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Cap1_Menck_Histórico e experimentos

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Este capítulo oferece um relato histórico das grandes descobertas científicas que se iniciaram no século 19 com os
experimentos com ervilhas de Mendel, e que tiveram avanços fantásticos no século 20. A construção do
conhecimento que resultou na identificação do ácido desoxirribonucleico (DNA) como material genético e na
proposição da sua estrutura de dupla-hélice é a base para a atual explicação do processo de herança genética. A
determinação do modo como o fluxo gênico ocorre na célula e a capacidade de manipulação genética têm tido
grandes impactos na ciência moderna, o que, por si só, explica o grande número de descobertas, que foram
reconhecidas com vários prêmios Nobel.
Genética e sociedade
O papel da herança genética sempre despertou fascínio no ser humano, e as descobertas relacionadas com os genes e
genomas de organismos sempre tiveram grande impacto na sociedade em geral. A herança genética e o papel dos
genes não explicam somente a determinação das características dos indivíduos, mas também questões abstratas,
como a origem da vida e o parentesco entre macacos e seres humanos. A capacidade de manipulação genética
realizada nas últimas décadas possibilitaram desenvolvimentos tecnológicos fantásticos que nos influenciam
diretamente, em particular na alimentação e na saúde. Alguns desses avanços são considerados polêmicos, como o
desenvolvimento de organismos transgênicos, a clonagem de animais e de seres humanos, as células-tronco de
embriões, o que amplia ainda mais as discussões que permeiam a sociedade. Entretanto, é evidente para a sociedade
em geral que os benefícios proporcionados por essas descobertas e pelos avanços tecnológicos são mais amplos que
as polêmicas levantadas. Diferentes nomes têm sido utilizados para identificar a ciência que estuda o gene:
tecnologia do DNA recombinante, genética molecular, biologia molecular, biotecnologia, genômica etc. Essas
diferentes denominações de certo modo mostram o alcance multidisciplinar dessa ciência, que apesar de mostrar
enorme potencial aplicado, é fruto de esforços acadêmicos com pesquisas científicas com objetivos, em geral,
apenas básicos. Grande parte das descobertas relatadas neste livro foi possível pela simples curiosidade do ser
humano em compreender o mundo que o cerca, e, particularmente, o fenômeno da vida. Mesmo que aparentemente
recentes, estas constituem, de fato, a evolução passo a passo do conhecimento produzido nos últimos 150 anos.
Para citar apenas um dos ramos em que a genética afeta de modo vital a sociedade, podemos afirmar que os
avanços nessa ciência estão nos aproximando de mais uma revolução na área da saúde. O desenvolvimento da
Medicina nos últimos séculos resultou no aumento da expectativa de vida e na redução da perda de vidas humanas
em escala sem precedentes na História. A expectativa atual é que a capacidade de interferir no genoma celular possa
se tornar realidade em processos de terapia na Medicina. Sem dúvida, o simples avanço nas fronteiras do
conhecimento da fisiologia celular tem resultado em soluções para a melhoria da saúde em termos gerais.
Entretanto, novas e promissoras abordagens de terapias gênica e celular surgem para ampliar o espectro de
ferramentas que possam ter grandes implicações na saú de humana.
Neste capítulo serão descritos os principais fatos históricos da ciência que possibilitaram a evolução do
conhecimento de como os organismos transmitem suas características hereditárias e as bases que definiram o
conceito do gene e do genoma.
A herança segundo Mendel e a descoberta do ácido nucleico por Miescher
Duas descobertas fundamentais e concomitantes ocorreram no fim do século 19 em locais muito próximos: a menos
de 1.000 km de distância. Os pesquisadores responsáveis por esses trabalhos não tinham nenhum contato, e
certamente não havia condições de saber que realizavam trabalhos muito relacionados e que formaram a base do que
conhecemos hoje como genética. Em 1864, o monge austríaco Gregor Mendel identificou que a herança de
caracteres de ervilhas seguiam padrões bastante definidos, ao que chamou de “fatores”, e também definiu alelos.
Mendel trabalhou principalmente na horta da Abadia de São Tomé, em Brno, na atual República Checa. Com seus
resultados, determinou as leis da hereditariedade (Figura 1.1) que, porém, foram ignoradas até início do século 20,
depois de sua morte, quando seu trabalho foi redescoberto e os fatores batizados “genes”. Próximo dali, na Basileia,
Suíça, em 1869, o bioquímico suíço Johann Friedrich Miescher interessava-se em estudar o núcleo de células com o
emprego inicialmente de linfócitos e, posteriormente, de esperma de salmão (no qual 90% da célula é constituído
pelo núcleo). Nesses núcleos ele encontrou uma substância branca, ácida, rica em fósforo, que chamou de
“nucleína” (Figura 1.2). Vinte anos depois (1889), seu aluno Richard Altmann denominou essa substância de ácido
nucleico, que constitui as moléculas de DNA e RNA.
Figura 1.1 A. Principais caracteres estudados em cruzamentos de ervilhas por Mendel. B. Exemplo de um padrão de
herança observado por ele.
Moscas ajudam a revelar o padrão de herança
Logo após a redescoberta dos trabalhos de Mendel, o zoólogo americano Thomas Hunt Morgan se interessou em
demonstrar que os padrões de herança também ocorrem em animais. Como modelo de estudo, trabalhou com as
pequenas moscas de fruta, conhecidas como drosófilas. Em 1910, Morgan encontrou um mutante em suas
drosófilas, com os olhos brancos, considerando que as moscas selvagens têm olhos vermelhos. Por meio de
cruzamentos, pôde determinar que se tratava de um alelo recessivo, mas que era encontrado apenas em machos, ou
seja, era um traço de herança ligado ao sexo. Isso fez com que propusesse que o gene responsável pelos olhos
brancos (que ele denominou gene white) encontrava-se em um dos cromossomos sexuais (cromossomos X e Y) da
drosófila (Figura 1.3). Vários outros mutantes espontâneos foram encontrados por Morgan e seus alunos, e o estudo
da herança dessas mutações fez com que seu grupo identificasse processos de recombinação cromossômica e
mapeasse os genes nos cromossomos das drosófilas. Esse trabalho que demonstrou que os cromossomos são
portadores dos genes levou Morgan a receber o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1933.
