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TEORIAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 1 - O QUE É TEORIA DA HISTÓRIA, AFINAL? INICIAR Introdução Neste capítulo, você refletirá sobre a definição de Teoria da História e sua importância para o ofício do historiador. Afinal, é possível pesquisar e escrever a História sem alguma concepção teórica? A Teoria da História é um campo de estudos que busca por respostas convincentes às seguintes questões: “O que é a História”? Quais são os métodos e parâmetros válidos em uma pesquisa histórica? Como os historiadores constroem seu conhecimento? Como é possível apreender o passado e ter conhecimento confiável sobre ele? Pensar sobre estas interrogações é importante, pois muitas vezes os historiadores adotam uma postura empirista que prioriza a prática de pesquisa em arquivos, dispensando as discussões teóricas. Ao longo deste capítulo, além de buscarmos uma definição mais aprofundada do que é Teoria da História, também veremos qual a diferença entre Teoria da História e Filosofia da História. Além disso, abordaremos o pensamento de duas das mais importantes Filosofias da História construídas ao longo do século XIX: o hegelianismo e o positivismo. Logo de início, é importante prestar atenção no duplo sentido do conceito de história, que pode designar: (a) realidade dos acontecimentos do passado (nível dos eventos e processos); (b) o registro e a interpretação dos acontecimentos (nível da história científica e das narrativas sobre o passado). Em linhas gerais, o campo da Teoria História propõe uma reflexão sobre os modos como interpretamos os eventos históricos, isto é, refere-se ao segundo sentido do conceito de história, enquanto que a Filosofia da História aponta para o primeiro sentido. Bons estudos! 1. 1 O papel da Teoria da História na formação do historiador Neste primeiro tópico, nossas atenções se voltarão para a importância da Teoria da História na formação do historiador ou da historiadora. A Teoria da História está enraizada na prática da escrita da história e, portanto, está relacionada ao lugar social no qual o historiador está inserido (CERTEAU, 2008). Além disso, vamos examinar alguns argumentos usados ainda hoje por historiadores que são resistentes em relação às discussões teóricas e metodológicas. Em geral, a resistência à Teoria da História é justificada com uma defesa da pesquisa em arquivos. Para os historiadores empiristas o debate teórico tem pouca utilidade, pois afastaria o historiador da realidade do passado. Não é difícil ouvirmos nas salas de aula dos cursos acadêmicos de História: “lugar de historiador é no arquivo”. Há ainda aqueles para quem o pesquisador cuja investigação se delimita em “problemas teóricos”, sem ir aos arquivos ou fontes primárias, não seria um historiador de verdade (REIS, 2011). Diante disso, poderíamos nos questionar: para haver conhecimento histórico relevante basta fazer leitura e interpretação de documentos? Apenas a crítica dos documentos é suficiente para a construção de conhecimento histórico? É importante lembrarmos que as fontes não falam por si mesmas. Os documentos históricos só podem nos trazer informações sobre o passado porque o historiador as interroga com questões adequadas. Toda observação da documentação é feita a partir de problemas e hipóteses prévias, que são criadas pelo historiador ou historiadora, com base em um conjunto de pressuposições teóricas. Ou seja, a discussão teórica deve ter um lugar central na formação do historiador. Aliás, uma sólida formação teórica pode, inclusive, auxiliar o historiador a analisar as fontes primárias de forma mais pertinente (REIS, 2011). Levando em consideração a importância da Teoria da História, Jörn Rüsen tem desenvolvido importantes reflexões. Segundo ele, a tarefa da Teoria da História é analisar a pretensão de racionalidade do pensamento histórico. Todavia, os estudos teóricos jamais podem deixar de manter uma “relação umbilical” com a prática da pesquisa. Dessa forma, a Teoria da História examina a própria pesquisa realizada pelos historiadores, destacando o embasamento teórico que eles utilizaram para chegar a determinados resultados (RÜSEN, 2010). Vejamos agora quais são as principais funções da Teoria da História. Rüsen sublinha que a base da Teoria da História é o cotidiano do historiador, as questões e dilemas que ele enfrenta em seu ofício de buscar compreender o sentido do passado. Ou seja, a reflexão teórica sobre o pensamento histórico está No artigo O lugar da Teoria-Metodologia na Cultura Histórica (REIS, 2011), o historiador e filósofo José Carlos Reis, professor aposentado da UFMG, discute a importância da reflexão teórica na formação do historiador e da historiadora. Sua tese central é que a Teoria da História não deve se restringir aos especialistas, mas deve interessar a todos os profissionais da área de História. