Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 1 DIREITO E RAZÃO: TEORIA DO GARANTISMO PENAL LUIGI FERRAJOLI PRIMEIRA PARTE: Epistemologia – A Razão no Direito Penal 1. COGNITIVISMO OU DECISIONISMO 1 O MODELO GARANTISTA 1.1 A epistemologia garantista • Direito penal dos ordenamentos desenvolvidos é um produto predominantemente moderno e, embora funde-se em teorias com acepções distintas e inclusive muitas vezes contraditórias entre si, fundadoras de abusos, têm como escopo a tutela do sujeito contra as arbitrariedades do Estado; • Independente da heterogeneidade e ambivalência dos pressupostos teóricos e filosóficos de tais teorias, elas contém princípios que, em seu conjunto, formam um esquema epistemológico de identificação do desvio que visa a maior racionalidade e confiabilidade possível; • O esquema epistemológico para identificação do desvio envolve, diz o autor: 1) Definição legislativa daquilo que é crime → garantias penais; 2) Comprovação jurisdicional do desvio punível → garantias processuais. 1.2 Convencionalismo penal e legalidade estrita • O convencionalismo penal resulta do princípio da legalidade estrita: determinação abstrata e clara do que é punível à aplicação concreta; • O convencionalismo passa por duas condições: 1) Caráter legal/formal: definição do desvio abstratamente. Corresponde a chamada reserva legal e impõe a submissão a lei sob dois aspectos: a) Somente é proibido aquilo que é previsto em lei, não podendo o juiz valorar como punível fato que não fora previamente definido como tal. Restringe a aplicação legal nos termos do que fora formulada → Princípio da reserva legal sob a perspectiva da “mera legalidade”, diz o autor, que se dirige ao juiz para que aplique as “leis tais como são formuladas” (p. 31); b) Somente lei assim considerada, e regulamentar pode implicar punição. Somente regras de comportamento que estabelecem punição são legítimas penalmente → Princípio da reserva legal sob a perspectiva da “estrita legalidade”, que se dirige ao legislador, na hora de formular a lei que será o único instrumento possível à aplicação do direito penal; 2) Caráter fático/empírico: definição que faz referência não a figuras subjetivas de status ou de autor, mas em figuras objetivas/empíricas de comportamento; • As consequências do convencionalismo são dois efeitos fundamentais da teoria clássica do direito penal e da civilização jurídica liberal: Nulla poena et nullum crime sine lege + Nulla poena sine crime et sine culpa Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 2 ➢ Garantia de uma esfera intangível de liberdade: Nada do que a lei não proíba é punível, de forma que o sujeito é livre ou esta permitido; e ➢ Garantia de igualdade jurídica entre cidadãos perante a lei: A lei se aplica à condutas, e não a pessoas, e nunca poderá ser subjetiva; 1.3 Cognitivismo processual e estrita jurisdicionalidade • O segundo elemento da epistemologia garantista é associado ao primeiro (o convencionalismo ou legalidade estrita) como sua condição de efetividade pois é a determinação concreta daquilo que será considerado crime; • O cognitivismo processual, ou estrita jurisdicionalidade, como prefere chamar o autor, exige, diz ele, duas condições: 1) A verificabilidade ou refutabilidade da hipótese acusatória: O juízo penal somente pode ser realizado diante da “comissão de um fato univocamente descrito e indicado como delito não apenas pela lei, mas também pela hipótese da acusação, de modo que resulte suscetível de prova ou de confrontação judicial” (p. 32) e em que seja realizado adequado procedimento para tal; 2) A comprovação empírica ou da verificação ou da refutabilidade: Somente hipóteses devidamente comprovadas/provadas como crime é que serão assim consideradas. É daí que deriva “um modelo teórico e normativa do processo penal como processo de cognição ou de comprovação, onde a determinação do fato configurado na lei como delito tem o caráter de um procedimento probatório de tipo indutivo, que, tanto quanto possível, exclui as valorações e admite só, ou predominantemente, afirmações ou negações – de fato ou de direito – das quais sejam predicáveis a verdade ou a falsidade processual” (p. 32). E, aí, atuação judicial torna-se peculiar pois ao mesmo tempo que vinculada (a lei), é também discricionária na definição de aplicação desta. • As consequências do cognitivismo junto com a concepção convencionalista que o complementa é assegurar dois resultados ético-políticos da cultura da ilustração (liberalismo/iluminismo), diz o autor: ➢ Valor da certeza na determinação do fato punível, “confiada não a valorações extemporâneas e contingentes post factum, mas exclusivamente à taxativa formulação legal e judicial de pressupostos típicos gerais e abstratos” (p. 33) que são possíveis de serem verificados; e ➢ Separação entre direito e moral e direito e natureza: É a convenção jurídica que determina se aquele fato, específico, constituí ou não crime, e não eventual “Imoralidade intrínseca” ou “anormalidade” – isto é, “a condenação de quem se tenha comprovado ser responsável não é um juízo moral nem um diagnóstico sobre a natureza anormal ou patológica do réu” (p. 33). 1.4 Garantismo e utopia liberal. Quadro dimensões do poder judicial • O esquema epistemológico comentado e o modelo garantista liberal que nele se informa, inicia o autor, tem o problema do idealismo, na medida em que “a ideia de um silogismo judicial perfeito, que permita a verificação absoluta dos fatos legalmente puníveis corresponde, como veremos (...), a uma ilusão metafísica” que Nulla poena et nulla culpa sine iudicio + Nullum judicium sine probatione Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 3 vai desde a dificuldade em definir o conceito de verdade como os critérios utilizados para tal – há discricionariedade e espaços de poder específico, diz Ferrajoli; • Assim, por melhor que seja o sistema de garantias penais, para tanto, inevitável é o espaço de poder judicial que nele se aplica, que se ramifica, diz o autor, em: 1) Poder de indicação/interpretação/verificação jurídica: a interpretação da lei não é mera atividade recognitiva, mas “fruto de escolha prática a respeito de hipóteses interpretativas alternativas” (p. 33), de forma que se exerce poder inevitavelmente na indicação ou qualificação jurídica dos fatos julgados; 2) Poder de comprovação probatória/verificação fática: A prova empírica de fatos penalmente relevantes, indispensável a sua definição, não é atividade apenas cognitiva, mas “uma conclusão mais ou menos provável de um processo indutivo, cuja aceitação é, por sua vez, um ato prático que expressa um poder de escolha a respeito de hipóteses explicativas alternativas” (p. 34); 3) Poder de conotação/compreensão equitativa: O juiz, além da interpretação e verificação fática, também deve “discernir as conotações que convertem cada fato em diverso dos demais” e, nisso, também há atividade valorativa sua; 4) Poder de disposição/valoração ético-política: Considerando que o modelo penal garantista não se satisfaz, e nem teria como, no plano legislativo, “o juiz, ainda quando em contraste com a natureza de seu papel, não pode subtrair-se à responsabilidade política das escolhas e decisões” inerentes ao processo (p. 34). • Trazidas tais “incongruências”, quedemonstram a utopia do sistema liberal garantista, o autor propõe que seja ele reconstruída analiticamente a fenomenologia do juízo e, partir diz, diz ser necessária “uma nova fundamentação da epistemologia garantista e das técnicas legislativas e judiciais, idôneas para satisfazê-la” (p. 34); • Sobre tais poderes, então, o autor diz que neste trabalho desenvolverá a hipótese de que enquanto “os espaços que constituem o poder de cognição são de certa forma irredutíveis e fisiológicos, o espaço deixado em aberto ao poder de disposição é o produto patológico de desvio e disfunções politicamente injustificadas dos três primeiros tipos de poder; e que as garantias penais e processuais representam precisamente aquele conjunto de técnicas de definição e de comprovação dos pressupostos da pena orientadas a reduzir do maior modo possível o poder judicial arbitrário e a satisfazer o modelo, mesmo que de maneira parcial e tendenciosa”- e é justamente aí que propõe traçar um modelo parâmetro garantista. 2 OS MODELOS AUTORITÁRIOS 2.1 A epistemologia inquisitiva • Em oposição ao sistema garantista estão os sistemas/concepções inquisitivos que, existem muito antes do garantismo e, assim, influem sobremaneira na divergência que se vê entre teoria e prática na atividade jurídica, indo “dos esquemas pré- modernos da inquisição às modernas teorias da prevenção especial, da defesa social ou do tipo normativo de autor, em suas múltiplas variantes moralistas, antropológicas, de decisão e de eficácia” (p. 35); • Para estudar o modelo antigarantista o autor propõe, na mesma linha do que fez quanto ao modelo garantista, e análise dos dois aspectos que caracterizam a Juntos compõem o poder de cognição Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 4 ideologia: um relativo à definição normativa e, o outro, relacionado à comprovação judicial do desvio penal. 