Figura 1.2 Miescher isolou o material nuclear a partir de células de timo (linfócitos T) e, posteriormente, de esperma
de salmão. À substância branca, ácida, rica em fosfato, obtida do núcleo dessas células, deu o nome de nucleína.
O impacto do trabalho de Morgan foi enorme, e vários de seus alunos realizaram pesquisas científicas de
destaque, que, posteriormente, também receberam o Prêmio Nobel. Um desses alunos foi o americano Hermann
Joseph Muller, que estudou o efeito de raios X na indução de mutações em drosófila. Em 1926, Muller conseguiu
demonstrar que havia correlação entre as doses de radiação e a indução de mutações nessas moscas, o que o levou a
manifestar sua preocupação sobre os perigos desses raios para o ser humano. Afinal, o que ocorre em moscas pode
servir de exemplo para seres humanos! Pelo trabalho de provar que raios X podem induzir mutações genéticas,
Muller recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1946.
Genes de bactérias e bacteriófagos são compostos por DNA
No início do século 20, os cromossomos foram definidos como portadores dos fatores de herança, os chamados
genes, e iniciou-se uma busca para se identificar quimicamente o gene. Em 1929, a composição química dos ácidos
nucleicos foi identificada como constituída por nucleotídeos, com fosfato, ribose e bases nitrogenadas, pelo
americano Phoebus Aaron Levene. Esse pesquisador chegou a propor a estrutura definida de tetranucleotídeos para
o DNA considerando as quatro bases que compõem essa molécula (Figura 1.4). No entanto, essa estrutura parecia
muito regular e simples e, por isso, incapaz de codificar algo tão complexo como o que deveria ser o gene. Além
disso, as tecnologias da época para purificação do DNA eram relativamentebruscas, de modo que essa molécula
parecia ser muito pequena, o que também não correspondia ao que se esperava dos genes. As proteínas, ao
contrário, eram sabidamente moléculas grandes e suficientemente complexas (compostas de 20 aminoácidos
diferentes) e, portanto, as principais candidatas a guardar a informação genética. Em 1928, o médico e
microbiologista inglês Frederick Griffith começou a virar essa página ao estudar a atividade patogênica de duas
linhagens (uma lisa, virulenta; e outra rugosa, não virulenta) de uma mesma bactéria causadora de pneumonia: a
Streptococcus pneumoniae. Na busca de uma vacina para essa doença, seu trabalho consistia em testar a capacidade
de essas linhagens causarem doenças em camundongos (Figura 1.5). Ele observou que bactérias lisas com uma
cápsula polissacarídea não causariam a doença se fossem previamente fervidas (porque isso ocasionava a lise das
bactérias ao criar um extrato bacteriano). Contudo, quando esse extrato era misturado com bactérias rugosas, que
normalmente não causavam a doença, originava bactérias virulentas, ou seja, que causavam a doença, resultando na
morte dos camundongos. Uma observação interessante é que bactérias lisas eram recuperadas dos camundongos
mortos, o que indicava que as bactérias rugosas eram transformadas em bactérias lisas. Por esse motivo, Griffith
interpretou seus dados como resultado da incorporação de um “princípio transformante”, de um modo
desconhecido, para as bactérias inicialmente não virulentas. De fato, estudos posteriores revelaram que a virulência
resulta da síntese da cápsula de polissacarídeos que protegem as bactérias do sistema imunológico do camundongo.
Sem essa cápsula, as bactérias não causam a doença, como na linhagem não virulenta.
Figura 1.3 Ao encontrar moscas com olhos brancos (e, mais tarde, outros mutantes) em sua população de moscas
drosófila, Morgan identificou o padrão de herança desse caráter, que, no entanto, estaria ligada aos cromossomos
sexuais (A). Os oito cromossomos de drosófila estão demonstrados em XX e XY representam os cromossomos
sexuais (B).
A substância responsável pelo “princípio transformante” ficou desconhecida por mais de uma década, porém
havia expectativa (que se mostrou correta posteriormente) de que essa substância fosse o material genético em si, o
que, se acreditava na época, deveria ser composto de proteína.
O biólogo Oswald T. Avery (nascido no Canadá, porém com parte da sua trajetória científica vivida nos EUA) se
interessou por esse princípio transformante e o mistério da herança. Após mais de uma década de trabalho, ele e
seus colegas Colin M. MacLeod e MacLyn McCarthy conseguiram purificar, com base no extrato de bactérias lisas
(virulentas), um material que mantinha a capacidade transformante. Para obter essa fração, eles conseguiram
hidrolisar a cápsula de polissacarídeos com uma enzima e, por meio de um fracionamento com clorofórmio e
posterior precipitação com álcool, obtiveram uma substância branca fibrosa que mantinha o princípio transformante.
Essa substância era resistente a proteases ou a ribonucleases, enzimas que clivam proteínas e moléculas de RNA.
