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48 Unidade II Unidade II 5 DIÁRIO DE CAMPO, ESTUDO SOCIAL, ESTUDO SOCIOECONÔMICO Neste momento, serão abordados os instrumentais utilizados no cotidiano do assistente social. No entanto, o profissional não deve ter a sua prática reduzida aos instrumentais, mas não se pode depreciá‑los. Os instrumentais são basais à categoria. Eles auxiliam o profissional no processo de sua prática de trabalho, na efetivação dos direitos sociais, além de imprimirem a necessidade social da profissão. Assim sendo, o estudo será focado nos instrumentais técnico‑operativos, ou seja, os dispositivos dos quais nos valemos para dar concretude à ação profissional. Mas quais são eles? O diário de campo, a entrevista, os estudos sociais e socioeconômicos, o laudo social, a observação, o parecer social, a perícia social, os relatórios e as visitas domiciliares e institucionais. Também será discutido o trabalho com grupo e com as comunidades, a educação popular e a elaboração de planos, programas e projetos, incluindo a compreensão para a elaboração de orçamento público. 5.1 Diário de campo Certamente, você já ouviu falar do diário de campo. Ele é um instrumental do profissional que está atuando, que tanto pode ser usado como um elemento para registro e reflexão quanto por profissionais que já estão habilitados. Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre o diário de campo, leia o texto a seguir: ARAÚJO, K. S. R. da S.; KIAZURA, M. A. Análise da prática do estágio em serviço social. In: I SIMPÓSIO DE PESQUISA SOCIAL E I ENCONTRO DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 2018, Curitiba. Anais [...]. Curitiba: Uninter, 2018. Disponível em: <https://www.uninter.com/ cadernosuninter/index.php/humanidades/article/view/787/557>. Acesso em: 8 jul. 2019. Nele temos o relato de experiência de estágio que cita o diário de campo e demais elementos que estão presentes na vivência do estagiário de serviço social. 49 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL O diário de campo é um documento em que se relata cotidianamente as ações do estagiário ou do assistente social. O que é registrado no diário de campo vai depender, em grande medida, da situação vivenciada no momento, ou seja, se estagiário ou se profissional em um dado contexto específico. Em tese, o diário de campo faz menção a “[...] uma forma de registro de observações, comentário e reflexões para uso individual do profissional e do aluno” (LIMA, MIOTO, DAL PRÁ, 2007, p. 99). No entanto, há alguns aspectos que precisam ser observados na elaboração do diário de campo, os quais aplicam‑se tanto ao profissional habilitado quanto ao aluno ou estagiário de serviço social. Em sua análise sobre o diário de campo, Fraga, Gaviragui e Goerk (2015) indicam que um critério importante para tal documento é a redação. Isso porque o diário de campo pressupõe a descrição de situações vivenciadas no cotidiano das práticas profissionais ou de formação. Assim, um bom diário de campo é aquele em que o autor descreve, de forma clara e contextualizada, uma experiência. Para ser elaborado, o diário de campo não precisa de uma linguagem composta por uma série de palavras rebuscadas, diferenciadas, mas sim de um texto que transmita o conhecimento àquele que o lê. Ou seja, não há necessidade de termos incompreensíveis, mas, observa‑se a norma culta e a construção de sentido. Observação O analfabeto funcional é aquela pessoa que, apesar de alfabetizada, não consegue decodificar os textos, apresentando grande comprometimento em sua interpretação até mesmo de textos simples. Os autores chamam a atenção para os vários fatores que comprometem negativamente a redação de um texto dessa natureza. Dentre eles, apresentam a dificuldade de interpretação a que alunos e profissionais estão submetidos cotidianamente. No caso, os autores precisam que a dificuldade dessa natureza está vinculada a deficiências nos anos iniciais da escolarização, ou seja, a pessoa não vivenciou de forma positiva seu processo formativo antes de ingressar na universidade. Dessa forma, é esperado que o profissional apresente maior dificuldade para escrever e interpretar ou decodificar símbolos. Aliás, essa deficiência, gestada em anos de escolarização precária, emerge na universidade, mas representa um longo ciclo evolutivo de degradação da educação brasileira. Interessante que os autores destacam o conceito de analfabeto funcional, que seria a pessoa que conhece o alfabeto, mas não sabe fazer uso dele quando necessário, sobretudo, na leitura de um texto. É a dificuldade de interpretação. Por outro lado, seguindo o caminho dos autores, pode‑se inferir que aquele que tem dificuldade de interpretar, que não consegue ler texto, também apresentará dificuldade para a escrita. De acordo com Fraga, Gaviragui e Goerk (2015), aqueles que chegam às universidades com essa dificuldade podem minimizá‑la, sendo que para isso é importante a realização das leituras. Os autores até indicam que têm ciência de que o cotidiano dos universitários e também dos profissionais acaba dificultando que eles façam leituras que os ajudem a superar essas deficiências. Para tanto, eles indicam que a realização de leituras seria o único caminho para a superação das dificuldades comumente apresentadas na escrita e, por conseguinte, na elaboração do diário de campo. Claro que a leitura não influencia positivamente somente nesse aspecto, mas em toda a produção de alunos e profissionais. 50 Unidade II Lembrete Aos que possuem dificuldade, a leitura amplia a capacidade de interpretação e de escrita, aos que não possuem dificuldade, a leitura amplia o repertório e a capacidade intelectiva, então é sempre bom tentar conservar o hábito de ler. Além de uma boa redação e de leitura, para elaborar o diário de campo, também é necessário que o autor desenvolva uma postura investigativa, a qual requer que o assistente social sempre busque manter‑se informado, atualizado e fortalecido no sentido do aprimoramento intelectual. Aliás, o Código Profissional de Ética do Assistente Social apresenta o aprimoramento intelectual dos profissional como um direito do assistente social, considerando‑o como algo basal para a efetivação dos princípios indicados no referido código. No momento em que apresenta os direitos do assistente social, o Código indica, no item f, “[...] aprimoramento profissional de forma contínua, colocando‑o a serviço dos princípios desse código” (CFESS, 1993, p. 26). Apesar de o Código estar orientado para os profissionais habilitados, é importante que os alunos também observem esses aspectos vinculados ao Código, buscando incorporá‑los já durante seu processo formativo e sempre usando em seu benefício para melhor qualificação constantemente. Já no sentido da elaboração escrita, Fraga; Gaviragui e Goerk (2015) oferecem também algumas indicações para a elaboração do diário, como, por exemplo, a necessidade de relatar o que aconteceu no dia de trabalho ou de estágio. Mas, para isso, os autores indicam que é necessário não perder a sensibilidade diante das situações com as quais os profissionais se deparam (FRAGA; GAVIRAGUI; GOERK, 2015). Portanto, citar autores, analisar os fenômenos à luz de um referencial teórico é muito válido e importante, mas ficar preso a esse formato de relato e não expor a perspectiva do autor do diário de campo torna este processo mecânico, comprometendo a capacidade crítica do autor. Por outro lado, na elaboração do diário de campo, é importante “[...] usarem a sensibilidade, escutarem o que sentem [...]” (FRAGA; GAVIRAGUI; GOERK, 2015, p. 266). É preciso estar à vontade com a escrita, estar envolvido com esse processo, o qual deve ser um momento de reflexão, que permita a junção entre teoria e prática. Portanto, não deve ser elaborado para atender à necessidade dos supervisores, ou seja, não deve ser escrito de forma a “agradar” supervisor acadêmico ou supervisor de campo, mas sim deve ser elaborado para que o estagiário consiga realizar uma análise dialética da realidade.No caso do profissional habilitado, também é importante que o registro não seja condicionado a interesses que lhes são superiores, de instâncias superiores, mas que, de fato, represente a realidade vivida no espaço de trabalho. Esse tipo de documento, por sua vez, representa a identidade profissional. Ou seja, ao ler um documento desse formato, temos muitas informações a respeito do profissional que as elaborou ou mesmo do aluno. No caso específico do estagiário, o diário de campo é um instrumento de supervisão, mas também pode ser usado como um recurso de pesquisa, indicando possíveis temas para a elaboração do TCC. Para o profissional, trabalhador, o diário de campo pode oferecer elementos para a análise crítica das ações 51 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL realizadas e, consequentemente, para o planejamento de ações futuras. O diário de campo é, em ambos os casos, o registro de memórias de uma trabalho realizado. O diário de campo é um instrumento que nos possibilita retornar a uma situação já passada e nela perceber determinações que constituem o presente. Também nos permite assimilar mais facilmente a continuidade de uma intervenção que está sendo ou já foi objeto de sistematização da intervenção