2.2 Substancialismo penal e cognitivismo ético • Quanto a definição normativa, o modelo garantista ronda o substancialismo penal e o cognitivismo ético, diz o autor, ou seja, de acordo com essa concepção “o objeto de conhecimento e de tratamento penal não é apenas o delito enquanto formalmente previsto em lei, mas o desvio criminal enquanto em si mesmo imoral ou anti-social e, para além dela, a pessoa do delinquente, de cuja maldade ou anti-sociabilidade o delito é visto como uma manifestação contingente, suficiente, mas nem sempre necessária para justificar a punição” (p. 35); • As versões desta ideia vão desde as doutrinas moralistas, que consideram o delito um pecado, às naturalistas, que veem o sujeito como anormal/patológico, até as pragmáticas e utilitaristas, que conferem ao delito visão de sintoma alarmante da periculosidade do autor, desbocando, pois, no plano das técnicas jurídicas, não apenas na desvalorização do papel da lei como critério exclusivo e exaustivo de definição dos fatos desviados (tipos muito abertos), mas, inclusive, em hipóteses extremas de definição pura e simples do sujeito a ser punido (“tipo de autor”); • Nesta seara produz-se “um esvaziamento objetivo daquela garantia fundamental que é o princípio de estrita legalidade” em que “a tentação comum a todas essas técnicas (...) é, na realidade, punir não quia prohibitum, senão quia peccatum e, em consequência, perseguir nem tanto pelo que se fez, senão pelo que é” (p. 36); • O efeito é que, “enquanto o convencionalismo penal comporta a rígida separação entre o direito e outros critérios extrajurídicos de qualificação ou de valoração, além de igualdade dos sujeitos e dos âmbitos seguros de liberdade negativa, o substancialismo penal, ao revés, está informado pela confusão entre direito e moral, ou entre direito e natureza, permitindo discriminações subjetivas e invasões incontroláveis na esfera de liberdade dos cidadãos” (p. 36); 2.3 Decisionismo processual e subjetivismo inquisitivo • Na esteira do substancialismo penal e cognitivismo ético esta o decisionismo processual e subjetivismo inquisitivo, que implicam no caráter não cognitivo, mas potestativa do juízo e da irrogação de pena; • Nesses sistemas analisa-se, portanto, não os fatos, mas o réu, e tal análise implica, justamente por isso, mais em espécie de valoração, diagnóstico ou até suspeita subjetiva daquele que julga do que se baseia em provas de fato. Assim, enquanto “o primeiro fator de subjetivação gera uma perversão inquisitiva do processo, dirigindo-o não no sentido da comprovação de fatos objetivos (ou para além dela), mas no sentido da análise da interioridade da pessoa julgada”, por seu turno “o segundo degrada a verdade processual, de verdade empírica, pública e intersubjetivamente controlável, em convencimento intimamente subjetivo e, portanto, irrefutável do julgador” (p. 37); • Este modelo, por basear-se em valorações e não na legalidade, degenera naquilo que o autor chamou de um “juízo sem verdade” (analisa não os fatos) e tem intrínseca natureza autoritário, da qual não se vê a jurisdição efetivamente – isto porque, Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 5 “juris-dição”, diz Ferrajoli, “designa um procedimento de comprovação dos pressupostos da pena que se expressa em assertivas empiricamente verificáveis e refutáveis” e algo distinto disso não pode ser chamado de jurisdição (p. 37); • Assim, em modelos tais a atividade desenvolvida não é jurisdicional, entende o autor, mas administrativa, “de política ou governativa”, pois “a estrita legalidade, como melhor veremos, constitui, ao final e ao cabo, o traço distintivo da jurisdição penal: no sentido de que seus pronunciamentos, diferentemente do que ocorre em qualquer outra atividade pública, a lei pretende predeterminar não apenas as formas, mas também os conteúdos” (p. 37). 2.4 A alternativa entre a verdade formal e verdade substancial • Entre o juspositivismo e o jusnaturalismo se manifesta, como alternativa, no distinto tipo de verdade que cada modelo segue: enquanto o modelo substancialista se apoia na chamada “verdade real”, substancial ou material, absoluta e onicompreensiva sobre os fatos, o modelo formalista adstringe-se a uma verdade formal, ou processual, relativa a fatos apenas penalmente relevantes; • A verdade proposta pelos garantistas, pois, é uma verdade que: 1) Se circunscreve a hipótese acusatória formulada de acordo com a lei; 2) Deve basear-se em provas fruto de técnicas estabelecidas normativamente; 3) É sempre uma verdade provável e opinitiva, e não absoluta; e, ainda 4) Na dúvida, ou na falta de acusação ou de provas ritualmente formadas, prevalece a presunção de não culpabilidade, ou seja, “da falsidade formal ou processual das hipóteses acusatórias” (p. 38); Este é, justamente, finaliza o autor, o valor e o preço do formalismo, “que no direito e no processual penal preside normativamente a indagação judicial, protegendo, quando não seja inútil nem vazio, a liberdade dos cidadãos, justamente contra a introdução de verdades substanciais, tão arbitrárias quanto incontroláveis” (p. 38). 3. O PROBLEMA DA VERDADE PROCESSUAL 3.1 O juízo penal como saber-poder. Garantismo e verdade. • Como visto até aqui, a oposição entre autoritarismo e garantismo corresponde a uma espécie de alternativa entre duas epistemologias judiciais distintas, elenca o autor: GARANTISMO AUTORITARISMO • Cognitivismo • Decisionismo • Comprovação • Valoração • Prova • Inquisição • Razão • Vontade • Verdade • Potestade • Quando a verdade, é de se observar que embora a integralidade do conceito não passe de uma utopia,importante é buscá-la: o juízo penal, e toda a atividade judicial, implica em um “saber-poder”, “quer dizer, uma combinação de conhecimento (veritas) e de decisão (auctoritas) de forma que quanto maior é o poder, tanto menor será o saber, e vice-versa” – e é justamente a fim de reduzir o poder autoritário que a verdade representa o saber limítrofe; • Em um modelo ideal de justiça (Montesquieu) o poder seria nulo; na prática, o que muitas vezes é nulo é o saber. Assim, embora reconheça, o autor, que o modelo vs. Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 6 iluminista de “perfeita ‘correspondência’ entre previsões legais e fatos concretos e do juízo como aplicação mecânica da lei é uma ingenuidade filosófica viciado pelo realismo metafísico”, observa, neste passo, que “disso se pode, no entanto, salvaguardar o valor teórico e político se – e somente se – for redefinido como modelo limite, nunca plenamente alcançável, senão apenas aproximável e, sobretudo, se forem esclarecidas as condições na presença das quais este pode ser mais ou menos satisfeito” (p. 38); • Sob essa perspectiva, para o autor as garantias legais e processuais são além de uma garantia de liberdade, também uma garantia de verdade, e é por isso que definir “verdade formal” ou “processual” é tão importante, diz ele: pois é somente com base em uma teoria de verificabilidade que considere a verdade, em suas naturais limitações, que é possível diminuir o poder através da construção do saber e, assim, garantir a aplicação de preceito tão caro a sociedade (valor social da verdade é alto). 3.2 A concepção semântica da verdade processual como “correspondência”. Verdade fática e verdade jurídica. • No intento de reabilitar o conceito de “verdade processual”, o autor parte que a proposição de verdade, no processo, sob duas perspectivas: uma fática, em que se estabelecem por indução os fatos ocorridos a partir da prova da ocorrência do fato e da imputação ao sujeito, e outra jurídica, ou de direito, em que a dedução ganha tom para definir a lei/norma aplicável ou não ao caso através da interpretação do significado dos enunciados normativos que qualificam aquele fato como delito; • A partir dessa perspectiva, surge o questionamento de, afinal, o que é verdade. O autor propõe uma resolução que é, de certa maneira, simples, de Tarski, em que verdade é correspondência. Isto é: independente da epistemologia adotada, ou seja, da forma como se compreende que se chegue a essa verdade, certo é que “uma proposição jurisdicional será (processual ou formalmente) verdadeira se, e somente se, é verdadeira tanto fática quanto juridicamente, no sentido assim definido. Segue a preposição de que “a neve é branca é uma proposição verdadeira se, e somente se, a neve é branca” → como isso será definido, é outra questão; • Embora intuitiva a noção de verdade como correspondência, admite o autor, a concepção tarskiana é importante pois ao não se comprometer “com o propósito metafísico da existência de uma correspondência ontológica entre as teses das quais se predica a verdade e a realidade às quais elas se referem”, limita-se a uma definição nominal, e não real (p. 41), referindo-se, pois, a preposições de verdade, e não a respeito da verdade em si. 3.3 A verdade processual como verdade aproximativa • A verdade “real”, “absoluta” ou “objetiva” é, como já disse o autor, sempre a expressão de um ideal inalcançável, uma ingenuidade epistemológica/metafísica. Toda teoria ou preposição esta em construção e é passível de mudança, de forma que, no máximo, pode-se dizer, quando se descobre a falsidade de certa tese, que esta deve ser rechaçada – não sendo nunca possível, ao revés, afirmar sem dúvidas que uma afirmação não poderá, a algum momento, ser negada; • Assim, diz o autor, “a ‘verdade’ de uma teoria científica e, geralmente, de qualquer argumentação ou proposição empírica é sempre, em suma, uma verdade não Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 7 definitiva, mas contingente, não absoluta, mas relativa ao estado dos conhecimentos e experiência levados a cabo na ordem das coisas de que se fala, de modo que, sempre, quando se afirma a ‘verdade’ de uma ou de várias proposições, a única coisa que se diz é que estas são (plausivelmente) verdadeiras pelo que sabemos sobre elas, ou seja, em relação ao conjunto dos conhecimentos confirmados que dela possuímos” (p. 42); • A noção de “verdade” é, pois, uma aproximação, acercamento, que não deve se propor, como disse Popper, a refletir/ser a verdade objetiva, mas apenas uma noção, um modelo, “um princípio regulador que nos permita asseverar que uma tese ou uma teoria é mais plausível ou mais aproximativamente verdadeira e, portanto, preferível a outras por causa do seu maior ‘poder de explicação’ e dos controles mais numerosos a que foi submetida com sucesso” (p. 42); • À verdade processual também se da por aproximação e aquela ideia iluminista de “verdade absoluta” resta apenas como modelo limite/ideal, se assemelhando pois as verdades científicas em geral – a diferenças podem ser registradas, no máximo, quanto a duas questões, observa o autor: a) alguns limites específicos deste tipo de verdade que versa sobre proposições jurisdicionais e b) condições semânticas e pragmáticas, da verificabilidade/verificação processual (como é obtida); 4. OS LIMITES DA VERDADE PROCESSUAL 4.1 A indução fática e a verdade provável da conclusão • As razões para que a verdade processual seja apenas aproximada são em parte comum, e em parte distintas, das razões pela qual a verdade científica assim o é; • O autor elenca as 4 razões que entende que operam como limites intrínsecos à verdade das preposições processuais e comenta, primeiramente, que em razão de a verdade processual fática ser uma verdade histórica, e a jurídica uma verdade classificatória, que envolve interpretação, a verdade processual compartilha, nestes casos, com as teorias científicas, a não suscetibilidade a verificação experimental direta, diferentemente do que ocorre nas proposições empíricas da observação, o que lhes confere primeiro limite; • Assim, o primeiro limite a verdade processual “absoluta” é o fato de que a verdade processual fática é sempre “um tipo particular de verdade histórica, relativa a proposições que falam de fatos passados, não diretamente acessíveis como tais às experiências” (p. 43) e, assim, não é aferida em referência direta ao fato julgado, que não pode ser acessado pelo juízo por estar no passado, sendo resultado de ilações atuais sobre os fatos comprovados, sobre as provas trazidas; • Assim, a verdade processual fática é construída em uma inferência indutiva que não garante a demonstração lógica e necessária das premissas, mas apenas comprova a hipótese logicamente provável ou razoavelmente plausível de acordo com a indução realizada e os parâmetros utilizados o que, per si, lhe tira o absolutismo/objetividade total, relegando-a a probabilidade. Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 8 4.2 A dedução jurídica e a verdade opinativa das premissas • Se em um primeiro momento, fático, realiza-se a indução, em um segundo, jurídico, realiza-se um exercício dedutivo: a verdade processual jurídica é resultado de uma inferência pois não é de observação direta nem dos fatos nem mero exercício de interpretação da lei, mas raciocínio de subsunçãoe, portanto, interpretativo; • Como há, destarte, um antecedente – ou seja, o tipo abstrato – e um consequente – o fato em si – à subsunção é preciso, antes, interpretações que são, invariavelmente, opinativas, na medida em que não apenas a lei jamais será exaustiva em sua definição como, também, não conseguirá abarcar todos os contextos fáticos possíveis e, por isso, a adequação do tipo aos fatos exige, necessariamente, uma decisão a respeito da norma, um exercício de poder, uma definição do julgador a respeito de como classificar; 4.3 A subjetividade específica do conhecimento judicial • A terceira limitação a verdade processual enquanto tal envolve, diz o autor, o “caráter não impessoal deste investigador particular legalmente qualificado que é o juiz” pois, “por mais que se esforce para ser objetivo, está sempre condicionado pelas circunstanciais ambientais nas quais atua, pelos seus sentimentos, suas inclinações, suas emoções, seus valores ético-políticos” (p. 46); • Embora em um modelo informativo/cognitivo o juiz deva agir com maior imparcialidade possível, é ingenuidade pensar que de seu julgamento estarão eliminadas subjetividades que lhe são próprias, já que o ser humano sempre terá suas doses de preconceitos – seja o juiz, seja o historiador, seja o cientista, diga-se; • Além da subjetividade do juiz, soma-se também a subjetividade de muitas fontes de prova por ele avaliadas, “por sua vez não impessoais, como os interrogatórios, os testemunhos, os reconhecimentos, as acareações, as perícias e a mesma formulação da notitia criminis nos boletins policiais, nas denúncias e nas queixas” (p. 48); • Embora em um modelo garantista entenda-se o processo como um “experimento histográfico” onde as provas são produzidas em juízo, reproduzidas em contraditório, e portanto deveriam se aproximar mais da “reconstrução” que se pretende do ocorrido, na prática, mais a mais, muitas vezes isso não acontece e, por estar no passado, a forma de coleta, manejo ou anexação de certas provas, por exemplo, pode influir significativamente ao aumento de influência da subjetividade humana daquilo que é de conhecimento do juízo; 4.4 O método legal da comprovação processual • O “quarto fator de divergência entre a verdade processual e o modelo ideal da ‘correspondência’”, diz o autor, é um fator “de natureza especificamente jurídica e normativa, residindo nas condições necessárias á ‘convalidação’ judicial das verdades adquiridas no processo” (p. 49) – isto é: reside na forma como os fatos ou direito são comprovados, se seguem os procedimentos que o disciplinam, encontrando precisamente aí suas limitações próprias; • A verdade processual é, e deve ser, disciplinada e, assim, seu conhecimento é também limitado pela própria lei que se antigamente era taxativa na valoração das Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 9 provas, atualmente expressa sua autoridade em institutos como o da nulidade, preclusão, inadmissão de certos testemunhos, limitação de testemunhos e outros; • No que toca a questões jurídicas, a verdade também é limitada: regras como a proibição a analogia, presunção de não culpabilidade, ônus da prova acusatório e in dubio pro reo demonstram que a verdade do processo é, ao fim, uma verdade normativa, “no tríplice sentido”, aduz: “a) uma vez comprovada definitivamente, tem valor normativo; b) esta convalidada por normas; e c) é verdade na medida em que seja buscada e conseguida mediante o respeito às normas” (p. 49); • Limitada, pois, em certa medida, a investigação, consequentemente também será limitado o conhecimento sobre a verdade do que se investiga. 5. A DECIDIBILIDADE DA VERDADE PROCESSUAL 5.1 Iluministas iludidos e iluministas desiludidos • Embora os limites, comentados, afastem a verdade processual da certeza/objetividade, convertendo-a em aproximativa, “não lhe conferem um estatuto semântico diverso daquele da verdade geral” – isto é, não é porque a verdade é aproximada que ela é “menos verdade”; • Não é preciso restar entre os extremos, diz o autor, de querer uma verdade absoluta por um lado ou, por outro, não acreditar que a verdade é alcançável a por isso descartar seu uso – um sistema jurídico racional leva em conta a verdade, mas ela como ela é e pode ser: a verdade possível de ser obtida, aproximada; • Partindo desta noção, a principal tarefa, comenta Ferrajoli, da “epistemologia penal garantista é elucidar as condições que permitam restringir, do melhor modo possível essas margens [poder exercido sobre o saber] e, portanto, basear o juízo (em decisões) sobre a verdade processual em vez de (em decisões) sobre valores de outra modalidade” (p. 52) – isto é, a verdade deve ser utilizada como um parâmetro de racionalidade/cientificidade e, enfim, de redução de discricionariedades; • Ao utilizar a verdade como parâmetro, diz o autor, é possível questionar a sua verificação/verificabilidade nas motivações decisórias apresentadas pelo julgador e, portanto, conferir-lhe certo grau de controle racional – nas palavras do autor: 5.2 Três silogismos judiciais: indução, dedução e disposição. Significado e critérios de verdade • Para compreender a verdade, é preciso compreender como se chega nela. O raciocínio judicial a ser realizado, esclarece o autor, não é um silogismo prático diretamente, ou seja, não é uma implicação que as premissas e conclusões aparecem em proposições normativas, mas inferências de indução e, depois, dedução que, culminarão no silogismo prático. Nas palavras do autor: “Ali onde a verdade seja indeterminável e/ou indeterminada, a decisão judicial na realidade é tomada segundo outros critérios, relativos a valores distintos do “verdadeiro” e do “falso” e, diferentemente