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HIPOGLICEMIA


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Hipoglicemia
Uma complicação comum do controle glicêmico rigoroso é a hipoglicemia, que ocorre em consequência de doses excessivas de insulina, jejum ou exercício vigoroso. Isso resulta em ativação imediata de uma resposta contrarreguladora sistêmica, que envolve ativação do sistema nervoso simpático e liberação de glicose, seguida de liberação de hormônio do crescimento e cortisol. As manifestações clínicas incluem desde taquicardia, palpitações, sudorese e tremores, quando os níveis de glicose diminuem para cerca de 54 mg/dL, até irritabilidade, confusão, visão turva, cansaço, cefaleia e dificuldade em falar, quando os níveis se aproximam de 50 mg/dL. Uma redução mais pronunciada da glicose pode levar à perda da consciência ou a convulsões.
FISIOPATOLOGIA DA RESPOSTA CONTRARREGULATÓRIA À NEUROGLICOPENIA
As concentrações de glicose plasmática circulante são mantidas dentro de uma faixa relativamente estreita por um sistema complexo de controles neurais, humorais e celulares inter-relacionados. Em condições metabólicas usuais, o sistema nervoso central é totalmente dependente da glicose plasmática e age contra uma queda na concentração de glicose sanguínea com uma resposta cuidadosamente programada. Isso frequentemente está associado a uma sensação de fome e, como o cérebro recebe uma quantidade insuficiente de glicose para atender as suas necessidades metabólicas (neuroglicopenia), é desencadeada uma resposta autonômica para mobilizar os depósitos armazenados de glicogênio e gordura. No estado pós-absortivo, as reservas hepáticas de glicogênio e a gliconeogênese do fígado e do rim suprem diretamente o sistema nervoso central com glicose, que é transportada através da barreira hematencefálica por um sistema especifico de transporte de glicose, enquanto a mobilização dos ácidos graxos, a partir dos depósitos de triglicérides, fornece energia para a grande massa de músculos esquelético e cardíaco, córtex renal, fígado e outros tecidos que usam os ácidos graxos como seu combustível básico, poupando, assim, a glicose para os tecidos do sistema nervoso central.
O limite normal inferior da glicose plasmática de jejum é geralmente 70 mg/dL (3,9 mmol/L). Valores mais baixos podem ocorrer durante jejum prolongado, exercício extenuante, gravidez ou podem ocorrer por artefato do laboratório. Em homens normais, a glicose plasmática não cai abaixo de 55 mg/dL (3 mmol/L) durante um jejum de 72 horas. Contudo, por motivos que não são claros, mulheres normais podem apresentar uma queda a níveis de até 30 mg/dL (1,7 mmol/L), a despeito de uma acentuada supressão da insulina circulante para menos de 5 f.LU/mL. Elas permanecem assintomáticas a despeito deste grau de hipoglicemia, presumivelmente porque a cetogênese é capaz de satisfazer as necessidades energéticas do sistema nervoso central. A glicose plasmática basal declina progressivamente durante a gravidez normal, e níveis hipoglicêmicos podem ser atingidos durante jejum prolongado. Isso pode ser consequência do consumo contínuo de glicose pelo feto e da disponibilidade reduzida do substrato gliconeogênico, alanina. A causa deste baixo nível de alanina na gravidez não está clara. O consumo de glicose muito aumentado pelos músculos esqueléticos que ocorre durante exercício extenuante prolongado pode levar à hipoglicernia (glicose sanguínea < 45 mg/dL) a despeito de aumento na produção de glicose hepática.
