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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO “A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma ação integrada de suas atividades educacionais, visando à geração, sistematização e disseminação do conhecimento, para formar profissionais empreendedores que promovam a transformação e o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida. Missão da Faculdade Católica Paulista Av. Cristo Rei, 305 - Banzato, CEP 17515-200 Marília - São Paulo. www.uca.edu.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. Todos os gráficos, tabelas e elementos são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior Professoras | Vania Marques Cardoso Licia Maria Pedreira de Almeida Sumário UNIDADE 1 – HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO – CAMINHOS CRUZADOS INTRODUÇÃO .................................................................7 1. Filosofia da Educação no contexto histórico ..................7 2. Períodos históricos e pensamento educacional ............10 2.1. Antiguidade .............................................................10 2.1.1. A educação grega .................................................12 2.2. Medievalidade .........................................................14 2.2.1. Renascimento ........................................................18 2.3. Modernidade ...........................................................20 3. Processos históricos contemporâneos ..........................23 4. A educação contemporânea e as várias leituras filosóficas .................................................................26 CONCLUSÃO ................................................................33 ELEMENTOS COMPLEMENTARES ....................................33 REFERÊNCIAS .................................................................34 UNIDADE 2 – EDUCAÇÃO NO BRASIL: ENTRE HISTÓRIA E FILOSOFIA INTRODUÇÃO ...............................................................37 1. Influências filosóficas da formação da educação brasileira na modernidade .........................................37 2. Educação no Brasil Colonial ......................................41 3. Educação no Brasil Monárquico .................................45 4. Educação no Brasil Contemporâneo ..........................49 5. Limites e possibilidades da educação brasileira contemporânea ........................................................52 CONCLUSÃO ................................................................55 ELEMENTOS COMPLEMENTARES ....................................56 REFERÊNCIAS .................................................................57 UNIDADE 3 – EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: FATORES HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS COMO LIMITES E POSSIBILIDADES INTRODUÇÃO ...............................................................60 1. Influências filosóficas na educação brasileira contemporânea ........................................................60 2. Reformas da educação contemporânea brasileira .......63 2.1. Reforma Caetano de Campos ...................................64 2.2. Reforma Sampaio Dória............................................65 2.3. Reforma Lourenço Filho – Ceará ...............................66 2.4. Reforma Anísio Teixeira – Bahia .................................67 2.5. Reforma Fernando de Azevedo ..................................68 3. Educação no Estado Novo e democratização .............69 4. Influências internacionais nas políticas públicas educacionais entre o golpe militar de 1964 e o processo de redemocratização do Brasil .....................73 5. Limites e possibilidades da educação brasileira contemporânea ........................................................78 CONCLUSÃO ................................................................80 ELEMENTOS COMPLEMENTARES ....................................81 REFERÊNCIAS .................................................................82 UNIDADE 4 – EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: TEMAS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS INTRODUÇÃO ...............................................................86 1. Currículo ..................................................................86 2. Prática pedagógica ...................................................90 3. Papel da história e da filosofia na identidade docente ..93 CONCLUSÃO ................................................................97 ELEMENTOS COMPLEMENTARES ....................................97 REFERÊNCIAS .................................................................98 Unidade 1 Objetivos de aprendizagem da unidade • Conceituar filosofia da educação, compreendendo-a na relação com o contexto histórico • Destacar os marcos sociais, culturais e econômicos do pensamento educacional nos diferentes períodos históricos • Apontar as principais mudanças no cenário social da contemporaneidade, destacando seus efeitos na educação e na instituição escolar • Distinguir correntes do pensamento filosófico educacional a partir dos autores do século XX e XXI, analisando-as como elemento de reflexão sobre a realidade brasileira Professora Mestre Vania Marques Cardoso HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO – CAMINHOS CRUZADOS História e filosofia da educação – caminhos cruzados 7 Unidade 1 INTRODUÇÃO Olá! Seja bem-vindo(a) aos estudos desta unidade. Nossa proposta é trabalhar assuntos de relevância para a compreensão dos fundamentos históricos e filosóficos da educação que materializam a realidade educacional e as práticas docentes na escola contemporânea brasileira. O primeiro tema, “Filosofia da educação no contexto histórico”, objetiva conceituar filosofia da educação, compreendendo-a na relação com o contexto histórico. O segundo tem foco nos “Períodos históricos e pensamento educacional” e pretende analisar o percurso da educação desde a antiguidade, de modo a destacar os marcos sociais, culturais e econômicos do pensamento educacional nos diferentes períodos históricos para compreender o percurso que resultou na educação contemporânea. “Processos históricos contemporâneos” representa um terceiro tema que vai permitir assinalar as principais mudanças no cenário social da contemporaneidade, destacando seus efeitos na educação e na instituição escolar. Finalmente, mas não menos importante, com o tema “A educação contemporânea e as várias leituras filosóficas” o aluno poderá desvendar a complexidade da sociedade contemporânea, situando as questões educacionais no bojo de suas contradições, apontando reflexões possíveis sobre o momento social em curso. Pronto(a) para começar? Então, boa leitura e bons estudos! 1. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO HISTÓRICO Neste tópico vamos abordar a filosofia da educação no contexto histórico. Entretanto, antes de mergulharmos no assunto, é importante comentar rapidamente a respeito do cruzamento que existe entre os fundamentos históricos e filosóficos e as implicações com a educação. O ser humano se distingue pela memória, registro e historicidade no exercício da dinâmica social de apreender e transformar valores e relações ao longo do tempo e é movido pelo questionamento sobre seu destino e sua origem (LUCKESI, 2011). Numa relação entre o fatual, no espaço e no tempo, e a reflexão sobre os conceitos que surgem do real, a filosofia fez um caminho cruzado com a história, construída de forma dinâmica e ininterrupta: Assim como é difícil pensar o meramente factual sem conceito, porque pensá-lo significa sempre já concebê-lo, tampouco é possível pensar o mais puro dos conceitos sem alguma referência à facticidade [...] Se a verdade tem, de fato, um núcleo temporal, então o conteúdo histórico torna-se, em sua plenitude, um momento integral dessa verdade [...].(ADORNO, 2003, p. 26). Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 8 A filosofia sustenta ou rejeita concepções educacionais Fonte: Pixabay. Os fundamentos históricos e filosóficos assim entrecruzados travam com a educação o desvendar de possibilidades contidas no seu conceito entre educare (amamentar, criar, alimentar) e educere (conduzir para fora, fazer sair, modificar), de modo a evidenciar uma contradição entre dirigir e apoiar, diante das perplexidades das dimensões objetivas e representações que se influenciam mutuamente no campo educacional. [...] certa objetividade do contexto histórico não é de todo negada [...], ela não pode ser alcançada pelo pensamento que, inevitavelmente, está sempre imerso em uma cultura. Assim como não há uma plataforma supracultural, um ‘gancho celeste’ a partir do qual se possa sair da própria cultura para contemplar o mundo ‘lá fora’, não pode haver um estado mental cujo conteúdo pudesse ser o ‘espelho do mundo’. A sua representação só pode ser textual, cultural etc. (MORAES, 2003, p. 163). A filosofia é entendida como um corpo de conhecimento baseado na busca do ser humano por compreender o seu mundo e dar sentido a ele (LUCKESI, 2011). É uma área separada da educação, mas, ao mesmo tempo, justifica os pressupostos éticos e epistemológicos dela e sustenta ou rejeita as concepções educacionais em torno da produção do pensamento social em cada período histórico. Assim, mesmo que as reflexões filosóficas não representem o objeto ou o tema da educação e seus agentes, elas vão se penetrando na formação cultural da sociedade, nos ideais educacionais, nas políticas públicas para a educação e nas práticas sociais efetivas que compõem o tecido educacional. O conhecimento que a filosofia constrói sempre legitima e contesta a ordem historicamente estabelecida. “Filosofia da Educação é o exercício de um pensar sistemático sobre a educação, ou seja, de um pensar a educação, procurando entendê-la na sua integridade fenomenal. Pressuponho, pois, que se possa pensar a educação [...]”