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O Governo Vargas e a Economia Brasileira

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NEM ORTODOXIA NEM POPULISMO: O SEGUNDO GOVERNO VARGAS E A ECONOMIA BRASILEIRA
 Pedro César Dutra Fonseca
	Há quatro correntes principais de interpretação do governo Vargas: a de que ele era um populista, a que defende que houve uma “virada nacionalista”, a que o caracteriza como conservador e ortodoxo e a que identifica nele um projeto de longo prazo de industrialização e modernização. Segundo Fonseca, no início do governo houve certo predomínio da busca por estabilidade; segui-se-lhe um período de “randomização”, o qual se caracteriza por políticas alternadas e simultâneas de contração e expansão da demanda; finalmente, nos últimos meses de governo, detecta-se a preponderância dessa última, com abandono do combate à inflação como prioridade.
	A análise da política econômica não deve levar em conta apenas as políticas instrumentais (cambial, fiscal e monetária), que possuam uma lógica própria determinadas por cânones assentados pela “sabedoria econômica convencional”. As políticas instrumentais muitas vezes são utilizadas como meio cujo fim é a própria estabilização; podem até colaborar para efetivação de projetos de maior envergadura, mas nem sempre, e não raro podem até afigurarem-se como contraditórias a eles. Fonseca trabalha com duas hipóteses sobre o SGV: (i) trata-se de um governo afinado com o Nacional-Desenvolvimentismo; e (ii) não há incompatibilidade entre isso e políticas de estabilização austeras ou contracionistas.
Os dilemas da conjuntura e a tentativa inicial de estabilização
	Ao tomar posse como Presidente, em janeiro de 1951, Vargas deparou-se com uma conjuntura econômica que emitia sinais de agravamento de um quadro de dificuldades, com valorização do cruzeiro, escassez de moedas conversíveis e crescimento da inflação. Durante a campanha eleitoral, Vargas defendera a necessidade de crescimento acelerado, advindo de investimentos privados voltados à modernização do setor primário e ao aprofundamento da industrialização (que deveria avançar dos bens de consumo para os bens de capital) e de investimentos públicos em infraestrutura (transporte, energia, comunicações).
	As dificuldades de conjuntura, no entanto, dificultavam a execução do projeto nacional-desenvolvimentista, caracterizando um dilema entre estabilização e crescimento: crescer envolvia mais importação de insumos e bens de capital, mais gastos públicos e consumo doméstico, que aprofundariam os problemas de BP e inflação. Portanto, uma opção por crescimento provavelmente teria vôo curto.
A saída encontrada foi diminuir o ritmo de crescimento a curto prazo. Contava em favor de certo otimismo a recuperação, desde meados de 1949, dos preços internacionais do café, e havia sinais positivos por parte de Truman em relação ao Brasil. Em julho de 1951 foi instalada a CMBEU, que deveria elaborar um diagnóstico da economia brasileira e propor projetos a serem financiados pelo BIRD e pelo EXIMBANK, com a expectativa de que o Brasil recebesse até US$300 milhões.
A solução ao dilema veio com a adoção da “fórmula” Campos Salles-Rodrigues Alves, pela qual primeiro dever-se-ia passar por uma etapa de saneamento, mesmo em prejuízo ao crescimento econômico, para, após conseguida a estabilidade, ingressar-se em uma fase de crescimento. Essa fórmula também viria a possibilitar a “articulação das forças políticas e interesses divergentes em torno do governo”. O ideário desenvolvimento predominava no governo e principalmente em Vargas.
A tentativa de estabilização durou até meados de 1952. Como um dos primeiros sinais de seu afrouxamento registra-se a expansão do crédito por parte do BB.
O populismo entra em cena
O populismo é tratado como uma continuidade do autoritarismo enraizado historicamente no país: negligenciavam-se a experiência democrática e os movimentos sociais do período sob o entendimento de que havia uma manipulação “massas”, principalmente urbanas, por parte de líderes geralmente carismáticos que atendiam parcialmente suas demandas e contabilizavam seus resultados em benefício próprio. O populismo é usado como forma de sintetizar a inviabilidade da democracia no Brasil.
Cardoso de Faletto associam o populismo à transição entre uma sociedade tradicional/agrário e um urbano/industrial, como o elo através do qual se vinculam as massas urbanas mobilizadas pela industrialização ao novo esquema de poder; e converter-se-á na política de massas, que impulsiona a manutenção de um esquema de participação política relativamente limitado. Nessa visão, o populismo transcende a simples manipulação, havendo espaço para manifestações próprias dos trabalhadores e da classe média urbana.
