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Nefroesclerose hipertensiva 1 Nefroesclerose hipertensiva Tags Nefroesclerose Hipertensiva é o termo aplicado à lesão decorrente do efeito da hipertensão arterial sistêmica sobre os rins, afetando particularmente pequenas artérias (arqueadas, interlobulares), as arteríolas aferentes e os glomérulos. Dois tipos de nefroesclerose são descritos: 1) Nefroesclerose hipertensiva bengina 2)Nefroesclerose hipertensiva maligna A nefroesclerose hipertensiva é uma importante causa de “rins em fase terminal”. Na população negra, é a causa mais comum de doença renal terminal, responsável por 35-40% dos casos. (a raça negra é o principal fator de risco para nefroesclerose hipertensiva, sendo o risco oito vezes maior em comparação a pacientes brancos com os mesmos níveis tensionais). No Brasil as estatísticas são um pouco diferentes, sendo a nefroesclerose hipertensiva a PRIMEIRA causa de “rins terminais” na população geral (a nefropatia diabética fica em segundo lugar em nosso meio)! Patologia e patogênese O marco histopatológico da nefropatia hipertensiva é o acometimento das pequenas artérias interlobulares e das arteríolas aferentes (arterioloesclerose), que são as principais estruturas renais a sofrer com o aumento da pressão hidrostática intraluminal. A redução do lúmen desses vasos provoca graus variados de isquemia glomerular e tubulointersticial OBS: a lesão glomerular da nefroesclerose NÃO é o evento inicial, mas sim secundário ao acometimento arteriolar 1. NEFROESCLEROSE BENIGNA O aumento da pressão arterial em longo prazo lesa diretamente as artérias e arteríolas renais. A lesão endotelial é um dos principais fatores implicados neste processo. Dois tipos de resposta vascular são observados: Nefroesclerose hipertensiva 2 (1) Hipertrofia da camada média e espessamento da íntima das pequenas artérias renais (arqueadas e interlobulares) – uma resposta inicialmente adaptativa, ao “poupar” os glomérulos do aumento pressórico. Quando exagerada, a redução do lúmen das pequenas artérias renais contribui para o processo de isquemia glomerular. (2) Arteriolosclerose hialina (FIGURA 1): deposição de material hialino (derivado de proteínas plasmáticas e lipídios) na parede das arteríolas aferentes, com redução progressiva do lúmen e isquemia glomerular satélite. A isquemia glomerular leva à glomeruloesclerose focal global (focal: alguns glomérulos; global: o glomérulo inteiro) que, por sua vez, provoca a perda do néfron. A esclerose glomerular global pode ser subdividida em dois tipos histológicos: solidificado (no qual todo o tufo é homogeneamente envolvido) e obsolescente (no qual o tufo capilar é retraído e o restante da cápsula de Bowman é preenchido por um material colágeno-símile). O tipo solidificado é mais comum na raça negra. Como inicialmente apenas alguns glomérulos são acometidos pela esclerose global, os remanescentes começam a hiperfiltrar, o que provoca uma nova lesão: a glomeruloesclerose segmentar. Os glomérulos com esclerose segmentar encontram-se hipertrofiados pelo hiperfluxo, enquanto aqueles com esclerose global estão atrofiados. A Glomeruloesclerose Focal e Segmentar (GEFS), na Nefroesclerose hipertensiva 3 verdade, é uma lesão secundária ao processo de nefroesclerose hipertensiva, mas não deixa de contribuir significativamente para a progressão da proteinúria e da insuficiência renal nesses pacientes. A lesão tubulointersticial contém dois componentes: o inflamatório (nefrite intersticial crônica) e o atrófico (atrofia tubular). A isquemia tubular pode alterar antígenos presentes nas células epiteliais, provocando uma espécie de injúria “autoimune”. 