profissional, colaborando com a memória profissional e com a qualificação das ações [...] (COSTA; GUINDANI, 2012, p. 270 apud FRAGA; GAVIRAGUI; GOERK, 2015, p. 266). O diário de campo se constitui ainda como um dispositivo de reflexão sobre a questão social, além de ser um instrumento que mobiliza o autor à pesquisa. Ele é: [...] um instrumental qualitativo que fornece dados empíricos e subsídios para a análise e reflexão da prática, e potencialmente pode ser transformado num espaço de mediações teórico‑práticas e elaborações teóricas, isto é, num instrumento de pesquisa e investigação sobre o cotidiano profissional (COSTA; GUINDANI, 2012, p. 273 apud FRAGA; GAVIRAGUI; GOERK, 2015, p. 270). Ou seja, não é um instrumental aleatório, mas congrega, em tese, a capacidade teleológica do profissional que, por meio de uma análise, consegue rever as ações do passado e projetar ações futuras. Afinal, o fato do diário de campo se consolidar como um instrumento de pesquisa e de investigação profissional é condição imprescindível para que o estagiário ou o profissional possa reorganizar intervenções futuras. Lima, Mioto e Dal Prá (2007) destacam que há profissionais que fazem o registro das atividades relacionadas aos processos de trabalho e há outros que o utilizam especificamente com a finalidade de realização de pesquisa. Assim, há casos de pesquisadores, escritores e todo um público específico que utiliza o diário de campo somente como uma metodologia de pesquisa. Nesse sentido, Lima, Mioto, Dal Prá (2007) enfatizam que a documentação incorpora um importante aspecto do trabalho do assistente social. A sistematização da documentação é um dos elementos da ação profissional. Dito de outra forma, apesar de os documentos de ação profissional serem flexíveis e dinâmicos, eles permitem ao profissional uma revisão da ação, bem como o planejamento da intervenção futura. De qualquer forma, a documentação, assim como o diário de campo, são elementos integrantes do exercício profissional do assistente social. Assim, “[...] a documentação pode ser considerada como um elemento constitutivo da ação profissional, uma vez que ela lhe dá materialidade ao compreender a realização da ação” (LIMA; MIOTO; DAL PRÁ, 2007, p. 95). Tanto Lima, Mioto e Dal Prá (2007) quanto Fraga, Gaviragui e Goerk (2015) nos advertem quanto ao fato de que tanto profissionais atuantes quanto estagiários apresentam dificuldades em registrar suas atividades todos os dias. No entanto, ao incorporar a documentação como um elemento constitutivo da ação profissional, com o tempo, essa e outras dificuldades, como a de elaboração do relato, acabam sendo suprimidas. No entanto, isso só é possível a partir de muito treino e leitura. 52 Unidade II Dentro dessa compreensão, os autores ainda indicam o diário de campo como um exemplo de documentação, que representaria a “inteligência coletiva” (LIMA, MIOTO; DAL PRÁ, 2007, p. 95) da categoria. Outrossim, quando é escrito um diário de campo e realizada a análise dos fenômenos estudados à luz de uma teoria, que foi produzida ao longo dos anos pela categoria profissional, não é uma análise com base em argumentos individualistas, mas sim com recorrência a saberes produzidos e acumulados ao longo dos anos pelos assistentes sociais. Mas Lima, Mioto e Dal Prá (2007) realizam ainda orientações mais específicas, sobre quais aspectos devem ser observados quando elaboramos o diário de campo. Na verdade, alguns deles já salientamos aqui, como a capacidade de escrever os relatos com clareza. As orientações de Lima, Mioto e Dal Prá (2007), no entanto, oferecem um mapa de como elaborar o diário de campo. A primeira orientação dos autores é que o diário seja elaborado todos os dias. Somente dessa maneira é possível uma “[...] sistematização e detalhamento possível” (LIMA; MIOTO; DAL PRÁ, 2007, p. 99), conforme requer um registro dessa natureza. Aliás, os autores ressaltam que, mesmo com todas as dificuldades, somente o registro diário permite captar maiores detalhes e dados da realidade, até porque, quando não é feito esse registro no dia, corre‑se o risco de acabar esquecendo de alguns detalhes e comprometendo a descrição. Ao fazer o registro todos os dias, o profissional está com a memória mais recente e fará o detalhamento das situações com as quais se deparou durante suas atividades. Uma indicação interessante de Lima, Mioto e Dal Prá (2007) nesse sentido é que o diário de campo deve ser datado. Observação O diário de campo deve ser composto por três itens: descrição, interpretação do observado e registro das conclusões preliminares, dúvidas, imprevistos etc. Mas, afinal, o que deve conter em um diário de campo? Quais são os elementos que o integram? O que o compõe? Nesse sentido, o trabalho de Lima, Mioto e Dal Prá (2007) é extremamente válido, uma vez que as autoras indicam como elementos‑chave do diário de campo a descrição, a interpretação e o registro das conclusões preliminares. Dessa maneira, não apresentam um modelo rígido para a elaboração da documentação, mas sugestionam sobre elementos que podem ser usados como referência para a elaboração do diário de campo. Veja a seguir: [...] (1) descrição; (2) interpretação do observado, momento no qual é importante explicitar, conceituar, observar e estabelecer relações entre os fatos e as consequências; (3) registro das conclusões preliminares, das dúvidas, imprevistos, desafios tanto para um profissional específico e/ou para a equipe, quanto para a instituição e os sujeitos envolvidos no processo (LIMA; MIOTO; DAL PRÁ, 2007, p. 99). A interpretação deve vir assentada em valores e parâmetros defendidos pela profissão. Outrossim, a análise deve ser construída com base no conhecimento acumulado pela categoria, e não com respaldo do senso comum. Além das atividades cotidianas, rotineiras, o diário deverá ainda registrar debates 53 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL e embates que por ventura foram vivenciados durante o trabalho. Além disso, informações sobre a economia, a realidade social e demais dados que ajudem a contextualizar o espaço onde a intervenção acontece são vitais para o entendimento de todo o contexto em que a ação está acontecendo. Dessa maneira, também é possível compreender como a realidade externa afeta as intervenções do serviço social, além de um rol amplo de aspectos afins. Lembrete O diário de campo deve possuir a descrição das atividades desenvolvidas, seguida de análise. A elaboração do diário de campo pressupõe ainda a interação entre o autor e o instrumento de registro. Para facilitar a apresentação de informações no diário de campo, é proposta a utilização de um esquema de cores para identificar e separar informações descritivas e analíticas. Ou seja,para que após a elaboração do instrumental, este seja revisitado pelo autor que o elaborou e possa, assim, facilmente identificar as informações que descrevem o espaço da intervenção e para que possa também encontrar com maior facilidade os dados que compuseram a análise. Aliás, interessante ressaltar que a análise, sempre que possível, deve acontecer à luz de uma referência teórica, além dos parâmetros que regem a profissão. Dessa forma, o diário de campo se consolida, de fato, como um instrumento de reflexão, de crítica e de avalição das intervenções desenvolvidas. As informações descritivas correspondem ao relato de todos os aspectos que abarcam o exercício profissional, ao passo que as anotações analíticas correspondem à crítica atribuída aos fenômenos apresentados. Ou melhor dizendo: [...] as anotações descritivas realizadas em diário de campo pretendem transmitir com exatidão a exposição dos fenômenos sociais – requisito essencial da pesquisa qualitativa e de uma intervenção profissional preocupada não somente com ações imediatas, mas com o planejamento destas. Consiste, portanto, em um primeiro passo para avançar na explicação e compreensão da totalidade do fenômeno em seu contexto, captando seu dinamismo e suas relações. Já as anotações de cunho analítico‑reflexivo, surgidas da observação dos acontecimentos e dos processos, indicam quais questões devem ser aprofundadas a partir de maiores informações ou indagações, pois se entende que estas reflexões avançam na busca de significados e explicações dos fenômenos apreendidos, tanto na realização de uma pesquisa, como em situações de atendimento no cotidiano da intervenção profissional (LIMA; MIOTO; DAL PRÁ, 2007, p. 100). Por isso, as informações precisam ser registradas todos os dias e, sempre que possível, com o máximo de dados que for possível. Afinal, o que caracteriza um diário como um material de qualidade são os dados que ele apresenta. O detalhamento de informações é condição indispensável para um diário de campo com qualidade. Claro que o diário de campo elaborado por aluno será diferente 54 Unidade II daquele que é feito por um profissional já atuante. Ao menos, espera‑se maior maturidade profissional e intelectiva por parte do profissional. No entanto, é necessário ressaltar que nada disso é inato. Não nascemos sabendo fazer diário de campo, mas vamos aprendendo. E só podemos aprender quando tentamos várias vezes fazer uma atividade. Por isso, não importa, nesse momento, se você ainda têm dificuldade, se acha o processo difícil ou cansativo demais. Importa é que você é capaz, mas, para isso, é necessário treino e repetição. 