Outros autores descrevem o que eles chamam de populismo econômico, definido por um perspectiva econômica que enfatiza o crescimento e a redistribuição, relegando a segundo plano preocupação com a inflação e os déficits púbico e externo. Ou seja, há uma opção pelo crescimento a cruto prazo sem reconhecer as restrições econômicas, gerando problema de médio prazo e jogando para o futuro seu custo. O desfecho de medidas desse tipo é o retorno à política ortodoxa.
Barro, por outro lado, apresenta um modelo de “jogos de política”, composto de três fases. Na primeira, o governo propõe e executa a política de estabilização. Como essa impõe perdas, os agentes reagem e medem sua força, testando se os governantes mostram-se capaz ou não de mantê-la. Se o governo é forte, resiste às pressões; se é fraco, cede gradualmente. Nesse último caso, passa-se à segunda fase, de randomização. Os policymakers cedem a pressões em uma área e tentam compensá-la em outra, adotado políticas oscilatórias e mesmo contraditórias. Por fim, não conseguindo compatibilizar crescimento e estabilização, ao ver sua base de apoio escassear e a crise aprofundar-se, o governo acaba por ceder e abandona-se a opção pela estabilidade.
A primeira fase, no caso do SGV, vai até o primeiro semestre de 1952. A segunda fase vai até o último trimestre de 1953. Portanto, os autores que consideram Vargas um populista referem-se apenas à terceira e última fase, negligenciando a primeira e considerando a segunda “irracional”. A “fraqueza” do governo está identificada com a incapacidade de forjar uma base de apoio capaz de dar sustentação a sua política e resistir às pressões, impondo suas prioridades. O SGV se dá em um contexto de radicalização, que torna difícil encontrar uma lógica abstrata na condução da política econômica, já que sua racionalidade é permeada por variáveis extraeconômicas, que ajudam com mais pertinência a detectar o sentido das decisões governamentais. 
Posto que executou políticas de estabilização, o SGV não se encaixa no perfil de populismo econômico tal como definido anteriormente. Além disso, ao contrário da liderança unipessoal e carismática que governo em contato direto com as massas e à margem de instâncias intermediárias, o SGV foi nitidamente congressual. A criação de partidos e a busca de seu enraizamento demonstra o reconhecimento da nova institucionalidade e de suas regras. E o reconhecimento da instâncias intermediárias (partidárias e legislativas) faz parte do “varguismo” do pós-Guerra. É justamente por necessitar de uma base de sustentação muito ampla, que em certas conjunturas mostra-se frágil, que a política econômica não decorre de uma vontade unipessoal. Ao montar um ministério com hegemonia do PSD, atribuindo apenas uma pasta ao PTB e uma à UDN, Vargas deixava clara sua predisposição a uma composição capaz de obter maioria congressual, exigência de governabilidade no presidencialismo.
A tese da “virada” e a fase da “randomização”
	Segundo Skidmore, o governo teria começado disposto a enfrentar problemas de curto prazo; todavia, isso se chocava com sua prioridade de longo prazo, a industrialização e o desenvolvimento. Vendo aprofundar o estrangulamento externo e diante do insucesso do combate à inflação, Vargas dá uma “virada nacionalista” em 1953. Para Fonseca, no entanto, não houve mudança repentina, posto que a randomização perdurou por longos meses, do segundo semestrede 1952 ao final de 1953.
	Um dos primeiro sinais de que a tentativa de estabilização começara a perder fôlego pode ser observado no final do primeiro semestre de 1952, com a expansão das dívidas do estados, municípios e DF. Por outro lado, majorava a pressão por gastos públicos por parte de diversos segmentos, como crédito pelos empresários e salários pelo funcionalismo. Aos poucos o governo abrandaria a política monetária, com a expansão do crédito e liberalização das importações para atendar a demanda por equipamentos. A balança comercial apresentou o maior saldo negativo desde a Grande Depressão, tornando-se o principal gargalo da fase de “randomização”. O ano de 1953 começa com o governo emitindo sinais de que não estava disposto a bancar uma política recessiva. A posse de Eisenhower dificultava ainda mais o quadro, com o fim das atividades da CMBEU.