destes, inteiramente confiados à discricionariedade do juiz. Ali onde, ao contrário, seja determinável, a decisão do juiz é controlada e (relativamente) vinculada, mas em tal caso deve-se esclarecer sua natureza específica, explicando as escolhas que igualmente intervêm na aceitação da verdade fática e da verdade jurídica, ademais dos critérios e das regras que as justificam” (p. 52); Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 10 • Como se observa do exposto, os dois primeiros silogismos, que são os que importam à decisão judicial, não são práticos/deônticos como o terceiro, mas teóricos, de forma que a decisão (dispositivo, feito por silogismo prático) somente será válido se, antes, validos forem as inferências indutiva e dedutiva realizadas; • Importante recordar que as inferências anteriores nunca serão absolutas, dependendo de escolhas/decisões de certa maneira subjetiva a serem realizadas (a indução fática de decisão da conclusão de fato, probabilística, e a dedução jurídica de escolha das premissas de direito, opinativas), assim como o são quaisquer escolhas de premissas científicas – e, assim como para estudar o movimento dos corpos parte-se do princípio de que a gravidade é uma força que opera de uma certa maneira (o que, em si, poderia ser questionado, como já foi antes, observe-se), também à verdade processual partem-se de premissas com caráter relativo que, se voluntarista, é também funcional e necessário. Nada disso, esclarece o autor, “comporta em absoluto, contudo, que se tenha que repudiar a teoria semântica da verdade como correspondência” (p. 54); • Embora alguns autores falem em verdade não como correspondência, mas como coerência, ou aceitabilidade justificada, justamente em razão deste fator relativo/voluntaristadas premissas fáticas/jurídicas, o autor entende que a aceitação ou a coerência de certa verdade são seus critérios, e não algo contraposto a correspondência – “Aqueles dois critérios [coerência e aceitabilidade] dada a obrigação de julgar do juiz, são necessários no plano sintático e no pragmático para estabelecer a verdade precisamente porque esta é caracterizável, no plano semântico, como aproximativa: a coerência para afirmar que a tese avançada esta confirmada e/ou não desmentida por uma ou por várias provas coletadas e por uma ou várias interpretações jurídicas de outras normas e que, portanto, é verdadeira em relação ao conjunto de conhecimento de que dispomos; a aceitabilidade justificada, para afirmar que tal conjunto, incluída a tese avançada, é mais satisfatório ou plausivelmente verdadeiro que qualquer outro por causa de sua maior capacidade explicativa” (p. 54); • É justamente por serem critérios da verdade enquanto correspondência que algo pode ser coerente ou aceitável e, ainda assim, não ser verdadeiro. 5.3 Modelos de justificação no direito. A legitimação cognitivista da jurisdição • Realizada a distinção entre o que significa a verdade (correspondência) e seus critérios, o autor explica a razão de tê-lo feito: quando se vê a verdade apenas e tão somente como correspondência, eliminam-se noções de verdade como “consenso”, que não estão adequadas a um estado democrático de direito. É “verdade” aquilo que corresponde, mesmo que de forma provável, a realidade, fruto de inferências que envolvem coerência e aceitabilidade, mas que não se confundem com ela; “O raciocínio judicial (...) se compõe em suma não de uma, senão de três inferências das quais cada uma é logicamente antecedente das outras: 1) uma inferência indutiva (prova ou indução fática), cuja conclusão de fato, CF, é que “Tício cometeu o fato F” (...) e cujas premissas são o conjunto das provas coletadas; 2) uma inferência dedutiva (subsunção ou dedução jurídica), cuja conclusão de direito, CG, é que “Tício cometeu o delito G” (...) e cujas premissas são a tese CF e a definição jurídica (parcial) “o fato F (...) configura (...) o delito G; e 3) um silogismo prático (ou disposição), cuja conclusão dispositiva CD é a norma “Tício deve ser punido com a pena P” e cujas premissas são CG e a norma ‘quem cometer o delito G deve ser punido com a pena P’” (p. 53); Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 11 • Assim, embora a verdade seja inevitavelmente relativa e imperfeita, a “sua defesa reflete uma opção política a favor de um modelo de direito penal idôneo para limitar o arbítrio punitivo e para tutelar ao máximo a liberdade dos cidadãos”. O que se exige, portanto, “no plano epistemológico e político é precisamente o que o modelo penal garantista, acolhido nas Constituições modernas, exige normativamente no plano jurídico: que a legitimidade das decisões penais se condicione à verdade empírica de suas motivações” (p. 56). 5.4 O problema do garantismo penal • O autor entende, do analisado até aqui, que uma vez que a legitimidade da atividade jurisdicional esta ancorada na verdade, este também é seu traço distintivo quanto aos demais poderes – “A função judicial, e particularmente a penal, difere assim de todas as demais funções do Estado, porque é uma atividade cognitiva, onde as escolhas e as decisões vêm justificadas por critérios pragmáticos e subjetivos, mas sempre relacionados, como qualquer outra forma de conhecimento, à busca da verdade objetiva” (p. 56); • Tendo o judiciário uma espécie de “poder de comprovação”, ou de “verificação” que o distingue dos demais poderes, é possível dizer que tal discricionariedade é maior ou menor conforme os espaços dos limites anteriormente apresentados e, se ultrapassam limites do arbítrio, podem transformarem-se em poder de disposição, inaceitável no liberalismo moderno que tem como premissa a verdade; • Assim, invés de falar-se em garantismo versus autoritarismo, como se fez até agora, o autor propõe que somente fale-se em garantismo, já que o sistema penal concreto, para sê-lo, precisa ter esteio na verdade, e em graus de garantismo, então, que dependem “da estrutura legal do ordenamento penal e processual o fato de o Poder judiciário ser predominantemente poder de cognição ou prevalentemente poder de disposição”; • Cabe, pois, ao garantismo, versar e definir técnicas legítimas a obtenção da verdade, elaborando-as no plano teórico, para torna-las vinculante no plano normativo e, assim, assegurar a efetividade e legitimidade da atividade jurisdicional no plano prático, bem como de seus critérios considerando as garantias processuais. “No direito penal, a única justificação aceitável das decisões é representada pela verdade de seus pressupostos jurídicos e fáticos, entendida a “verdade” precisamente no sentido da “correspondência” mais aproximada possível da motivação às normas aplicadas e aos fatos julgados. Só se referidos à verdade como correspondência podem os critérios de coerência e aceitabilidade justificada impedir, de fato, a prevaricação punitiva pelo único interesse ou vontade mais ou menos geral e vincular o juízo à estrita legalidade, ou seja, aos fatos empíricos previamente denotados pela lei como puníveis” (p. 56). Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 12 2. MODELOS DE DIREITO PENAL 6. AS GARANTIAS PENAIS E PROCESSUAIS 6.1 Princípios e modelos de direito penal • Além da busca da verdade como orientadora da atividade jurisdicional, pressuposto de aplicação da pena, que é, em si, princípio que compõe o modelo garantista, também outros dele fazem parte e, assim, evitam/buscam evitar o autoritarismo; • Partindo do pressuposto, portanto, da importância da verdade ao processo, o autor propõe a análise do que chama de “axiomas garantistas” a partir de 11 termos:: 1º. Pena; e os demais, todos condições necessárias a aplicação desta: 2º. Delito; 3º. Lei; 4º. Necessidade; 5º. Ofensa; 6º. Ação; 7º. Culpabilidade; 8º. Juízo; 9º. Acusação; 10º. Prova 11º. Defesa • Os “axiomas garantistas”, portanto, seriam “formulados pelas implicações entre cada termo da série aqui convencionada e os termos posteriores – não expressam proposições assertivas, mas proposições prescritivas; não descrevem o que ocorre, mas prescrevem o que deva ocorrer; não enunciam as condições que um sistema penal efetivamente satisfaz, mas as que deva satisfazer em adesão aos seus princípios normativos internos e/ou parâmetros de justificação externa” (p. 74); • Os axiomas propostos são deônticos, portanto, ou seja, modelos do “dever ser” que compõem, juntos, condição sine qua non para afirmar-se a responsabilidade penal e, assim, diz o autor, aplicar-se a pena – “a função específica das garantias no direito penal, como mostrarei na terceira parte, na realidade não é tanto permitir ou legitimar, senão muito mais condicionar ou vincular e, portanto, deslegitimar, o exercício absoluto da potestade punitiva” (p. 74); 6.2 Dez axiomas do garantismo penal: o sistema garantista SG • Os axiomas derivados, portanto, daqueles termos necessários à pena e que compõem um modelo-limite ao sistema garantista/cognitivo/legalidade estrita são: Nulla poena sine crimine Princípio da retributividade/consequencialidade da pena quanto ao delito Nullum crimen sine lege Princípio da legalidade, mero ou estrito stricto sensu Nulla lex (poenalis) sine necessitate Princípio da necessidade ou da economia no direito penal Nulla necessitas sine injuriaPrincípio da lesividade ou da ofensividade Nulla injuria