. Fonte: SEVERINO (2002, p. 269). História e filosofia da educação – caminhos cruzados 9 Unidade 1 Sem os fundamentos históricos, a realidade educativa não pode ser compreendida. Sem holofote no rememorar o passado se escurecem e obscurecem os meandros da interpretação da ação transformadora do homem no tempo, no espaço e nas condições objetivas e subjetivas nas quais experimenta o mundo. Não para obter respostas e explicações definitivas, na medida em que permite várias interpretações, mas para, como defende Benjamin (1985), negar uma marcha sucessiva ao progresso que enquadre os mais diferentes eventos históricos num continuum, vendo a história como devir que contém o passado de conceitos para lê-los à luz do presente, aproximá-los e distanciá-los, colocando quem a olha como se fossem “adivinhos” (BENJAMIN, 1985, p. 232) que consultavam o tempo e os astros para refletir sobre suas indicações de certa distância. De acordo com o dicionário Léxico.pt ([s.d.]), o termo devir significa “acabar por vir a ser; modificar-se ou transfigurar-se; dar-se, ocorrer, verificar-se ou acontecer”. No contexto da Filosofia, é identificado como “designação da passagem de uma condição para outra; movimento de alteração ou transformação contínua ou frequente.”. Conforme o Dicionário Online de Português ([s.d.]), a palavra, originada do latim devenire, significa o “processo de mudanças efetivas pelas quais todo ser passa; movimento permanente que atua como regra, sendo capaz de criar, transformar e modificar tudo o que existe; essa própria mudança.”. Fonte: Elaborado pela autora. Dessa forma, a história situa a educação nas profundezas do tempo/espaço, revelando-a em seu papel nos diferentes contextos de materialização educacional dos princípios filosóficos que resultam da própria sociedade e das relações sociais, fundamentam caminhos a partir de como situa o homem num mundo interpretável sobre o qual a educação se realiza (LUCKESI, 2011) e como instância de busca de avanço para o humano. Ao longo dos períodos históricos da educação foram se dando encontros e desencontros entre a perspectiva histórica e a filosófica (PAVIANI, 2006). A organização social absorveu a educação em seu tecido, uma vestimenta indispensável à própria diferenciação humana, na capacidade de pensar e conhecer, instância do próprio ato de conviver socialmente, e a organização educacional, da escola e da formação cultural expressa tanto a sociedade historicamente construída como o pensamento filosófico que as sustentam. “O educar e o filosofar identificam-se na medida em que ambos se esclarecem, se autojustificam, pensam o próprio pensamento e a própria ação.” Fonte: PAVIANI (2006, p. 20). Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 10 2. PERÍODOS HISTÓRICOS E PENSAMENTO EDUCACIONAL Considerando a educação como parte da sociedade e, portanto, presente desde os primórdios do surgimento da espécie humana, neste tópico propomos um recorte para analisar os períodos históricos, os quais partem da antiguidade como marco da filosofia e da história da educação que deu origem a um conjunto de transformações que desembocaram na educação contemporânea. Serão consideradas a Antiguidade, a Medievalidade, a Modernidade e a Contemporaneidade. 2.1. Antiguidade A Antiguidade foi um período histórico no qual a filosofia despontou como reflexão sobre o cotidiano no mundo antigo a partir de questões sobre os motivos da existência e da essência humana, buscando justificativas para os dilemas da humanidade. Tais justificativas iam além das explicações místicas. Esse momento trouxe também o pensar sobre o conhecimento e sua produção, impulsionando debates, conceptualizações e práticas educativas. Assim, foram surgindo inquietações educacionais: o que ensinar? para que ensinar? qual é a melhor forma de ensinar? (ARANHA, 2006). Na educação dos povos antigos, como podemos ver resumidamente no quadro a seguir, a educação foi organizada de diferentes formas. Confira: Organização da educação no Oriente e no Ocidente ORIENTE POVO ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL EGÍPCIOS • Funcionou em templos e casas; turmas de cerca de 20 alunos • Ensinava com predomínio da memorização • Usava castigo • Formava em separado escribas, funcionários administrativos e legais, médicos, engenhei- ros; arquitetos • Tinha conteúdos práticos • Fazia estudos de geometria botânica, zoologia, mineralogia e geografia BABILÔNIOS • Fazia estudos científicos mesclados com magia e astrologia • Realizava estudos de escrita cuneiforme para escribas, voltados para a preservação da língua • Utilizava bibliotecas HINDUS • Fundamentava-se em livros sagrados Vedas à Rig-Veda (terceiro milênio a.C.) e Upa- nishads (entre 1500 e 500 a.C.) • Privilegiava brâmanes • Oferecia aos brâmanes tutores que revelam texto sagrado • Oferecia educação elementar para outras castas, exceção dos sudras e dos párias • Incorporou influência budista de Sidarta (século VI a.C.) CHINESES • Utilizava livros canônicos e clássicos - I Ching (Livro das Mutações) terceiro milênio a.C. • Realizava educação conceitual para os sábios com base em Lao Tsé e Confúcio (século VI a.C.) • Utilizava princípios e na aplicação prática e moral na formação dos jovens • Tinha mandarins como educadores • Realizava ensino superior para altos funcionários do imperador e administrativos com sis- tema de seleção rigoroso História e filosofia da educação – caminhos cruzados 11 Unidade 1 HEBRAICOS • Centrava-se numa nova ética de valorização individual e interioridade moral • Valorizava a educação para o trabalho manual como prevenção do pecado • Trabalhava com memorização de textos e palavras e cópias à mão com precisão • Fazia leitura em voz alta • Utilizava provérbios e parábolas partilhando perguntas e respostas • Realizava estudos de aritmética OCIDENTE POVOORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL GREGOS • Foi o berço da educação ocidental • Visava a formar um elevado tipo de homem a partir de narrativas heroicas • Valorizava as virtudes de coragem, prudência e astúcia • Incluía atenienses, tebanos e espartanos • Fazia leitura coletiva de versos e prática de oratória ROMANOS • Progrediu de um sistema de educação informal e familiar, no início da república, para ou- tro baseado em aulas pagas durante o império • Fundamentava o sistema de ensino no sistema grego • Tinha professores particulares gregos (escravos ou libertos) • Dava ênfase à formação moral e do guerreiro • Utilizava como texto-base da educação as doze tábuas (451 a.C.) feitas em bronze e expos- tas no fórum • Exaltava tradição (o espírito, os costumes, a disciplina dos pais) e representava código civil com direitos e deveres Fonte: Elaborado pela autora. No Oriente e no Ocidente, a educação, especialmente a escolar, nasceu sob a égide de privilégio de alguns; não atingia o conjunto da população, mesmo porque aquelas sociedades eram configuradas como escravistas, demarcando a diferença de condições de vida e acesso à cultura. A educação grega e a romana foram as que mais influenciaram as sociedades ocidentais, e mesmo depois de superadas pelo cristianismo acabaram por ser absorvidas entre matrizes culturais que resultaram em uma concepção hegemônica que ainda configura a identidade cultural do Ocidente. Entretanto, o Egito foi reconhecido, pelos filósofos gregos e romanos, como referencial educacional vindo do Oriente Próximo, e muitos dos seus elementos foram incorporados nos sistemas ocidentais como a ênfase na disciplina de estudo: Andar à toa, cair na gandaia e vadiar pelas ruas eram motivos recorrentes de castigos, enquanto a destreza da mão na escrita era sinal de maturidade intelectual. Era essa a tradição dos ensinamentos egípcios e que continuou após a conquista grega. (BITTAR, 2009, p. 17). Da educação egípcia, retiveram-se, assim, o conteúdo e a preocupação com o objetivo de ensino e moralidade, matrizes que se perpetuaram na escola ocidental até a contemporaneidade. Outro elemento ainda presente da educação egípcia é a formação política perpassada pela retórica, como oratória capaz de convencer, e a formação do escriba como aquele que registra as mensagens públicas; os trabalhos escolares ainda têm componentes retóricos e de apresentação pública com complexidade crescente na trajetória dos estudantes na escola ocidental do ensino básico ao superior. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 12 Retórica, do grego rhetorike, significa a arte do bem falar, se comunicar, transmitir ideias com convicção. Corresponde à formulação de um pensamento claro do orador, elemento da filosofia. Foi uma arte ensinada nas universidades da Idade Média, constituindo- se importante até o século XIX. Tornou-se ciência e prática, ocupando-se, inicialmente da oratória, se ampliou para os textos escritos e compôs a disciplina estilística. Portanto, a oratória, uso de normas de comunicação que permitem ao orador uma boa comunicação, é um meio pelo qual se manifesta a retórica. Fonte: Elaborado pela autora. 