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/16143 (https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/16143)>. VOCÊ QUER LER? https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28973/16143 fundamentada no trabalho prático do próprio historiador. Uma das contribuições que os estudos teóricos podem trazer para a formação dos historiadores é uma visão de conjunto da História como ciência. Sem essa visão prévia do panorama da historiografia, a especialização em um determinado campo de estudos perderia o sentido (RÜSEN, 2010). Podemos sistematizar, didaticamente, as principais funções da Teoria da História do seguinte modo: 1) Função propedêutica: aqui a Teoria da História funciona como uma introdução ao estudo da história, ela auxilia o historiador a ter uma visão panorâmica do conhecimento histórico antes que ele se especialize em alguma das subáreas da historiografia; 2) Função coordenadora: a Teoria da História reflete sobre a especificidade e limites do conhecimento histórico. Por isso, ela pode coordenar a aproximação e o diálogo da história com outras disciplinas, impedindo que aconteça uma mistura confusa entre os campos científicos; 3) Função organizadora: a Teoria da História é importante para gerenciar a organizar a grande quantidade de material de pesquisa existente; 4) Função de fundamentação e seleção: a Teoria da História contribui para formar a capacidade de reflexão dos historiadores sem a qual não é possível conciliar uma pesquisa científica de fôlego com as restrições de tempo e espaço; Figura 1 - Algumas funções da Teoria da História para Jörn Rüsen. Fonte: Elaborado pelo autor, 2017. 5) Função mediadora: a Teoria da História, na perspectiva de Rüsen, coloca em evidência o vínculo entre a ciência da história e a vida quotidiana. Em virtude disso, a história não pode fazer abstração completa da vida humana concreta e se refugiar em uma torre de marfim. Os resultados das pesquisas históricas precisam ter relevância prática. Na parte final deste primeiro tópico, iremos acompanhar os argumentos de Jörn Rüsen sobre a matriz disciplinar do conhecimento histórico, sendo que por matriz disciplinar o autor entende o “conjunto sistemático dos fatores ou princípios do pensamento histórico determinantes da ciência da história como disciplina especializada” (RÜSEN, 2010, p. 29). Ou seja, depois de apresentarmos a definição de Teoria da História, nada melhor que verificar, na prática, a síntese de uma instigante reflexão teórica sobre a história. Assim, acreditamos que daremos mais um passo na busca de responder a pergunta contida no título do nosso capítulo: o que é Teoria da História, afinal? Para Rüsen, a matriz disciplinar do conhecimento histórico possui cinco pontos que estão diretamente inter-relacionados: (1) carência de orientação na vida prática; (2) perspectivas orientadoras da interpretação da experiência do passado (Ideias); (3) métodos da pesquisa empírica; (4) formas de apresentação; (5) funções de orientação. Figura 2 - A matriz disciplinar da Teoria da História de Jörn Rüsen. A tese central da Teoria da História de Rüsen sustenta a existência de um forte vínculo entre a vida prática e a ciênciada história. No que diz respeito a relevância prática do pensamento teórico, uma das questões essenciais à Teoria da História é por que os homens fazem história? A resposta a esta questão passa pela carência humana de orientação da ação que sofre os efeitos da passagem do tempo. Nos mais diferentes contextos os seres humanos se colocaram a pensar sobre a sua existência na história por meio das seguintes perguntas: “de onde viemos?”, “Como chegamos até aqui?”, “Para onde estamos indo?”. Como não existem respostas fixas a esses dilemas, as culturas humanas se viram diante do desafio de elaborar sentido para a passagem do tempo. O ponto de partida do processo de produção de sentido começa com a percepção das mudanças temporais que desafiam a consciência humana, a entender o que está acontecendo. É a partir dessa carência de orientação que é possível constituir uma ciência da história. Assim, o pensamento histórico é visto como uma proposta intelectual de solução dessa carência de orientação. Dizendo de outra forma, o fundamento da história como ciência está na nossa vida prática (RÜSEN, 2010). Como já ficou claro, Rüsen coloca na vida prática o fundamento da ciência da história. Assim, o ponto de partida são os interesses da história, os interesses que os homens têm de orientar sua vida no fluxo do tempo, apropriando-se do passado pelo seu conhecimento no presente. Entretanto, para que seja construído o conhecimento histórico, tais carências de orientação precisam ser articuladas segundo critérios de sentido. Esses critérios são chamados por Rüsen de ideias e forma o segundo ponto da matriz disciplinar da história. Nesta perspectiva, as ideias serão tomadas, portanto, como critérios para a produção de significados na práxis da vida humana. As ideias auxiliam a transformação das carências motivadoras em interesses que conferem direção para o agir humano. Na medida em que as experiências do passado são interpretadas e orientam a práxis humana, o passado adquire a qualidade de “histórico”. Mas isso não significa, que o simples fato de pertencer ao passado, faz com que algo seja histórico. O passado se refere a tudo o que aconteceu antes do presente. A história é um estudo sobre o passado. Ela seleciona determinados aspectos do passado e realiza um recorte para responder a certas questões com base em teorias e métodos historiográficos. Por Fonte: RÜSEN, 2010, p. 35. exemplo, tudo o que aconteceu no ano de 1926 está no passado, mas somente aqueles aspectos que podem responder a questões levantadas pelos historiadores, se transforma em história acadêmica. O terceiro fator da matriz disciplinar do conhecimento histórico, é formado pelos métodos de pesquisa empírica. Os métodos influenciam o modo pelo qual as ideias são concebidas. São eles que colocam as ideias, as perspectivas interpretativas em contato com as fontes. O quarto fator da matriz disciplinar sãos as formas de apresentação, elas desempenham um papel tão importante quanto o dos métodos de pesquisa. Aqui estamos diante da dimensão estética e retórica da ciência da história. Tal dimensão, não deve ser vista como algo externo aos fundamentos científicos ou de menor importância. O conhecimento histórico empírico, obtido a partir da aplicação de métodos às fontes, está