Por outro lado, a substância e a atividade transformante eram destruídas pela enzima desoxirribonucleotidase
(DNAse), que degrada especificamente a molécula de DNA. Esse resultado foi publicado em 1944 e surpreendeu a
comunidade científica da época, porém foi seguido de ceticismo do verdadeiro impacto desse trabalho em termos de
genética. Havia ainda a ideia de que proteínas deveriam constituir os genes, ao passo que o DNA (apenas um
“tetranucleotídeo”) deveria ter função apenas estrutural nos cromossomos. Vários pesquisadores ainda cogitavam
que a preparação purificada por Avery e seus colegas teria proteínas contaminantes. Outros pesquisadores, como
Joshua Ledeberg e Edward Tatum (que demonstraram o processo de conjugação entre bactérias em 1946),
valorizaram o experimento de Avery e seus colegas ao provarem que o princípio transformante como início da
genética molecular é o DNA. Avery foi também negligenciado pela Fundação Nobel, apesar de ter sido indicado
algumas vezes para receber o Prêmio Nobel, sem sucesso.
Figura 1.4 Estrutura proposta por Levene para o tetranucleotídeo, que seria o principal componente do DNA. Ele
havia desvendado a estrutura da ribose, desoxirribose e da ligação fosfodiéster, que são os componentes do que
Levene chamou de nucleotídeo. A simplificação de tetranucleotídeos repetida na molécula de DNA, no entanto,
estava errada, mas ajudou na compreensão da estrutura do DNA.
Figura 1.5 De cepas virulentas e não virulentas de Streptococcus pneumoniae, Griffith identificou que existiria um
princípio transformante que promoveria mudanças nas características herdadas das bactérias. Em 1944, Avery et al.
identificaram essa substância como o DNA.
Em 1952, os americanos Alfred D. Hershey e Martha C. Chase estudaram vírus que infectam bactérias
(bacteriófagos T2) muito simples, contendo somente proteínas e DNA como componentes, porém capazes de se
reproduzir e lisar as bactérias infectadas. Com experimentos elegantes, Hershey e Chase demonstraram que apenas a
molécula de DNA viral era necessária e suficiente para a reprodução dos bacteriófagos ao produzir novas partículas
virais (Figura 1.6). O capsídeo proteico era totalmente dispensável para o processo de reprodução e, portanto, de
herança viral. Na época desse trabalho, a restrição da comunidade científica a aceitar que o DNA era, de fato, o
material genético já era um desafio menor e, como reconhecimento desse trabalho, Hershey recebeu o Prêmio Nobel
de Fisiologia e Medicina em 1969.
A molécula do DNA é uma dupla-hélice
Os trabalhos descritos anteriormente chamaram a atenção para a molécula de DNA e despertaram o interesse em se
desvendar como era sua estrutura tridimensional, além de como o DNA seria replicado e processado para garantir o
fluxo de informação genética entre gerações. No final da década de 1940, já se sabia que o DNA era constituído por
uma sequência de unidades chamadas de desoxirribonucleotídeos, ou seja, nucleotídeos formados por um grupo
fosfato ligado a um açúcar desoxirribose, que por sua vez se liga a uma base nitrogenada de dois anéis (purinas:
adenina e guanina) ou de apenas um anel (pirimidinas: timina e citosina). Sabia-se também que a molécula de RNA
era similar à do DNA, porém diferia no açúcar (ribose e não desoxirribose), por conter uracila e não timina. No
entanto, a informação de como essas unidades estavam dispostas na molécula à do DNA ainda era desconhecida.
Em 1949, o bioquímico austríaco naturalizado americano Erwin Chargaff analisou a composição dos quatro
nucleotídeos em amostras de DNA provenientes de várias espécies. Apesar das composições diferentes em cada
espécie, Chargaff verificou que a quantidade de adenina sempre era igual à de timina (A = T), ao passo que a
quantidade de guaninas era igual à de citosinas (G = C), o que ficou conhecido como regra de Chargaff (Figura 1.8).
Além disso, o químico britânico Alexander Todd (1952), em Cambridge, demonstrou que os nucleotídeos formam
no DNA uma cadeia (polinucleotídeo) por meio de ligações regulares fosfodiéster (3’-5’) entre duas desoxirriboses.
Por esse trabalho, Todd recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1957. Essas duas informações foram fundamentais
para auxiliar na compreensão da estrutura tridimensional do DNA.
Figura 1.6 Ao trabalharem com bacteríofagos T2 marcados radioativamente com S35 (marcando proteínas) ou P32
(marcando DNA), Hershey e Chase demonstraram que apenas o DNA era herdado na progênie do fago.
Curiosamente, não muito tempo após os trabalhos de Avery et al., em 1944, e de Hershey e Chase, em 1956, dois grupos independentes – do
bioquímico alemão erradicado nos EUA, Heinz L. Fraenkel-Conrat, e dos alemães Alfred Gierer e Gerhard Schramm – demonstraram que o vírus do
mosaico do tabaco (TMV, do inglês tobacco mosaic virus), constituído apenas de RNA e seu capsídeo proteico, tinha o RNA, e não o DNA, como
materialresponsável pela informação genética (Figura 1.7). Assim, os pesquisadores identi caram que moléculas de RNA do vírus eram capazes de
infectar plantas. Com essa descoberta, muitos outros vírus foram descritos como tendo o RNA como material genético, e, entre estes, vários
patógenos importantes ao ser humano, como o vírus da gripe (in uenza), da poliomielite e da raiva. A replicação desses genomas virais na maioria
das vezes envolve a formação de um intermediário do RNA dupla ta por enzimas que sintetizam RNA com base em moldes de RNA, também
conhecidas como RNA replicases. Estas não existem nas células, assim como não se conhecem células nas quais o RNA seja o portador da
informação genética. Entretanto, há hipóteses que propõem que, na origem da vida na Terra, o RNA predominava na propagação da informação
genética (o que cou conhecido como “mundo de RNA”), e que vírus com genoma do RNA seriam remanescentes dessa época; por essa razão, estes
são chamados às vezes de fósseis moleculares.