2.1.1. A educação grega A educação da Grécia antiga foi marcada, inicialmente, pela ação dos sofistas, originários da Sicília. Estes assumiam uma relação de tutoria e aulas pelo mundo grego com foco nos valores e na argumentação valorativa, entre o valor e o seu contravalor, conceito com aderência social e individual relativizado e argumentação discursiva que foi ganhando um contorno de retórica atribuída a Górgias (483-411 a.C.) com uso de metáforas, dicção poética e adornos estilísticos. No século V nasceu a figura do pedagogo, na Grécia, um escravo com conhecimento e cuja tarefa era conduzir a criança para a vida adulta. Ao longo do tempo, o conceito de pedagogo foi ampliado para definir toda teoria a respeito da educação (ARANHA, 2006). Os gregos esboçaram as primeiras linhas de uma intervenção consciente da ação pedagógica e assim influenciaram por séculos a cultura ocidental. O pensamento de Sócrates (469-399 a.C.), nascido em Atenas, questionou os sofistas, defendendo valores absolutos, não relativizáveis, igualando os positivos e os negativos. Valorizou o diálogo como elemento fundamental para alcançar o autoconhecimento, reconhecendo os seus limites; a própria ignorância era para ele tarefa crucial: a frase “só sei que nada sei”, que lhe é atribuída, é um marco do seu pensamento. O método de conhecer de Sócrates, a maiêutica, centrado no dissenso, no espectro das multiplicidades destaca a via dialógica como promotora do aprender (KONDER, 2006). Sócrates foi condenado à morte acusado de traição, pois durante a guerra criticara o regime democrático de Crítias. A maiêutica (maieutike - “arte de partejar”) é um método desenvolvido por Sócrates que busca a elucidação do conhecimento a partir da reflexão, num jogo de perguntas e respostas com perspicaz caráter que estimulam o conhecimento latente da mente humana, como num fazer nascer o conhecimento, retirar do Homem a verdade que está dentro dele, para atingir “verdades universais”. Uma primeira etapa envolve perguntas simples que pretendem contradizer a forma de pensar do interlocutor, revelando valores sociais que escondem o conhecimento; e a segunda é formada por respostas capazes de gerar novos conhecimentos. Assim, inicialmente, leva-se o interlocutor a duvidar do que julgava conhecer para, posteriormente, permitir a reflexão sobre a validade do conhecimento anterior. Dessa forma, os conceitos predefinidos do interlocutor são desmontados para que sejam “paridas” noções mais complexas sobre o objeto do conhecimento. Fonte: Elaborado pela autora. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 13 Unidade 1 Platão (428-348 a.C.) descreveu a obra de Sócrates em textos, fundamentando conceitos sobre conhecimento, política e sociedade. No campo educacional defendeu a abundância do conhecimento, em que todos pudessem manifestar opiniões no alcance da transcendência do conhecer, numa valorização dos sábios como orientadores da sociedade para o domínio dos sentidos. Platão fundou uma escola, “A academia”, em 385 a.C., da qual tornou-se professor. Quer saber quem foi Crítias? Então, anote isso: “Político grego nascido em Atenas, líder dos Trinta Tiranos que governaram a cidade-estado durante o século V a.C. (404-403 a.C.), depois da Guerra do Peloponeso, entrando para história como um dos seus últimos vilões. De uma família aristocrática, foi educado na filosofia socrática e os sofistas e era o tio-avô de Platão. [...] Ele era antidemocrata e pró-Esparta [...]. Seu governo, apesar de curto, foi extremamente violento e ditatorial, com execuções em massa, como a ordenada contra os 300 homens em Eleusis. Ele defendia o uso de mentiras brancas: uma história inventada sobre o passado, mas com uma moral que deveria deixar marcas no presente. [...] Por ele ser tão odiado em Atenas, Sócrates também foi perseguido somente porque o filósofo tinha sido seu professor. Embora tenha sido um verdadeiro tirano, era muito inteligente e culturalmente de bom nível, escrevendo prosas, tragédias e poesia lírica.”. Fonte: UFCG ([s.d.]). Em A República descreveu a sua famosa “Alegoria da Caverna” ou “Mito da caverna”, na qual discutiu o conhecimento como elevação do espírito em direção à luz, um caminho para a descoberta da verdade, do mundo das ideias, para vislumbrar além do mundo conhecido pela sensibilidade aparente, percebendo o belo. Aristóteles (384-322 a.C.), apesar de ter estudado por 20 anos na Academia de Platão, não seguiu toda sua teoria e fundou em 335 a.C. o seu próprio Liceu. Esse autor foi o primeiro a conceber a escola como obrigação do Estado e direito de todos. Define o humano como dotado de alma (psique), que o torna um ser animado que julga pelo discurso e pela sensação, ao passo que os seres inertes são inanimados. Transcendersignifica elevar-se acima do vulgar, ir além de, ultrapassar um limite físico ou simbólico de algo. Representa a capacidade humana de transpor barreiras, se tornando superior às circunstâncias. Termo utilizado inicialmente para a referir a Deus na sua relação com o mundo, colocando-o acima dos limites, como criador com consciência externa ao mundo. Na filosofia moderna, transcendente liga-se àquilo que interfere nas possibilidades do conhecimento sobre o real. Algo transcende quando tem um papel no como pensar e experimentar a realidade, superando a mera impressão sobre os objetos. Fonte: Elaborado pela autora. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 14 Ao estudar o raciocínio do ponto de vista formal, Aristóteles estabeleceu princípios de validade lógica que fundamentam o pensamento, apontando que os contrários são possibilidades de uma mesma forma; por exemplo, o contrário do mal pode ser o bem e o próprio mal. Também definiu a organização do pensamento com base em premissas que permitam conclusões, especialmente com o silogismo. A Academia de Platão Fonte: POMBO ([s.d.]). Silogismo é um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, o argumento típico dedutivo, composto por duas premissas, juízos antecedentes, que geram uma conclusão, resultado consequente. Por exemplo: Todo animal é um ser vivo. O gato é um animal. Logo, o gato é um ser vivo. Para que um silogismo seja válido, sua estrutura precisa ter regras que permitam a sua confirmação: contém três termos; a conclusão é menos extensa que as premissas; a segunda premissa não entra na conclusão, de duas premissas negativas ou particulares nada se conclui; de duas afirmativas não pode haver conclusão negativa. Fonte: Elaborado pela autora. 2.2. Medievalidade O período medieval marcou a história da Europa, iniciando-se no século V, com a queda do Império Romano, resultante de um processo de declínio que se arrastava desde o século III com invasões bárbaras, crise econômica e disputas internas de poder. Era um cenário de colapso do sistema História e filosofia da educação – caminhos cruzados 15 Unidade 1 escravista que gerou decadência e estimulou um êxodo urbano e a criação de cenários de latifúndios em torno dos quais famílias viviam e trabalhavam, em regime de trabalho não escravo, mas sem propriedade da terra. Muitos latifundiários eram administradores, condes e chefes de província que vinham concentrando terras e se aliaram aos bárbaros para destruir a autoridade concentrada do Estado, já com dificuldade em se impor naquele vasto território descentralizado e baseado em poderes locais de tais senhores. Dessa forma, a invasão dos Hérulos em 476 acabou por estabelecer, de forma definitiva, essa nova configuração que a sociedade vinha ganhando. Mantiveram-se as instituições políticas, como o Senado e o Consulado, e o latim permaneceu língua oficial, mas a produção foi descentralizada, com divisão de terras em feudos independentes e designação de poder local para cada senhor. O cristianismo e a Igreja Católica, apostólica romana, fortalecida desde o século IV com a definição de seus dogmas (verdades inquestionáveis que a norteiam) em concílios e tornada religião oficial do Império, ganharam espaço político nesse momento de mudança. O domínio cristão se opôs ao intelectualismo do mundo grego, até mesmo escondendo as obras clássicas do acesso, permitidas apenas ao clero; a fé se tornou mais importante do que a razão, e os fundamentos filosóficos se desenvolveram em dois blocos: Patrística e a Escolástica (a primeira já vinha sendo trabalhada desde o século I no interior da instituição). A filosofia patrística, com a ampliação do poder católico em virtude da queda do Império, espelhou a educação e o sistema de ensino na Idade Média, restrito a uma minoria, com objetivos de inculcação dos preceitos religiosos, currículos fechados e escolas seletivas. Nesse momento tal filosofia voltou-se para a resignação aos princípios católicos, ressaltando a intuição e a revelação divina como forma de acesso ao conhecimento. Os objetivos educacionais fundamentados pela Patrística giravam em torno da formação religiosa, com ensino do latim para possibilitar o desenvolvimento de habilidades de interpretação dos textos religiosos, além de uma formação artística e transmissão de técnicas. As escolas europeias desse período eram divididas consoante o objetivo da formação. Assim, as episcopais formavam padres para exercício do sacerdócio; as monásticas, em regime de internato, formavam monges para a disciplina e a valorização do trabalho monástico em mosteiros afastados da cidade, que inicialmente visavam à formação de monges, mas depois também de leigos das classes proprietárias; e as palatinas, que recebiam os filhos dos nobres com currículo vasto (Gramática, Aritmética, Geometria, Astronomia, Dialética, Retórica, Filosofia) e de formação geral que exigia empenho dos estudantes. As ideias principais que fundamentaram a Patrística foram as de Santo Agostinho (354-430 a.C.), da África romanizada, cujo pensamento, considerado medieval em função das problemáticas tratadas e preocupações intelectuais que carregava, foi inspirado no idealismo de Platão. Seguidor do maniqueísmo –doutrina que prega a diferença radical entre Bem e Mal, Deus e o Diabo etc. –, difundiu a necessidade de compreender como elemento do crer, portanto a educação como sustentáculo da crença religiosa. Inspirado em Platão (427-347 a.C.), Agostinho considerava a filosofia uma disciplina religiosa e defendia a superioridade da alma humana, com supremacia do espírito sobre o corpo, a alma como criação divina de Deus capaz de promover uma liberdade verdadeira, aquela que se harmoniza com a vontade divina e afasta da escravidão, o pecado. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 16 A concepção platônica de Agostinho apontava o mal como ausência do bem, cuja origem estava no livre-arbítrio concedido por Deus ao homem, único ser capaz de conhecer os sentidos presentes no humano e na natureza. Na defesa de uma ética fundada nos preceitos morais de fé, esperança e amor, o homem bom é o que aquele capaz de amar. A porção mais influente da obra de Aristóteles havia desaparecido das bibliotecas da Europa, embora tivesse sido preservada no Oriente Médio. Ela só começou a reaparecer no século XII, principalmente por meio de comentadores árabes, conquistando grande repercussão nos círculos intelectuais. O pensamento escolástico (da palavra latina schola = centro de encontro e de estudos) modificou a organização escolar e fomentou o surgimento das universidades a partir do século XII na França, Inglaterra e Itália, formadas por mestres e estudantes (universitas) que se dedicavam ao aprofundamento temático, pesquisa, reflexão e debate organizado em um ciclo de formação geral (Gramática, Retórica, Aritmética, Geometria, Filosofia, Lógica e Astronomia) e estudos em cursos específicos – os primeiros Medicina, Teologia e Direito. Esses espaços educativos promoviam discussão de temas polêmicos que resultaram em intervenção de reis, ordens religiosas e papas. A escolástica teve como principal expoente Tomás de Aquino (1225- 1274), monge dominicano e filósofo italiano canonizado como santo que estabeleceu novos fundamentos filosóficos para doutrina católica romana. Com ponto de partida nas ideias de realismo aristotélico, esse filósofo formulou o tomismo. Na filosofia tomista, grande parte do pensamento aristotélico serviu à finalidade de explicar a fé cristã, provar a existência de Deus por meio de cinco provas enumeradas: 1. a prova do ser movente que preconiza a existência de chegar a um primeiro ser que propulsiona o movimento, porque tudo aquilo que se move é movido por outro ser; 2. a prova da causa eficiente, na medida em que os efeitos têm sempre causas, teria que haver uma primeira causaeficiente responsável pela sucessão de efeitos; 3. a prova da necessidade e contingência, em que só o que existe pode deixar de existir, pois aquilo que não existe somente começa a existir em função de algo que já existia, portanto há um Deus que sempre existiu absolutamente necessário para a contingência de existir de outros; 4. a prova dos graus de perfeição, segundo a qual se as coisas podem ter “mais ou menos” perfeição em determinada característica, haverá a possibilidade de perfeição plena em Deus; e 5. a prova da finalidade do ser, em que todas as coisas, mesmo as brutas que não possuem inteligência própria, cumprem uma função natural que é dirigida para um objetivo, por isso Deus governa essa função. Essa perspectiva filosófica destacava Deus como causa primária de todos os acontecimentos. Por isso, considerava a metafísica como estudo de Deus, incorporando-a como método, numa associação entre as explicações pela razão e pela fé, formulando assim um novo pensamento filosófico cristão com base nos princípios esclarecidos no quadro a seguir. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 17 Unidade 1 Princípios do tomismo PRINCÍPIO DEFINIÇÃO NÃO CONTRADIÇÃO Não existe nada que possa ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista SUBSTÂNCIA Na existência dos seres há a substância (a essência, propriamente dita, de uma coisa, sem a qual ela não seria aquilo que é) e o acidente (qualidade não essencial, acessória do ser) CAUSA EFICIENTE Os seres que captamos pelos sentidos são seres contingentes, não possuem, em si pró- prios, causa eficiente de suas existências FINALIDADE O ser existe em função de uma finalidade, de um objetivo, de uma razão de ser ATO E POTÊNCIA Todo ser possui duas dimensões: o ato e a potência. O ato representa a existência atual e a potência representa a aquilo que não se realizou, mas pode realizar-se. A passagem da potência para o ato explica mudança Fonte: Elaborado pela autora. “O termo metafísica se refere a um ramo da filosofia que estuda as leis da realidade e que dificilmente se contrasta empiricamente. A metafísica teve sua origem nas reflexões filosóficas mais antigas, mais precisamente na Grécia Antiga. [...] Durante muito tempo, foi uma disciplina de grande importância, mas com o surgimento de novas ciências e o desenvolvimento do método científico foi ficando para trás. No entanto, durante o século XX, grandes filósofos a impulsionaram novamente. Pode-se dizer que durante a Grécia Antiga, a metafísica era uma tendência comum nas posturas filosóficas existentes. Isto significa que a preocupação em relação à realidade era uma constante em qualquer tipo de questionamento. Assim, a apresentação filosófica socrática de Platão revela que a realidade existente é apenas a expressão de um mundo de ideias além dos sentidos. No entanto, Aristóteles foi o filósofo cuja metafísica transcendeu até a atualidade. Ele fez uma clara distinção entre essência, sustância e acidente para explicar a pluralidade da visível realidade.”. Fonte: CONCEITOS.COM ([s.d.]). No campo do conhecimento, a escolástica de Tomás de Aquino considerava o homem tábula rasa e o conhecer como advento dos sentidos que permite extrair a essência. A educação representava ação que transforma os potenciais humanos em conhecimento, mobilizando sua inteligência ativa sobre o mundo e passiva que transforma a experiência sensorial em conceitos formulados individualmente. Admite, portanto, que o estudante interfere no seu próprio desvendar de novos conhecimentos. O conhecimento envolve, para o autor, um processo de descoberta no qual a razão aplica princípios universais para, a partir daí, tirar as conclusões particulares. Já o ensino acontece por meio da transformação dos princípios universais para as conclusões particulares com ajuda de um intermediário, o professor, causa do conhecimento do aluno por meio do uso de sinais e outros instrumentos de auxílio, fazendo o aluno conhecer o que antes desconhecia. Portanto, Tomás de Aquino nos deixa uma filosofia que tem na abertura ao conhecimento e ao aluno a característica mais significativa (LAUAND, 2012). Tendo em vista que a teoria do conhecimento que o autor faz referência está fundamentada na vontade de cada um na direção do próprio aperfeiçoamento, à educação se deixa, ainda, o legado Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 18 de autodisciplina como marca do ensino cristão. Afirmando a ordem moral como independente da vontade divina, circunscrita na racionalidade humana, atribui transcendência ao homem, abrindo a possibilidade filosófica da existência dos santos, e constituiu um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelações do cristianismo. O investimento nas cruzadas católicas para a expulsão dos mulçumanos do território da Europa associou-se a uma crise dos cânones religiosos, apontados pela sociedade como opostos às práticas religiosas comercializadas, como venda de relíquias sagradas por indulgências – em que ricos trocavam o perdão pelos pecados por doação de bens à igreja, fazendo com que este se tornasse um senhor feudal. A peste negra e o investimento estatal em derrotá-la; a monetarização da economia em substituição das trocas comerciais; a reorganização dos serviços centralizados nas metrópoles; a concentração de interesses da burguesia nascentes nesses espaços urbanos privilegiados; a incidência de impostos sobre a exploração de terras por vassalagem; e a absorção de vassalos no serviço do estado central; foram fatores que também influenciaram a ascensão da burguesia aos espaços públicos. Inclui-se até mesmo o âmbito escolar para a formação dos artesãos nas oficinas de manufatura que começavam a se expandir, dada a necessidade do domínio científico e tecnológico das novas relações comerciais que a escala das mercadorias e a expansão territorial estabeleceram, ao lado da absorção de máquinas nos vários setores produtivos, perpassada pela formação dos Estados nacionais. 2.2.1. Renascimento O conjunto de transformações econômicas, sociais e culturais desde a revolução comercial concentrou novamente a vida social nas metrópoles (Sevilha, Lisboa, Paris, Londres, Roma etc.). As grandes navegações permitiram o reconhecimento de novos espaços e povos, criaram eixos comerciais pelos oceanos afora, dominando colônias e fortalecendo os Estados Nacionais. No contexto da época, uma orientação humanista da filosofia fez renascer os referenciais gregos como modelo de excelência. Sem abandonar a ideia teocêntrica de que Deus concedeu uma única verdade ao mundo que produzira o cristianismo, assume-se a possibilidade de fragmentos divinos dessa verdade terem influenciado a cultura greco-romana, por isso tornou-se necessário fazer renascer ideias filosóficas dessas culturas, o Renascimento. Obra italiana do Renascimento (Michelangelo) Fonte: Pixabay. