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Diferenças entre as traduções de "O Corvo" feitas por Machado de Assis e Fernando Pessoa

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS 
FACULDADE DE LETRAS 
CRÍTICA LITERÁRIA 
 
DIFERENÇAS ENTRE AS TRADUÇÕES DE “O CORVO” FEITAS POR 
MACHADO DE ASSIS E FERNANDO PESSOA 
 
Luciana Vasconcelos da Costa 
 
O escritor americano Edgar Alan Poe (1809 – 1847) se tornou famoso por suas 
contribuições literárias, mais precisamente pelo uso do macabro e sobrenatural que eram 
constantes em seus trabalhos, como, por exemplo, nos contos O Gato Preto e Tell Tale 
Heart (1843). Poe também se aventurou no campo poético com Annabell Lee (1847), mas 
foi com O Corvo (1845) que ele atingiu o sucesso. Este, narra a história de um homem que 
sofre com a perda de sua amada, surpreendido por um corvo que adentra seus aposentos. 
Tamanho sucesso desse poema fez com que ele recebesse traduções ao redor do mundo. 
No Brasil, O Corvo foi traduzido por Machado de Assis em 1883 seguido de outros 
escritores, entre eles Fernando Pessoa em 1924. É interessante que cada um desses dois 
escritores tenha se fixado em pontos distintos do texto no momento de sua tradução, fosse 
numa tentativa de manter a rima ou a mensagem original da história escrita por Poe. 
O primeiro aspecto que deve ser levado em consideração quando se trata de uma 
tradução de O Corvo é o uso dos sons dentro do poema utilizados por Edgar Allan Poe. O 
texto Intertextualidades, escrito por Graça Paulino, traz uma breve afirmação da teoria do 
próprio autor sobre como as traduções de seu poema deveriam ser feitas. Entretanto, ela 
mesma aponta que nem sempre tais elementos são seguidos: 
 
O próprio poeta já havia teorizado sobre seu processo de criação, mostrando as 
associações fônicas e os efeitos de sentido buscados. Isso daria a qualquer 
tradutor a impressão de que, obrigatoriamente, essas intenções deveriam ser 
respeitadas. No entanto, o simples fato de existirem diversas traduções desse 
texto mostra que tal não acontece. (PAULINO, 2005, p.44) 
 
O que se perde na tradução feita para a Língua Portuguesa, assim como para 
qualquer outra língua, é a interpretação do significado que a palavra encontrada no final do 
último verso a partir da oitava estrofe possui. Esses últimos versos de cada estrofe do 
poema original trazem a idéia de loucura do eu lírico, o qual obtém as respostas de suas 
perguntas através de um corvo que estaria conversando com ele “Quoth the Raven, 
 
 
3 
Nevermore”. Nevermore seria a forma como o eu lírico interpretou o som feito pelo corvo, 
enquanto que nos finais de estrofe nas traduções para a Língua Portuguesa, a interpretação 
do som da ave seria impossível, pois o mesmo escuta as palavras “nunca mais” provindas 
de um animal incapaz de produzir sons semelhantes. 
Se analisado o número de versos e estrofes na tradução do poema feita por 
Machado de Assis, veremos que uso da teoria de Poe não se faz presente em algumas 
estrofes. O poema original foi escrito em dezoito estrofes contendo seis versos cada. 
Machado, assim como Fernando Pessoa, manteve as dezoito estrofes, mas utilizou dez 
versos em cada uma, enquanto Pessoa manteve o mesmo número da versão original. 
Conforme o texto Intertextualidades nos mostra, o processo de tradução passou a ser visto 
de outra maneira, não somente como um processo tradutório, mas pelo papel de 
intertextualidade que exerce: 
 
Mais modernamente, a atividade de tradução ganhou outros contornos, 
principalmente por ter sido percebida como uma forma de intertextualidade, 
quase como um seu sinônimo. Nesse sentido, aproxima-se da paráfrase, 
"principalmente quando à possível liberdade do tradutor de se nutrir de outros 
textos (além do original) livrando-se, conseqüentemente, da prisão à formula 
única e redutora". (SOUZA, 2005, p.43) 
 
O texto livre do original pode ser encontrado na segunda estrofe do poema 
traduzido por Machado de Assis e Fernando Pessoa. No texto original, o eu lírico passa ao 
leitor toda a sua tristeza pela perda de sua amada e como ele tenta diminuir tal dor lendo 
seus livros. Entretanto, em nenhum momento ele demonstra sentir saudade dessa pessoa, 
ao mesmo tempo em que ele se utiliza de adjetivos para descrever sua amada. “From my 
books surcease of sorrow, sorrow for the lost Lenore / For the rare and radiant maiden 
whom the angels name Lenore,”. Machado criou uma leitura diferente da mesma estrofe. 
Na sua tradução, ele deu ao eu lírico uma dor ainda maior, adicionando ao texto elementos 
como “dor esmagadora”. Ao se referir a sua amada, ele não menciona suas características, 
apenas nos diz que os anjos a chamam de Lenora e que a mesma ora nos céus “Sacar 
daqueles livros que estudava / Repouso (em vão!) à dor esmagadora / Destas saudades 
imortais / Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.” O mesmo pode ser percebido na 
tradução de Fernando Pessoa. Enquanto, no texto original, o eu lírico tem um desejo pelo 
dia seguinte “Eagerly I wished the morrow”, o do texto de Fernando Pessoa sente a 
necessidade da madrugada “Como eu qu'ria a madrugada”. Diferente de Machado, Pessoa 
utiliza um vocabulário mais refinado ao se referir ao anjos como “hostes celestiais”. 
 