sine actione Princípio da materialidade ou exterioridade da ação Nulla actio sine culpa Princípio da culpabilidade ou responsabilidade pessoal Nulla culpa sine judicio Princípio da jurisdicionalidade Nullum judicium sine accusatione Princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação Nulla accusatio sine probatione Princípio do ônus da prova ou da verificação Nulla probatio sine defensione Princípio do contraditório, da defesa ou da falseabilidade Designam requisitos/condições penais GARANTIAS PENAIS Designam requisitos/condições processuais GARANTIAS PROCESSUAIS Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 13 • Tais princípios definem, diz Ferrajoli, “o modelo garantista de direito ou de responsabilidade penal, isto é, as regras do jogo fundamental do direito penal” (p. 75), e implicam-se logicamente entre si de forma que não apenas, por exemplo, é impossível conceber judicium sine accusatione, como, da mesma forma, pode-se dizer nullum judicium sine probatione e nullum judicium sine defensione, e assim sucessivamente, o que formaria sucessivamente um sistema de 56 teses, diz o autor; 6.3 O princípio da legalidade estrita: um modelo regulador • Muito mais do que sua versão estrita, ou seja, de axioma de “mera legalidade”, que exige a lei como condições necessária da pena e do delito (nulla poena nullum crimen sine lege) o princípio da legalidade em sua versão lata exige todas as demais garantias como condições necessárias da legalidade penal, como um todo; • O princípio da legalidade estrita é aquele que caracteriza, pois, o próprio modelo garantista, e diferencia-se da mera legalidade nos seguintes termos: Legalidade lato sensu: “mera legalidade” Legalidade stricto sensu: “legalidade estrita” “A simples legalidade da forma e da fonta é condição da vigência ou existência das normas que prevêem penas e delitos, qualquer que seja seu conteúdo” (p. 76) “A legalidade estrita ou taxatividade dos conteúdos, tal como resulta de sua conformidade para as demais garantias, por hipóteses de hierarquia constitucional, é, ao revés, uma condição de validade ou de legitimidade das leis vigentes em si” (p. 76) Dirigida aos juízes, aos quais prescreve que considera como delito qualquer fenômeno livremente qualificado como tal na lei – princípio convencionalista de mera legalidade Dirigida ao legislador (norma metalegal), a quem prescreve técnica específica de qualificação penal, idônea a garantir, com a taxatividade dos pressupostos da pena, a decidibilidade da verdade de seus enunciados – princípio cognitivo da legalidade Aqui o princípio da legalidade se identifica com a reserva relativa de lei, esta enquanto ato ou mandato legislativo, seu sentido formal: sujeita o juiz as leis vigentes, independente de quais sejam elas, à qualificação jurídica dos fatos Aqui o princípio da legalidade se identifica com a reserva de lei absoluta, em que a lei é vista sob o ponto de vista substancial de norma ou conteúdo legislativo, determinando-se que este conteúdo seja formado por pressupostos típicos dotados de significado unívoco e preciso, pelo qual será possível o seu emprego como figuras de qualificação em proposições judiciais verdadeiras ou falsas • Além de válida ou inválida, somente a partir da legalidade estrita que a motivação jurídica pode adquirir caráter declarativo e ser suscetível de controle empírico como verdadeira ou falsa – isto porque, quando, p. ex., pune-se alguém por “atos obscenos”, não se esta fazendo uma verificação, mas uma valoração, e se resta preenchido o primeiro âmbito da legalidade, entende o autor, não resta o segundo; • A legalidade estrita conecta-se, recorda o autor, com a jurisdicionariedade estrita, sendo a primeira pressuposto da segunda, pois “o juiz comprova ou prova como verdadeiro (que se cometera um delito) apenas (se o fato comprovado ou provado corresponder a) o que estiver taxativamente denotado na lei como delito” (p. 77); • O modelo composto é, portanto, além de um modelo que preza pela racionalidade do juízo, diz o autor, também um modelo regulador de justiça formal, e, se incorporados no sistema, um modelo normativo de legitimidade/validade jurídica. Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 14 7. PARA UMA TIPOLOGIA DOS SISTEMAS PUNITIVOS 7.1 Graus do garantismo • Do sistema garantista (SG), logicamente, é possível retirar um ou mais axiomas e dele resultar sistemas penais de diversas espécies, conforme as subtrações que se façam; na prática, contudo, diz o autor, “o número destes sistemas se reduz notavelmente se se considerar que muitas das garantias pressupõem outras, na falta das quais elas também sucumbem ou, em todo caso, resultam debilitadas” (p. 78); • Sob essa perspectiva, quando fala-se em graus de garantismo, o autor propõe que, para além do ideal sistema garantista trazido, se pensem em 9 sistemas a fim de sistematização que envolvem, basicamente, a ausência de um ou mais requisitos: 1) Sistema “sem prova e defesa” (sentido estrito) – S1; 2) Sistema “sem acusação separada” – S4; 3) Sistema “sem culpabilidade” – S3; 4) Sistema “sem ação” – S4; 5) Sistema “sem ofensa” – S5; 6) Sistema “sem necessidade” – S6; 7) Sistema “sem delito” – S7; 8) Sistema “sem juízo” – S8; 9) Sistema “sem lei” – S9; 7.2 Modelos de processo penal autoritário • Expostos os sistemas, o autor passa a comentá-los um a um, classificando-os conforme relacionados ao processo penal ou ao direito penal autoritário ou relacionados a irracionalidade punitiva; • Quanto aos modelos de processo penal autoritário, seja como um todo ou em algumas de suas manifestações, o autor cita: ➢ O sistema sem prova e defesa (S1), que pode não prever tais institutos ou, se prever, não garantir a efetividade deles, por não operar legalidade lata – isto é: é preciso, para se dizer que opera um sistema com prova e defesa, que tal sistema preze e se apoie nelas, buscando que a verdade processual das conclusões jurídicas seja apoiada nelas. Um sistema sem prova ou defesa, portanto, envolve assim figuras valorativas ou polissêmicas, em que acontecem opções e juízos de valor, e não de fato/verdade; ➢ O sistema sem acusação separada (S1), que configura o conhecido método inquisitivo, e atua sobre a imparcialidade do juiz e a sua separação da acusação, aparecendo “em todos os ordenamentos nos quais o juiz tem funções acusatórias ou a acusação tem funções jurisdicionais” (p. 79). Este tipo de sistema compromete sobremaneira todas as demais garantias e opera ainda em certos institutos da atualidade – como, p. ex., em delitos de suspeita, quando basicamente se inverte a defesa o ônus da prova. Neste caso incidem critérios meramente substancialistas e de autoridade, e não verificação da verdade em si; 7.3 Modelos de direito penal autoritário • “Não menos estritos são os nexos que ligam entre si as garantias penais: a culpabilidade, a materialidade, a lesividade e a retributividade” (p. 80) – cita: “Cada um desses sistemas se torna caracterizado, relativamente a SG, pela falta ou pelo enfraquecimento, além da garantia subtraída, também de muitas das que ele pressupõe e a precedem na ordem em que os diversos sistemas foram elencados” (p. 78) → sistemas com graus de garantismo menores Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021Página 15 ➢ O sistema sem culpabilidade (S3), chamado por ele de sistema objetivista, premente em ordenamentos penais primitivos e informado pela responsabilidade objetiva, mas ainda presente em certos ordenamentos – isto ocorre, por exemplo, nas “doutrinas e ordenamentos que privilegiam estruturalmente a função da defesa social e que, por isso, descuidam, em todo ou em parte, do elemento subjetivo da culpabilidade” (p. 80). Qualquer sistema de responsabilidade objetiva, presumida, ou sem culpa, lato sensu, é de certa maneira objetivista; ➢ O sistema sem ação (S4) e/ou sem ofensa (S5), chamado pelo autor de sistema subjetivista, em que figuras delitivas “são privadas de referências empíricas e são construídas predominantemente na subjetividade desviada do réu” (p. 80). Nestes casos ou bem são reprimidos não tanto, ou não apenas, determinados comportamentos, mas atitudes/situações subjetivas do sujeito, ou bem prescindem eles de lesão de bens jurídicos concretos, prevendo tipos de colocação abstrata em perigo ou mesmo que expressam apenas o desvalor social ou político da ação, sem qualquer função penal de tutela. A forma mais grave deste modelo é quando, além de ser um sistema sem ação também é sem ofensa, punindo o sujeito por quem ele é, e não pelo o que fez – a doutrina positiva do “delinquente natural” é o exemplo clássico. Este tipo de esquema, é de ressaltar, “pode ser cumprido não apenas por via legal, mas também por via judicial: pense-se no abuso jurisprudencial, nas macroinstituições contra a criminalidade organizada, nas figuras do concurso moral e do delito associativo, consideradas às vezes, na falta de qualquer fato específico, com base atos antecedentes dos acusados ou a sua colocação ou identidade social e política” (p. 81); ➢ O sistema sem necessidade (S6) que, embora relacionado a política criminal, carece de aplicação do princípio da econômica do direito penal, envolvendo proibições penais injustificadas por serem, as próprias proibições, lesivas aos direitos fundamentais do sujeito ao penalizar atitudes de execução impossível, que não ferem bens jurídicos, que podem ser substituídas por sanções cíveis ou administrativas, de penas excessivas e assim sucessivamente. 