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 19 Unidade 1 Teocentrismo (do grego, theos, “Deus”, e kentron “centro”) significa, literalmente, “Deus como centro do mundo”, fundamento de toda a ordem, inclusive as ações humanas. A Idade Média é considerada teocêntrica porque todas as suas ideias giravam em torno de Deus. Nesse período a Igreja detinha grande poder junto à nobreza, controlava a vida comunitária, castigava os opositores. Deus estava presente em toda a vida social, por exemplo, o rei era o representante de Deus na Terra. Fonte: Elaborado pela autora. Rumo à construção de um novo modelo de conhecimento e formação cultural da sociedade fundamentada na razão, a concepção de aprender como razão individual sobre evidências, a retomada do valor da retórica e estudos de língua refletem autores humanistas do século XVII. É o caso de Erasmo de Roterdã, Francis Bacon, Michel de Montaigne, que recolocam em circulação as ideias de Platão e Aristóteles, influenciando os campos da ética, lógica, teologia, direito,poética e artes e preconizam a formação global de um homem ideal: ao mesmo tempo filósofo, cientista e artista. A escola defendida por esses autores expande a estrutura de disciplinas escolares, num novo conceito de ensino e educação e absorção dos métodos científicos pela escola. Sob o manto católico, mas não sendo uma imitação literal da cultura antiga, nesse período houve uma tentativa eclética de harmonizar o platonismo pagão com a religião cristã, incorporando influências orientais, o estudo da magia, da astrologia e do oculto como linguagens simbólicas. A religião assumiu o humanismo como reinterpretação dos dogmas, de modo que ganhou flexibilidade e adaptabilidade diante da perda de poder social e político. Simultaneamente, no campo da didática se destacam Ratichius e Comenius, que formularam princípios de um método natural de ensinar. O primeiro defendeu que tudo devia ser ensinado na língua materna, por meio da experiência e experimentação nas quais primeiramente estava a coisa, e depois, a explicação. Comenius trouxe como princípio formar o homem para a vida temporal, civil e espiritual, ampliando a perspectiva religiosa, com foco no conhecimento das coisas. Esses filósofos pedagogos ofereceram elementos para o rompimento com a escolástica e, embora inseridos no humanismo, também questionaram a pedagogia centrada apenas nos estudos de textos, superando o ensino puramente literário e valorizando os sentidos, a experiência e o trabalho como aspectos do ensinar. Pestalozzi é, também, uma importante referência. Igualmente para esse educador uma educação natural é o princípio educativo, os sentimentos são o elemento que desperta a aprendizagem autônoma, valorizando o desenvolvimento das habilidades naturais e inatas ao longo da formação humana e seus elementos: a moral, a política e a religião a serem trabalhados na educação escolar em atividades diversificadas. Rousseau foi um pensador que valorizou a infância como sucessão de fases de desenvolvimento e partiu da ideia de que o homem nasce bom e se corrompe na sociedade, inclusive nas instituições educativas. Defendeu a necessidade de um contrato social em defesa da liberdade baseado na experiência política da antiguidade como referência de consenso e cidadania como exercício civil, de modo a recuperar a liberdade nata do ser humano e agregar o tecido social em torno de objetivos comuns. Esse pacto social controlaria a ação dos “soberanos” e produziria liberdade moral autônoma do indivíduo e a soberania popular em um Estado Civil. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 20 No contexto histórico do Renascimento, o aperfeiçoamento da imprensa e a fundação de bibliotecas ampliaram o acesso ao conhecimento e aos autores clássicos. Também nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos e enumeradas leis naturais; a face do planeta se alterou com as grandes navegações, ampliando o conhecimento e o uso da física, matemática, astronomia, engenharia e filologia e aumentando sua complexidade e exatidão. O Renascimento abriu a era da razão, fundamentou o Iluminismo, construiu sua base, questionou a autoridade de lado, abriu para a diversidade de opiniões, reordenou a arte e revisitou o conceito de história, valorizando-a na continuidade e na ruptura, aproximando-se de uma releitura crítica no passado projetado no presente. Também carregou para a educação a retomada dos clássicos e dos conteúdos de formação geral que se contrapunham ao período histórico anterior que colocou as obras da antiguidade enclausuradas em monastérios e para acesso exclusivo do clero. O centro do Iluminismo foi a França, e seu marco filosófico foi a publicação da grande Enciclopédia por Diderot (1713-1784) com contribuições de centenas de intelectuais, como Voltaire (1694-1778) e Montesquieu (1689-1755). Surgiu sustentado no racionalismo, centrado na razão e no conhecimento científico dela evidenciado e comprovável na realidade, se distanciando do mitológico e do dogma religioso e propulsionando progresso da civilização, tendo o humano como produtor do conhecimento, capaz de reverter a sua condição de origem. O avanço da ciência desembocou no racionalismo que foi afastando o conhecimento e a educação da religião (ARANHA, 2006), o campo educativo se distanciou da dominância religiosa, compreendida como encargo do Estado, projetando o ensino elementar como obrigatório e gratuito, com foco no nacionalismo, ênfase nas línguas vernáculas (nativas de determinado país ou região), em detrimento do latim, e orientação para os ofícios, apontando uma aliança entre a ciência e sua aplicação prática. Ao lado do desenvolvimento técnico e científico, houve um descontentamento popular, liderado pela burguesia emergente, contra um Estado interventor e centralizador da economia baseada no mercantilismo, na colonização e na subordinação da atividade econômica ao poder estatal. Fundidos, esses elementos impulsionaram o Iluminismo, movimento intelectual que mobilizou a razão, manifestando-se contra a intolerância da Igreja e do Estado, advogando um conhecimento apurado da natureza para torná-la útil ao homem moderno. 2.3. Modernidade As transformações ocorridas a partir do Renascimento e o início da ciência moderna levaram a um grande questionamento sobre os critérios e métodos para aquisição do “conhecimento verdadeiro”. Uma das funções da filosofia passou a ser a de investigar em que medida o saber científico atingia o objetivo de gerar esse conhecimento. A consolidação do capitalismo gerada pelo desenvolvimento industrial, desde o século XVIII, evidenciava a exploração do trabalho humano, ao mesmo tempo que se vislumbrava o avanço tecnológico e científico. Por conseguinte, o século XIX refletia a consolidação desses processos e as convicções ancoradas no progresso tecnocientífico. Aos poucos as máquinas substituíram a força humana, e a ideia de progresso foi disseminada em todas as sociedades do mundo. Essas alterações no cenário mundial promoveram a institucionalização da escola pública, com ordenação do tempo e do espaço escolares, instituindo-se sistemas organizados em direção ao progresso e à civilização. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 21 Unidade 1 A Modernidade foi um período marcado pelo otimismo, relacionado ao novo, à quebra com a tradição, com sentido positivo de mudança e progresso, valorização do indivíduo e sua subjetividade. Historicamente, esse momento se caracterizou pela transição, na Europa e Estados Unidos, da forma artesanal para a produção fabril, com aprimoramento de processos que permitiram uma melhor e maior exploração de recursos naturais com crescente utilização da energia a vapor, substituindo a madeira e o carvão, e promoveu o desenvolvimento de máquinas e ferramentas para produção de novos produtos. Esse contexto gerou uma nova organização social que transformou a vida e o trabalho, refletindo-se na educação. O advento da Revolução Francesa carregou para o campo político as transformações econômicas em processo, garantiu a ascensão da burguesia, que vinha se projetando ao poder, transformando o Estado aristocrático no qual a nobreza se posicionava no topo da pirâmide social, seguida pelo clero e deixava a sociedade numa base piramidal inferior. Então, o Estado era defendido como elemento que contribuía na expansão das atividades econômicas em aliança com as forças industriais em crescimento, regulando as suas relações com a sociedade, sem retirar a liberdade de mercado. Sob a perspectiva iluminista, fincada na ideia de uma natureza humana universal, de autonomia do sujeito, de educabilidade humana, de emancipação pela razão, se acentuou uma educação de formação geral para o autodomínio. A educação foi emancipada dos modelos religiosos, a técnica, os valores de ciência prática foram enaltecidos e a educação escolar se institucionalizou em torno das necessidades de formação de mão de obra, floresceu comoinstância subordinada aos interesses do Estado e da sociedade, com objetivos sociais mais amplos, e deixou de ser controlada pelas religiões. A queda da Bastilha Fonte: WIKIPEDIA ([s.d.]). Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 22 A filosofia da educação moderna constitui-se a partir da aliança entre a filosofia do sujeito e a educação humanista, justificando a ação educativa como se o “[...] objetivo da educação fosse exatamente o de transformar o homem em sujeito, capaz de estar de posse da verdade como ‘senhor consciente de seus pensamentos e responsável pelos seus atos’” (GHIRALDELLI JR., 2000, p. 44), dando-lhe um caráter esclarecedor. Fonte: Elaborado pela autora. É clara a riqueza de modelos formativos de autores como Pestalozzi, Kant, Herbart, Froebel e Durkheim, que concretizam teorias sobre a prática educativa assentada no progresso e que têm em comum a acentuação do poder da razão, defesa de uma cultura universal a ser transmitida às novas gerações, da educação como direito e do papel dos educadores como intervenção pedagógica pelo esclarecimento de valores universais, racionalidade, autoconsciência, autonomia. É um período no qual velho e novo se acham na busca de um mundo antropocêntrico, livre e inovador, de modo que há a criação de uma nova estética, a partir da releitura dos clássicos antigos. Então, “também o indivíduo deve submeter-se a uma remodelação, através do ideal do ‘cortesão’ e das regras de ‘sociabilidade’, que estabelece os princípios e as formas da socialização” (CAMBI, 1999, p. 244) e se vai estabelecendo uma nova noção de tempo cronológico, definido pelo relógio, indicador homogêneo de produtividade, de trabalho disciplinado. Assim, na modernidade, a escola assumiu a função de tornar os sujeitos socializados, livres e emancipados intelectualmente, uma escola que instrui e que forma, que ensina conhecimentos, construindo a consciência de cidadão e emancipando-o intelectualmente, liberando-o de preconceitos, tradições e fé. Em simultâneo, o cotidiano escolar