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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Curso: Licenciatura em Filosofia Polo: Araranguá/SC Disciplina: Filosofia do Direito Professor: Delamar José Volpato Dutra Tutor: Rogério Marcelino Aluna: Cleônida Lúcia Pacheco Espíndula ESTUDO DIRIGIDO DIREITO, EM HERBERT LIONEL ADOLPHUS HART PRAIA GRANDE 2019 1)-Cite e explique as três questões recorrentes sobre a natureza do direito [I.2 e I.3]. Resposta. As três questões recorrentes, surgem em função da necessidade de definição do direito. E embora nenhuma formulação ofereça uma resposta satisfatória, Hart, isolou e caracterizou um conjunto de elementos centrais que formam em parte uma resposta à essas questões. A saber, como o Direito difere de ordens baseadas em ameaças e como se relaciona com estas? Como a obrigação jurídica se diferencia da obrigação moral e como está relacionada com esta? E ainda, o que são regras e em que medida o Direito é uma questão de regras? A primeira busca responder em que sentido o direito se diferencia de ordens baseadas em ameaças. Pois há uma grande diferença entre foi obrigado a fazer uma determinada coisa e, tinha a obrigação de fazer uma determinada coisa. Sendo assim, essa característica torna determinadas condutas obrigatórias, não-facultativas. A segunda busca responder em que sentido o direito se diferencia da moral. Há um consenso entre aqueles que concordam que o direito é parte da moral e aqueles que entendem o direito coercitivamente que o direito é constituído por regras. E por haver regras jurídicas e não- jurídicas, a terceira questão recorrente se refere ao conceito de regras e tem por finalidade estabelecer parâmetros que indiquem quais regras são próprias do direito, isto é, quais são as obrigatoriedades humanas que uma vez descumpridas serão juridicamente penalizadas. Nota-se, portanto, que qualquer outra norma não respeitada, embora seja desejável, como não mentir, por exemplo, não serão passiveis de sansões legais. Portanto, é imprescindível saber reconhecer as suas diferenças, uma vez que existem regras muito parecidas tanto em sua natureza, quanto em seu conteúdo. 2. Nos capítulos II, III e IV, Hart apresenta vários aspectos salientes do direito que a teoria coercitiva não explicaria. Apresente pelo menos três desses aspectos, a partir dos mencionados capítulos II, III e IV. Resposta. Segundo Hart, o modelo do direito concebido como ordens coercitivas não foi capaz de reproduzir alguns dos aspectos salientes do sistema jurídico. Tanto nos sistemas simples como nos sistemas complexos, o direito deve ser observado a partir da ideia de regra e não da ideia de ordem coercitiva. A teoria coercitiva não explica que nem toda norma atribui sansão, como por exemplo, as que conferem poderes jurídicos para julgar ou legislar. Neste caso aonde reside as ameaças no fato de um sujeito estudar, prestar um concurso público e se tornar um juiz, por exemplo? A teoria da coerção também não explica a impessoalidade do direito, pois o direito não é algo pessoal, enquanto que a coerção implica alguém impondo algo a outrem. Uma outra questão diz respeito ao cumprimento das leis, pois quem as cria também deve obedecê-las. E não faria sentido uma pessoa criar uma lei e sentir-se ameaçado por ela mesma. 3. Explique o que Hart entende por regra [IV.1, V.1]. Resposta. O direito hartiano é basicamente Regras. Contudo, reconhecemos como direito apenas as normas criadas sob determinadas condições. Neste caso, as regras precisam estar de acordo com alguns critérios. Isto é, diante de um possível desvio de conduta em relação a uma norma estabelecida, o surgimento de uma crítica precisa estar devidamente justificada. Outro elemento, é o da legitimidade jurídica e, por fim, o elemento da internalização e aceitação da norma. Ou seja, ela não é apenas legal do ponto de vista jurídico, mas também é aceitável por parte da sociedade. 