orientado por princípio, a se tornar historiografia, isto é, escrita da história. Os conteúdos empíricos reconstruídos por meio da pesquisa, precisam ser expostos em uma representação narrativa que estabeleça uma continuidade temporal entre passado, presente e futuro. Dessa forma, torna-se possível comunicar o sentido das experiências do passado. O quinto fator da matriz disciplinar da história são as funções de orientação existencial. A orientação está relacionada tanto com a motivação, quanto com a finalidade do conhecimento histórico, ou seja, ela está no princípio e no fim da história. Já vimos que para Rüsen, a história surge para responder um estímulo gerado pelas carências de orientação. O conhecimento histórico é uma resposta cultural ao fato dos homens existirem no fluxo do tempo, em circunstâncias que não conseguem dominar completamente. Assim, fica claro que as narrativas históricas não se preocupam apenas com o passado, mas também estão relacionadas com a vida prática no presente e com as expectativas em relação ao futuro. Nessa perspectiva, há uma íntima ligação entre as experiências do passado e a construção de identidade no presente. Como você percebeu, o campo da Teoria da História, trabalha com questões reflexivas e filosóficas. Por causa disso, muitas vezes podemos ser levados a confundir a Teoria da História com a Filosofia da História. O próximo tópico procurará esclarecer as semelhanças e diferenças entre os dois campos. 1.2 A diferença entre Filosofia da História e Teoria da História Sem dúvida um dos campos com os quais a Teoria da História mais dialoga em suas reflexões é a Filosofia. No entanto, é preciso atenção para não confundirmos a “Teoria da História” com a “Filosofia da História”. Retomando a distinção que estabelecemos no início do capítulo, a Teoria da História está ligada ao segundo sentido do conceito de História e procura investigar as condições de possibilidade das interpretações que os historiadores fazem sobre o passado. A “Filosofia da História”, por sua vez está ligada ao primeiro sentido do conceito de história, é uma reflexão sobre a história em si, isto é, sobre o sentido da própria realidade dos eventos do passado. A pergunta sobre o sentido e a finalidade da história, é elemento principal da Filosofia da História e a distingue da Teoria da História (PECORARO, 2009). Figura 3 - Contraste entre as ‘Filosofias da História’ e as ‘Teorias da História’. Fonte: Barros, 2012, p. 377. Nas palavras do pensador Karl Löwith, podemos definir a Filosofia da História como uma “interpretação sistemática da história universal, de acordo com um princípio, segundo o qual os acontecimentos e sucessões históricos se unificam e dirigem para um sentido final” (LÖWITH, s/d, p. 15). Em geral, no fim dessa marcha da história humana estaria a redenção ou realização de uma ideia, como os ideais de liberdade (Hegel) ou igualdade (Marx). Porém, ainda durante o século XIX, o desenvolvimento da História como ciência autônoma, tornou cada vez mais difícil acreditar em um sistema de pensamento que abarcasse todo o processo histórico, como era a proposta das Filosofias da História. Um primeiro conjunto de críticas foi desferido pelo historicismo alemão, uma corrente historiográfica que propunha a ênfase no particular e na individualidade como sendo as especificidades do método histórico. Partindo deste pressuposto, os historiadores construíam suas análises sobre o contexto de uma época, a partir das descobertas empíricas e da crítica documental e não de generalizações filosóficas universalizantes. As críticas dos historiadores às Filosofias da História, ficaram ainda mais intensas no século XX. Para evitar confusão entre a Teoria da História e a Filosofia da História vários autores Raymond Aron, Henri Marrou e W. Walsh, passaram a usar o termo “Filosofia Crítica da História” para designar suas reflexões teóricas. Em um livro datado de 1938, o pensador francês Raymond Aron defendia que era possível construir uma outra apreensão filosófica da história que não fosse especulativa e apriorística. Assim, a Filosofia Crítica da História não é uma visão panorâmica do conjunto da história humana, mas uma análise sobre as condições de possibilidade do conhecimento histórico (ARON, 1950). Dizendo de forma mais clara, a “Filosofia Crítica da História” é semelhante ao que chamamos de “Teoria da História”. Segundo R.G. Collingwood o termo “Filosofia da História” tem pelo menos, três significados. O primeiro, remonta ao filósofo Voltaire que criou o termo no século XVIII. Filosofia da História é o título do primeiro capítulo de sua obra chamada Ensaio sobre os costumes e o espírito das nações, publicada originalmente em 1756. Influenciado pelo Iluminismo esua crítica às tradições. Voltaire define a Filosofia da História como uma investigação histórica crítica ou científica, na qual o historiador resolve as questões por si próprio, sem precisar repetir as histórias já contadas anteriormente e sedimentadas na tradição. O objetivo do filósofo iluminista, era contrapor a história em que predominava o princípio da vontade e soberania divina à uma concepção de História em que prevalecesse a vontade e a razão humanas (LÖWITH, s/d). O segundo significado do termo Filosofia da História, está ligado ao filósofo alemão Hegel. No século XIX, Hegel apresentou sua filosofia da história, que era uma investigação sobre a História Universal. Hegel propôs uma investigação sistemática sobre o curso da história. Para ele, o processo histórico é racional e está orientado em direção a um fim determinado. O terceiro significado do termo Filosofia da História, está ligado ao positivismo de Augusto Comte. O