A concentração da glicose plasmática, que sinaliza a necessidade do sistema nervoso central de mobilizar as reservas energéticas, depende de inúmeros fatores, como o estado do fluxo sanguíneo para o cérebro, a integridade do tecido cerebral, o nível arterial prevalente de glicose plasmática, a rapidez com a concentração de glicose plasmática cai, e a disponibilidade de combustíveis metabólicos alternativos. Foi demonstrada a ocorrência de uma resposta hierarquizada à medida que a glicose cai em voluntários jovens, saudáveis, com respostas contrarregulatórias hormonais, sendo deflagradas com níveis de glicose discretamente mais altos ( 67 mg/dL [3,7 mmol/L]) do que aqueles que induzem sintomas de hipoglicemia. Os primeiros sintomas que aparecem em pessoas saudáveis são mediados por neurotransmissores autonômicos e ocorrem com níveis de glicose plasmática abaixo de 60 mg/dL (3,3 mmol/L). Os sintomas consistem em tremores, ansiedade, palpitações e sudorese, que resultam de descarga simpática e fome, que é uma consequência da resposta vagal parassimpática. O bloqueio ganglionar e a secção da medula cervical ou simpatectomia, mas não a suprarrenalectomia - melhoram estes sintomas, indicando que eles são devidos à liberação de neurotransmissores autonômicos e não dependentes de hormônios suprarrenais. A medida que a glicose sanguínea cai abaixo de 50 mg/dL (2,8 mmol/L) segue-se neuroglicopenia cerebral, consistindo de comprometimento da cognição, juntamente com fraqueza, letargia, confusão, incoordenação e visão borrada. Se as respostas contrarregulatórias forem inadequadas para reverter esse grau de hipoglicemia profunda, pode ocorrer convulsão ou coma. Isso pode resultar em dano cerebral ou morte, principalmente naqueles que não se adaptaram a episódios repetidos de hipoglicemia. 
Em pessoas idosas, contudo, com suprimento do fluxo cerebral comprometido, as manifestações neuroglicopênicas podem ser provocadas com níveis de glicose plasmática discretantente mais altos. Os pacientes com hiperglicemia crônica (p. ex., aqueles com diabetes melito tratados com insulina, mal controlados) podem apresentar sintomas de neuroglicopenia com concentrações plasmáticas de glicose consideravelmente mais altas do que as pessoas sem diabetes. Isso foi atribuído a um sistema de transporte de glicose regulado para baixo por meio da barreira. De outro modo, em pacientes expostos à hipoglicemia crônica (p. ex., aqueles com um tumor secretor de insulina ou aqueles com diabetes que estão recebendo um controle glicêmico muito rígido com a bomba de insulina), a adaptação para hipoglicemia recorrente ocorre por regulação para cima dos transportadores de glicose, que resulta em hipoglicemias assintomáticas ou não percebidas, ou seja, mostram maior tolerância à hipoglicemia sem manifestar sintomas. A restauração e manutenção de um suprimento adequado de glicose para a função cerebral continuam a partir de uma série de eventos neurogênicos que agem diretamente para elevar a concentração de glicose plasmática e estimular as respostas hormonais que aumentam a mobilização adrenérgica dos depósitos energéticos.
Resposta contrarregulatória à hipoglicemia
lnsulina: A secreção endógena de insulina é diminuída pela redução da estimulação da glicose às células Beta pancreáticas e por inibição do sistema nervoso simpático a partir de uma combinação de efeitos neurais a-adrenérgicos e aumento do nível das catecolaminas circulantes. Esta insulinopenia reativa parece ser essencial para a recuperação da glicose porque facilita a mobilização de energia dos depósitos existentes (glicogenólíse e lipólise); aumenta as enzimas hepáticas envolvidas na gliconeogênese e cetogênese; aumenta as enzimas do córtex renal, promovendo a gliconeogêonese; e, ao mesmo tempo, impede o tecido muscular de consumir a glicose sanguínea que está sendo liberada do fígado. 