7.4 Modelos punitivos irracionais: pré-penais/extrapenais • São sistemas pré-penais, ou extrapenais, aqueles irracionais, que envolvem: ➢ O sistema sem delito (S7), chamado por Ferrajoli de sistema de mera prevenção, que abrange os sistemas puramente subjetivista e também puramente objetivista pois suprime o fato delituoso em si, refletindo caráter claramente não igualitário e puramente decisionista. Previsões de prisão preventiva são claras expressões de um sistema de mera prevenção em que “a ausência do nexo entre pena e delito dissolve (...) inclusive a garantia da legalidade, ademais dos eventuais vínculos da jurisdicionalidade” (p. 82); ➢ O sistema sem lei (S8) e/ou sem juízo” (S9), que degenera, em essência, qualquer garantia e, assim, “correspondem a formas absolutas do Estado ‘selvagem’ ou ‘disciplinar’” (p. 82), diz o autor. • Qualquer ausência referida implica, como visto, a degeneração dos sistema garantista por afetar não só determinado axioma diretamente, mas os demais indiretamente, de forma que “à medida que o sistema cognitivo SG [sistema Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 16 garantista] seja um modelo limite não satisfeito, todo o sistema positivo de direito penal e processual apresenta, ainda que em graus distintos conforme as diversas normas e as diversas práticas, algum elemento de irracionalidade, próprio do ‘Estado policial’ e/ou da ‘justiça do cádi’” (p. 82). 8. DIREITO PENAL MÍNIMO E DIREITO PENAL MÁXIMO 8.1 Direito penal mínimo e racionalismo jurídico; direito penal máximo e irracionalismo jurídico • É possível esquematizar, de todo o exposto, os sistemas de direito e responsabilidade penal, dividindo-os em extremos, da seguinte maneira: • Nos ordenamentos dos modernos Estados de Direito, entende o autor, as duas tendências opostas convivem entre si e, conforme maiores ou menores os níveis normativos, os sistemas serão mais garantistas. Assim, como será visto, “em contraste com os princípios garantistas do modelo SG estipulados de maneira mais ou menos rigorosa em nossa Constituição, nossas leis ordinárias, e ainda mais nossas práticas judiciais ou policiais, admitem de fato figuras de responsabilidade penal sem uma ou sem várias garantias citadas” (p. 83); • O direito penal mínimo, em oposição ao direito penal máximo, tem estreita relação com a racionalidade, de forma que por mais que exista, inclusive no garantismo, certos espaços de discricionariedade, inevitavelmente, “se trata de uma discricionariedade dirigida não para estender, mas para excluir ou reduzir a intervenção penal quando não motivada por argumentos cognitivos seguros”, diferentemente do que ocorre no direito penal máximo, em que o subjetivismo valorativo implica em irracionalidades e, como não poderia ser diferente, injustiças. 8.2 Dois modelos de certeza relativa • Naturalmente não é possível uma perfeita correspondência entre jurisdição e legislação e, por isso, cada um dos sistemas elencados se proporá/objetivará a uma certeza, que em qualquer caso será relativa, distinta: DIREITO PENAL MÍNIMO MODELO GARANTISTA “O modelo garantista descrito em SG apresenta dez condições, limites ou proibições que identificamos como garantias do cidadão contra o arbítrio ou erro penal, Segundo este modelo, não se admite qualquer imposição de pena sem que se produzam a comissão de um delito, sua previsão legal como delito, a necessidade de sua proibição e punição, seus efeitos lesivos para terceiros, o caráter externo ou material da ação criminosa, a imputabilidade e a culpabilidade de seu autos e, além disso, sua prova empírica produzida por uma acusação perante um juiz imparcial, em processo público e contraditório em face da defesa e mediante procedimentos legalmente estabelecidos” (p. 83) DIREITO PENAL MÁXIMO MODELO AUTORITÁRIO “Se caracterizam pela debilidade ou ausência de algum ou alguns destes limites [os axiomas] à intervenção punitiva estatal, até os casos extremos (...) em que aquela pode ocorrer sem que se produza qualquer condição judicialmente comprovável e/ou legalmente predeterminada” (p. 83) Típico de estados absolutos/totalitários Deve prevalecer em estados de direito Entre extremos existem diversos sistemas intermediários, “até o ponto que se deverá falar mais apropriadamente, a propósito das instituições e ordenamentos concretos, em uma tendência ao direito penal mínimo ou uma tendência ao direito penal máximo Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 17 ➢ Direito penal máximo: persegue a certeza de que nenhum culpado ficará impune, à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido; → estabelece não as condições necessárias, mas as suficientes para a condenação e, contrario sensu, não as suficientes, mas as necessárias à absolver; ➢ Direito penal mínimo: persegue a certeza que nenhum inocente seja punido, À custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune → garantida pelo princípio favor rei/in dubio pro reo (presunção de não culpabilidade), estabelece as condições necessárias à condenar; • Estas certezas e os custos (incertezas) “refletem interesses e opiniões políticas contrapostas: por um lado, a máxima tutela da certeza pública acerca das ofensasocasionadas pelo delito [direito penal máximo] e, por outro lado, a máxima tutela das liberdades individuais acerca das ofensas ocasionadas pelas penas arbitrárias [direito penal mínimo]” (p. 85); • Assim, o garantismo não persegue uma “certeza” mística, mas apenas a certeza de que não esta condenando inocentes, assumindo o risco de poder estar absolvendo culpados – “A certeza, ainda que não absoluta, a que aspira um sistema penal de tipo garantista não é no sentido de que resultem exatamente comprovados e punidos todos os fatos previstos pela lei como delitos, mas que sejam punidos somente aqueles nos quais se tenha comprovado a culpabilidade por sua comissão” (p. 85); • É de se observar, portanto, que diante de incerteza, em um sistema garantista, opera, além do favor rei, princípios que garantam o que objetiva o sistema penal mínimo, ou seja, de que nenhum inocente será condenado. E, embora a certeza do direito penal mínimo também seja relativa, quando se pensa no modelo de “correspondência”, os ordenamentos penais concretos “poderão ter diversos e decrescentes graus de certeza, segundo o número e quantidade das garantias penais e processuais de que carecem” (p. 86). 8.3 A dúvida: incerteza de fato e incerteza de direito • Assim como a verdade, a certeza relativa/correlativa poderá ser de fato ou de direito e, apesar de juntas comporem a certeza processual, “são independentes entre si, no sentido de que se pode dar certeza de fato sem qualquer certeza de direito e vice- versa” (p. 86); • É importante diferenciar estas incertezas pois, entende o autor que: A incerteza de fato, por “depender da igual plausabilidade provável das várias hipóteses explicativas possíveis do material probatório coletado” (p. 87), será resolvida mediante a livre convicção, e não por interpretação dos fatos; já A incerteza jurídica, que “depende de igual opinabilidade das várias qualificações jurídicas possíveis acerca do fato considerado provado” (p. 87) será resolvida mediante interpretação, e nunca por eventual “livre convicção” • Embora sejam modos alternativos de resolução (livre convencimento/interpretação) não possam “ultrapassar” os limites que estão adstrito, na prática “os juízes costumam confundir a intercambiar estes dois modos de solução das incertezas, às vezes mascarando os defeitos da legalidade estrita nas normas e os espaços de arbítrio originado por eles poder detrás da imagem da livre convicção e, outras Defeito de legalidade estrita: não consegue definir a verdade jurídica Defeito de jurisdicionalidade estrita: não consegue definir a verdade fática Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 18 vezes, suprimindo defeitos de estrita jurisdicionaliade e da pobreza de provas com a aplicação dos tipos legais no âmbito interpretativo” (p. 87). • Além das citadas deformações, claro é que tanto as opções interpretativas quanto as de livre convencimento são frutos de escolhas que expressam um poder, que será “relativo ou absoluto conforme as escolhas derivem de debilidade das garantias e, portanto, permitam decisões sobre a verdade processual, ou bem dependam de carências de garantias e, portanto, exijam decisões dispositivas sobre outros valores” (p. 87) – e, a partir de agora, passará o autor a analisar a extensão do poder judicial e suas diferentes dimensões. 3. O PODER PUNITIVO ENTRE VERIFICAÇÃO E VALORAÇÃO 9. A INTERPRETAÇÃO. O PODER DE DENOTAÇÃO E AS GARANTIAS PENAIS. 