4. Como Hart diferencia foi obrigado a e tinha a obrigação de [V.2]? Resposta. Para apontar as diferenças entre os termos foi obrigado a e tinha a obrigação de, o caso do assaltante pode ser um bom exemplo. Parece ser de conhecimento de todos, que na maioria dos casos de assalto, as vítimas para não sofrerem nenhum tipo de dano, inclusive de morte, quando coagidos agem de acordo com o comando que lhes é imposto. Que normalmente se resume na entregue de todos os pertences valiosos. Neste caso fazem coisas que em qualquer outra circunstância não fariam e, de modo algum sofreriam penalidades legais caso não fizessem. Ou seja, as pessoas obedecem porque acreditam que sofrerão o castigo de sua desobediência. Diferentemente, “ter a obrigação de” independe de quaisquer motivações físicas, psicológicas ou medos e ainda que os sujeitos não sejam obrigados por outrem realizarem determinada ações, eles tem a obrigação de realizá-las. Mesmo assim, ter a obrigação de, não garante a realização da ação e nem mesmo uma sansão legal. Todavia, num sistema jurídico, os infratores correm o risco de sofrerem as devidas punições, pois a premissa “tinha a obrigação de” pressupõe a previsibilidade das penalidades em caso de descumprimento. No mais, nota-se que o conceito de obrigação foi reformulado na teria hartiana, por meio dos conceitos de regras primárias e secundárias. Pois são elas que constituem o Direito, que por sua vez estabelece tanto os direitos quanto os deveres. E necessariamente, o meu direito requer a obrigação do outro e na minha obrigação repousa o direito do outro. Portanto, onde há direito, há obrigações. 5. Apresente os três defeitos de um sistema de regras primárias, bem como apresente os três remédios para eles [V.3]. Resposta. Direito, para Hart, é a combinação de regras primárias e secundárias. E as regras secundárias surgiriam exatamente para solucionar os defeitos oriundos de sistemas jurídicos simples com base em apenas regras primárias. Porque, segundo o autor, sistemas simples não funcionam em sociedades complexas. Os defeitos, a saber, incertezas, caráter estático e ineficiência são tratados a partir das regras de segunda ordem. As regras de reconhecimento, que são de segunda ordem, surgem para combater as incertezas das regras primária, pois são elas que especificam e identificam qual regra deve ser obedecida. Para solucionar o caráter estático das normas, típico de sociedades primitivas, emergem as regras de alteração, também de segunda ordem, que introduzem novas regras primárias, bem como, extinguem normas ultrapassadas as quais não cumprem mais suas funções devido a pluralidade de grupos e das necessidades sociais que daí se apresentam. E para combater a ineficácia, surgem as regras de julgamento que estabelecem, no caso da violação de uma determinada regra primária, quem tem o poder para julgar. Em suma, Hart resolve os defeitos introduzindo regras que possibilitem modificar, inovar e revogar a ordem jurídica. 6. Explique o que é a regra de reconhecimento, tendo em vista os conceitos de ponto de vista interno e de validade [VI.1], bem como levando em consideração a incerteza quanto à regra de reconhecimento [VI.4]. Resposta. O sistema jurídico de Hart se apoia em duas espécies de regras jurídicas, a saber, as regras primárias e secundárias. Sendo as regras de segunda ordem, responsáveis por fundamentar e validar o conjunto de regras primárias e secundárias desse sistema. A regra de reconhecimento, juntamente com as regras de alteração e as regras de julgamento representam um sub grupo das regras de segunda ordem e recai sobre a regra de reconhecimento a função de identificar e dizer no que consiste ou qual é o conteúdo de uma determinada regra primária, bem como, determinar qual é a instancia e de quem é a competência para aplicá-la. Se tornando assim, uma regra últimapor se tratar do último fundamento de validade de um determinado ato, sendo, também, a mais complexa. Portanto, ela representa um elemento estrutural no sistema hartiano. Como Hart critica tanto a noção que vê o direito como um sistema coercitivo quanto a concepção que diz que o direito é apenas uma parte da moral, o autor, propôs a junção das regras acima mencionadas tanto para abordar os problemas das teorias citadas, como para justificar a sua própria teoria de direito. Segundo Hart, a teoria coercitiva explicaria apenas as regras primárias, aquelas que são orientadas diretamente à conduta das pessoas, que impõem obrigações e que se vale de elementos externos, sob à perspectiva de um observador externo, que normalmente associa a obrigação com a coerção. Enquanto que as secundárias, que se referem àquelas, são explicadas a partir de elementos internos e seu conteúdo se destina a criar poderes. E é com base no ponto de vista interno que a conduta social se efetiva, porque a ação é uma extensão da própria concepção que se tem das normas estabelecidas. Desse modo é possível explicar a obrigação independentemente da probabilidade da coerção. Embora a moral não necessariamente precisa estar presente no direito, para o autor, quanto mais princípios morais as normas jurídicas trazerem em si, maior será a probabilidade de aceitarmos e internalizarmos essas normas, dando suporte para a estabilidade jurídica. Uma vez que as regras secundárias representam o elemento da autoridade do direito, exige-se das pessoas atitudes internas, no sentido de aceitar e obedecer as normas jurídicas. 