sofre a pressão temporal que faz o tempo escolar equivaler a valor e a escola em que disciplina para a produção, distanciando-se da concepção de liberdade; a igualdade se dá na ampliação da escola, mascarada pelas situações sociais e econômicas diferenciadas que, desde esse marco, impediam a frequência escolar. A modernidade embalou a corrida do progresso, ao mesmo tempo que acentuou a desigualdade, afastando-se dos seus ideais. Com o avanço do capitalismo foram sendo perdidas as perspectivas inicias; o que progrediu não representou a ampliação da igualdade, mas uma configuração de uma sociedade sob o signo da administração total, que produz um coletivo massificado e subtrai a subjetividade, submetida ao poder da racionalidade técnica, da escravidão à máquina e à mercadoria, numa lógica de sedução das pessoas pelo dinheiro e pelo consumo. No processo histórico de conquista do poder pela burguesia se modelam comportamentos para a produtividade social, e a escola é espaço dessa modelação. Constrói-se um mito da educação como capaz de renovar a sociedade, dotá-la de comportamentos homogêneos e funcionais para o seu próprio desenvolvimento. Então desenvolve-se um “sistema escolar” orgânico e submetido ao controle público; com programas de ensino únicos, focados na alfabetização e difusão da cultura como processo de crescimento democrático coletivo que se impõe como direito inserido no círculo produtivo da sociedade e sua lógica. Nesse cenário, o ato de educar se torna um mecanismo de controle para a burguesia e de certa autonomia social para o conjunto da população. Paradoxalmente, apesar da promessa, a escola na Modernidade não efetiva a emancipação, pois na medida em que conforma o indivíduo emancipado, o normaliza. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 23 Unidade 1 Fonte: Pixabay. A Segunda Grande Guerra (1939-1945) colocou em causa a possibilidade de as ideias da modernidade se concretizarem. Na educação, os estragos da Guerra evidenciaram a fragilidade da saída educacional como promotora da sonhada igualdade e mobilidade social, desmistificando a escola como transformadora, mas em contrapartida valorizaram a escolarização como elemento do desenvolvimento da reconstrução dos países da Europa e os Estados Unidos, bem como seu domínio econômico sobre outros países. 3. PROCESSOS HISTÓRICOS CONTEMPORÂNEOS No século XX grandes transformações demarcaram as relações sociais entre as nações. O avanço da livre concorrência econômica estimulou monopólios e instigou a disputa por mercados consumidores e matérias-primas e pela dominação de países com recursos ainda não explorados. Refletidos numa era de incertezas, contradições e dúvidas geradas por resultados inesperados marcaram os acontecimentos desse século. Formaram-se potências internacionais que lutavam pelo domínio do capitalismo internacional e cujos choques culminaram, num momento de expansão da indústria armamentista, na Primeira Grande Guerra (1914-1918) e fragilizaram a Europa. No rastro da instabilidade causada, eclodiu a Revolução Russa, e, nos anos de 1930, a Guerra Espanhola. Somaram-se a isso as políticas expansionistas que se arrastaram pelos países periféricos, regiões fornecedoras de matéria-prima e consumidoras dos produtos industrializados, com fortalecimento do imperialismo econômico, nova forma de dependência entre países. Primeira Guerra Mundial Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 24 “A Primeira Guerra Mundial em cinco minutos” é o título do vídeo que traz os elementos e acontecimentos mais significativos que ocorreram durante a Primeira Guerra Mundial. Se você deseja ter uma visão sucinta – e estimuladora de novas pesquisas – vale a pena conferir. O material está disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=jACiIe8Ly5o>. Fonte: Elaborado pela autora. Abriu-se, no pós-guerra, um período conhecido como Guerra Fria, na disputa pela zona de influência, especialmente do poder bélico que ameaçava a paz mundial, entre o bloco capitalista (com base na economia de mercado, sistema democrático e propriedade privada) e o socialista (baseado na economia planificada, igualdade social e centralização de poder do Estado). No período que se seguiu à Segunda Guerra, a economia internacional dominada pelos Estados Unidos ficou marcada por um processo contínuo de rearticulação de forças do capitalismo em crise para fomentar um mercado cada vez mais global como elemento de regulação social ampliado pela destituição do bloco da União Soviética em 1989, marcada pela queda do muro de Berlim que representava o isolamento entre o mundo capitalista e socialista até então. Esse movimento da economia a globaliza de forma crescente e desvaloriza o Estado, que deixa de ser provedor das necessidades da sociedade para se transformar em regulador de um mercado aberto que atua sob o imperativo de eficiência, eficácia e produtividade. “A Guerra Fria teve suas origens nas divergências entre EUA e URSS ainda durante a Segunda Guerra Mundial e se instalou definitivamente a partir de 1947, quando as diferenças entre os dois países, que emergiram da guerra não apenas como os grandes vencedores, mas também como duas superpotências mundiais, adquiriram o caráter de um conflito permanente. Tratava-se de um conflito de natureza principalmente estratégica e militar, mas que se revestia também de aspectos econômicos e político-ideológicos, opondo, de um lado, um bloco capitalista, cujo modelo de organização política tendia a ser a democracia, e, de outro, um bloco socialista, cuja organização político-social reproduzia, em maior ou menor medida, o socialismo autoritário vigente na URSS.” Fonte: MELLO E SILVA ([s.d.]). A globalização econômica foi aprofundada a partir do final do século XX e consolidou mudanças sociais com redefinição das relações de trabalho que gerou um momento históricode desintegração da produção tradicional; houve uma flexibilização produtiva que absorveu os avanços tecnológicos, aumentou os lucros, abriu mercados, mas vem mantendo ou ampliando a desigualdade social entre países e pessoas. É um cenário que amplia a concentração da pobreza, promove padrões imprevisíveis de imigração e marginaliza grupos. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 25 Unidade 1 Globalização amplia a concentração da pobreza Fonte: Pixabay. A comunicação também é ampliada pelo poder tecnológico, criando novos espaços de troca, mas mantém o indivíduo aprisionado a produtos, inclusive culturais, e arriscam diminuir as possibilidades dessas novas formas avançarem rumo à emancipação, transformando-se em apenas reprodução dos valores que a sociedade impõe. No século XX derrubaram-se certezas firmadas pelo pensamento clássico e suas leis universais que ficaram inadequadas para responder aos problemas sociais, econômicos e científicos e nova organização geopolítica e epistêmica, vocacionando a filosofia para retomar o sentido ético e humano e aproximar os fundamentos filosóficos, das pessoas e seu cotidiano. O positivismo, inicialmente, foi a corrente filosófica com maior expressão sustentada na ciência testada, lógica e experimental que impulsionou o desenvolvimento econômico e técnico, no imparável processo de urbanização, automação nas fábricas e campo, desenvolvimento de novos ramos práticos e científicos. A revolução copernicana, a revolução darwiniana (origem das espécies), a evolução freudiana (psicanálise), os avanços da teoria da relatividade, da física quântica e nuclear, dos estudos de biologia, medicina genética e ciências cognitivas, técnicas artísticas, formaram um cenário enriquecedor para o surgimento e a propagação de novos fundamentos filosóficos voltados a responder às incertezas e às contradições. Paralelamente, as sociedades vão sendo cada vez mais administradas, controladas por exigências de um capitalismo global que precisa responder rapidamente às necessidades de produção e consumo e que torna os indivíduos alienados nas malhas de um funcionamento social padronizado, sem espaço para a subjetividade humana. Isso repercute na educação como dominância de uma razão instrumental que esvazia seu conteúdo, transformada em mercadoria. A escola, sob o impacto desse contexto resultante das contradições que se seguiram à Modernidade, também se volta para responder de forma mecânica às permanentes novas exigências Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 26 de produção e ao desenvolvimento técnico e instrumental, desviando-a de suas finalidades de promover formação cultural, favorecendo o resistir, combatendo os horrores bárbaros que foram sendo produzidos e transformando-a apenas em meio de manutenção da lógica de mercado, com simplificação da formação e sua subserviência ao desenvolvimento econômico, gerando um processo de semiformação. Se você deseja conhecer um pouco mais a respeito da semiformação na perspectiva de Adorno, vale a pena ler o artigo “A escola e a semiformação das massas: notas a respeito da educação em Adorno”, de autoria de Ettiane Ribeiro da Silva. O texto está disponível em: <http://www. uel.br/eventos/sepech/arqtxt/PDF/etianneribeiro.pdf>. Fonte: Elaborado pela autora. 4. A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E AS VÁRIAS LEITURAS FILOSÓFICAS Demandas sociais exigem a renovação da escola Fonte: Pixabay. Desde o final do século XIX e adentrando o século XX, a filosofia da educação fundamentou teorias e experiências educacionais sinalizando formas de renovação da escola em face das demandas sociais desse novo momento e com foco no espírito experimental. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 27 Unidade 1 De maneira geral, as propostas educacionais do século anterior reafirmam no século XX a necessidade da escola pública, leiga, gratuita e obrigatória. Nas primeiras décadas do século XX, sob influência do ideário de Ferrièrre (1879-1960), na Europa, e Dewey (1859-1952), nos EUA, a educação é renovada numa concepção de conhecimento como experiência vivida na liberdade de pensamento e do fim da educação como a autonomia de resolver problemas. Porque a escola não pode ser uma preparação para vida, mas é a própria vida (ARANHA, 2006), de forma que essas finalidades educativas se ajustem às realidades sociais nas quais se embrenham. Partindo do pensamento liberal, Dewey é referência do pragmatismo ou instrumentalismo. Concebeu o conhecimento e o desenvolvimento como processos entrelaçados na interação entre sociedade e indivíduo, sendo a experiência empírica subjetiva de cada pessoa, o que produz novas ideias e, portanto, base do ensino. Desenvolveu um projeto de escola de aplicação na Universidade de Chicago, que, com financiamento autossustentado por atividades práticas e acadêmicas dos alunos, rompeu com o plano tradicional de estudos e agrupou as turmas em função de interesses e aptidões. Essa escola nova abarcou várias correntes pedagógicas que trouxeram metodologias inovadoras. Aproximando-se do interesse do estudante, propõe o fomento à autonomia, o trabalho de equipe e incorporação de recursos tecnológicos e de comunicação presentes na sociedade. Propõe que, para aprender, o indivíduo tem que partir de situações reais e concretas que permitam atingir o objeto de estudo e explorar limites e possibilidades em si próprio. Decroly (1871-1932), dentro dessa perspectiva, valorizou a iniciativa e responsabilidade pessoal e social, o respeito à singularidade, propondo aos educadores um novo sistema de ensino primário, cuja finalidade seria preparar a criança para a vida. Para isso concebeu a escola como ambiente de observação dos fenômenos da natureza pelos estudantes e propôs os centros de interesse como chaves curriculares. Na sua obra fica a ideia de liberdade, compreendida como iniciativa e responsabilidade pessoal e social, o respeito à singularidade de cada um, considerando-se a diferença. A educação na segunda metade do século XX ressurgiu como possibilidade de emancipação, tendo em vista a barbárie gerada pelos conflitos geopolíticos que marcaram, especialmente, a Segunda Guerra Mundial. Um conjunto de reflexões sobre o conhecimento que relativizam a sua sistematização, questionando o poder absoluto da ciência e reconhecendo os diferentes contextos culturais como produtores de um corpo de conhecimento próprio, vai se impondo e revendo o significado do saber. A objetividade e a aplicabilidade do conhecimento questionadas dão ao aprender um valor de processo e de interdisciplinaridade, quebrando fronteiras para restabelecer a unidade entre saber e práticas sociais, rompendo com a ideia de natureza humana universal e compreendendo os sujeitos como construídos socialmente. Então foi como se a história, a filosofia e a educação se encontrassem, a educação se confundisse com a própria filosofia, edificação de um projeto de encontrar modos novos de expressar o pensamento, embora nem sempre o produzisse em meio ao instrumental que reproduz. Caiu em desuso a noção tradicional de verdade como concordância. No início do século XX instaurou-se uma crise das Ciências Europeias que puseram as formas de conhecer em causa, carregando uma nova forma de ver a ciência, valorizando a experiência como fonte do conhecimento e trazendo reflexões educacionais e epistemológicas. A educação contemporânea aumenta o campo de reflexão sobre seu contexto histórico, ampliando, também, as leituras filosóficas possíveis que se tornam múltiplas e plurais, fazendo conviver diferentes perspectivas. Abordam-se aqui três correntes que influenciaram a educação: a fenomenologia, a teoria crítica e a teoria da complexidade. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 28 A fenomenologia, que tem como expoentes Heidegger, Husserl e Jaspers, passa a olhar cada fenômeno comocapaz de possibilitar o conhecimento e a experiência sensível como ponto de partida da razão científica, colocando a pesquisa educacional em torno de um paradigma de estudo do que vai sendo experimentado nas escolas. Fenomenologia é o estudo de um conjunto de fenômenos e como se manifestam, seja através do tempo ou do espaço. É uma matéria que consiste em estudar a essência das coisas e como são percebidas no mundo. A palavra fenomenologia surgiu a partir do grego phainesthai, que significa “aquilo que se apresenta ou que se mostra”, e logo é um sufixo que quer dizer «explicação» ou «estudo». [...] O conceito da fenomenologia foi criado pelo filósofo Edmund Husserl (1859-1938), que também trabalhava como matemático, cientista, pesquisador e professor das faculdades de Göttingen e Freiburg im Breisgau, na Alemanha. Fonte: SIGNIFICADOS.COM ([s.d.]). Hannah Arendt (2007), na mesma perspectiva, aponta que a filosofia deve estar a serviço da vida; dessa forma, apresenta um pensamento original aplicável a várias ciências humanas, conceito de pluralismo político como fator gerador de liberdade e igualdade políticas. A autora reivindica a discussão política livre e pública, promove uma discussão sobre os limites da democracia representativa e propõe uma ação política direta dos cidadãos e a formação de conselhos que envolvam as pessoas. Portanto, suas ideias implicam os modelos de democratização escolar em curso em vários países, especialmente na segunda metade do século XX. A teoria crítica da escola de Frankfurt, em sua primeira geração esteve representada especialmente por Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamim. Significou um marco importante de reflexão sobre a sociedade e a formação cultural distanciada da autonomia, presa à indústria cultural, inserida numa sociedade administrada que limita o indivíduo, lhe subtrai a subjetividade; embora sob a promessa de valorizá-la, trouxe uma reflexão sobre a educação como central no combate à barbárie, que teve a principal expressão na Segunda Guerra Mundial. Critica a ciência positivista como sistema dedutivo que desvincula o cientista dos demais indivíduos sob aparência da neutralidade na qual o pensamento não se ocupa da gênese social dos problemas. Tal crítica a um tipo de razão subjetiva, formal e instrumental, cujo único critério de verdade é a aplicabilidade, coloca o objeto de estudo como histórico numa permanente contradição entre o objetivo e o subjetivo que somente desaparecerá com a emancipação humana, papel da educação, aquela com potencial para superar a barbárie e trabalhar a autonomia do indivíduo e sua formação cultural plena que contenha resistência ao socialmente imposto desde a modernidade que se projetou totalizante, autoritária, planejada e rígida. Esse arcabouço teórico sustenta um pensamento educacional amplo, contextualizado e emancipatório da ideologia do consumo, imposta, desde a modernidade, pela lógica social capitalista. Defende um currículo aprofundado na compreensão da realidade social, de modo a produzir um conhecimento em torno da função de produzir pessoas com consciência verdadeira e que as “[...] reformas pedagógicas isoladas, embora indispensáveis, não trazem contribuições substanciais” História e filosofia da educação – caminhos cruzados 29 Unidade 1 (ADORNO, 1995, p. 8). Também reflete sobre os verdadeiros objetivos da educação, cujo objetivo principal é combater a barbárie. O estruturalismo coloca a análise social como fixada nas estruturas sociais (profundas, inconscientes, onipresentes e determinantes) que margeiam o pensamento e as possibilidades do sujeito na sociedade, sempre em construção, entre o histórico e o atemporal, e o voluntário e o contingente. Opondo-se à compartimentação do conhecimento, apresenta uma metodologia que estuda o seu objeto como sistema de relações estruturais que geram um modelo teórico desse objeto no qual aparecem como entrelaçadas. Numa interpenetração, o estruturalismo marcou a exclusão da experiência como critério de verdade. Dentre os estruturalistas destacamos Piaget, Deleuze e Foucault. Piaget (1896-1980) desenvolveu a teoria genética do conhecimento que considera as estruturas elementos dinâmicos, organizados das mais simples às mais complexas e divididas em subestruturas, que vão sendo construídas no desenvolvimento humano. Para esse autor, as estruturas são sistemas abstratos, se encaixam umas dentro de outras, sempre em modificação. Convicto de que o desenvolvimento intelectual se dá em estágios determinados, ele aborda estruturas operatórias do pensamento e demonstra que o sujeito epistêmico tem um tendente processo de desenvolvimento em estágios sucessivos. A contribuição do estruturalismo de Piaget para a educação foi fundamental, tanto do ponto de vista da reflexão da relação entre o ensino e o desenvolvimento, especialmente o infantil, quanto na intervenção educativa, tendo em vista que a sua metodologia científica implica o reconhecimento de como o sujeito pensa, elemento fundamental para o ensino contemporâneo. Para conhecer um pouco mais da história de Jean Piaget, bem como as contribuições dele para o processo de conhecimento, vale a pena conferir o vídeo “Jean Piaget – fases do desenvolvimento”. Ele está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EnRlAQDN2go>. Fonte: Elaborado pela autora. Deleuze (1925-1995) define filosofia como criação de conceitos, cabendo ao filósofo inventá- los, saindo das fronteiras do sujeito, olhando o mundo a partir das possibilidades. Pensou “questões emergentes do século XX, buscando construir uma filosofia imanente, um pensamento do acontecimento, o campo educacional não pode ser visto como estranho.” (GALLO, 2007, p. 4). Ao destacar a filosofia no campo do desejo, ato filosófico e não histórico, o referido autor defende uma experimentação permanente que produza inspiração; essa ideia que se pode transpor para a educação, uma instância do real e do virtual que abre possibilidade de pensar, colocar problemas e criar conceitos novos, também indica a educação como possibilidade de superar modelos. Embora se autodefina como historiador crítico da modernidade, Foucault pode ser apontado como estruturalista. Sua perspectiva é que o poder circula na sociedade pela linguagem, o interesse é parte do poder, elemento capaz de explicar a articulação entre poder e saber. Suas pesquisas trazem à tona as estruturas do pensamento, a individualização dos discursos e se afasta de uma história totalizante, colocando o conhecimento e o pensamento como relação complexa de deslocamentos sucessivos que produzem sentidos como reflexos da realidade. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 30 O autor criticou práticas disciplinares que subjugam os indivíduos, realizou suas análises de forma indutiva a partir de elementos periféricos do sistema; por isso, interessou-se por espaços de controle como hospícios, prisão, escola, os quais identificou como aparelhos de micropoder, forças reais em ação que inventam novas formas de dominação. Em seus estudos, tratou diretamente das escolas e das ideias pedagógicas na Idade Moderna, observando o poder e o saber como lados de um mesmo processo que produz o sujeito. As relações de poder, para o filósofo, se dão num campo de saber, portanto a educação deixa de ter um sujeito epistêmico, e o território educacional, como a organização escolar e o currículo, é determinado, igualmente, num regulatório, sendo a lei verdade construída de acordo com as necessidades do poder, do sistema econômico e cultural; que dá delimitação formal ao poder, justificando-o e introjetando-o no nível macrossocial, discursos de verdade dentro da norma, mas, ainda assim, contém o seu oposto, possibilidades de vida quando os sujeitos livres se relacionam sem poder, com autonomia e autogoverno e novas formas de subjetividade. Para Foucault, escolas são aparelhos do micropoder Fonte: Pixabay.A teoria da complexidade reflete como as mudanças contemporâneas tornaram a sociedade mais complexa, ampliando a cultura e as formas de manifestação dos saberes, e o quanto a ciência clássica, cimentada em princípios que efetivam uma visão simplificadora do mundo, limita a capacidade humana de pensar e refletir porque tende a isolar o mundo de objetos submetidos às experimentações dos sujeitos que constroem historicamente a sociedade. Essa corrente de pensamento defende uma reforma no pensamento científico que destaque a ambivalência entre as suas funções de elucidar e esconder o aniquilamento humano e que a complexidade (diferentes elementos constitutivos do real econômico, político, sociológico, psicológico, mitológico que se tecem de forma interdependente em torno do objeto de conhecimento) é o centro da ciência, na medida em que a ação científica transforma a sociedade e se transforma simultaneamente. Coloca, assim, que as ideias contraditórias são motores para tornar as ciências complementares entre empirismo e racionalismo, imaginação e verificação. Morin é um dos seus principais representantes. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 31 Unidade 1 Esse autor reflete que as ciências trouxeram muitas certezas que o percurso histórico colocou em causa e se foram revelando como zonas de incertezas pelo impacto do aumento da complexidade nas sociedades contemporâneas. Coloca como princípios – associação complexa de instâncias responsáveis pelo desenvolvimento de um fenômeno organizado – para o pensar esse mundo complexo o dialógico, o recursivo e o hologramático, que permitem discutir a ordem relativizada. O quadro a seguir detalha esses princípios. Princípios dialógico, recursivo e hologramático - Morin PRINCÍPIOS DIALÓGICO A ordem e a desordem estão sempre em diálogo, ao mesmo tempo se suprimem uma à outra, colaboram para produzir organização. São lógicas com unidade que mantém a dualidade; associadas de forma complementar e antagônica, enfatizando as divergências e acentuando possibilidades de conciliações pro- visórias. RECURSIVO Os produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas, portanto se rompe a lógica da causa/ efeito, produto/produtor, pois tudo o que é produzido volta sobre o que produziu num ciclo de constituição, produção e autoprodução num processo em espiral. HOLOGRAMÁTICO A parte está no todo e o todo na parte, das partes se regressa ao todo e vice-versa. O con- ceito de ordem carrega o determinismo da regularidade, mas também as noções de estru- tura e de singularidade. A ordem dos seres vivos singulares é determinada pelas espécies, mas não se opõe ao singular e atua na interdependência de influências externas e internas que geram estruturas organizativas. Fonte: Elaborado pela autora com base em MORIN (1996). Esses princípios permitem uma reflexão sobre a relação complexa entre ordem e desordem. Nesse cenário, a teoria da complexidade discute o rompimento com a fragmentação do saber, advogando que a complexidade exige conhecimento multidimensional, capaz de responder às várias dimensões do fenômeno estudado, num pensamento complexo que comporta incerteza e interdependência. A educação na teoria da complexidade passa a ser pensada como interdisciplinar, que consiga promover o diálogo com formas de pensar complementares, assumindo novas possibilidades na contradição permanente da realidade social, num pequeno espaço entre a ordem e a desordem. Há muitas outras leituras possíveis em torno dos vários autores que foram se projetando no pensamento filosófico a partir do século XX e no século XXI, próximo de completar duas décadas. Estas carregam os elementos contemporâneos e aprofundam os seus limites e potencialidades, numa sociedade cada vez mais globalizada, na qual tudo se transforma em mercadoria e que os Estados ao mesmo tempo se diluem e se fortalecem nos laços com as organizações que representam a lógica capitalista em suas múltiplas faces. Unidade 1História e filosofia da educação – caminhos cruzado s 32 A tecnologia, característica marcante da globalização Fonte: Pixabay. O século XXI desponta em meio a processos históricos contemporâneos que aprofundam a globalização e permitem, cada vez mais, uma multiplicidade de análises possíveis que as várias correntes vão possibilitando. Esse pensamento contemporâneo influencia todos os países, inclusive o Brasil, e implicam pensamento e prática educacional que vão desde a formulação das políticas até a intervenção concreta da escola como instituição social, e se mantendo o mito moderno da escolarização como solução para todos os males, produz uma educação historicamente marcada por limites. Agora, as condições das sociedades conectadas geram um tempo mais curto do que o necessário para dar forma à criação de rotinas sociais, numa precarização das certezas em torno do consumo e do avanço da indústria cultural. Os meios de comunicação instantânea tendem a promover menos concentração do que previsto para a consolidação dos processos escolares, e os professores vão sendo formados de modo mais frágil e a sua ação profissional distancia-se das necessidades dos jovens, proletarizados que estão. Além disso, há uma incerta valorização da instituição escolar, na medida em que ela não responde às expectativas sociais e tampouco realiza os objetivos que os sistemas de ensino enunciam. A pobreza se expande ao lado da concentração de riqueza nas mãos de poucos, as relações com o espaço geopolítico são redefinidas para além das fronteiras geográficas, um discurso de coesão se sobrepõe, mas a discriminação de grupos se efetiva; as políticas públicas educacionais ampliam a escolarização sem garantir sua qualidade ou avanço; o uso da tecnologia na escola se impõe, nem sempre potencializando a formação cultural, e o indivíduo acaba submetido a uma semiformação que basta à reprodução da lógica social, entretanto não o realiza e diminui sua capacidade de atuar de maneira racional. História e filosofia da educação – caminhos cruzados 33 Unidade 1 “A qualificação essencial da educação emancipadora encontra-se na dissecação visceral do nexo entre dominação e racionalidade. A educação crítica só pode realizar-se como reconstrução crítica da racionalidade social, revelando a deformação que produz em face de sua reificação e conduzindo-a a uma clara exposição de suas contradições e, por essa via, apreendendo nela as possibilidades alternativas.” Fonte: SEVERINO (2002, p. 633). A sociedade do século XXI ampliou a liberdade individual de escolha, ao mesmo tempo que a limitou, dada a natureza de mudanças imprevisíveis que a compõe. O ritmo social e as problemáticas educacionais se aceleram, ao mesmo tempo que as oportunidades se ampliam há uma simplificação dos processos de aprender mediados por produtos culturais. A educação e a escola, inclusive no Brasil, caminham em permanente mudança, pressionadas pela política e por interesses econômicos, sociais e culturais que nem sempre são claros numa sociedade que vai se tornando mais virtual do que real. CONCLUSÃO A história e a filosofia são campos que se imbricam na tentativa de desvendar a sociedade. Suas problemáticas apontam caminhos para reflexão sobre a educação, como se pode ver, desde a antiguidade até o século em curso. A escola, desde seu aparecimento até o século XXI, está carregada de contradições. A sociedade construída pelos indivíduos muitas vezes resulta em modelos opostos aos previstos e acalentados, e a educação, no presente século, mantém o mito de ser solução para todos os males e, simultaneamente, espaço de competição. Houve uma democratização no acesso à escola, mas a abrangência social e econômica dessa democracia, de fato, mantém desigualdades, e o cotidiano escolar se agita sem respostas no horizonte de superação da mera adaptação. ELEMENTOS COMPLEMENTARES #LIVRO# Título: Vigiar e punir Autor: Michel Foucault Ano: 2015 Sinopse: “‘Vigiar
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