principal intuito da filosofia positivista da história é descobrir as leis gerais que governam o curso dos acontecimentos. Abordaremos, adiante, com mais detalhes o positivismo de Comte. Com o objetivo de tornar ainda mais clara a diferença entre a Filosofia da História e a Filosofia Crítica da História, iremos conhecer melhor os argumentos propostos por Collingwood. Além de filósofo, Collingwood também era arqueólogo e se interessava muito por história. Sua principal obra chamada Ideia de História, foi publicada postumamente, com base nos cursos que ministrou na universidade de Oxford. Para ele, mais importante do que descobrir o sentido do passado em si mesmo, é investigar a forma como os historiadores pensam o passado e constroem o conhecimento histórico. Na parte final deste tópico, vamos expor quais são as quatro principais questões sobre as quais a Filosofia Crítica da História deve refletir, segundo Collingwood. As quatro questões são: a definição de História, o objeto da História, o procedimento ou método histórico e, por fim, a finalidade da História. Comecemos pela primeira, a definição de história. Collingwood destaca, que a História é uma modalidade especifica de investigação científica. Assim como as demais ciências, ela trabalha com a lógica “pergunta e resposta”. Ou seja, a História parte de um problema, e busca respostas para ele a partir de uma pesquisa nas fontes. Os documentos históricos, devem ser interpretados como respostas a problemas e não devem ser analisados de maneira isolada. As pesquisas cientificas se concentram em aspectos pouco conhecidos do passado e procuram conhece-los melhor. Um conhecimento cientificamente válido, propõe uma nova organização para o conhecimento já estabelecido e sugere uma resposta à pergunta feita no início da pesquisa. A segunda questão da qual a Filosofia Crítica da História se ocupa, é o objeto da História, que segundo Collingwood, é bastante simples: o objeto da História é formado as ações humanas praticadas no passado”. A terceira questão da Filosofia Crítica da História, tem como tema os procedimentos metodológicos da História. A respeito do método histórico, Collingwood afirma que ele é uma interpretação das provas e documentos históricos. Por documento, Collingwood entende algo que existe em um determinado lugar e tempo, e que pode fornecer informações sobre o passado quando é submetido às perguntas feitas pelo historiador. A quarta e última questão é a mais simples e, talvez, a mais difícil de responder: para que serve a História? Esta pergunta é tão complexa, que muitas vezes nem é colocada durante a formação dos historiadores. No entanto, acreditamos ser fundamental refletir sobre a finalidade do conhecimento histórico. Assim como Collingwood, acreditamos que a finalidade do conhecimento histórico é o autoconhecimento humano. Segundo o autor, quando estudamos história conhecemos melhor a natureza humana e quem temos sido ao longo do tempo. Conhecer a si mesmo é saber o que se pode fazer: “E como ninguém sabe o que pode fazer antes de tentar, a única indicação para aquilo que o homem pode fazer, é aquilo que já fez. O valor da história está então, em ensinar-nos o que o homem tem feito e, deste modo, o que o homem é” (COLLINGWOOD, s/d, p. 22). No próximo item, iremos conhecer, como funcionam as Filosofias da História de dois grandes pensadores do século XIX, Auguste Comte e Georg Wilhelm Friedrich Hegel. No artigo “Teorias da História e Filosofias da História: considerações sobre o contraste entre dois espaços de reflexão sobre o fazer histórico”, o historiador brasileiro José D’Assunção Barros (2011) sistematiza, de forma didática, a diferença entre os campos da Teoria e da Filosofia da História. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/15756/25784 (https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/15756/25784)>. VOCÊ QUER LER? 1.3 As ideias fundamentais de Auguste Comte e a Filosofia Positivista https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/15756/25784 O assunto deste tópico seria o positivismo e a Filosofia da História construída por Auguste Comte. Logo de início é importante lembrar que Comte está inserido em um contexto marcadamente cientificista, isto é, uma época que acreditava na superioridade da ciência sobre os outros modos de interpretar a realidade. Nossa abordagem está dividida basicamente em duas frentes. Na primeira, apresentaremos as principais características do positivismo como um modelo epistemológico no âmbito das ciências humanas. Na segunda, nosso foco incidirá sobre a filosofia da história desenvolvida pelo fundador do positivismo, o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). Figura 4 - Selo em homenagem ao centenário de morte do fundador do Positivismo, Augusto Comte. Fonte: Mohamed Monem, Shutterstock, 2018. O positivismo foi um dos paradigmas mais importantes das ciências humanas surgidos no século XIX. O termo “positivismo” foi criado por Auguste Comte e remete a necessidade de que todo o julgamento sobre a realidade seja confirmado pela experiência. Dessa forma, Comte acreditava ter livrado a ciência da influência tanto da teologia, quanto da metafísica. Em linhas gerais, o positivismo é um projeto científico cujo cerne é a defesa da experiência empírica e observável como o principal fundamento da produção de conhecimento (DOMINGUES, 2004). No paradigma positivista, o domínio do conhecimento se restringe aos fenômenos empiricamente observáveis e às relações entre eles. Ou seja, a tese é de que não se pode conhecer nada para além da experiência humana, não há qualquer garantia científica nos discursos que pretendem revelar as essências ou causas finais dos fenômenos (GARDINER, 2008). O filósofo brasileiro Ivan Domingues, importante estudioso da epistemologia das ciências humanas, sistematizou o paradigma positivista em três passos: 1) abordagem objetiva dos fenômenos tal como eles se oferecem à observação e à experiência empírica. Isso significa estar isento de preconceitos e não buscar por detrás dos fenômenos, nenhuma essência metafísica ou religiosa, o cientista deve buscar ser objetivo e neutro. 