Figura 1.7 Em 1955, Fraenkel-Conrat demonstrou que o TMV continha RNA como material genético. A. Folha de tabaco infectada com TMV. B.
Estrutura de TMV indicando o RNA.
Figura 1.8 Chargaff observou que a quantidade relativa das quatro bases adenina (A), guanina (G), citosina (C) e
timina (T) eram diferentes de espécie para espécie, mas que a quantidade de A sempre era equivalente a de T, e a
de G sempre equivalente a de C. Esse dado foi fundamental para a proposta do modelo de dupla-hélice.
No início da década de 1950, o neozelandês Maurice H.F. Wilkins e a inglesa Rosalind E. Franklin, da King’s
College, em Londres, iniciaram seus estudos com difração de raios X na tentativa de desvendar a estrutura do DNA.
Com essa tecnologia, conseguiram obter boas fotografias de cristais da molécula de DNA. Perto de Londres, em
Cambridge, dois jovens pesquisadores, o inglês Francis Crick e o norte-americano James D. Watson, tiveram acesso
a essas fotografias e concluíram que a molécula de DNA é helicoidal, uma ideia que já havia sido proposta em 1951
pelo norte-americano Linus C. Pauling. Pauling utilizava em seus estudos modelos estruturais, o que facilitava a
visualização da estrutura da molécula, mas concluiu que o DNA teria três cadeias entremeadas entre si, com as
bases nitrogenadas externas à molécula e os grupos fosfatos no interior da tripla hélice. Watson e Crick também
decidiram analisar a estrutura do DNA empregando modelos estruturais, mas perceberam rapidamente que o modelo
de tripla hélice não explicava os dados de Chargaff, que indicava a formação de pares. Além disso, eles dispunham
dos dados de cristalografia de raios X do DNA do grupo de Wilkins e Rosalind, o que facilitou a conclusão de que
as duas cadeias polinucleotídeas antiparalelas, interagindo como hélice, seriam mais prováveis. Essa configuração
também favorecia a explicação, de modo elegante, da regra de Chargaff, já que prevê o emparelhamento de guanina
com citosina, e adenina com timina, com interações de pontes de hidrogênio formadas entre pares de bases (Figura
1.9).
A estrutura da molécula de DNA proposta fez com que Watson e Crick sugerissem também que o mecanismo de
duplicação da molécula seria provavelmente de modo semiconservativo (Figura 1.10) e que a transcrição da
molécula de RNA poderia ser obtida por simples complementaridade de uma das fitas do DNA. Todas essas
hipóteses foram confirmadas na década seguinte. A contribuição de Watson e Crick teve grande repercussão na
comunidade científica e foi um dos passos importantes para que fosse possível compreender como a informação
genética é mantida ao longo das gerações. Em 1962, Watson, Crick e Wilkins receberam o Prêmio Nobel de
Fisiologia e Medicina. É importante citar que Rosalind E. Franklin, que também teve grande importância nessa
descoberta, faleceu em 1958, aos 37 anos, em razão de um câncer de ovário (provavelmente devido à exposição
excessiva à radiação), e esse foi o motivo alegado para o fato de ela não ter sido incluída na premiação.
Figura 1.9 Com os dados estruturais de nucleotídeos e polinucleotídeos da relação encontrada por Chargaff e,
principalmente, da foto de cristalografia de raios X (conhecida como Figura 51), obtida por Franklin e Wilkins (A),
Watson e Crick desvendaram a estrutura da dupla-hélice do DNA (B).
Figura 1.10 A estrutura de dupla-hélice do DNA levou Watson e Crick a propor que a replicação do DNA ocorreria de
modo semiconservativo.
Polimerases replicam o DNA e transcrevem o RNA
A complementaridade de bases encontrada na dupla-hélice foi percebida por Watson e Crick como a base para o
processo de replicação e, portanto, perpetuação da informação genética contida na molécula de DNA. Isso foi
confirmado apenas 3 anos (1956) após a publicação do trabalho de Watson e Crick, por experimentos in vitro com
extratos bacterianos, pelo bioquímico norte-americano Arthur Kornberg. A purificação da enzima responsável por
essa reação resultou na identificação do DNA polimerase I, que realiza a síntese de uma cadeia nova do DNA,
necessitando, como substratos, de uma cadeia molde e dos precursores, os desoxirribonucleotídeos dATP, dTTP,
dGTP e dCTP (ou conjuntamente chamados de dNTP). Além disso, Kornberg identificou que a síntese dessa cadeia
do DNA só ocorre com um iniciador (primer), pela incorporação de um precursor (dNTP) na extremidade 3’-OH da
desoxirribose anterior (Figura 1.11). Esses dados também revelaram que a síntese do DNA sempre ocorre na direção
5’-3’ da cadeia fosfodiéster dessa molécula. Pela descoberta da DNA polimerase e do seu mecanismo de ação,
Kornberg recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1959.
Posteriormente, as enzimas responsáveis pela transcrição do RNA, as RNA polimerases, foram identificadas e
verificou-se que várias de suas características são similares às polimerases de replicação do DNA. Assim como no
DNA, as moléculas de RNA são polinucleotídeos, porém, em geral, são cadeias únicas com estruturas secundárias e
terciárias bastante distintas da dupla-hélice. Além disso, o açúcar da molécula de RNA é a ribose (no DNA é a
desoxirribose), e a base uracila (U) substitui a timina. A síntese do RNA ocorre também no sentido 5’-3’ com base
em moldes do DNA, mas sem a necessidade de iniciadores para o processo de síntese de uma cadeia de RNA. O
trabalho de descrição dos mecanismos de ação de complexos proteicos que realizam a transcrição do RNA teve
contribuição importante de Roger Kornberg, filho de Arthur Kornberg, que recebeu o Prêmio Nobel de Química em
2006.