5.2 Entrevista A entrevista sempre será uma das técnicas mais utilizadas pelos assistentes sociais. Trata‑se de um dispositivo de intervenção que está presente em praticamente qualquer área de atuação do assistente social. No entanto, um dos livros mais populares da categoria, o qual discute os instrumentos e as técnicas utilizados pelos assistentes social, foi inicialmente idealizado pensando na intervenção desse profissional junto à área jurídica. Saiba mais Selma Marques Guimarães é assistente social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Grande parte da produção da autora discute a questão dos instrumentos e técnicas usados por assistentes sociais no Judiciário. Observe o texto a seguir, em que a autora figurou como colaboradora e no qual há muitas indicações sobre a prática profissional do assistente social. TJSP; ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA. Material da capacitação técnica das varas da infância e juventude do estado de São Paulo. São Paulo: Escola de Magistratura, 2011. Disponível em: <https://www.tjsp. jus.br/Download/Corregedoria/pdf/Material_Capacitacao.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2019. Lewgoy e Silveira (2007) nos dizem que a utilização da entrevista como abordagem do serviço social é algo muito recorrente. Os autores dizem que a entrevista foi proposta como abordagem dos assistentes sociais por Mary Richmond, nos anos 1950, com sua obra Diagnóstico Social. Nessa época, a entrevista era defendida como uma conversa inicial, por meio da qual o assistente social conseguiria alcançar seus objetivos profissionais. No entanto, conforme Magalhães (2006), fazer uma boa entrevista demanda ao assistente social a observação de alguns aspectos basais, dentre os quais as posturas que devem ser fortalecidas pelo assistente social e outras que devem ser evitadas. Então, podemos inferir que o assistente social deve sempre demonstrar uma posição atenta e não paternalista, compreendendo, sempre, que o sujeito entrevistado é portador de direitos. 55 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Magalhães (2006) ainda coloca que, durante a entrevista, cabe ao profissional ouvir mais do que falar. Apesar desta dever ser usada como um meio de reflexão do usuário, é preciso evitar as críticas aos atendidos. Quando critica‑se um entrevistado, pode haver o afastamento dele com relação às intervenções, perdendo‑se o sentido do trabalho do assistente. O profissional deve sempre falar de forma com que o usuário o compreenda, porém, não deve usar a mesma linguagem dele. Aliás, há um grande reforço para que sempre façamos uso da linguagem culta, ou seja, evitar vícios de linguagem ou falar de forma não condizente com a norma culta da língua portuguesa. Para o direcionamento da entrevista, é possível usar um roteiro, sem, obviamente, ficar muito preso a ele. Ele ajuda a conduzir a entrevista aos objetivos e finalidades. No entanto, ele não é uma camisa de força. Pode‑se alterá‑lo a depender da necessidade. Em todo caso, é comum que, durante a realização de uma entrevista, o assistente social precise anotar alguns dados e informações dos atendidos, e é importante que o entrevistado tenha ciência do porquê de tais anotações. No caso, o técnico deve explicar ao atendido a metodologia que utiliza para que o entrevistado não se sinta envergonhado (MAGALHÃES, 2006). Já Lewgoy e Silveira (2007) dizem que o primeiro passo para a realização de uma entrevista é planejá‑la, defendem ainda que todas as ações do assistente social demandam um planejamento e organização prévia. Cabe ao assistente social, nesse processo de planejamento, identificar para qual política social a entrevista está sendo realizada. Depois disso, o profissional precisa delimitar o objetivo da entrevista e como será feita a coleta de dados. Por fim, o terceiro passo corresponderia a decidir horário e local em que a abordagem será realizada. Após o planejamento, passa‑se à execução, que também tem etapas a serem desenvolvidas, quais sejam: inicial, coleta de dados, contrato, síntese (registro) e, por fim, a avaliação. A etapa inicial é aquela em que o entrevistador dá início à intervenção, explicando ao entrevistado o objetivo da entrevista. Os demais procedimentos em questão são assim definidos pelos autores: A coleta de dados requer habilidades do entrevistador na identificação e na seleção das necessidades e demandas apresentadas pelos entrevistados. As informações colhidas servirão de subsídios para a avaliação das prioridades e definição das situações que, ao longo da(s) entrevista(s), serão questionadas e aprofundadas, tendo como referência os objetivos definidos anteriormente, ou (re)definidos no seu processo [...]. O contrato pode ser traduzido como a manifestação de um acordo de vontades entre as partes; por isso a necessidade de explicitar os objetivos da entrevista e dos serviços disponíveis em relação às expectativas do usuário. Nas entrevistas de seguimento, o contrato pode reformular‑se [...]. A terceira etapa é a do registro da entrevista, que se fundamenta no direito do usuário em ter a evolução do seu atendimento documentado e no acesso aos dados registrados, sendo este intransferível. O registro também tem como 56 Unidade II objetivo contribuir para a integralidade do atendimento e compartilhar o conhecimento com os demais trabalhadores da instituição[...]. A avaliação da(s) entrevista(s) é o momento de retomar os objetivos e as expectativas do usuário, revisão dos diferentes momentos e de planejamento, conjunto de novas estratégias. É o momento também de organizar as ideias para o registro [...] (LEWGOY; SILVEIRA, 2007, p. 237‑238). Após essas etapas, é necessário que o profissional registre as informações do procedimento realizado. Aqui também não há uma sequência flexível, mas sim indicações de como o processo de entrevista pode ser conduzido no cotidiano das práticas profissionais de assistentes sociais. Lewgoy e Silveira (2007) ainda colocam que há técnicas que devem ser observadas pelos assistentes sociais quando estes realizam uma entrevista. São elas que garantem que o profissional consiga alcançar seus objetivos profissionais, além de tornar a realização da entrevista um processo de humanização da relação firmada entre assistente social e o sujeito entrevistado. Os autores ainda colocam que a primeira técnica que deve ser utilizada no momento da entrevista é o acolhimento, o qual consiste em uma aproximação que o técnico faz com aquele que irá atender, podendo ser descrito pelas seguintes práticas: [...] cordialidade e a preservação das regras de educação. Na primeira entrevista, o entrevistador apresenta‑se com clareza, solicitando que o usuário também o faça. Também é o momento em que ambos devem dizer por que estão ali. O entrevistado diz por que veio e o(a) assistente social explicita qual o seu objetivo (LEWGOY; SILVEIRA, 2007, p. 240). Essa técnica deve ser usada pelo assistente social logo que ele inicia a abordagem, buscando fazer com que o entrevistado se sinta bastante à vontade e confiante com o processo em que está inserido. Os autores chamam a atenção para que os vícios de linguagem (como “mãe”, por exemplo) sejam evitados, fortalecendo a necessidade de usar os nomes das pessoas; aliás, isso é vital para o acolhimento se efetivar. Outra técnica que seria de grande importância a essa abordagem é o questionamento. Afinal, não há como realizar uma entrevista sem fazer perguntas para aqueles que estão sendo atendidos. Para definir as questões a serem realizadas, é preciso ter muita clareza dos objetivos e também amplo conhecimento do caso pelo profissional. “O questionamento tem de ir ao encontro da finalidade da entrevista, o que exige do assistente social estudo e conhecimento para tanto” (LEWGOY; SILVEIRA, 2007, p. 245). Vinculado ao processo de questionamento vem a reflexão, momento em que o técnico viabiliza a análise da situação vivida pelo atendido. A entrevista não pode ser usada como um meio do técnico impor ao atendido a sua perspectiva, mas deve funcionar como um dispositivo de reflexão ao próprio usuário. Para tanto, existe a técnica de clarificação, que consiste em deixar o conteúdo da entrevista compreensível ao atendido, ou seja, deixar claro e bem explicado tudo aquilo que fora discutido. 