2) estabelecimento de nexos causais entre os acontecimentos (dizer que um evento aconteceu por causa de outro) e determinar as leis gerais que explicam os fenômenos. 3) comprovação dos nexos causais e das leis gerais por meio de sucessivas teses e experiências empíricas (DOMINGUES, 2004). O programa positivista para as ciências humanas, incluindo a história, consistia na extensão dos métodos das ciências naturais às ciências humanas. O principal objetivo era unificar as ciências sob o paradigma da física moderna, baseado na observação empírica e no estabelecimento de leis gerais. Mas como o historiador poderia fixar uma lei geral? Em 1942, o filósofo da ciência neopositivista Carl Hempel, escreveu um artigo defendendo que as leis gerais têm funções semelhantes nas ciências naturais e na história. Para ele, a principal função das leis gerais é combinar os eventos em fórmulas que levem à explicação e à previsão. Nesta lógica, o historiadornão produz uma mera descrição de eventos únicos e irrepetíveis do passado, pois, ao explicar esses acontecimentos, ele já pressupõe, mesmo que discretamente, um “esboço de lei” (HEMPEL, 2008). Por exemplo, quando ao explicar a ocorrência de uma revolução (como a Revolução Francesa ou a Revolução Mexicana), o historiador aponta a insatisfação social como uma causa, ele estaria pressupondo uma regularidade geral: sempre que há descontentamento generalizado da população a tendência é que se produza movimentos revolucionários de revolta social. Agora, na segunda parte do nosso tópico, nossas atenções se voltarão para a filosofia da história desenvolvida pelo positivista Auguste Comte. Como todas as filosofias da história, o positivismo parte da premissa básica de que a história é um processo dotado de sentido. A filosofia da história positivista, combina uma teoria do progresso com um interesse prático pelos problemas de organização social e política. Tudo isso, guiado pelo anseio de aplicar o método científico no estudo das sociedades humanas (GARDINER, 2008). CASO Aline é professora e pesquisadora de Teoria da História em uma universidade. Na sua aula sobre o positivismo, ela cita que para este modelo científico é possível encontrar algo como uma lei ou regularidade na história. Como seus alunos ficaram espantados com este raciocínio, Aline decidiu recorrer a um exemplo prático, citando o filósofo e historiador José Carlos Reis. Para Reis, os historiadores trabalham com uma regularidade implícita quando constroem explicações para os acontecimentos, dizendo que um ocorreu por causa do outro, como, por exemplo, quando afirmam: “os lavradores do Nordeste migraram para São Paulo porque a seca contínua, torna a sua vida precária. Regularidade subentendida: as populações tenderão a migrar para regiões que ofereçam melhores condições de vida” (REIS, 1996, p. 109). Assim, a turma entendeu melhor como os historiadores, apesar de trabalhar com acontecimentos singulares, também utilizam tendências ou regularidades implícitas. VOCÊ O CONHECE? Como dissermos acima, após a realização de sucessivas observações empíricas, o positivismo visa descobrir uma lei geral que explica os acontecimentos particulares. Para Comte, a lei geral do movimento histórico mostra que a história é um processo evolutivo dotado de sentido. Portanto, toda realidade histórica passa, necessária e invariavelmente, por três estados: (1) Teológico ou Fictício; (2) Metafísico ou Abstrato; e (3) Científico ou Positivo. Esses três estágios formariam a lei fundamental da marcha progressiva do espírito humano ao longo do tempo. Nesse esquema, o primeiro estágio é o ponto de partida necessário e o terceiro, é o ponto de chegada definitivo, sendo que o segundo tem a função de realizar uma transição entre o primeiro momento e o terceiro (COMTE, 2008). Auguste Comte viveu entre 1798 e 1857. É considerado como o fundador do Positivismo e da Sociologia. Sua formação aconteceu na Escola Politécnica de Paris, onde estudou medicina. Foi secretário do socialista utópico Saint-Simon, com quem rompeu relações em 1825. Seu projeto político era reorganizar a sociedade a partir da liderança de cientistas e técnicos. Figura 5 - O positivismo como paradigma científico e como Filosofia da História. Fonte: Elaborado pelo autor, 2017. Vamos estudar os principais traços de cada estágio. No primeiro estado chamado de teológico ou fictício, o espírito humano está preocupado em descobrir as causas primeiras e as causas finais de tudo o que acontece. Para tanto, o pensamento recorre a agentes sobrenaturais, como deuses, anjos, demônios e seres mitológicos, cuja ação explicaria tudo o que acontece no universo. O segundo estado é uma espécie de modificação do primeiro. No estágio metafísico os agentes sobrenaturais, são substituídos por princípios abstratos, tais como, as ideias de espírito, natureza e energia. No terceiro estado, o estágio positivo, segundo Comte, não há qualquer preocupação em explicar a origem ou o destino do universo. Em vez disso, o objetivo é descobrir as leis gerais que governam os acontecimentos. Para o fundador do positivismo essa mesma sequência pode ser observada na história pessoal de cada pessoa, cujo itinerário seria “teológico na