9.1 Significado e verificabilidade • Esclarecidos, diz o autor, os pressupostos epistemológicos do garantismo penal e as condições que devem ser dispostas no plano legal e satisfeitas no plano judicial para permitir a decidibilidade em abstrato ou a decisão em concreto da verdade processual, a partir de agora o autor passará a tratar de eventuais espaços de poder no processo que incidem tanto mais quanto mais ausentes tais condições garantistas; • O poder judicial é dividido, então, à análise, pelo autor, em quatro dimensões: 1) Poder de denotação ou de verificação jurídica; 2) Poder de denotação ou de verificação fática; 3) Poder de conotação ou de discernimento equitativo 4) Poder de disposição ou de valoração ético-política • Os espaços de poder tanto na denotação/verificação jurídica quanto na fática são inerentes às decisões sobre a verdade processual, compõem a motivação judicial e realizam-se “na inferência indutiva ou prova, onde o poder se insere nas decisões sobre a verdade fática da conclusão, e na inferência dedutiva ou subsunção, onde se insere nas decisões sobre a verdade jurídica das premissas” (p. 96); • Como explicará o autor daqui em diante, as garantias operam para embasar ou até minimizar o poder de decisão que opera sobre a verdade na seguinte ordem: ➢ Garantias penais afetam a decisão sobre a verdade jurídica; já ➢ Garantias processuais afetam a decisão sobre a verdade fática. Tais verdades serão distinguidas, ainda, em duas ordens/subproblemas: ❖ o da verificabilidade/falseabilidade: afeta condições de uso dos termos “verdadeiro” e “falso”, “tal como vêm determinados pela referência empírica das teses, jurídicas e fáticas, que enunciam o tema da decisão” (p. 96) → atinge todos os demais problemas e envolve duas acepções do termo significado: a extensão ou denotação, que consiste conjunto de objetos aos quais o signo de aplica/se refere e a intensão/conotação, que consiste no conjunto das propriedades evocadas pelo signo e possuídas pelos objetos concretos que entram na sua extensão; ❖ o da verificação/refutação: afeta, por sua vez, as condições de aceitação da tese, tais como determinadas pelos seus métodos de comprovação e de controle; Complementares: a extensão de uma esta determinada pelas demais → caso se estendam demasiado viram Todas assimétricas entre si Teoria do significado Teoria da prova Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 19 9.2 Verificabilidade jurídica e denotação legal; a legalidade estrita e a semântica da linguagem legislativa • “Se aplicarmos esta teoria do significado à linguagem penal”, inicia o autor, “diremos que uma tese judicial é verificável e falseável se (e apenas se) os termos nela empregados forem providos de extensão determinada, quer dizer, já que a extensão está determinada pela intensão, se e apenas se suas intensões estiverem definidas de maneira clara e precisa” (p. 98). Tais condições semânticas variam conforme a tese de que se trate, de forma que: ➢ Se tese jurídica: utiliza termos/conotações convencionalmente previstos em lei; ➢ Se tese fática: utiliza da linguagem comum, com conotações do léxico ordinário. • Para uma tese jurídica, pois, ser verificável pressupõe-se que “as definições legais que estabelecem as conotações das figuras abstratas do delito e, mais em geral, dos conceitos penais, sejam suficientemente precisas para permitir, no âmbito de aplicação da lei, a denotação jurídica (subsunção...) de fatos empíricos exatamente determinados” (p. 98); • É aí que reside, pois, a razão de ser epistêmica do princípio da legalidade estrita ou taxatividade penal – além de garantia primeira e fundamental do sistema penal garantista, tal princípio opera ainda como regra semântica metalegal de formação de linguagem legal, que determina, portanto, que o legislador penal: a) Utilize termos suficientemente precisos (extensão determinada) que sejam possíveis de serem correspondidos aos fatos empíricos por eles denotados; b) Que a extensão dos termos seja conotada pela intensão (intensidade), com palavrasnão demasiado vagas e nem valorativas; c) Que as antinomias semânticas não estejam presentes na lei ou que, no mínimo, existam normas à sua solução. “Disso resulta, conforme esta regra, que as figuras abstratas de delito devam ser conotadas na lei mediante propriedades ou características essenciais, idôneas a determinarem seu campo de denotação (ou de aplicação) de maneira exaustiva, de forma que os fatos concretos que ali se incluam sejam por elas denotados em proposições verdadeiras e de maneira exclusiva, de modo que tais fatos não sejam denotados também em proposições contraditórias em relação a outras figuras de delito conotadas por normas concorrentes” (p. 99). • As propriedades essenciais da norma envolvem, ademais, outras garantias elencadas pelo autor, diz ele, que constituem o delito enquanto tal: a ação, que deve ser exterior e empiricamente visível, o efeito/resultado, que deve consistir em dano tangível, e a culpabilidade, que deve permitir a atribuição causal à quem for autor; • A taxatividade de uma norma, portanto, será tanto maior (graus de taxatividade, propõe o autor) quanto maior for a sua verificabilidade jurídica, e vice-versa, de forma que termos valorativos ou antionomias semânticas, p. ex., terão baixos graus de taxatividade e, consequentemente, de verificabilidade e garantia. 9.3 Verificabilidade fática e denotação jurisdicional: a estrita jurisdicionariedade e a semântica da linguagem judicial • A verificabilidade processual, além da legalidade estrita/taxatividade das leis penais, exige também aquilo que o autor denomina de “estrita jurisdicionalidade”, ou seja, implica “uma série de regras que exigem, como condição da estrita jurisdicionariedade, isto é, da verificabilidade e da refutabilidade das teses que no Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 20 processo enunciam os fatos e as provas, que tanto aquelas como estas estejam exatamente individualizadas mediante descrições precisas e sem o uso de palavras vagas ou valorativas” (p. 101) – isto é: a correspondência entre fatos, provas e questão jurídica deve ser também verificável e, por isso, clara, precisa, com todos os elementos que a componham; • Tal princípio implicaria, assim como o anterior, em graus de taxatividade a denotação fática, “contudo, ao referir-se a fatos individuais e não a classes de fatos abstratamente pré-configurados”, alerta o autor, “pode ser ela muito maior do que aquela da denotação jurídica operada na lei” (p. 102); • Quando, portanto, o julgador acolhe acusações com termos vagos e indeterminados à descrever a conduta do sujeito, incide em “técnica de esvaziamento das garantias penais e processuais”, que pode ser fatal se combinada, ainda, a indeterminabilidade das denotações fáticas, eliminando qualquer cenário garantista. 9.4 A dedução jurídica e a heterointegração da linguagem penal • De forma ideal, os princípios da legalidade estrita e da jurisdicionariedade estrita comporiam, juntos, regras semânticas complementares que, uma vez que se dirigem ao legislativos e ao juiz, respectivamente, garantiriam, “mediante a verificabilidade das denotações jurídicas e fáticas, a reserva absoluta da lei em matéria penal e a consequente sujeição do juiz penal somente à lei” (p. 102); • Na prática, entretanto, “por causa dos vícios semânticos da linguagem legal e da linguagem judicial, tudo isso não ocorre de fato, senão em medida mais ou menos aproximativa” (p. 103) de forma que, o que se vê, em qualquer das operações de análise seja de fatos, seja de direito, não uma inferência propriamente dedutiva, mas uma constante redefinição de conceitos, operados na prática, diante dos problemas inerentes a linguagem – assim, o juiz esta constantemente interpretando ou redefinindo “o sujeito ou o predicado da premissa jurídica na forma por ele reputada conveniente para fins de subsunção (...) do fato à lei, isto é, da aplicação (ou não aplicação) da lei ao fato” e, ao mesmo tempo, donatando “com um predicado legal (...) um sujeito fático expressamente conotado por ele com os termos de extensão indeterminada usados na lei” (p. 104); • A heterointegração – ou seja, a integração que o juiz faz sobre as normas e sobre os fatos, muitas vezes sobre os dois simultaneamente – embora seja algo inevitável, contradiz com o modelo do garantismo penal, diz o autor; assim, enquanto tanto a verificabilidade fática quanto a jurídica restam fragilizados, e ambos corresponde a ideias de limitação, “disso resultado que o poder judicial penal estará sempre viciado por uma taxa irredutível de irracionalidade e de ilegitimidade política e/ou jurídica”, diante de abertura de poder/discricionaridade (p. 104); • Assim, o autor esclarece que aqui também existem graus de discricionariedade, e que utilizará, para as potestades do juiz, diferentes termos: ➢ Poder de denotação: potestade para integrar os espaços irredutíveis de discricionariedade deixados em aberto pelos defeitos inevitáveis de denotação da linguagem legal e da linguagem comum; e ➢ Poder de disposição: potestade do juiz ausente de legalidade ou jurisdicionalidade estritas pois não apenas integra espaços, mas faz valorações. Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 21 10. A PROVA, O PODER DE VERIFICAÇÃO E AS GARANTIAS PROCESSUAIS 10.1 Verificação e indução fática • Para além da questão da verificabilidade e refutabilidade processual até aqui tratadas e identificadas com a legalidade estrita e a estrita jurisdicionariedade das denotações penais, que impõem condições semânticas enquanto verdadeiras garantias penais, para se assegurar a verificação ou refutação fática são necessárias, ainda, outras garantias, de ordem então processual, “que vão muito além das simples regras até agora analisadas sobre a formação da linguagem penal”, diz o autor (p. 105); • Assim é que, à verificação fática utilizam-se inferências indutivas, como antes pontuado, em uma espécie de “verificação histórica” que se baseia, como qualquer indução, em generalizações idôneas da experiência passada que poderão tornar aquele fato empírico plausível ou não (verdadeiro probabilisticamente). Como diz o autor, a verificação fática no processo penal “é o resultado de uma ilação entre fatos “provados” [continuamente verificados] do passado e fatos “probatórios” [de que se tem provas/indícios] no presente” (p. 105); • Sob essa perspectiva, observa Ferrajoli, “a indução judicial é idêntica a qualquer outra indução”, na medida em que “a conclusão provada ou descoberta [a solução fática que se dá] tem o valor de uma hipótese explicativa de natureza provável quanto ao nexo causal entre uma ação imputada à culpabilidade de um sujeito e o conjunto de fatos – o evento danoso e os dados probatórios coletados – descritos nas premissas”. A especificidade da indução judicial, ao seu turno, “consiste no fato de que o procedimento mediante o qual se realiza não é apenas uma atividade intelectual, mas também uma atividade jurídica, normativamente disciplinada” e que impõe garantias inafastáveis (p. 106). 10.2 Provas e indícios. Confiabilidade subjetiva e relevância objetiva • O autor inicia observando a importância de, para analisar os fatos, distingui-los dos dados probatórios, “segundo sejam experimentados direta ou indiretamente, isto é, segundo permitam mais ou menos indiretamente a indução do fato-delito” (p. 106); • A partir desta concepção, o autor, em oposição a doutrina cunhada até então (que distingue “maios de prova” e “conteúdo probatório”, propõe que seja distinguida:➢ Prova, como o fato probatório experimentado no presente, do qual se infere o delito ou outro fato do passado; de ➢ Indício, “como fato provado do passado, do qual se infere o delito ou outro fato do passado que, por sua vez, tenha um valor de um indício” (p. 106); • Neste sentido, por exemplo, será: ➢ Prova o fato de que Tício disse/atestou que viu Caio sair com punhal ensanguentado da casa de Seprônio pouco antes de este ser encontrado morto a facadas. É mais ou menos provável tal prova a depender do crédito que se dê a Tício a respeito de que fala a verdade; ➢ Porém, conforme a confiabilidade que se atribua a visão de Tício, aquilo que ele acha ter visto é apenas um indício, mais ou menos provável, assim como o são as inferências que possamos fazer de que o punhal fora utilizado a matar Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 22 Seprônio e, ainda, de que fora Caio que o matará – as inferências indutivas sucessivas que são feitas são hipóteses, e por isso mesmo indícios. As conclusões deles decorrentes não são indubitavelmente verdadeiras, sendo apenas possível dizer que ao que levam é mais ou menos razoável, plausível ou provável conforme endossado por outros indícios ou não. É claro, mais a mais, que “quando maior o número das inferências necessárias para induzir da prova (ou seja, do que disse Tício) a conclusão de responsabilidade pelo delito de que é causa, tanto menor o grau de probabilidade da indução probatória)” (p. 107). • Tal distinção serve a esclarecer, justifica Ferrrajoli (p. 107), que acerca do delito: 1) “As provas coletadas em um processo não são quase nunca provas diretas, mas quase sempre indiretas, quer dizer, provas de indícios, por sua vez, diretos ou indiretos: ‘probabilidades de probabilidades’” → inferências de inferências; e 2) “A probabilidade ou força indutivas das provas afeta a confiabilidade ou crédito subjetivo da fonte ou do meio de prova”, envolvendo, pois, aspectos como sinceridade, espontaneidade e desinteresse dos testemunhos, autenticidade dos documentos, solidez da perícia e etc. Já, “a probabilidade ou força indutiva dos indícios afeta sua relevância ou gravidade objetiva, quer dizer, a sua idoneidade para gerar explicações plausíveis ou verossímeis de todo o material probatório em conjunto”. • Assim, podem existir, por exemplo, “provas confiáveis de indícios tênues, ou talvez, irrelevantes, e provas não acreditáveis ou escassamente acreditáveis de indícios graves e relevantes”, de forma que um dado probatório poderá ser refutado ou pelo questionamento sobre a idoneidade da prova ou sobre a inferência dos indícios. 10.3 A justificação da indução como dedução mascarada. As provas legais • Do final do século XIII até a Revolução Francesa a experiência processual da inquisição utilizou como base condenatória as “provas legais”, em que se estabeleciam normas, tidas como “universais”, para determinar a verdade de um enunciado/verificação fática; • Ao utilizar-se das provas legais os medievos disfarçavam a indução de dedução, e perdiam de vista que a verdade é apensa provável – por mais que os enunciados e premissas de uma indução sejam verdadeiros, a conclusão dela pode ser falsa, pois a regra que a rege não é universal. Explica-se: não é porque um fio de cobre se rompe sempre que submetido a um peso x que, caso este fio se rompa ele sempre será rompido pela submissão a tal peso – poderia sê-lo por ter sido cortado; assim, quando conclui-se que o fio se rompeu em razão do peso, são necessários outros elementos que comprovem tal fato e, ainda, qualquer conclusão a que se chegue é apenas provável, afinal não é universal a regra de que toda vez que o fio se rompe ele se rompe por um único motivo. Neste sentido, diferentemente do que faz as regras de prova legal, não é possível dizer que porque a pessoa confessou, ela praticou o crime, afinal ela pode confessar e não ter praticado o crime – a regra legal não pode ser considerada universal, simplesmente, e assim a indução transformada em dedução (com uma indução generalizadora); • Nesta toada, Ferrajoli repugna o que fora feito na inquisição, em que a justificação da indução era utilizada como forma de dedução mascarada e bem pontua que, no Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 23 fim, “não existem, a rigor, provas suficientes”, mas prováveis, que permitem aferir maior ou menor certeza, pois “nenhum indício ou conjunto de provas e de indícios garante inimpugnavelmente a verdade da conclusão fática” (p. 109). • Ao criticar o sistema de provas legais, ao fim, o autor bem observa que, embora esse esquema tivesse como justificativa a “racionalização” da valoração, frente a primitiva análise das ordálias, na verdade as avalições inquisitoriais de provas eram tão místicas/mágicas quanto as próprias ordálias. Prova disso, aduz Ferrajoli, é que “a tortura, que arruinou ininterruptamente o mecanismo das provas legais e particularmente o da confissão, no procedimento inquisitivo pré-moderno, mantém, sem dúvida, o caráter de ordália de um juízo de Deus, ou seja, de uma prova física ante a qual sucumbir é sinal da culpabilidade do acusado e resistir é sinal de inocência” (p. 110); 10.4 A superação moderna das provas legais e o princípio potestativo da livre convicção • Com o pensamento iluminista e a Revolução Francesa o sistema de provas legais é substituído pelo sistema da “íntima convicção” já que todo o processo é alterado, passando a ser público, oral, acusatório (julgadores imparciais) e, em geral, de julgamento popular, em que a verdade é vista apenas como provável; • As mudanças iluministas no continente Europeu, entretanto, não são propriamente “novas”, remontando a Grécia e Roma antiga, em que o sistema milenar greco- romano se, nos países continentais foi substituído pela inquisição medieva, foi conversado intacto no law of evidence. Quanto a tradição anterior, o autor faz observação de duas ordens: ➢ A primeira afeta a lógica do raciocínio probatório, em que há muito se pressupõe a prova como argumentum, em que “a lógica indutiva nasce em grande parte no seio da experiência do processo”, na esfera do “provável (eikos)”, da verossimilhança (p. 111); ➢ A segundo diz respeito “a concepção clássica do processo como diputatio ou como competição dilemática entre razões opostas, articuladas e resolvidas por confirmações e refutações”, em que predomina a razão e que não há, a princípio, alguma autoridade “superior” que sozinha define a verdade da situação; • Desta feita, o abandono ao sistema inquisitorial e “redescoberta dessa tradição [da antiguidadee mais democrática] por parte da cultura iluminista continental ocorreu em grande parte sob a influência da experiência processual inglesa, onde aquela jamais fora extinta”, porém o rechaço às provas legais e a “livre convicção” também são reflexos, compreende o autor, de dois produtos modernos: ➢ O reconhecimento não apenas de “probabilidade da verdade empírica” mas, sobretudo, a separação, como fez Hume, entre dados probatórios e fatos provados – “ao não serem demonstráveis logicamente as conclusões de fato, mas apenas aceitáveis argumentativamente como preferência sobre outras, a ‘certeza’ da verdade judicial fática jamais é absoluta ou objetiva, mas, por tudo o mais, ‘moral’ ou ‘subjetiva’”; e Fichamento: FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. Cap. 1-3. Por Marina Favretto Luersen, jan. 2021 Página 24 ➢ A afirmação dos princípios
Compartilhar