2. NEFROESCLEROSE MALIGNA O paciente que tem este tipo de lesão renal, na verdade, apresenta uma síndrome multissistêmica, denominada “Hipertensão Maligna”, ou “hipertensão acelerada maligna”. Esta síndrome é definida pelo aumento abrupto dos níveis tensionais, atingindo valores > 120-130 mmHg para a PA diastólica e > 200-220 mmHg para a PA sistólica, e provocando graves lesões de órgãos-alvo, particularmente retinopatia hipertensiva grau III (hemorragias em “chama de vela” e exsudatos moles esparsos) ou grau IV (papiledema). O edema agudo de pulmão hipertensivo, a encefalopatia hipertensiva e a nefroesclerose maligna são apenas componentes da síndrome (que podem ou não estar presentes). Na macroscopia, podemos encontrar rins de tamanho aumentado e múltiplas petéquias corticais (“rins com picada de pulga”), decorrentes da rotura de pequenos vasos. Dois tipos de lesão surgem na parede das arteríolas aferentes e artérias interlobulares: (1) Necrose fibrinoide – depósito de material eosinofílico composto por fibrina, muitas vezes contendo infiltrado inflamatório (leucócitos), surgindo a nomenclatura arteriolite necrosante. (2) Arterioloesclerose hiperplásica (FIGURA 2) – espessamento da média devido à proliferação concêntrica de células musculares lisas entremeadas a um depósito laminar de colágeno (lesão em “bulbo de cebola”). Nefroesclerose hipertensiva 4 A insuficiência renal rapidamente progressiva se instala pela acentuada isquemia glomerular difusa, provocando síndrome urêmica grave e necessidade de diálise. Os glomérulos apresentam necrose isquêmica, trombose intracapilar e infiltração neutrofílica (glomerulonefrite necrosante). Esta glomerulite explica a hematúria (que inclusive pode ser macroscópica), a proteinúria significativa (por vezes na faixa nefrótica) e o eventual aparecimento de cilindros hemáticos e leucocitários. A trombose capilar contribui para a degradação mecânica de hemácias, o que leva a uma anemia microangiopática, com presença de esquizócitos (fragmentos de hemácia) na periferia. A isquemia glomerular estimula a liberação de renina, fazendo aumentar a angiotensina II e, consequentemente, a aldosterona. Este fenômeno contribui para o aumento progressivo da pressão arterial nesses pacientes (um ciclo vicioso). A hipocalemia é descrita em conjunto com uma alcalose metabólica, explicada pela elevação dos níveis de aldosterona (hiperaldosteronismo). Contudo, em estágios mais avançados, a acidose metabólica da própria síndrome urêmica acaba obscurecendo os efeitos do hiperaldosteronismo, e o indivíduo desenvolve acidose hipercalêmica. Nefroesclerose hipertensiva 5 Não tratada, a nefroesclerose maligna culmina em semanas ou meses no “estado de rins terminais”, uma condição irreversível de falência renal. Manifestações clínicas 1) NEFROESCLEROSE BENIGNA O diagnóstico clínico da nefroesclerose benigna deve ser feito em um hipertenso de longa data, com elevação da creatinina sérica que apresenta alguns dos critérios a seguir: Os principais diagnósticos diferenciais a serem excluídos são as doenças renais primárias (ex: glomerulopatias), a nefropatia isquêmica por estenose bilateral de artéria renal e uma forma mais branda do ateroembolismo por colesterol. No primeiro caso, deve-se atentar para o nível de proteinúria em 24h. Se > 1,5 g, uma nefropatia primária deve ser afastada por biópsia renal. A nefroesclerose benigna frequentemente cursa com proteinúria de pequena monta, porém, pode evoluir com proteinúria elevada (> 1,5 g/24h) em 40% dos casos, com 20% na faixa nefrótica (> 3,5 g/24h). Outra alteração possível na sedimentoscopia é a hematúria microscópica. A nefropatia isquêmica deve ser investigada nos pacientes com risco alto ou intermediário para estenose de artéria renal, principalmente em idosos de raça branca que apresentam piora súbita da hipertensão e da função renal. Neste caso, a revascularização renal pode levar à melhora da função renal ou pelo menos a uma estabilização do quadro. 