material genético do núcleo da célula somática e o material do óvulo sem nú- cleo fossem do mesmo doador, existiria a possibilidade de um clone exatamente igual ao original, ou seja, com a mesma identidade genética. MATERIAL GENÉTICO UTILIZADO PARA CLONAGEM Constata-se por meio dessa pesquisa que é indispensável a utilização de embriões no pro- cesso de clonagem, ou seja, eles são a maneira mais eficiente de conseguir o resultado esperado. Sem eles não tem como prosseguir no processo de clonagem. DNA DO EMBRIÃO O material utilizado na técnica de transferência de núcleo e na divisão gemelar é originado do embrião. Os embriões utilizados nas experiências de clonagem terapêutica são, em regra, aqueles descartados por clínicas de fertilização in vitro por não haver qualidade de implantação ou permanecido muito tempo congelados.88 Embora seja proibida a clonagem reprodutiva, não se tem conhecimento se as normas de uti- lização desses embriões estão sendo efetivamente cumpridas, principalmente porque uma intensa fiscalização está longe de acontecer, em função da deficitária estrutura dos órgãos fiscalizadores e da dimensão territorial do nosso país. Surge então duvidas com relação a ética profissional das pessoas que trabalham na área de saúde, pois sabemos que existe a possibilidade de se produzir seres humanos idênticos àqueles que lhe deram origem, ou seja, uma cópia idêntica do doador cuja célula somática diferenciada foi utilizada. 87 ZATS, Mayana. Clonagem e Células-tronco. Estudos Avançados, v.18, nº51, p.247-256, mai./ago.2004, disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200016 88 RIBEIRO, Carla Fontenele Cabral. Clonagem terapêutica: até onde avançar sem agredir, em: www. foxitsoftware.com For evaluation only.p.5. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000200016 http://www.foxitsoftware.com http://www.foxitsoftware.com 35 MANUTENÇÃO E DESTINO DOS EMBRIÕES “EXCEDENTES” Os embriões que não foram implantados no útero através da reprodução assistida são crio conservados em nitrogênio líquido por tempo indeterminado. Quando os pais decidem que não querem ter mais filhos, como fica a situação desses embriões? Serão simplesmente descartados? Ou doados para pesquisa ou terceiros? Até 1992 os embriões poderiam simplesmente ser descartados, depois da Norma V da Re- solução 1.385 do Conselho Federal de Medicina, o número
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