57 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Durante a realização da entrevista, o assistente social é conduzido a realizar uma exploração ou aprofundamento, que é momento de repensar sobre quais áreas o usuário demanda maior intervenção por parte do fazer profissional. “A exploração é uma técnica pela qual o assistente social procura investigar áreas da vida do usuário que requerem exame mais profundo” (LEWGOY; SILVEIRA, 2007, p. 246). As autoras ainda indicam outras técnicas que podem ser usadas quando realizamos uma entrevista, como, por exemplo, o silêncio sensível, pois há momentos em que é necessário não interferir nas expressões do entrevistado. Indicam ainda a apropriação do conhecimento como outra técnica por meio da qual o profissional obtém as informações de que precisa para intervir da melhor forma junto ao caso atendido, buscando sempre resguardar os direitos dos usuários. E, por fim, destaca a síntese integradora como a metodologia final para a realização da entrevista, que consistiria em: “O encerramento da entrevista é introduzido pela elaboração da síntese integradora daquele momento e não pode ser confundida com resumo” (LEWGOY; SILVEIRA, 2007, p. 248). Ou seja, são passos que estão presentes em todas as entrevistas e, por meio das colocações de Lewgoy e Silveira (2007), nos auxiliam na realização de uma boa entrevista. Magalhães (2006) não indicou tantos aspectos de forma tão pormenorizada, mas ofereceu informações genéricas. No âmbito da especificidade, para tanto, são extremamente relevantes as colocações da autora sobre os tipos de entrevista. Para Magalhães (2006), há quatro tipos de entrevista, a saber: • Livres: são abordagens em que o entrevistador traz à tona o tema a ser debatido e partindo do que o entrevistado diz, orienta o atendimento. • Dirigidas: intervenções em que o entrevistador conduz toda a entrevista, buscando esgotar um assunto específico. • Semidirigidas: são aquelas técnicas em que o entrevistador deixa que o entrevistado tenha maior liberdade para falar, discorrer e, somente partindo de suas falas, vai conduzindo o processo de atendimento. Essa seria uma junção da entrevista livre com a dirigida. • Devolutivas: são intervenções em que o entrevistador confere uma devolutiva ao entrevistado de uma abordagem realizada, a qual é orientada a dar um retorno ao atendido de uma situação que tenha sido constatada pelo entrevistador. Todas essas modalidades de entrevista estão presentes no cotidiano dos assistentes sociais. Em grande parte, elas provêm da demanda contemplada pelo profissional. A seguir, é apresentado um quadro com a síntese dos conteúdos, para que fique simples a diferenciação entre esses instrumentais. 58 Unidade II Quadro 4 – Síntese de conteúdos Características – entrevista Características – diário de campo Presentes em várias áreas de atuação profissional Elaborado diariamente, com datas Figura como abordagem do assistente social ao longo dos anos Escrito por assistentes sociais e estagiários de serviço social Possuem formatos diferentes: livres, dirigidas, semidirigidas e devolutivas Composto por descrição, interpretação e conclusão Devem sempre preservar o indivíduo e a efetivação dos direitos sociais Apresenta informações descritivas e analíticas Dependem do objetivo do profissional e também do serviço a que ele está vinculado Usado para a pesquisa e para o registro de dados relacionados ao trabalho 5.3 Estudo social e socioeconômico Outro instrumental que é largamente utilizado pelos assistentes sociais é o estudo social ou estudo socioeconômico. O estudo é compreendido como uma “[...] análise sobre algo que se quer conhecer por meio da observação e do exame detalhado, ou seja, é a pesquisa sobre determinado assunto” (MAGALHÃES, 2006, p. 50). O estudo em tese está presente em todos os momentos do fazer profissional. No entanto, a história nos mostra que no contexto do surgimento do serviço social no Brasil, o estudo era nomeado com o termo socioeconômico. Neste momento, serão estudados os aspectos que demarcam essa mudança terminológica, bem como a postura dos assistentes sociais. Observação Mary Richmond é considerada uma das grandes referências do serviço social de casos, método de abordagem que trouxe ao Brasil. O termo estudo surgiu no serviço social brasileiro por influência do aporte ao serviço social de casos individuais, trazido por Mary Richmond no contexto dos anos 1950. Inicialmente, o estudo era usado visando ao conhecimento do indivíduo e seu consequente ajustamento à ordem social vigente. No entanto, a incorporação do termo socioeconômico adveio da utilização desse dispositivo para viabilizar o acesso a elementos materiais, ligados à sobrevivência dos atendidos (MIOTO, 2000). Em tese, a abordagem proposta por Mary Richmond pressupunha o estudo do caso, seguido pelo diagnóstico, no qual o assistente social deveria identificar informações individuais e ambientais do caso atendido e os recursos para corrigir a situação apresentada. Assim, os recursos não eramrestritos às situações econômicas, mas incorporavam também a mobilização de aspectos ligados à subjetividade dos atendidos. Caberia ao assistente social analisar caso a caso que lhe era apresentado por meio do estudo e, quando necessário, também realizar o estudo socioeconômico. Mioto (2000), no entanto, aponta muitas mudanças na categoria ao longo dos anos; dentre as quais, o movimento de reconceituação do serviço social, que proporcionou à profissão uma profunda revisão de sua base teórica e metodológica. Dentre as alterações processadas no interior da categoria, temos a 59 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL alteração do termo estudo socioeconômico para estudo social. Isso porque se passou a compreender que o termo estudo socioeconômico restringia a ação do assistente social a uma análise financeira, pontual, ao passo que o estudo social busca evocar para a profissão uma análise alicerçada na noção de efetivação dos direitos sociais e que, sobretudo, vai além da demanda econômica apresentada pelos usuários. Assim, não houve apenas uma mudança terminológica, mas sim alterações na forma de compreender como abordar um indivíduo. Hoje, o estudo social tem como missão a realização de uma análise ampla, crítica e calcada na noção de totalidade junto aos indivíduos. Conforme salienta Mioto: “[...] o estudo social tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto da intervenção profissional especialmente nos seus aspectos socioeconômicos e culturais” (FÁVERO, 2004, p. 42 apud MIOTO, 2000, p. 6). Ou seja, trata‑se de estudo e pesquisa de questões e situações específicas, mas compreendendo‑as ligadas à noção de totalidade. Via de regra, os estudos sociais são desenvolvidos em vários serviços públicos e privados, e, em grande parte, estão ligados ao acesso aos benefícios por parte da população. Dentre esses benefícios, podem ser citados os materiais e os financeiros. Nesse espectro, pode‑se citar como exemplo da utilização desse instrumental a prática desenvolvida nos plantões, em que há concessão de benefícios financeiros. Porém, o estudo social também tem sido cada vez mais usado para subsidiar decisões judiciais. Nesse sentido, junto ao Judiciário, é comum que os profissionais confiram o estudo social em face do caso que lhe foi apresentado, sendo usado como referência para as decisões judiciais em casos específicos. A definição de Mioto (2000, p. 9) sobre o estudo social chama a atenção para o fato de que esses dispositivos condensam atos do profissional, que são realizados de maneira consciente e que devem estar alicerçados nos princípios éticos da nossa categoria. A autora assim o define: Os estudos socioeconômicos/estudos sociais, como toda ação profissional, consistem num conjunto de procedimentos, atos, atividades realizados de forma responsável e consciente. Contêm tanto uma dimensão operativa quanto uma dimensão ética e expressa, no momento em que se realiza a apropriação pelos assistentes sociais dos fundamentos teórico‑metodológico e ético‑políticos da profissão em determinado momento histórico (MIOTO, 2000, p. 9). Pode‑se inferir também que todos os instrumentais, assim como as técnicas usadas pelos assistentes sociais, devem ser condicionados ao Código Profissional de Ética. O texto a seguir é bastante interessante e apresenta relação com o conteúdo que estudamos. Benefício BPC‑Loas do INSS: valor pode ser pago para quem nunca contribuiu É possível que a pessoa que nunca pagou o INSS tenha direito a um benefício da Previdência Social? A resposta é sim. Mas apenas tem direito a este benefício quem tem mais de 65 anos de idade ou, de qualquer idade, se tiver alguma incapacidade de longa duração. 60 Unidade II O benefício é uma ajuda do Governo Federal, no valor de um salário mínimo, para as pessoas de família de baixa renda. Lembrando que além da idade ou da incapacidade, o interessado ao benefício deverá provar também que a família não tem condições de manter este idoso ou esta pessoa com deficiência, que pode ser de natureza mental, física, intelectual ou sensorial. É como se fosse uma aposentadoria? Exatamente isso. Na prática, é um benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conhecido como Benefício de Prestação Continuada (BPC). A diferença é que as aposentadorias e pensões têm o décimo terceiro e o BPC não tem. Tem direito ao BPC o brasileiro, nato ou naturalizado, e as pessoas de nacionalidade portuguesa, desde que comprovem residência fixa no Brasil e renda por pessoa do grupo familiar inferior a ¼ de salário mínimo atual. Além disso, devem se encaixar em uma das seguintes condições: • Para o idoso: idade igual ou superior a 65 anos, para homem ou mulher; • Para a pessoa com deficiência: qualquer idade – pessoas que apresentam impedimentos de longo prazo (mínimo de 2 anos) de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Etapas para realização desse serviço: • Efetuar o cadastramento do beneficiário e sua família no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico. • As famílias já inscritas devem estar com o CadÚnico atualizado (máximo de 2 anos da última atualização) para fazer o requerimento no momento da análise do