7. Explique a textura aberta do direito [VII.1], bem como as variedades de ceticismo sobre as regras [VII.2]. Resposta. Hart fundamenta a existência de uma textura aberta do direito que requer do intérprete a busca da significação sobre determinados termos do direito que não são suficientemente claros e daí decorre os ceticismos. O surgimento de alguns ceticismos em relação as regras se dá a partir de textos jurídicos que permitem uma dúbia leitura. Porque as regras não dizem de suas exceções e nem de suas relações com as demais regras, deixando assim, espaço para múltiplas interpretações. E dessa “abertura” surgem problemas como a discricionariedade por parte daqueles que julgam, uma vez que não terão nenhum tipo de restrição no modo pelo qual interpretam a norma. Portanto, neste caso, as decisões não estão pautadas nas normas em si, mas na vontade de quem as interpretam e posteriormente aplicam. Outro ceticismo surge quando a regra é concebida como sendo algo intuitivo, ou seja, se a regra é intuitiva e cada um que julga tem a sua própria intuição, não é a regra que conduz as decisões, mas a intuição particular de cada juiz. Por fim, segundo Hart, o ceticismo não repousa nem no caráter aberto das regras, nem no sentido intuitivo, mas no fato de haver um tribunal e ter uma decisão definitiva sobre o sentido da regra. Neste caso, o ceticismo surge porque esse tribunal erra em suas interpretações e decisões. 8. Explique as quatro características usadas por Hart para distinguir a moral do direito [VIII2]. Resposta. No sistema jurídico de Hart, o direito independe de princípios morais, embora o autor reconheça que há semelhanças entre ambos e que determinadas regras carreguem em si mesmas princípios morais, o direito não depende desses princípios para operar. E seriam distintos nos seguintes aspectos: 1º) direito se ocupa com regras importantes e “não importantes” para a vida na coletividade. Enquanto que a moral se centra nas questões fundamentais para o convívio social; 2º) O direito pode sofrer alterações a qualquer momento, basta que os legisladores assim o queiram. De modo contrário, a moral, apesar de também sofrer alterações, ela passa por um longo e lento caminho, como também, não depende de uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas para produzir tais alterações; 3º) No direito, a responsabilidade é objetiva, na moral, a responsabilidade recai sobre um ou outro a partir do momento em que há uma escolha deliberada da ação; 4º) O direito faz uso de sanções externas, isto é, é coercitivo. E a moral, faz uso de repreensões morais, ou seja, desenvolve o culpa, a vergonha. Enfim, direito e moral fazem uso de mecanismos diferentes, contudo, o cumprimento de ambos é motivo de elogios. 9. Explique os cinco truísmos que compõem o conteúdo mínimo do direito. Resposta. O direito não dependa de princípios morais para existir, para ser estável, sim. Porque segundo Hart, mesmo que qualquer conteúdo possa vir a se tornar uma regra, terão sustentabilidade apenas aquelas que estiverem relacionadas com os seguintes truísmos: 1º) Vulnerabilidade humana, isto é, a partir da constatação de que todos nós, humanos, somos vulneráveis, é necessário um sistema jurídico que pelo menos do ponto de vista teórico, formule conteúdos contrários ao homicídio, por exemplo. 2º) A situação de igualdade aproximada que existe entre todos nós, conduz o sistema jurídico no sentido de coibir e obrigar determinadas condutas. 3º) Considerando as limitações humanas para fazer o que é correto e de que somos tentados a agir de modo impróprio, um sistema de penalidades s faz necessário. 4º) Uma outra questão importante que o sistema jurídico assegura é o direito à propriedade, pois os recursos são limitados e há então a necessidade da proteção jurídica em relação aos bens materiais. Caso contrário as pessoas não teriam incentivo para trabalhar e ajuntar bens, pois a qualquer momento poderiam perder o resultado de seus esforços. 