infância, metafísico na juventude e físico na sua maturidade” (COMTE, 2008, p. 93). Para encerrar, vejamos as implicações políticas do pensamento positivista. Nesse sentido, é importante destacar a profunda influência desta filosofia no contexto brasileiro, sobretudo, em meados do século XIX e princípios do XX, como é possível perceber, inclusive, em nossa bandeira. A dimensão política do positivismo pode ser sintetizada nos seguintes lemas: “O Amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim” (BOSI, 2004, p. 19). Assim, vemos na atual bandeira do Brasil um lema positivista. Para Comte, o progresso aconteceria quando se passa de uma situação de desequilíbrio ou desordem, para um estado de justa proporção entre os elementos do conjunto: a ordem. No documentário O Rio de Janeiro da Belle Époque: Ciência, Lazer e Educação (BARRETO, 2015), Luiz Otávio Ferreira, professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, explica os principais aspectos da influência do positivismo na história brasileira. Para assistir acesse: <https://www.youtube.com/watch? v=-yiVQTZrRfg&t=177s (https://www.youtube.com/watch?v=-yiVQTZrRfg&t=177s)>. VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?v=-yiVQTZrRfg&t=177s Intelectuais brasileiros, chegaram a interpretar a passagem da monarquia à república, como sendo a transição do estágio metafísico ao estágio positivo na história brasileira já que, Comte sustentava que a monarquia estava presa às fases teológica e metafísica da História. A fase positiva, que sucede naturalmente as anteriores, seria constituída pelo trabalho livre e pela ditadura republicana. Figura 6 - Na bandeira do Brasil, a expressão “Ordem e Progresso” representa um lema positivista. Comte defendia que para haver Progresso era necessário haver Ordem. Fonte: Globe Turner, Shutterstock, 2018. No texto "O positivismo no Brasil: uma ideologia de longa duração", o crítico literário e membro da Academia Brasileira de Letras, Alfredo Bosi (2004), analisa a influência do ideal positivista nos períodos do segundo reinado e da primeira república. O artigo está disponível no site da Academia Brasileira de VOCÊ QUER LER? No Brasil os positivistas foram adeptos fervorosos do republicanismo, pois acreditavam que a monarquia e o seu mito do “direito divino dos reis”, isto é, a ideia de que o monarca seria um representante de Deus na terra, não passava de uma expressão do estágio metafísico. Em contrapartida, o republicanismo seria o regime político mais adequado ao contexto industrial e de avanço da ciência e tecnologia (BOSI, 2004). Neste tópico, você pôde perceber um pouco da grande influência da Filosofia da História positivista no século XIX. Entretanto, existiram outros modelos de Filosofia da História que também foram bastante influentes. No próximo item, você conhecerá melhor os detalhes do pensamento hegeliano sobre a história. Letras: <http://www.academia.org.br/abl/media/prosa43c.pdf (http://www.academia.org.br/abl/media/prosa43c.pdf)>. VOCÊ SABIA? Além de ser um paradigma científico e uma filosofia da história, o positivismo também fundou uma religião de caráter cientificista. Os seguidores de Comte fundaram A Igreja Positivista do Brasil em 1881, no Rio de Janeiro. O templo foi muito frequentado no final do século XIX e princípio do século XXI e possuía filiais no Rio Grande do Sul e no Paraná. Para saber mais sobre a igreja positivista no Brasil, acesse: <http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a- igreja-positivista-do-brasil/ (http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da- humanidade/a-igreja-positivista-do-brasil/)>. 1.4. O pensamento de Hegel e sua Filosofia da História No último tópico deste capítulo, vamos estudar os argumentos de uma das principais Filosofiasda História criadas no século XIX: o hegelianismo. Certamente, Hegel não foi o primeiro a propor uma Filosofia da História, mas, ainda assim, sua obra é a que oferece o material mais instigante. Em sua obra póstuma chamada Lições sobre a filosofia da história (publicada originalmente em 1837) ele afirmava que o único pensamento trazido pela filosofia para o pensamento da história, é a http://www.academia.org.br/abl/media/prosa43c.pdf http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-do-brasil/ ideia de que a razão governa o mundo, e portanto, a história universal é também um processo racional. Isso significa que cada evento ocorre porque é necessário para o desenvolvimento da história. Ou seja, nenhum acontecimento pode ser compreendido se não for inserido em uma totalidade de sentido. Vejamos qual o contexto histórico e intelectual de emergência do pensamento de Hegel. A filosofia hegeliana, está inserida no período da história da Filosofia conhecido como Idealismo Alemão. O Idealismo Alemão é uma corrente filosófica que se originou após o período de Kant e tem profundas relações com o romantismo. Embora seja uma perspectiva eminentemente especulativa, não devemos pensar que o idealismo de Hegel seja um sistema filosófico meramente no plano das ideias, sem interesse nos fenômenos da realidade concreta. O idealismo foi bastante influenciado por duas revoluções: a francesa e a kantiana. Da revolução francesa, o principal legado é a ideia de universalidade da liberdade civil e igualdade dos direitos políticos. Da obra de Kant, o principal legado é o princípio segundo a qual a razão humana deve ser tomada como a única autoridade legítima para o conhecimento e a ação. Esses dois conceitos – liberdade e razão – são fundamentais para a filosofia hegeliana da história. Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi um filósofo alemão que viveu entre 1770 e 1831. Hegel é um dos mais importantes representantes do idealismo alemão e seu sistema filosófico influenciou inúmeros pensadores como Karl Marx, Friedrich Engels, Wilhelm Dilthey, Giorgy Lukács, Theodor Adorno, Walter Benjamin e Slavoj Zizek. Sua obra mais importante é A fenomenologia do Espírito, de 1807 na qual desenvolveu os fundamentos de seu método dialético. VOCÊ O CONHECE? VOCÊ SABIA? Para analisarmos a filosofia da história hegeliana, vamos nos deter no texto A razão na história. Esse texto é uma introdução à obra Lições sobre a filosofia da história, que foi publicado postumamente, a primeira edição data de 1837, sendo que o filósofo morrera em 1831. Hegel não deixou nenhum manuscrito preparado sobre o tema, mas apenas anotações que utilizava na aula. Estas notas de aula foram suplementadas por anotações feitas pelos seus alunos. Dito isso, nosso primeiro objetivo será delinear os contornos da Filosofia da História hegeliana. O pressuposto básico é: “tudo o que é real, é racional e tudo o que é racional, é real”. Desde a primeira frase de A razão na história, Hegel deixa claro quais são seus interesses. O tema destas lições é a filosofia da história universal. A Filosofia da História hegeliana é uma reflexão sobre a natureza da história em si, sobre a questão do sentido do processo histórico. Retomando a distinção que fizemos no início do capítulo, trata-se de um pensamento sobre o primeiro sentido do conceito de história. Antes de apresentar sua proposta, a história filosófica ou filosofia da história, o filósofo alemão elenca outras formas de escrita da história. A primeira delas é a chamada História original, que se detém na descrição da ação e dos acontecimentos, sem se preocupar com uma reflexão filosófica, seu sentido último. A História original se caracteriza pela escrita de fatos vividos e testemunhados pelo próprio historiador. Nesse caso, o historiador compartilha do espírito da época em que o evento ocorreu. No entanto, segundo Hegel, sua abrangência temporal é limitada, o que a torna uma história bastante concreta e imediata, ainda quando recorre a relatos e testemunhos de outras pessoas. Esta seria a perspectiva da tradição iniciada por Heródoto e Tucídides. Hegel deixa clara que esta história não é reflexiva, pois o historiador vive o mesmo espírito dos acontecimentos e não consegue ultrapassá- lo. O segundo método é chamado por Hegel de História refletida. Essa perspectiva organiza o material histórico de tal forma a se preocupar com uma reflexão sobre a história universal. A história refletida pode ser de alguns tipos. Ela pode ser, por exemplo, uma história geral de um país, de uma cultura ou mesmo de toda a humanidade. Como a reflexão sobre a História Universal abarca longos períodos, o historiador precisa abrir mão da narração detalhada dos eventos, lançando mão O jovem Hegel ficou tão entusiasmado com a Revolução Francesa, que quando Napoleão Bonaparte passou em sua cidade natal, Iena, no território alemão, ele teria dito: eis aí o Espírito montado a cavalo! de abstrações. Outro exemplo de história refletida, é a chamada história pragmática. Essa história é escrita com finalidades morais, isto é, busca-se reanimar a história do passado em busca de reflexões morais que possam guiar a vida no presente. Segundo o historiador alemão, Reinhart Koselleck, a crença que era possível aprender lições com história, foi um pensamento de longa duração, que teve início na antiguidade clássica e perdurou até o século XVIII. Assim, a história foi vista com um saber por meio do qual os homens podiam aprender a serem sábios e prudentes, sem incorrer nos erros do passado (KOSELLECK, 1999). Hegel era totalmente contrário a esta perspectiva da História mestra da vida e chegou a se referir a ela de forma irônica, como podemos ver na passagem abaixo: Em geral se aconselha a governantes, estadistas e povos a aprenderem a partir das experiências da história. Mas o que a experiência e a história ensinam é que os povos e governos até agora jamais aprenderam a partir da história, muito menos agiram segundo suas lições. Cada época tem suas próprias condições e está em uma situação individual; as decisões devem e podem ser tomadas apenas na própria época, de acordo com ela (HEGEL, 2008, p. 15). Enfim, chegamos ao terceiro método de se escrever a História, para Hegel: a História Filosófica e Universal. Nessa perspectiva a ênfase recai sobre o Espírito que orienta o fluxo e o sentido dos acontecimentos da história do mundo. Além disso, embora os métodos da História e da Filosofia pareçam ser muito distintos – um está subordinado aos dados da realidade empírica e o outro produz suas ideias a partir da especulação, sem levar em conta os dados. Segundo Hegel, existe uma apreensão filosófica da História que não ameaça a autonomia desta em sua ligação com a matéria prima factual. Na concepção hegeliana, a história possui um objetivo universal. Nesse sentido, ele sustenta que: “o único pensamento que Figura 7 - Selo em comemoração ao centenário de nascimento de Hegel na Alemanha. Fonte: wantanddo, Shutterstock, 2018. a filosofia aporta é a contemplação da história; é a simples ideia de que a razão governa o mundo, e que, portanto, a história universal é também um processo racional” (HEGEL, 2008, p. 17). Isso implica que cada evento, ocorre porque é necessário para o desenvolvimento da história. Ou seja, nenhum acontecimento pode ser compreendido se não for inserido em uma totalidade de sentido. Como estamos vendo, para Hegel, tudo que acontece na história do mundo ocorre racionalmente, atende a um propósito. Nessa perspectiva, a razão é vista como a substância de todos os acontecimentos históricos. A substância