	Pressionado interna e externamente, o governo inclinava-se pelo atendimento às demandas sindicais e o discurso presidencial aprofundava seu tom nacionalista. No entanto, em direção oposta, a lembrar a “randomização”, surge ao mesmo tempo a Lei do Mercado Livre, que buscava atrair capital estrangeiro. Não obstante, e a mostrar que não abriria mão dos compromissos industrializantes e desenvolvimentistas, mantinha a política de segmentar tanto as importações por gaixar de acordo com a essencialidade dos bens, como as exportações em categorias conforme o peso do produto na pauta, de forma a incentivar sua diversificação. 
	Em março de 1953, tem lugar a “greve dos 300 mil”. O governo agia no sentido de impedir sua radicalização, acenando com a possibilidade de negociação. Em junho de 1953, houve uma reforma ministerial, que levou Jango ao ministério do trabalho e Oswaldo Aranha ao ministério da fazenda, mostrando seu caráter “randômico”. A decisão mais importante de Aranha para enfrentar o problema foi a Instrução 70 da SUMOC, que buscava a estabilização sem abrir mão dos compromissos nacional-desenvolvimentistas. De um lado, a instrução trouxe o monopólio cambial ao BB e introduziu o sistema de leilões de câmbio em substituição aos licenciamentos. Continuavam havendo cinco faixas para importação, mas na prática houve uma desvalorização cambial. Os exportadores comemoravam o bônus e o descongelamento do dólar e os importadores, os leilões, além de se abrir uma nova fonte de receita para o setor público.
Enquanto isso, a inflação se acelerava e acumulavam-se os atrasados comerciais. O quadro se agravou com a divulgação de um estudo do ministério do trabalho que previa um aumento de 100% no salário mínimo. O clima de radicalização começava a ganhar proporção nunca vista; sem centro político com capacidade de mediação, a divisão do país em dois blocos antecipava 1964. Era o fim da “randomização” e o início do fim do SGV. Goulart acabou por deixar o cargo, mas o salário mínimo foi aumentado e houve reformas trabalhistas e previdenciárias.
A ortodoxia e o nacional-desenvolvimentismo como ficção
	Os trabalho que enfatizam a ortodoxia no período 1951-54 parecem generalizar para todo o período o que teria ocorrido nos primeiros meses do governo, a tentativa de estabilização. Esses autores admitem que há incompatilidade entre estabilização e nacional-desenvolvimentismo e negam a existência de um projeto de industrialização por parte do governo.
	Fonseca ressalta que os pronunciamentos de Vargas deixam claras suas intenções industrializantes e modernizantes, mas que as políticas efetivamente implementadas são circundadas por inúmeros fatores, desde necessidades impostas pela conjuntura internacional até pressões de ordem política. Além disso, sempre predominou o entendimento quanto à possibilidade de compatibilizar crescimento econômico com inflação. Por conseguinte, as dificuldades de implementação do Nacional-Desenvolvimentismo como projeto, com as adversidades da conjuntura, não podem ser interpretadas com ambiguidade nem como hesitação. A chamada “fase de randomização” mostra claramente a tentativa do governo de leva-lo adiante mesmo diante de um quadro abstruso.
	Não há incompatibilidade, em certas conjunturas e diante de certas circusntâncias, entre governos nacionais-desenovlvimentistas e a implementação de políticas de estabilização que impliquem em diminuir o ritmo de crescimento a curto prazo. Obviamente esses governos não podem aboliar o ciclo econômico nem desconenhecer os problemas conjunturais e a necessidade de enfrenta-los, com o risco de comprometerem ainda mais o projeto de desenvolvimento acelerado no longo prazo. A ação governo transcende as políticas econômicas instrumentais a que dizem respeito as políticas de estabilização. É nas políticas institucionais de longo prazo que se pode perceber a direção que o governo pretende imprimir à economia e à sociedade.
	Entendendo-o em sua historicidade como um conjunto de políticas efetivamente implementado, parece indiscutível que desde 1930 o governo brasileiro começou a pôr em prática medidas que não podem ser atribuídas ao mero acaso ou a meras reações apercalços da conjuntura. Desde logo há a manifestação, por parte dos governantes, de superação do modelo agroexportador através de medidas para materializar como alternativa a industrialização e a diversificação da produção agrícola e da pauta de exportação. Essas medidas não são fragmentárias nem reativas; o elo que as une é apontar para o desenvolvimento nacional. Havia a consciência de que o país estava atrasado, e que o Estado deveria ser o agente indutor das mudanças. O fato de o país, desde suas origens, voltar-se à agricultura de exportação tornara-o dependente na ordem econômica internacional e o caminho para a superação viria pela industrialização através da substituição de importação e pela diversificação da produção agrícola, com prioridade ao mercado interno.

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