Figura 1.11 O processo de replicação do DNA foi inicialmente desvendado com o isolamento, por Kornberg (1956),
de uma enzima (bacteriana) capaz de polimerizar essa molécula, que ficou conhecida como DNA polimerase.
Posteriormente, foi demonstrado que essa enzima não funciona sem ter acesso a uma extremidade 3’, necessitando,
portanto, de um iniciador. Além disso, a enzima sintetiza sempre na direção 5’-3’.
A maneira como a informação genética armazenada na molécula de DNA é decodi cada em proteínas não é trivial; a nal, como sequências de
apenas quatro bases (simpli cadamente representadas pelas quatro letras A, T, C e G) podem ser decodi cadas em sequências das moléculas
executoras da célula, as proteínas, que contêm 20 aminoácidos diferentes? A identi cação de diferentes tipos de moléculas de RNA na célula (RNA
mensageiro [mRNA], ribossômico [rRNA] e transportador [tRNA]) revelou as moléculas intermediárias no processo de síntese de proteínas. Ao
utilizar elaborações teóricas, Francis Crick (1955) propôs que deveria existir uma molécula de RNA adaptadora que promovesse o elo entre o RNA e
as proteínas. Essa hipótese foi con rmada posteriormente, e esse adaptador é o tRNA, que se liga aos aminoácidos e possibilita a “leitura” do
código genético contido em moléculas de mRNA. Também foi ideia de Crick (1956) o uxo da informação genética, DNA → RNA → proteínas, que
cou conhecido como “dogma central da biologia” (Figura 1.12).
Figura 1.12 Esquema que representao dogma central da biologia molecular: o uxo da informação genética. Enquanto o DNA armazena a
informação e a transfere entre gerações, a informação é decodi cada pelo RNA para a síntese de proteínas, que, em geral, são as responsáveis pela
execução da função no metabolismo celular. A seta que direciona o RNA para o DNA representa a descoberta do uxo reverso da informação por
transcriptases reversas.
O código genético é universal
O código que traduz a sequência do RNA em sequência de proteínas foi desvendado em 1961 pelo americano
Marshal W. Nirenberg e pelo alemão J. Heinrich Matthaei. Esses pesquisadores realizaram experimentos in vitro
com extratos celulares e conseguiram produzir polipeptídeos de fenilalanina em sequências sintéticas de
polinucleotídeo poliuracila (UUUUUU). A interpretação desses dados foi que trincas de nucleotídeos UUU
codificam para fenilalanina. Outras combinações de sequência de RNA resultaram em síntese de diferentes
polipeptídeos (Figura 1.13). Esse modelo experimental in vitro com extratos celulares fez com que diferentes
sequências de RNA, mais complexas, fossem testadas e, passo a passo, o código genético foi revelado (1966). Nesse
código, foram identificadas 61 sequências tripletes (de 64 possíveis) de nucleotídeos (conhecidos como códons)
traduzidos aos 20 aminoácidos das proteínas, de modo que cada aminoácido pode ser codificado por mais de um
códon. Verificou-se ainda que todas as proteínas são iniciadas por uma metionina em razão do códon iniciador de
síntese proteica AUG. Os três códons restantes (UAA, UAG e UGA) não codificam para nenhum aminoácido, mas
são reconhecidos como sinais de parada que resultam no término da síntese de proteínas. O código genético é
apresentado na Tabela 1.1.
Como previsto por Crick, o tRNA é a molécula adaptadora que lê o códon do mRNA em aminoácido; e a síntese
proteica ocorre nos ribossomos, que são ribonucleoproteínas (rRNA e proteínas). Em 1968, Nirenberg recebeu o
Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, juntamente com os pesquisadores Har G. Khorana (síntese de
oligonucleotídeos) e Robert W. Holley (estrutura do tRNA de alanina), por terem revelado o código genético. Esse
estudo mostrou-se universal, pois é o mesmo em todas as células vivas (com raríssimas exceções pontuais).
Evolutivamente, essa informação é extremamente importante, pois demonstra sua origem muito precoce na vida na
Terra e reforça a ideia de que todos os seres vivos são descendentes de uma única forma de vida (LUCA, do inglês
last universal common ancestor).
Brincar com o DNA na engenharia genética | Cortar e colar genes
No início da década de 1960, o geneticista suíço Werner Arber e seu grupo identificou que bactérias apresentavam
um mecanismo de defesa (restrição) a determinados bacteriófagos. Ao desvendar o que ficou conhecido como
“sistema de restrição e modificação”, Arber isolou uma enzima bacteriana que cliva o DNA de fagos invasores
(Figura 1.14). Com base nesse trabalho, o grupo liderado pelo americano Hamilton Smith identificou endonucleases
que cortam o DNA em sequências específicas, e essas endonucleases ficaram conhecidas como “enzimas de
restrição”. Ao empregar enzimas isoladas por Smith (inicialmente conhecidas como endonucleases R e depois como
HindII), os norte-americanos Daniel Nathans e Kathleen Danna demonstraram, em 1971, que o genoma do pequeno
vírus símio SV40 pode ser clivado e mapeado. Outras “enzimas de restrição” foram posteriormente identificadas, e
cada uma destas reconhece sequência do DNA específica de corte, formando um arsenal poderoso para
experimentação e manipulação dessa molécula. Em geral, essas enzimas clivam a molécula de DNA em fragmentos
com tamanhos definidos, facilmente separados e purificados por meio de técnicas simples de eletroforese em gel de
diferentes matrizes (em geral, agarose ou poliacrilamida). Como consequência do impacto do trabalho com essas
enzimas, Arber, Smith e Nathans receberam, em 1978, o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina.