benefício. • Solicitação do benefício através de um dos seguintes canais de atendimento: meu.inss.gov.br/Telefone 135/Aplicativo Meu INSS: Google Play, App Store/Agência de Previdência Social. Como o INSS avalia se a pessoa é de uma família de baixa renda? A avaliação será realizada através de um assistente social. Para isso, será necessário que o interessado leve no INSS, no dia do protocolo do pedido, um estudo social feito por um assistente social. http://mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/o-que-e-e-para-que-serve http://mds.gov.br/assuntos/cadastro-unico/o-que-e-e-para-que-serve 61 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Como conseguir um estudo social? É necessário procurar um assistente social no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Toda cidade tem pelo menos um CRAS (encontre o CRAS da sua cidade). A família deve estar inscrita e atualizada no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) antes da apresentação de requerimento à unidade do INSS. Fonte: Moreira (2019). É possível verificar que o estudo social é apresentado como um elemento basal para acesso ao benefício de prestação continuada. Nesse sentido, pode‑se dizer que o estudo social é um meio de afirmar a importância da profissão, fortalecendo a noção de ser uma atividade socialmente necessária. O estudo social deve ser planejado e organizado previamente e sempre deve partir das necessidades apresentadas pelos sujeitos, compreendidos como sujeitos de direitos. Os estudo sociais não podem observar apenas o indivíduo de forma isolada, fragmentada, mas considerar a família na qual está inserido o atendido. Para Mioto (2000), é basal identificar aspectos relacionados ao domicílio dos atendidos, seus parentescos e afetos. Após a realização de toda essa análise, a qual deve ser essencialmente construída de maneira dialógica com aqueles que são atendidos, é necessária a emissão de um parecer. Observação O estudo social é concluído quando o profissional emite um parecer. Mas como realizar o estudo social? O técnico deve recorrer a abordagens individuais, grupais, assim como aos instrumentais: entrevista, observação, reunião, visita e análise documental. Ou seja, deve se valer de todos os elementos que estejam a sua disposição e assim identificar todos aspectos possíveis em relação aos atendidos. No entanto, toda e qualquer intervenção do assistente social deverá ser desenvolvida considerando‑se o projeto ético‑político e os documentos que embasam a ação profissional. A seguir, a síntese do que foi discutido anteriormente.Quadro 5 – Síntese de conteúdos Estudo social/socioeconômico Assentado na noção de totalidade Utilizados em empresas públicas e privadas Podem ser usados para concessão de benefícios materiais e como apoio para decisões judiciais Desenvolvidos por meio de abordagens individuais e grupais https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/mops/ http://www.caixa.gov.br/cadastros/cadastro-unico/Paginas/default.aspx 62 Unidade II 6 LAUDO SOCIAL, PARECER SOCIAL, PERÍCIA SOCIAL, RELATÓRIOS, VISITA DOMICILIAR E VISITA INSTITUCIONAL Agora serão vistos outros instrumentais que são largamente utilizados por assistentes sociais: os laudos e os pareceres. Dada a sua especificidade, laudos e pareceres ainda provocam muitas confusões entre os profissionais. Na sequência, tal conteúdo será esmiuçado. 6.1 Laudo social Em matérias de serviço social, é importante ressaltar que laudos, pareceres e perícias são atribuições privativas dos profissionais habilitados na área. Conforme indicado pela lei que regulamenta a profissão, são atribuições privativas do assistente social: “IV – realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social” (BRASIL, 1993). Ou seja, somente assistentes sociais podem emitir tais documentos que discutam matéria de serviço social. Outros profissionais podem emitir laudos, relatórios ou pareceres, porém, em matéria de serviço social, somente assistentes sociais. Visando orientar o trabalho dos profissionais, a Resolução CFESS nº 557/2009, de 15 de setembro de 2009, no artigo 1º, fortalece que a emissão de tais documentos é uma prerrogativa para o trabalho do assistente social. Nos artigos seguintes, a resolução indica que o técnico deve ter autonomia para emitir pareceres, laudos e demais documentos, incluindo quando estiver inserido em equipes multidisciplinares ou multiprofissionais. Além de reforçar a necessidade de que exista respeito às demais profissões, a resolução indica ainda a eminência, que sejam respeitadas também as atribuições privativas do assistente social e assevera que as discussões sobre dados casos podem ser coletivas, mas a emissão de laudos e pareceres deve destacar a perspectiva do assistente social, enfatizando‑a. Assim, não há como um assistente social emitir um parecer sobre conteúdos afetos à psicologia, e o parecer ou o laudo do assistente social precisa estar orientado apenas às discussões que sua formação o permitem fazer. Tendo tais colocações arroladas, segue‑se ao estudo do laudo social, o qual é “[...] um documento escrito que contém um parecer ou opinião conclusiva do que foi estudado e observado sobre determinado assunto” (MAGALHÃES, 2006, p. 60). Ou seja, o laudo só pode ser realizado se anteriormente a ele o técnico realizar um estudo amplo sobre o assunto que lhe foi requerido. Após o estudo, o laudo social deve apresentar uma análise da situação, seguida por uma opinião técnica. Em alguns casos, é preciso que o emissor do laudo social, via de regra, um perito, possa até mesmo responder a quesitos já previamente formulados em forma de análise conclusiva. O laudo deve incorporar ainda diretrizes e sugestões de ação, as quais sempre devem ser fundamentadas. Os laudos sociais são mais comuns para os assistentes sociais que atuam junto ao Judiciário ou ao INSS. No entanto, para a emissão de um laudo social, é preciso que o profissional tenha domínio do assunto. Obviamente, o laudo é emitido somente após a realização de um estudo. Mas, como documento, precisa ser sistematizado e deve demonstrar que o profissional tem compreensão daquilo que está fazendo (MAGALHÃES, 2006). 63 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Magalhães destaca ainda que, via de regra, os laudos devem possuir cabeçalho, indicando dados do caso e a quem se destina o documento. Deve apresentar ainda os instrumentos usados na construção do documento e os sujeitos que dele participaram. Além disso, Magalhães (2006) salienta que há instituições, citando como exemplo o INSS, que já possuem um modelo específico de laudo social, denominado laudo impresso, porque se trata de formulário já previamente elaborado para que o profissional faça o preenchimento. Esse documento deveria ser elaborado de maneira democrática, mas nem sempre isso é possível. Já Mioto (2000), que parte de uma análise mais voltada para a utilização do laudo social no sistema Judiciário por assistentes sociais, fortalece a noção de laudo social como um instrumento, um dispositivo que pode ser usado como prova perante uma situação processual. Assim, um laudo, ao final, pode apresentar um parecer conclusivo emitido pelo profissional que realizou o estudo. A autora assim define o laudo social: O laudo é o registro que documenta as informações significativas, recolhidas por meio do estudo social, permeado ou finalizado com interpretação e análise. Em sua parte final, via de regra, registra‑se o parecer conclusivo, do ponto de vista do serviço social. Conclusivo no sentido de que deve esclarecer que, naquele momento e com base no estudo científico realizado, chegou‑se à determinada conclusão. Para a efetivação desse registro, o profissional vai ter como referência conteúdos obtidos por tantas entrevistas, visitas, contatos, estudos documental e bibliográfico que considerar necessários para a finalidade do trabalho (MIOTO, 2000, p. 28). Para ser elaborado, o laudo demanda que o técnico recorra a outros instrumentos e técnicas, os quais servem de sustentação para a realização do estudo social. O laudo social também deve incorporar as noções e referências que são usadas e defendidas pela categoria profissional. Além de enfatizar que o laudo social precisa ser escrito em norma culta, Mioto (2000) ainda destaca o fato de que no laudo não é necessário fazer descrições muito detalhadas das intervenções desenvolvidas, uma vez que isso cabe aos relatórios. Para melhor orientar a elaboração dos laudos sociais, a autora propõe também um modelo para a elaboração desse documento, composto pela estrutura: introdução, identificação dos envolvidos, metodologia de ação e os conceitos usados, conduzindo para a emissão de um parecer conclusivo. Sua apresentação geralmente segue uma estrutura constituída por: introdução, indicando a demanda judicial e objetivos do trabalho; identificação das pessoas envolvidas na ação e que direta e indiretamente estão incluídas no estudo; a metodologia utilizada para a efetivação do trabalho (entrevistas, visitas, contatos, estudos documental e bibliográfico etc.) e a definição breve de alguns conceitos utilizados, na medida em que o receptor da mensagem contida nesse documento não necessariamente tem familiaridade com os conhecimentos da área do serviço social (MIOTO, 2000, p. 29). Escrita clara, estruturada e bem elaborada são requisitos basais para a elaboração de um laudo social. 