5º) E finalmente temos o truísmo em torno da compreensão e da força de vontade. Ou seja, precisamos ter tanto a compreensão quanto a força de vontade para agirmos corretamente e, o direito, por meio de seu sistema de penalidades acaba nos conduzindo e nos mostrando o que devemos fazer. Porque as vezes, temos a boa vontade mas não temos a devida compreensão. E outras vezes, sabemos o que é correto a se fazer, mas não temos a boa vontade para realizar a ação. 10. Disserte em uma página sobre a afirmação abaixo do IX.3. O texto expõe práticas que denotam o caráter legítimo, protetor e punitivo do Direito, a face excludente e parcial, bem como a ineficiência e a instrumentalização de um sistema jurídico. É certo que o poder do Estado não sai de suas polícias e exércitos, mas do nosso consentimento ou pelo menos pelo consenso de alguns. Razão pela qual essas instâncias, assim como todas as demais instituições constitutivas do Estado carregam em si autoridade legítima, a racional-legal. E embora algumas leis sejam reprováveis sob o ponto de vista moral, são essas instâncias que legitimam toda e qualquer ação, sejam elas justas ou não. Como foi no caso do nazismo, do apartheid, da segregação racial, da escravidão e muitos outros processos bárbaros da civilização humana, onde havia respaldo jurídico e a supressão das faces mais nobres do Direito, transformando-o em um instrumento político-ideológico extremamente danoso. Nota-se, portanto, que repousa nas estruturas jurídicas e políticas, ambas dotadas de autoridade, as raízes de muitos males que afligem parte da população. Encorajo-me a dizer que o Poder Judiciário representa o pior dos três poderes, no caso do Brasil, por estar alinhado ao modo operante do Patronato Político. Para entender esse processo é necessário retornar aos tempos da colonização e das capitanias hereditárias e compreender as bases da organização política e social, bem como o perfil dos seus agentes, uma vez que a política carrega as marcas daqueles que a exercem. A figura do patriarca, “o pai”, presente na organização social da colônia, o qual exercia simultaneamente a chefia da família, dos escravos e, também administrava a influência econômica e social de toda a região que estava sob seu domínio foi deslocadapara a organização política, onde integrantes dessas mesmas famílias ocuparam cargos burocráticos, inclusive os da justiça. Uma vez cooptado o poder político, as poucas famílias que detinham o poder econômico e social (simbólico) das capitanias deram vida ao que é chamado de “Patronato Político”, nada mais do que o patrimonialismo oligárquico, isto é, o poder político nas mãos de poucas famílias, cuja característica principal é a indistinção entre a esfera pública e privada. Ou seja, aquilo que é público é utilizado de forma privada. Esse processo se agrava pelo fato que esse “amontoado de poder” passa de pai para filho, fortalecendo-os cada vez mais mantendo-os em situação privilegiada. Como consequência da espoliação vergonhosa sofrida pelo Estado brasileiro, presenciamos a reprodução de uma sociedade polarizada e estruturada entre carências e privilégios extremos, bem como os males que surgem dessa barbárie, como por exemplo os milhares de “desleais” do sistema. Aqueles, sem nenhuma perspectiva que se encontram completamente desamparados, vulneráveis em todos os aspectos, embora haja um ordenamento jurídico e uma constituição que obriga o Estado, entre tantas outras coisas, erradicar a miséria e proporcionar meios para que todos vivam de acordo com o princípio da dignidade humana. Dessas circunstâncias, surgem os que não veem sentido respeitar as normas estabelecidas e por não terem muita coisa à perder, exceto uma pretensa liberdade, praticam qualquer ato. Sabemos que a corrupção no Brasil é gigante, sistêmica e geral. Também é notável a participação dos membros do legislativo e do executivo nessa horrenda prática. Porém, é correto acreditar que os ocupantes desses poderes não permaneceriam saqueando os cofres públicos, caso o judiciário cumprisse sua função, isto é, aplicar as normas jurídicas penalizando os infratores de acordo com os danos causados, de modo imparcial e impessoal. Lamentavelmente, o clientelismo político acontece em todas as instituições. Não à toa, presenciamos vendas de sentenças, bem como a aplicação da “justiça”, quase sempre, em torno dos irrecuperáveis, isto é, dos pobres e dos negros. Ou se preferir, do subproduto das instituições brasileiras. Enquanto os colarinhos brancos permanecem sob a intocabilidade jurídica que muitas vezes decorre do uso da discricionariedade por indivíduos/juízes adeptos ao clientelismo. Creio que a realidade brasileira, por meio de todos os seus processos políticos, sociais, econômicos e culturais serve de exemplo para cada uma das faces do direito.