Figura 1.13 Um experimento de síntese in vitro no qual foram usados extratos de células bacterianas com
ribossomos, tRNA e aminoácidos, e moléculas de RNA com sequências conhecidas (no caso, o exemplo mostra
poliU, poliA e poliC) resultou em sequências definidas de polipeptídeos. Assim, Niremberg e Matthaei conseguiram
revelar o código genético.
Tabela 1.1 Código genético com os 64 códons, incluindo os de parada (UAG, UAA e UGA). O códon AUG codifica a
metionina e pode ser também o códon de início de síntese de proteína.
    2a base
    U C A G
1a base U UUU – Phe (F)
UUC – Phe (F)
UUA – Leu (L)
UUG – Leu (L)
UCU – Ser (S)
UCC – Ser (S)
UCA – Ser (S)
UCG – Ser (S)
UAU – Tyr (Y)
UAC – Tyr (Y)
UGU – Cys (C)
UGC – Cys (C)
UAA – STOP
UAG – STOP
UGA – STOP
UGG – Trp (W)
C CUU – Leu (L)
CUC – Leu (L)
CUA – Leu (L)
CUG – Leu (L)
CCU – Pro (P)
CCC – Pro (P)
CCA – Pro (P)
CCG – Pro (P)
CAU – His (H)
CAC – His (H)
CGU – Arg (R)
CGC – Arg (R)
CAA – Gln (Q)
CAG – Gln (Q)
CGA – Arg (R)
CGG – Arg (R)
A AUU – Ile (I)
AUC 0 Ile (I)
AUA – Ile (I)
ACU – Thr (T)
ACC – Thr (T)
ACA – Thr (T)
AAU – Asn (N)
AAC – Asn (N)
AGU – Ser (S)
AGC – Ser (S)
AAA – Lys (K) AGA – Arg (R)
AUG – Met (M) ACG – Thr (T) AAG – Lys (K) AGG – Arg (R)
G GUU – Val (V)
GUC – Val (V)
GUA – Val (V)
GUG – Val (V)
GCU – Ala (A)
GCC – Ala (A)
GCA – Ala (A)
GCG – Ala (A)
GAU – Asp (D)
GAC – Asp (D)
GAA – Glu (E)
GAG – Glu (E)
GGU – Gly (G)
GGC – Gly (G)
GGA – Gly (G)
GGG – Gly (G)
As enzimas que unem fragmentos de DNA, as DNA ligases, atuam em processos de replicação do DNA e já
eram conhecidas quando os trabalhos com enzimas de restrição foram publicados. O corte do DNA com enzimas de
restrição e a ligação de fragmentos com DNA ligases abriu perspectivas de construção in vitro de fragmentos a
partir do interesse do pesquisador, o que simulou a recombinação de moléculas realizada naturalmente pelas células.
Assim, o grupo do norte-americano Paul Berg foi o primeiro, em 1972, a juntar fragmentos do genoma do vírus de
macaco SV40 e DNA de origem bacteriana. Em 1973, os americanos Stanley Cohen e Herbert Boyer uniram
fragmentos do DNA a um plasmídeo bacteriano, pequena molécula circular do DNA com replicação autônoma. O
plasmídeo construído pelos pesquisadores foi transfectado em bactérias (por transformação similar ao experimento
de Griffith de 1928), e a bactéria portadora foi selecionada com antibióticos (cuja resistência era dada por genes
contidos no plasmídeo), criando clones que contêm o plasmídeo manipulado em laboratório (Figura 1.15). Esses
experimentos são considerados os pioneiros para o que se denominou, tempos depois, Tecnologia do DNA
recombinante ou Engenharia Genética. Em 1980, Paul Berg recebeu o Prêmio Nobel de Química pelo seu trabalho
com DNA recombinante.
Figura 1.14 Esquema de funcionamento do sistema de restrição/modificação em bactérias. A. Enzimas de restrição
atuam em sequências específicas do DNA, mas se o DNA estiver modificado por metilações, por exemplo, ele não é
clivado. Assim, bactérias apresentam essas enzimas que não clivam seu DNA, mas podem clivar o DNA invasor,
como o de bacteriófagos (B).
O reverso da transcrição | Do RNA ao DNA
Em 1970, ao trabalhar com vírus que causam tumores em aves (vírus do sarcoma de Rous), dois grupos norte-
americanos independentes, liderados por Howard M. Temin e David Baltimore, identificaram uma polimerase viral
que sintetiza DNA com base no RNA e que ficou conhecida como “transcriptase reversa”. Vários outros vírus foram
então descobertos (como o vírus da AIDS). Conhecidos como retrovírus, apresentam o genoma do RNA e o
replicam, por meio de um intermediário do DNA com essa enzima. A descoberta da transcriptase reversa
demonstrou que o fluxo da informação gênica pode voltar ao DNA e ampliou a proposta do dogma central feita por
Crick (ver Figura 1.12). Além disso, essa enzima favoreceu a obtenção in vitro de cópias do DNA (cDNA) de
moléculas de RNA. Em 1975, Baltimore e Temin receberamo Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina pela
descoberta do processo de transcrição reversa.
O gene eucarionte é interrompido por sequências não codificantes
O RNA contido no núcleo de células animais, plantas e outros eucariontes tem tamanho bastante heterogêneo
(hnRNA), cerca de 10 vezes mais longo que o do mRNA, encontrado no citoplasma. No começo intrigou os
pesquisadores, mas a resposta à relação entre hnRNA e mRNA foi descoberta após alguns experimentos cruciais
com vírus animais. Em 1977, ao trabalharem independentemente com microscopia eletrônica de moléculas híbridas
de mRNA e DNA de adenovírus, os grupos liderados pelos norte-americanos Phillip A. Sharp e Richard J. Roberts
descobriram que essas sequências do RNA eram menores do que a que as codificaram e não eram contínuas no
genoma viral. Esses resultados foram interpretados como resultado da remoção de parte da sequência do mRNA
maduro, o que ficou conhecido como “processamento do RNA” (RNA splicing).