é aquilo no qual, e através do qual toda a realidade tem seu ser e existência. A razão se nutre de si mesma, e realiza sua finalidade ao se exteriorizar na história do mundo. Aqui estamos diante do projeto ocidental da modernidade, pois a Razão é autossuficiente e tem em si mesma sua meta final. Em outras a palavras, a razão é autônoma e busca em si mesmo sua normatividade. Na perspectiva hegeliana,tudo o que acontece na história tem como objetivo e meta principal, fazer a consciência da liberdade progredir e avançar. Mesmo as catástrofes e as guerras podem ser usadas como meios para a realização dessa meta. Mas será mesmo que o mal e o sofrimento humanos, podem contribuir para o desenvolvimento da razão no mundo? A resposta será sim, se adotarmos o método dialético desenvolvido por Hegel. O termo dialética, em sua origem, expressa a ideia de dualidade. Na lógica dialética a realidade é, fundamentalmente, processo e mudança. A dialética é formada pela dualidade entre realidades contraditórias. Ela está dividida, basicamente, em três momentos: a tese (ou identidade), a antítese (ou negação) e a síntese (ou negação No vídeo Hegel e a razão histórica como justificação do drama histórico, o filósofo e professor da USP, Franklin Leopoldo Silva (2011) explica as principais características da Filosofia Hegeliana da História. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg (https://www.youtube.com/watch? v=hxFhMvy2FMg)>. VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg da negação). Hegel aplica a lógica dialética ao curso da História em si. Assim, até mesmo as contradições e conflitos da História, os momentos que parecem não ter nenhum sentido como uma guerra, por exemplo, são usados pelo Espírito como um impulso para o desenvolvimento da liberdade e da razão. Para que novos estágios da História surjam, é necessário que outros morram. “A consequência mais imediata da mudança, é que ela ao mesmo tempo em que implica dissolução, traz também consigo, o surgimento de uma vida nova, e que se a morte sai da vida, também a vida sai da morte” (HEGEL, 2008, p. 67). Na lógica dialética hegeliana, a destruição do existente parece cumprir um propósito para o avanço do desenvolvimento do processo histórico. Portanto, parece haver um sentido para as transformações e mudanças ocorridas. Na verdade, a mudança não é nada mais que a manifestação do Espírito se desenvolvendo e aperfeiçoando na história. O desenvolvimento dialético da história, consiste em negar as particularidades de cada estágio até que haja apenas a universalidade do espírito absoluto, a consciência total da liberdade. Por fim, vamos compreender porque, para Hegel, um meio privilegiado da realização do espírito é o Estado. Na Filosofia do direito, o Estado aparece como a instância que realiza os indivíduos na condição de cidadãos. Tal realização, ocorre devido a observância das leis e das instituições que afirmariam a liberdade individual. Nessa perspectiva não há oposição entre a liberdade individual e a instância estatal. De modo semelhante, na Filosofia da História, Hegel diz que o Estado é bem organizado quando seus objetivos gerais se conjugam com o interesse particular do cidadão. O Estado é a realidade na qual o indivíduo tem e desfruta sua liberdade (HEGEL, 2008). Em outras palavras, o Estado é visto como a forma histórica específica, na qual a liberdade adquire uma existência objetiva e usufrui de sua objetividade. Para Hegel, o Estado é o espaço que conjuga a moralidade particular com a moralidade universal. A História universal hegeliana, toma como objeto somente os povos que formaram um Estado. Uma das principais influências da filosofia hegeliana sobre a historiografia é, exatamente, a preferência pela história política, isto é, a escolha de tomar o Estado como o objeto mais apropriado da História. Na verdade, a relação entre Hegel e os expoentes da escola histórica alemã foi ambivalente. Não obstante as críticas que apresentavam ao teleologismo de Hegel, Ranke – importante historiador germânico – assinalava que uma das exigências do ofício do historiador, era a escrita de uma História Universal, pois ainda que contingente, o processo histórico seria dotado de sentido, ou seja, existiria a noção de um desenvolvimento, um vínculo que conecta os acontecimentos particulares a um contexto mais amplo, à sua própria época (RANKE, 2010). Síntese Chegamos ao fim deste conteúdo. Vimos aqui a importância da Teoria da História para o ofício do historiador e suas principais características, e conhecemos alguns historiadores e suas correntes filosóficas e teóricas. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: compreender a definição de Teoria da História; distinguir as características da Teoria da História e da Filosofia da História; relacionar os principais pontos do positivismo como paradigma científico e filosófico, que influenciou a Teoria da História; compreender as bases da Filosofia da História de Hegel e sua influência sobre a Teoria da História. Referências bibliográficas ARON, R. La philosophie critique de l’histoire: essai sur une théorie allemande de l’histoire. 2. Ed. Paris: J. Vrin, 1950. BARRETO, M. R. O Rio de Janeiro da Belle Époque: Ciência, Lazer e Educação. Direção e Produção: Maria Renilda Barreto. Rio de Janeiro, 2015. BARROS, J. A. Teoria da História. Volume 1: Conceitos e princípios fundamentais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. BARROS, J. A, ‘Teorias da História’ e ‘Filosofias da História’: considerações sobre o contraste entre dois espaços de reflexão sobre o fazer histórico. Anos 90 (UFRGS), v. 20, p. 111-121, 2012. 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