64 Unidade II 6.2 Parecer social e perícia social O parecer social é um apontamento que o profissional pode fazer ao final do relatório ou do laudo social. Também pode ser emitido para responder a quesitos específicos, não sendo inserido ao final de nenhum documento. Em geral, o parecer social é uma manifestação sucinta sobre uma dada situação apresentada. Pode ser feito em decorrência de decisão judicial que o requisitou e, nesse caso, deve ser considerado todo o processo e demais informações do caso (MAGALHÃES, 2006). Já no caso de emissão de parecer com base em um estudo social, todas as informações necessárias ao caso devem ser consideradas para a emissão do documento. Em tais documentos, o parecer funciona como uma espécie de finalização, de caráter conclusivo ou indicativo. Conforme Magalhães (2006), o parecer também pode apresentar propostas de intervenção ou recomendações afins. Agora será abordado o conceito de perícia social. Em tese, a perícia é descrita como “[...] a vistoria ou o exame de caráter técnico especializado” (GOMES, 2018, p. 7). Pode‑se inferir que uma perícia requer que aqueleque a realize possua domínio de conhecimento. Essa premissa é válida para qualquer área de conhecimento, incluindo o serviço social. Não podemos atuar com perícia social se não possuirmos domínio de conhecimento. Além disso, a perícia é requerida para subsidiar uma decisão. Em grande medida, a perícia social é solicitada no Judiciário, sendo comum também no INSS e outros órgãos como a Defensoria Pública, por exemplo. Independentemente do local de atuação do assistente social, ao realizar uma perícia social, é fundamental que esse profissional esteja assentado no saber que fundamenta a sua profissão. Por outro lado, é igualmente validada a premissa de que o assistente social não pode atuar como perito em temas que não estejam vinculados a sua área de formação. Ao buscar deixar clara a noção de perícia social vinculada ao serviço social, Gomes (2018, p. 8) indica dois conceitos de perícia social, sendo o primeiro: [...] um processo através do qual um especialista, no caso assistente social, realiza o exame de situações sociais com a finalidade de emitir um parecer sobre as mesmas. A autora ainda destaca os eixos de sustentação da perícia social como: competência técnica, competência teórico‑metodológica, autonomia e compromisso ético (MIOTO, 2001, p. 141 apud GOMES, 2018, p. 8). Ou seja, a perícia é compreendida como uma atuação que requer um especialista, um saber específico para a emissão do parecer. Além do saber específico do assistente social, é necessário ainda o desenvolvimento de competências nas áreas técnica e teórico‑metodológica, além de autonomia e compromisso ético. Somente com essas características o profissional poderá desenvolver uma ação realmente de qualidade e efetivadora de direitos. 65 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Outra definição interessante, apresentada por Gomes (2018), refere‑se ao seguinte conceito: Perícia social trata‑se de estudo e parecer cuja finalidade é subsidiar uma decisão, via de regra, judicial. [...] a perícia é o estudo social, realizado com base nos fundamentos teórico‑metodológicos, ético‑políticos e técnico‑operativos, próprios do Serviço Social [...] (FÁVERO, 2005, p. 44 apud GOMES, 2018, p. 8). Apesar de ambas as autoras concordarem que a perícia social é usada para subsidiar uma decisão, e que os parâmetros que regem o exercício do profissional devem ser considerados no processo de elaboração da perícia social, para Mioto (2000), a perícia social é construída por meio do estudo social, ao passo que, para Fávero (2000), a perícia social é o estudo social. Em que pese as divergências das autoras, pode‑se inferir que o perito é aquele que detém um saber específico e que emite um parecer com base nos parâmetros da sua profissão, da sua formação. Independentemente do fato de o estudo anteceder a perícia ou de o estudo se constituir na perícia, é necessário que o assistente social faça uso dos seus instrumentos e técnicas. Assim, a perícia pode requerer visitas, entrevistas e outros instrumentais afins. Fávero (2000) ainda nos coloca que a perícia social deve ser construída pelo assistente social seguindo dois passos básicos: o primeiro seria o conhecimento amplo da situação, e no caso de perícia judicial, isso importa conhecer todo o processo. No caso de perícia social desenvolvida fora do espaço judiciário, esta demanda o conhecimento de todos os dados e documentos da situação analisada. No segundo passo, seria necessária a definição dos instrumentos que serão utilizados para a realização da perícia, ou seja, quais instrumentos e quais técnicas permitirão ao assistente social uma maior aproximação da realidade analisada. A perícia social demanda competência teórico‑metodológica, além de compromisso ético‑político, aliás, elementos imprescindíveis para a atuação do assistente social em qualquer área profissional. Ela ainda deve, por conseguinte, estar relacionada a qualquer conteúdo do serviço social. Pode ser emitida por meio de documentos como o laudo social, por exemplo. Como visto, são muitos os instrumentos e técnicas que podem ser usados pelos assistentes sociais. Para facilitar a apreensão desses conteúdos, veja o quadro a seguir: Quadro 6 – Síntese de conteúdos Laudo social Parecer social Perícia social Emitido por aquele que tem domínio do tema Manifestação sucinta Demanda domínio de conhecimento por parte do perito Pode ser usado como uma prova judicial Inserido ao final dos documentos ou resposta a quesitos Vinculada à fundamentação teórica da categoria. Pode ser construído em modelos impressos e previamente elaborados Finalização do documento de caráter conclusivo e indicativo Requer competência teórico‑metodológica e compromisso ético. Pode apresentar um parecer social ao final Pode ser feito em razão de determinação judicial ou para outras atividades Demanda a utilização de instrumentos e técnicas do serviço social 66 Unidade II 6.3 Relatórios Há uma infinidade de abordagens no serviço social que buscaram, e buscam, ainda delimitar aspectos relacionados aos relatórios que existem em nosso cotidiano profissional. A perspectiva metodológica usada para elaborar o presente livro‑texto recorre à análise de Magalhães (2006), uma vez que essa é uma literatura corrente e amplamente utilizada pela categoria. Saiba mais Observe um modelo de relatório que foi incorporado a um artigo científico por meio do acesso ao texto no link a seguir: ORTIZ, M. C. O relato de um caso. Psicol. cienc. prof. Brasília, v. 8, n. 1, p. 26, 1988. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S1414‑98931988000100016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 8 jul. 2019. O relatório apresentado foi elaborado com nomes fictícios e usa uma experiência prática desenvolvida junto ao Judiciário. A autora define o relatório elaborado pelo assistente social como uma forma de descrever a “[...] pesquisa e a apresentação de atividades desenvolvidas em determinado setor, a visitas realizadas”, sendo também possível a elaboração de relatórios que descrevam providências tomadas diante do caso ou à situação que motivou a elaboração do relatório. O relatório também deve ser construído usando‑se como referência princípios teórico‑metodológicos e ético‑políticos que norteiam o exercício profissional. Demandam ainda competência técnica e domínio da língua culta. Martins (2017, p. 91‑92) assevera também a importância das capacidades do assistente social na elaboração dos relatórios: Os relatórios são registros descritivos sobre as situações da intervenção, utilizados para fixar aspectos importantes dos fenômenos enfrentados pelos profissionais. Relatar supõe o preparo do locutor para dialogar com o destinatário da informação, seja este um assistente social, membro do Judiciário, gestor ou um agente de outra profissão (MARTINS, 2017, p. 91‑92). Os relatórios que são elaborados para arquivo de um dado serviço devem ser elaborados consoantes com os aspectos indicados anteriormente, ou seja, norma culta e vinculação aos parâmetros difundidos pela categoria. Aliás, Martins indica que os relatórios não devem ter uma suposta neutralidade científica, mas sim defender os parâmetros da categoria. Assim, [...] escreve‑se a partir de um ponto de vista, de um conjunto de valores e experiências sociais e pessoais que condicionam o texto. Nesses termos, relatar é também avaliar, escolher o que comporá ou não a narrativa elaborada (MARTINS, 2017, p. 92). 