Em um primeiro momento, os dados de Sharp e Roberts foram menosprezados, pois se acreditava que seriam
específicos para alguns genes virais. Entretanto, ainda em 1977, o grupo do francês Pierre Chambon constatou que a
sequência que codifica o mRNA de ovoalbumina de galinha também não apresentava continuidade quando o gene
era analisado no genoma das células. Outros grupos fizeram observações similares para β-globina e imunoglobina, o
que demonstrou que os genes eucariontes são em geral interrompidos por sequências do DNA não codificadoras de
proteínas. Mais tarde, o pesquisador Walter Gilbert batizou as regiões do gene que são mantidas no mRNA maduro
de exons que são interrompidas por introns, sequências transcritas, porém removidas, durante o processamento do
RNA que ocorre no núcleo da célula. Desse modo, a Figura 1.16 ilustra como as moléculas de RNA transcritas por
genes eucariontes são processadas. Além disso, é importante destacar que o processamento do RNA possibilita que
um mesmo gene codifique proteínas diferentes por meio de processamentos alternativos, o que aumenta o potencial
de uso de sequências do genoma. Assim, o conceito de gene foi completamente modificado por essas descobertas de
processamento de RNA. Os pesquisadores que realizaram a descoberta inicial, Sharp e Roberts, receberam o Prêmio
Nobel de Fisiologia e Medicina, em 1993.
Figura 1.15 Esquema do uso de enzimas de restrição e DNA ligase para produzir uma molécula de DNA
recombinante que pode ser introduzido em bactérias, nas quais é amplificado.
Desvendando o livro da vida | Sequências do DNA e genomas
A capacidade de manipulação genética abriu possibilidades para também se determinar a sequência de fragmentos
do DNA por meio de duas técnicas distintas descritas em 1975. Em uma delas, os pesquisadores americanos Allan
Maxam e Walter Gilbert desenvolveram um método que usa a reatividade específica de determinados agentes
químicos com as bases do DNA (G, C, A, T), o que resultou na quebra da cadeia fosfodiéster em posições
específicas. Estas dão origem a fragmentos do DNA de diversos tamanhos, os quais são separados (com diferenças
de apenas um nucleotídeo) e resolvidos com migração por eletroforese em gel de poliacrilamida de alta resolução. A
diferença de migração entre os fragmentos originários de uma reação em T seria diferente dos fragmentos de reação
em A etc., o que favorece a leitura da sequência da molécula de DNA. A segunda metodologia, desenvolvida pelo
britânico Frederick Sanger, empregou DNA polimerase para produzir fragmentos com tamanhos que
correspondessem a bloqueios em cada um dos quatro nucleotídeos. Por sua vez, os bloqueios de replicação foram
obtidos pelo uso de análogos dos quatro nucleotídeos (didesoxirribonucleotídeos, ddNTP). Assim, o emprego de
ddATP na reação produz fragmentos com tamanho correspondente a uma leitura de T na fita complementar; o de
ddGTP origina fragmentos correspondentes a C na fita complementar, e assim por diante. A separação desses
fragmentos pela migração de eletroforese em géis de poliacrilamida de alta resolução favorece a leitura sequencial
de cada uma das bases da fita molde (Figura 1.17). Gilbert e Sanger receberam o Prêmio Nobel de Química em
1980 pelo desenvolvimento dessa tecnologia que possibilitou determinar a sequência de bases de ácidos nucleicos
(Sanger já havia recebido o Prêmio Nobel de Química em 1958 pela determinação de sequenciamento de
aminoácidos de proteínas).
Essas metodologias de sequenciamento do DNA foram extensivamente utilizadas e aperfeiçoadas. Seu emprego
em conjunto com a amplificação gênica, por meio da reação de polimerase de cadeia (PCR), o uso de DNA
polimerases resistentes a altas temperaturas (como a Taq polimerase, proveniente de bactéria capaz de viver em
condições extremas de temperatura) e o uso de fluoróforos marcadores das bases do DNA possibilitou o avanço
dessa tecnologia de sequenciamento do DNA, e até mesmo sua automação. Com isso, no final do século 20 foram
iniciados vários projetos de sequenciamento em massa que ajudaram a revelar a sequência de genomas bacterianos
com 2 a 10 milhões de base até chegar à sequência completa do genoma humano, em 2001. Novas tecnologias
fizeram o processo de sequenciamento evoluir ainda mais rapidamente, de modo que hoje é possível realizar o
sequenciamento completo de um genoma humano em poucos dias. Está em andamento o projeto 1000 Genomas
Humanos, que vai gerar imensa quantidade de informação sobre o genoma de seres humanos e sua distribuição nas
diferentes populações e etnias. Apesar disso, mais que a obtenção de dados, a limitação atual é a capacidade humana
para analisar tais dados.
Figura 1.16 Representação de como é processado o mRNA em células eucariontes, com a transcrição do RNA
mensageiro total e a eliminação de sequências de introns. O RNA mensageiro recebe ainda uma cauda poliA e um
5’cap antes de ser traduzido em proteínas.
Figura 1.17 O processo de sequenciamento do DNA pode ser feito pelos métodos de Sanger e de Gilbert. Pelo
método de Sanger, fragmentos do DNA de tamanhos específicos a cada base são produzidos por reação com DNA
polimerase. Estes são discriminados em uma eletroforese em gel de poliacrilamida que possibilita a leitura da
sequência de bases do DNA testado.