 
4 
Uma grande diferença entre as duas traduções da segunda estrofe do poema é o 
último verso. No texto escrito por Edgar Allan Poe, o eu lírico dá a idéia de que a dor de 
sua amada é algo que só ele pode sentir quando diz “Nameless here forevermore”. De 
acordo com o dicionário Michaelis a tradução da palavra “here” para Língua Portuguesa 
seria “aqui”. Dessa forma, o “aqui” do eu lírico poderia ser tanto o lugar onde ele vive 
como também a dor que ele carrega. Fernando Pessoa consegue manter essa idéia na sua 
tradução ao escrever para o mesmo verso, “Mas sem nome aqui jamais”, tendo a palavra 
“aqui” como ponto específico. Machado por sua vez torna a dor do eu lírico mais ampla ao 
escrever “E que ninguém mais chamará”, dando a entender que tanto a personagem, como 
qualquer outra pessoa, jamais poderá chamar o nome dessa pessoa tão importante para o eu 
lírico. 
 De acordo com o Dicionário de Semiótica, “entende-se por tradução a atividade 
cognitiva que opera a passagem de um enunciado* dado em outro enunciado considerado 
como equivalente”. Com base nessa afirmação é possível fazer uma análise, por exemplo, 
na sexta estrofe do poema original e suas traduções. Edgar Alan Poe nos apresenta um eu 
lírico está ouvindo sons estranhos que parecem vir de sua janela, como se alguém estivesse 
batendo na mesma. Ele então toma coragem e, ao analisar a janela, percebe que era apenas 
o vento que provocava tais sons. Fernando Pessoa conseguiu expressar a mesma idéia do 
poema original, mesmo tendo que fazer as devidas adaptações para um melhor 
entendimento do leitor em Língua Portuguesa: 
 
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo, 
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. 
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela. 
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais." 
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. 
"É o vento, e nada mais”. 
 
Tais alterações feitas por Pessoa, com a finalidade de tornar o poema mais 
acessível e interessante ao leitor, são explicadas através do livro The Poetics of 
Translation: history, theory, practice, escrito por Willis Barstone. Nele, o autor afirma que 
a arte da tradução se dá a fins de educar, informar ou até mesmo exaltar os valores 
literários: “Translation not only transforms other literatures, their authors and translating 
 
 
5 
authors, but in repressive societies serves specifically as an instrument to educate, inform, 
and alter political and hence literary values” (BARNSTONE, 1993, p. 123)1. 
Podemos perceber na tradução da décima primeira estrofe feita por Machado de 
Assis que ele não se preocupou em passar a idéia do poema de Poe. Na versão original, é 
mencionado o fato do corvo, na mitologia, ser considerada a ave ligada ao futuro 
indesejável quandoa ave é caracterizada negativamente nos versos “Fancy unto fancy, 
thinking what this ominous bird of yore, / What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and 
ominous bird of yore”, enquanto que em sua tradução, Machado apenas utilizou “ave do 
medo”. Fernando Pessoa foi mais além nessa mesma estrofe. Mesmo em sua tradução, ele 
se utilizou de palavras que pudessem passar a idéia do poema de forma clara e objetiva 
como, por exemplo, chamando tal ave de agoureira de tempos passados: 
 
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, 
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; 
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira 
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais, 
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais, 
 
A penúltima estrofe dos poemas demonstra o magnífico trabalho feito por Fernando 
Pessoa em sua tradução. No poema original, Poe utilizou a palavra “fiend” que, de acordo 
com o dicionário Oxford Advanced Learners, era utilizado no inglês antigo para se referir a 
um espírito do mau, como um demônio, por exemplo. A estrofe também nos mostra que o 
eu lírico ordena que o corvo se retire de sua residência, e que ele, eu lírico, possa continuar 
vivendo com a dor da perda de sua amada. Lendo a tradução de Fernando Pessoa para a 
penúltima estrofe, podemos perceber que o mesmo conseguiu passar a ideia do poema 
original: 
 
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte! 
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! 
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! 
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais! 
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!" 
 
Com base nas traduções que o poema O Corvo recebeu por Machado de Assis e 
Fernando Pessoa, pode se perceber que este, mesmo traduzindo se preocupou em tentar 
 
1 Tradução Livre: Tradução não apenas transforma outras literaturas, seus autores ou autores traduzidos, mas 
em sociedades repressivas serve especificamente como um instrumento para educar, informar, e al e exaltar 
os valores literários. 
 
 
6 
manter a essência do texto original, desde o número de versos, até a mensagem criada por 
Edgar Alan Poe em 1945. Machado tentou incorporar em seu texto o vocabulário mais 
refinado da Língua Portuguesa, fazendo com que isso deixasse sua mensagem um tanto 
quanto distante do original. 
 
REFERÊNCIAS 
 
BARNSTONE, W. The Poetics of Translation: history, theory, practice. New Haven: 
Yale University Press, 1993. 
 
GREIMAS, A. J. COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008. 
 
HORNBY, A. S. OXFORD Advanced Learner’s Dictionary. Oxford: Oxford University 
Press, 2005. 
 
PAULINO, Graça. Intertextualidades. São Paulo: Formato, 2005. 
 
ASSIS, Machado. O Corvo. Disponível em: 
http://virtualbooks.terra.com.br/artigos/o_corvo/Machado_de_Assis.htm. Acesso em: 18 
jan. 2010. 
 
DAGHLIAN, Carlos. A recepção de Poe na literatura brasileira. Disponível em 
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/viewFile/6370/5927. Acesso 
em: 18 jan. 2010. 
 
Dicionário Online Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br. Acesso em: 21 
jan. 2010. 
 
PESSOA, Fernando. O Corvo. Disponível em: 
http://virtualbooks.terra.com.br/artigos/o_corvo/Fernando_Pessoa.htm. Acesso em: 18 jan. 
2010.

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