2) NEFROESCLEROSE MALIGNA Nefroesclerose hipertensiva 6 O paciente (geralmente negro, ou branco com hipertensão secundária) cursa com hipertensão muito grave (PA diastólica > 120 mmHg) e progressiva, associada a insuficiência renal, proteinúria acentuada (> 4 g/24h em 30% dos casos), hematúria micro ou macroscópicae lesões retinianas compatíveis com hipertensão acelerada- maligna (grau III ou IV). O sedimento urinário pode revelar também sinais de lesão glomerular, como a presença de cilindros hemáticos, piocitários e granulosos. Encefalopatia hipertensiva pode estar presente, assim como anemia hemolítica microangiopática. Na ausência de outra nefropatia que explique este quadro, o diagnóstico de nefroesclerose maligna se impõe. O diagnóstico diferencial deve ser feito com a crise renal da esclerodermia, ateroembolismo por colesterol, estenose bilateral de artéria renal, GNDA e Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU). Tratamento 1) NEFROESCLEROSE BENIGNA O tratamento se baseia no controle pressórico com medicações anti-hipertensivas, o tratamento anti-hipertensivo reduz o declínio da taxa de filtração glomerular. IECA quanto os BRA (Bloqueadores do Receptor AT1 de Angiotensina II) promovem o que se chama de “nefroproteção” em portadores de qualquer forma de insuficiência renal crônica proteinúrica (independente da etiologia): ao induzirem vasodilatação preferencial da arteríola eferente, diminuem a pressão intraglomerular e a proteinúria, desse modo prevenindo ou atrasando a evolução para rins em estado terminal! Logo, IECA ou BRA são as drogas de primeira escolha no tratamento da nefropatia hipertensiva proteinúrica. Em pacientes que não apresentam proteinúria, qualquer anti-hipertensivo comprovadamente eficaz em reduzir a morbimortalidade cardiovascular relacionada à hipertensão pode ser usado, sendo a preferência geral pelos diuréticos tiazídicos (pois são baratos, seguros e eficazes). OBS: lembrar que a combinação IECA + BRA NUNCA deve ser feita. Meta pressórica no tto da nefroesclerose benigna: PA < 140 x 90 mmHg. Alguns guidelines antigos como KDIGO recomendam que se o portador de nefropatia apresentar proteinúria superior a 500-1.000 mg/dia, a PA seja mantida abaixo de 130 x 80 mmHg. 2)NEFROESCLEROSE MALIGNA Nefroesclerose hipertensiva 7 Considerada uma “emergência hipertensiva”, seu tratamento se baseia no rápido controle da pressão arterial com drogas parenterais. O controle criterioso e precoce da PA pode “salvar” o rim do paciente, impedindo a evolução para rins terminais. Existem algumas regras a serem seguidas: (1) a pressão arterial diastólica deve ser reduzida em, no máximo, 25% nas primeiras 2-6 h, tendo como alvo inicial uma pressão diastólica entre 100-105 mmHg; (2) em seguida, a pressão deve ser reduzida ao alvo em 2-3 meses. Uma queda abrupta > 25% do valor inicial, ou para valores < 100 mmHg de diastólica, pode provocar isquemia cerebral, miocárdica e/ou renal! O motivo é que nas “emergências hipertensivas” a autorregulação do fluxo sanguíneo nestes territórios encontra-se prejudicada, não ocorrendo vasodilatação compensatória para manter o fluxo quando de uma queda exagerada da PA. Durante o tratamento inicial da nefroesclerose hipertensiva maligna, mesmo respeitando-se a queda progressiva da PA, pode haver uma discreta piora da função renal. O motivo é a piora transitória da isquemia glomerular, pois as arteríolas aferentes ainda se encontram obstruídas, necessitando de altos níveis pressóricos para manter a perfusão dos glomérulos. A conduta, nesse momento, é manter o tratamento anti- hipertensivo... Após alguns dias, a função renal começará efetivamente a melhorar, já que a lesão arteriolar (necrose fibrinoide) vai desaparecendo paulatinamente. Muitos pacientes que precisaram de diálise podem não mais depender deste procedimento, pela recuperação de seus rins. Um estudo feito com 54 pacientes em diálise por nefroesclerose maligna mostrou que cerca de 20% não necessitava mais do método após o rígido controle pressórico. Quais são os anti-hipertensivos recomendados no tratamento da nefroesclerose maligna? A fase inicial (primeiras 2-6h) necessita de drogas parenterais, como o nitroprussiato de sódio ou outros (nicardipina, labetalol, hidralazina); a segunda fase do tratamento exige o início de medicamentos orais regulares, permitindo o “desmame” das drogas parenterais. Os IECA devem ser dados com cuidado, pela possibilidade de estenose bilateral de artéria renal (importante diagnóstico diferencial).
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