Além do processo de sequenciamento de genomas propriamente ditos, a análise da célula como um todo teve
implicações no estudo do conjunto de genes que são transcritos, o transcriptoma, ou das proteínas expressas,
proteoma, como resultado de um processo biológico. Essa visão global da célula foi possível com o
desenvolvimento de novas tecnologias, as quais possibilitam estudos em larga escala que auxiliam a compreensão
dos fenômenos biológicos de modo mais completo e amplo, abrindo as fronteiras do conhecimento em uma nova
fase da biologia: a genômica. A célula finalmente pode ser investigada como um todo o que, obviamente, requer
uma visão multidisciplinar e mais dinâmica do funcionamento da célula e do organismo. A obtenção de dados em
larga escala indicou a necessidade do auxílio da informática para os estudos, fazendo surgir uma interação muito
produtiva que, aos poucos, se consolida como uma nova área das ciências: a bioinformática.
As descobertas genéticas e o Prêmio Nobel
Esse relato histórico busca mostrar como foi construído o conhecimento, com grandes descobertas até a década de
1980, aproximadamente. Dada a importância desses estudos em Genética para o conhecimento científico e seu
impacto na sociedade como um todo, muitos dos trabalhos relatados aqui receberam diversos prêmios Nobel
(listados na Tabela 1.2). Nos trabalhos que foram comentados, destacam-se questões como a descoberta dos
mecanismos de RNA interferência e a capacidade de reprogramação de células diferenciadas em células
pluripotentes.
Tabela 1.2 Prêmios Nobel na área de Genética.
Prêmio e ano Pesquisadores Contribuição cientí ca
Química (1957) Alexander R. Todd Trabalho de nucleotídeos e coenzimas
Medicina ou Fisiologia (1958) George W. Beadle e EdwardL. Tatum
Joshua Lederberg
Genes atuantes na regulação de eventos químicos
Recombinação gênica e organização do material genético
Medicina ou Fisiologia (1959) Grave Ochoa e Arthur Kornberg Mecanismos de síntese biológica de RNA e DNA
Medicina ou Fisiologia (1962) Francis H.C. Crick, James D. Watson e Maurice H.F.
Wilkins
Revelação da estrutura do DNA e sua signi cância na
transferência de informação genética
Medicina ou Fisiologia (1965) François Jacob, André Lwoff e Jacques Monod Controle e regulação genéticos e síntese viral
Medicina ou Fisiologia (1968) Robert W. Holley, Har G. Khorana e Marshall W.
Nirenberg
Interpretação do código genético e sua função na síntese
proteica
Medicina ou Fisiologia (1969) Max Delbrück, Alfred D. Hershey e Salvador E. Luria Mecanismos de replicação e estrutura genética dos vírus
Medicina ou Fisiologia (1975) David Baltimore, Renato Dulbecco e Howard M.
Temin
Interação de retrovírus e a genética celular – transcriptase
reversa
Medicina ou Fisiologia (1978) Werner Arber, Daniel Nathans e Hamilton O. Smith Enzimas de restrição e suas aplicações em genética
molecular
Química (1980) Paul Berg, Frederick Sanger e Walter Gilbert Bioquímica de ácidos nucleicos e do DNA recombinante
Determinação da sequência de bases de ácidos nucleicos
Medicina ou Fisiologia (1983) Barbara McClintock Elementos genéticos móveis – transposons
Química (1989) Sidney Altman e Thomas R. Cech Propriedades catalíticas do RNA
Química (1993) Kary B. Mullis e Michael Smith Desenvolvimento da técnica reação em cadeia da
polimerase (PCR, do inglês polymerase chain reaction)
Estabelecimento do uso de oligonucleotídeos na
mutagênese dirigida e nos estudos de função de proteínas
Medicina ou Fisiologia (1993) Richard J. Roberts e Phillip A. Sharp Genes eucariontes são descontínuos: exons e introns
Medicina ou Fisiologia (1995) Edward B. Lewis, Christiane Nusslein-Volhard e Eric
F. Wieschaus
Controle genético do desenvolvimento embrionário
Medicina ou Fisiologia (2002) Sydney Brenner, H. Robert Horvitz e John E. Sulston Relação a desenvolvimento de órgãos e morte celular
programada
Química (2006) Roger Kornberg Mecanismo de transcrição, principalmente a RNA
polimerase
Medicina ou Fisiologia (2006) Andrew Z. Fire e Craig C. Mello Mecanismo de RNA interferência – silenciamento gênico
por moléculas de RNA dupla ta
Medicina ou Fisiologia (2007) Mario R. Capecchi, Sir Martin J. Evans e Oliver
Smithies
Desenvolvimento de princípios para modi cação genética
em camundongos por meio de células-tronco
embrionárias
Química (2008) Osamu Shimomura, Martin Chal e e Roger Y. Tsien Desenvolvimento da proteína verde uorescente (GFP, do
inglês green uorescent protein)
Química (2009) Venkatraman Ramakrishnan, Thomas A. Steitz e
Ada E. Yonath
Estrutura tridimensional e funções do ribossomo
Medicina ou Fisiologia (2009) Elizabeth H. Blackburn, Carol W. Greider e Jack W.
Szostak
Proteção de cromossomos por telômeros e telomerase
Medicina ou Fisiologia (2010) Robert G. Edwards Desenvolvimento de fertilização in vitro
Medicina ou Fisiologia (2012) John B. Gurdon e Shinya Yamanaka Reprogramação e pluripotência das células maduras e
diferenciadas
Química (2015) Tomas Lindahl, Paul Modrick e Aziz Sancar Mecanismos de reparo de DNA
Medicina ou Fisiologia (2016) Yoshinori Ohsumi Mecanismos de autofagia celular
Bibliografia
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