67 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL A própria elaboração do relatório deve ser um processo de análise crítica do profissional sobre a sua conduta e sobre o objeto de sua intervenção. Observação A visita de inspeção ou institucional é realizada pelo assistente social junto a alguma instituição ou serviço. Magalhães (2006) nos apresenta quatro tipos de relatórios, a saber: • Informativo: é aquele que o profissional descreve dados ou fatos importantes e encaminhamentos simples, apenas com o objetivo de participar aos interessados sobreas ações desenvolvidas. • Circunstanciado: é elaborado tendo em vista a atenção de uma determinada situação de emergência, podendo ser acompanhado com um pedido de providência emitido em um parecer, indicando a urgência do caso. • De visita domiciliar: apresenta informações, descrições de aspectos observados e analisados durante a realização de visita domiciliar. • De inspeção: é aquele em que há a descrição da análise realizada por meio da visita às instituições de atendimento. Quadro 7 – Síntese de conteúdos Relatórios (características) Descrevem atividades desenvolvidas, visitas realizadas e providências tomadas Demandam vinculação do assistente social aos parâmetros de sua profissão Observação da linguagem culta Há vários tipos de relatórios, e cada um deles se destina a descrever um tipo de ação desenvolvida pelo assistente social 6.4 Visita domiciliar e visita institucional Neste momento, serão apresentadas duas técnicas que são basais aos assistentes sociais: a visita domiciliar e a visita institucional. Interessante pontuar que essas atividades não são atribuições privativas dos assistentes sociais. Em tese, vários outros profissionais podem usar a visita domiciliar ou institucional como método de ação. Isso depende muito das orientações e normativas de cada categoria (MAGALHÃES, 2006; PEREIRA; SOUZA, 2016). 68 Unidade II No entanto, é uma técnica de abordagem muito usado pelo serviço social com o objetivo de conhecer um pouco mais da realidade observada. De acordo com Pereira e Souza (2016), as visitas surgiram no contexto de seu surgimento no Brasil, porém alicerçadas na perspectiva de possibilitar ao assistente social a realização da fiscalização e da moralização de determinados segmentos. Nesse contexto, vemos que a profissão era orientada pela ótica de que as ações profissionais deveriam alterar os comportamentos dos desajustados, ajustando‑os às necessidades capitalistas. A visita surge nesse momento, mais voltada a indivíduos e famílias, sendo apresentada como uma especialização do método de serviço social de casos, uma ação que viabilizava de maneira mais adequada o ajustamento de condutas dos atendidos. No contexto dos anos 1980, no entanto, perante as mudanças processadas no interior da categoria, a visita domiciliar passou a ser compreendida como um instrumento de conhecimento do público‑alvo das ações dos assistentes sociais, e não mais como um instrumento de fiscalização desse segmento. Lembrete O método de serviço social de casos que objetivava o ajustamento de condutas foi idealizado por Mary Richmond e exerceu grande influência junto aos assistentes sociais brasileiros. Atualmente, a visita domiciliar tem sido compreendida como um meio para “[...] clarificar situações, considerar o caso na particularidade de seu contexto sociocultural e de relações sociais” (MAGALHÃES, 2006, p. 54). Ou seja, um modo para ampliar os dados que o técnico possui sobre uma dada situação, visando assim melhor qualificar sua ação não mais com o objetivo de impor normas de conduta aos atendidos. A visita domiciliar permite a apreensão da singularidade da vida dos atendidos, além de ser um meio que possibilita a intervenção do assistente social sob um determinado aspecto, bem como é um espaço de reflexão em que o próprio profissional revê suas práticas e estimula os usuários atendidos em fazer o mesmo processo. A visita domiciliar pode ser assim compreendida como: [...] um instrumento de trabalho que visa ao conhecimento aprofundado do modo e da condição de vida da população usuária, realizado diretamente no espaço de residência e/ou vivência dos sujeitos, propiciando uma aproximação com o seu cotidiano e com a realidade socioterritorial vivenciada pelos mesmos. Este instrumento é balizado por uma dimensão investigativa que possibilita apreender os processos sociais singulares em conexão com a dinâmica societária, juntamente com uma postura ético‑política comprometida com o atendimento das necessidades sociais e com o respeito da liberdade e da autonomia. Além disso, a visita domiciliar – como um instrumento interventivo – é desenvolvida em articulação com técnicas como a de observação, acolhimento, questionamento e reflexão, visando uma abordagem que tem como centralidade o diálogo e o estabelecimento de vínculo entre o profissional e a população usuária [...] (CLOSS; SCHERER, 2017, p. 5). 69 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Assim como os demais instrumentos e técnicas aos quais o serviço social recorre, a visita domiciliar também deve ser utilizada valendo‑se de parâmetros que orientam a ação do assistente social na contemporaneidade, motivo pelo qual abordagens invasivas e que deixam os usuários em situações desagradáveis devem ser refutadas. A definição anterior indica ainda que, apesar de a visita domiciliar buscar melhor compreender uma dada situação específica e singular, sua realização não pode ser desenvolvida de forma dissociada do todo. Assim, ao analisar uma determinada situação, deve‑se considerá‑la como resultado de questões econômicas, sociais e políticas que influenciam a vida dos seres humanos. Melhor dizendo, ao realizar uma visita domiciliar, é basal considerar o contexto histórico, político e societário vivenciado. Closs e Scherer (2017), assim como Magalhães (2006), colocam que as visitas domiciliares devem ser planejadas previamente, mas a utilização desse instrumental e sua organização irá depender muito do contexto em que ele será utilizado. Aliás, quanto a isso, é interessante atentar‑se ao fato de que a visita domiciliar é um instrumento muito utilizado por assistentes sociais, independentemente da sua área de atuação. Nessa direção, Closs e Scherer (2017) colocam que a visita domiciliar possui três etapas a saber: planejamento, execução e registro, sendo que cada uma delas apresenta especificidades que as definem e são basais para que os profissionais desenvolvam uma abordagem positiva e que seja promotora de direitos, e não um meio de fiscalização dos usuários atendidos. Observação A recomendação é que as visitas domiciliares sejam agendadas previamente, além do planejamento da intervenção. A fase do planejamento seria aquela em que o assistente social analisa se há a necessidade de relação da visita, sendo também nesse momento que o técnico define outros aspectos dentre os quais qual é o objetivo da abordagem, quais as informações prévias que temos sobre esse objeto de ação, quais dados já possuímos sistematizados e qual a data que a abordagem será realizada. Na segunda fase, temos a execução. Nela, vemos que o técnico, de fato, coloca em prática a visita domiciliar já programada. Na execução, o técnico firma um contrato com o atendido, buscando acolhê‑lo e fortalecer o vínculo entre o usuário e o assistente social. Também é na execução que o técnico realiza a coleta de dados, sempre considerando o objetivo pactuado para tal abordagem. É o momento da investigação no sentido do conhecimento. E, por fim, chega‑se então ao registro, uma vez que a abordagem só se consolida após o técnico registrar por sistemas de comunicação escrita a abordagem desenvolvida. Magalhães (2006) ainda propõe que, na visita domiciliar, seja possível observar situações singulares, mas nunca tentar julgar aqueles que são atendidos segundo nossos parâmetros de vida. Além disso, a autora recomenda não realizar procedimentos invasivos e que comprometam a relação com os usuários. Como algo inerente à prática do assistente social, a visita deve, essencialmente, ser usada como meio de efetivação de direitos sociais e nunca como uma forma de fortalecimento da submissão dos atendidos. 70 Unidade II Saiba mais Acesse no link a seguir o guia para realização de visita domiciliar elaborado pelo Ministério de Desenvolvimento Social para o Programa Criança Feliz. Apesar de não ser específico para assistentes sociais, é muito interessante dar uma lida nesse material, o qual define parâmetros voltadosà realização de visita domiciliar junto a famílias vinculadas à assistência social. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Criança feliz: guia para visita domiciliar. Brasília: MDS, Secretaria Nacional de Promoção do Desenvolvimento Humano, 2017. Disponível em: <https://www.mds.gov.br/ webarquivos/arquivo/crianca_feliz/guia_visitador_PCF_versoweb_2.pdf>. Acesso em: 1º jul. 2019. O material na sequência é extremamente válido e orientado para a abordagem de visita domiciliar desenvolvida por assistentes sociais. Ele pode ser acessado no link a seguir: CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL (CRESS). Termo de orientação: realização de visitas domiciliares quando requisitadas a assistentes sociais. Rio de Janeiro: Cress. [s.d.]. Disponível em: <http:// www.cressrj.org.br/site/wp‑content/uploads/2013/07/VERS%C3%83O‑ FINAL‑Termo‑de‑Orienta%C3%A7%C3%A3o‑Visita‑Domiciliar.pdf>. Acesso em: 1º jul. 2019. Por fim, há a visita institucional. Importante salientar que Magalhães (2006) a nomeia como visita de inspeção. Também nesse caso não é uma abordagem privativa do assistente social, mas pode ser realizada por qualquer profissional que dela necessite. A visita institucional ou visita de inspeção “[...] tem como finalidade verificar o trabalho desenvolvido nas instituições, bem como se suas instalações físicas atendem aos objetivos aos quais elas se destinam” (MAGALHÃES, 2006, p. 56). Assim, muitas dessas visitas são realizadas por assistentes sociais para verificar o serviço desenvolvido por instituições, não com o objetivo de empreender críticas ou julgamentos ao serviço disponibilizado, mas com o enfoque de analisar se o serviço atende às prerrogativas legais ao público para o qual se destina. Aliás, Magalhães (2006) cita como exemplo a visita à instituição que atende crianças e adolescentes. Quando o técnico faz essa abordagem, precisa observar se o serviço está de acordo, por exemplo, com as prerrogativas que Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza. No caso da identificação de falhas, cabe ao profissional participar aos responsáveis, para que possam ser realizados ajustes. 71 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Dessa forma, a visita domiciliar destina‑se a situações específicas, envolvendo sujeitos e famílias, ao passo que a visita institucional ou de inspeção é orientada para serviços institucionalizados. Para consolidar esse conteúdo, segue o quadro síntese: Quadro 8 – Síntese de conteúdos Visita domiciliar (características) Visita institucional ou visita de inspeção (características) Observa‑se a singularidade, porém vinculada à noção de totalidade Destinada às organizações Não devemos nos valer de juízos de valor Devemos nos respaldar em legislações e orientações específicas sobre os serviços Comporta fases (planejamento, execução e registro) Falhas e deficiências devem ser apresentadas visando à mudança Não é atribuição privativa do assistente social Não é atribuição privativa do assistente social Resumo Foram vistos alguns dos principais instrumentais que são usados pelos assistentes sociais nas mais variadas esferas de atuação. Assim, nesse conteúdo inicial, foram abordados alguns conceitos, como o de diário de campo, o estudo social, o laudo social, o parecer social, os relatórios sociais, além das visitas domiciliar e a de inspeção ou institucional. Em que pese todas as diferenciações de cada um desses instrumentais, observa‑se que, dada a variedade de autores consultados, o que é comum na grande massa de teóricos, é que todos asseveram a necessidade de o assistente social estar vinculado aos parâmetros de atuação que são defendidos pela categoria profissional como um todo. Além disso, domínio da norma culta para a estruturação dos documentos, assim como o desenvolvimento de competências, são basais aos assistentes sociais contemporâneos. Dessa forma, somente quando é oferecido um trabalho de qualidade é que, de fato, o assistente social colabora com a efetivação dos direitos sociais. Conhecer os instrumentais e bem elaborá‑los é, portanto, uma maneira de efetivar direitos sociais dos segmentos mais vulneráveis. 72 Unidade II Exercícios Questão 1. Maria Lucia é assistente social do município de Cidadezinha, onde atua junto à Secretaria de Assistência Social. Em sua intervenção, utiliza alguns instrumentais, como o diário de campo e a entrevista, por exemplo. A profissional usa o registro do diário de campo para a pesquisa e para a entrevista, na qual busca potencializar a autonomia dos entrevistados, mostrando‑se atenta. Analisando a situação, podemos inferir que: I. O diário de campo é um dispositivo de registro que deve ser utilizado especificamente por alunos, estagiários de Serviço Social, com a finalidade de registro e planejamento das ações. Assim, Maria Lucia não pode usar esse dispositivo de registro, pois já é profissional habilitada. II. O diário de campo é um instrumental que pode ser usado pelo assistente social como dispositivo de registro das ações desenvolvidas e também de pesquisa. Portanto, Maria Lucia utilizou o dispositivo corretamente. III. Para realizar uma boa entrevista é necessário que o assistente social não confira autonomia aos atendidos, posto que a maioria deles não tem muita clareza das suas reais necessidades. Portanto, a potencializar a autonomia não é indicada na realização das entrevistas e a postura de Maria Lucia está incorreta. IV. A entrevista é um instrumento de trabalho do assistente social, na qual é necessário que o profissional desenvolva uma postura atenta, e não paternalista. Assim, Maria Lucia desenvolveu uma postura correta. V. A entrevista não é um instrumento eficiente para o assistente social, sendo até recomendado atualmente que esse dispositivo não seja utilizado pelos profissionais. Portanto, a postura de Maria Lucia está incorreta. Podemos concluir que estão corretas as afirmativas: A) II e IV apenas. B) I e IV apenas. C) II e V apenas. D) III e IV apenas. E) IV e V apenas. Resposta correta: alternativa A. 73 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL Análise das afirmativas I) Afirmativa incorreta. Justificativa: em tese, o diário de campo é um dispositivo que pode ser usado pelo aluno em situação de estágio curricular de Serviço Social. No entanto, não é um instrumental específico dos alunos em situação de estágio e pode ser usado também por assistentes sociais ativos. Portanto, essa afirmativa está incorreta. II) Afirmativa correta. Justificativa: em tese, o diário de campo é um instrumento que pode ser usado pelo assistente social já atuante para registrar as ações que desenvolveu. O diário de campo, por congregar uma grande quantidade de dados, por meio do registro realizado, também pode servir de apoio para a realização de pesquisas. Por conseguinte, a presente afirmativa está correta. III) Afirmativa incorreta. Justificativa: em tese, o assistente social deve realizar a entrevista articulando‑a e orientando‑a, porém deve sempre buscar fortalecer a autonomia dos atendidos. Nesse sentido, compete ao assistente social estimular em suas abordagens a autonomia daqueles que atende, e não o oposto. Portanto a afirmativa em questão está incorreta. IV) afirmativa correta. Justificativa: a entrevista é uma das abordagens mais usadas pelo assistente social. Para bem fazer uso dessa metodologia, é importante que o profissional desenvolva uma postura atenta e não paternalista. Nesse sentido, o profissional deve possuir as bases da sua intervenção bem delimitadas para coordenar o processo. Portanto, a afirmativa em questão também está correta. V) Afirmativa incorreta. Justificativa: a entrevista é um dos dispositivos mais utilizados pelos assistentes sociais ao longo dos anos e é utilizada pelos assistentes sociais contemporâneos. Assim, não há recomendações para que o assistente social não utilize mais a entrevista, e, dessa maneira, Maria Lucia deve usar a entrevista como metodologia de ação. A afirmativa em questão está incorreta.Questão 2. A ação do assistente social o coloca em contato com os mais variados instrumentos e técnicas. Dentre esses instrumentos temos os laudos, os pareceres e os relatórios. Cada um desses elementos possui características, especificidades e particularidades que os definem. Sobre esses instrumentais, analise as afirmativas a seguir, atribuindo os valores verdadeiro (V) ou falso (F). I. A visita institucional é uma abordagem desenvolvida pelo assistente social para acompanhar e analisar situações de indivíduos e famílias ( ). 74 Unidade II II. O laudo social é uma atribuição privativa do Assistente Social, portanto, outro profissional não pode elaborar laudo social ( ). III. A visita domiciliar é aquela que o assistente social realiza com o objetivo de verificar se o serviço de uma instituição está sendo executado adequadamente ( ). IV. O parecer social é um apontamento que o profissional pode fazer no fim do relatório ou do laudo social ( ). V. Os relatórios são documentos em que descrevemos atividades desenvolvidas, visitas realizadas e providências adotadas frente aos casos ( ). A sequência correta aos valores atribuídos nas afirmativas supra pode ser expressa na alternativa: A) F, V, F, V, V. B) V, F, V, F, F. C) F, F, F, V, V. D) V, V, V, V, F. E) F, F, V, V, V. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas I) Afirmativa falsa. Justificativa: a visita institucional é aquela que o assistente social realiza quando é necessário analisar o serviço realizado por uma instituição, e não quando realiza intervenções com indivíduos e famílias. II) Afirmativa verdadeira. Justificativa: o laudo social é um documento que só pode ser emitido pelo assistente social, conforme indicado pela lei que regulamenta a profissão do assistente Social. Assim, outro profissional não pode emitir laudo social. III) Afirmativa falsa. Justificativa: a visita domiciliar é um instrumental que o assistente social utiliza para abordagem junto com as famílias e indivíduos. Assim, a visita domiciliar não é o dispositivo que o técnico utiliza para analisar o serviço de instituições. 75 ESTRATÉGIAS EM SERVIÇO SOCIAL IV) Afirmativa verdadeira. Justificativa: o parecer social é um elemento que pode integrar um relatório ou então um lado social. Geralmente, o parecer é alocado ao final do documento e pode consistir em uma manifestação específica acerca da situação que foi apresentada ao técnico. V) Afirmativa verdadeira. Justificativa: os relatórios são instrumentais usados pelos assistentes sociais com a finalidade de registrar as ações que já foram desenvolvidas e também são utilizados como meios para registrar informações acerca das abordagens propostas frente aos casos atendidos.
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