Catecolaminas: As catecolaminas circulantes - e a noroadrenalina produzida nas terminações nervosas simpáticas - fornecem fontes alternativas de combustível aos tecidos musculares pela ativação de receptores beta-adrenérgicos, resultando na mobilização do glicogênio muscular e por fornecer aumento dos ácidos graxos livres no plasma a partir de lipólise dos triglicerídeos dos adipócitos. O metabolismo destes ácidos graxos fornece energia para promover gliconeogênese no fígado e no rim, que somam-se aos níveis de glicose plasmática já aumentados pelo efeito gliconeogênico das catecolaminas no fígado. Os seus efeitos cardiovasculares e outros efeitos colaterais fornecem um sinal que os pacientes diabéticos aprendem a reconhecer como um aviso da sua necessidade deingerir rapidamente carboidratos absorvíveis. 
Glucagon: O glucagon plasmático é liberado pelos efeitos beta-adrenérgicos da inervação simpática e das catecolaminas circulantes nas células a pancreáticas pela própria concentração baixa de glicose no plasma. Há dados disponíveis sugerindo que um declínio da concentração de insulina intrailhotas em indivíduos com células Beta pancreáticas funcionantes podem liberar as células alfa pancreáticas da inibição pela insulina e assim aumentar a liberação de glucagon durante a hipoglicemia. Esta liberação de glucagon aumenta o débito hepático de glicose por glicogenólise direta bem como por facilitar a atividade das enzimas gliconeogênicas no fígado, mas não no rim. O glucagon plasmático parece ser o hormônio contrarregulatório fundamental para a recuperação da hipoglicemia aguda em humanos não diabéticos, com a resposta adrenérgica-catecolamínica representando o principal sistema de reserva. Contudo, na maioria das situações clinicas, nas quais a hipoglicemia se desenvolve mais gradualmente, assim como com doses inadequadas de insulina ou sulfonilureias, ou em casos de insulinoma, o papel do glucagon pode ser menos influente. Quando voluntários normais receberam uma infusão prolongada de insulina em baixa dose, para produzir um declínio gradual nos níveis de glicose plasmática sem diminuição dos níveis de insulina, a elevação do glucagon endógeno contribuiu muito menos para a contrarregulação do que após hipoglicemia aguda induzida pela insulina intravenosa, que é seguida por uma rápida diminuição dos níveis de insulina. Este achado sugere que o papel do glucagon na recuperação da glicose ocorre primariamente quando o nível de insulina diminui.
Cortisol: O hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) é liberado em associação com a estimulação do sistema nervoso simpático pela neuroglicopenia. Isso resulta na elevação dos níveis de cortisol plasmático, que por sua vez facilita de forma permissível a lipólise e promove ativamente o catabolismo proteico e a conversão de aminoácidos em glicose pelo fígado e pelo rim. 
Hormônio de crescimento: O hormônio de crescimento hipofisário também é liberado em resposta a níveis decrescentes de glicose no plasma. O seu papel para contrabalançar a hipoglicemia não é bem definido, mas sabe-se que ele antagoniza a ação da insulina na utilização da glicose nas células musculares e ativa diretamente a lipólise pelos adipócitos. Essa lipólise aumentada fornece um substrato de ácidos graxos ao fígado e ao córtex renal que facilita a gliconeogênese. 
Neurotransmissores colinérgicos: A acetilcolina é liberada nas terminações nervosas parassimpáticas, e seus efeitos vagais induzem a sensação de fome que sinaliza a necessidade de alimento para neutralizar a hipoglicemia. Adicionalmente, as fibras pós-sinápticas do sistema nervoso simpático que inervam as glândulas sudoríparas para sinalizar a hipoglicemia também liberam acetilcolina - em contraste com todas as outras fibras sinápticas pós-sinápticas que, sem exceção, liberam noradrenalina.
DISTÚRBIOS HIPOGLICEMICOS ESPECÍFICOS
1. DIABETES
A hipoglicemia iatrogênica é comum em pacientes com diabetes tipo 1 e também em pacientes diabéticos tipo 2 tratados com insulina. A maioria dos pacientes tipo 1 que tem por meta níveis de HbA, abaixo de 7% tem, em média, 1 a 2 episódios de hipoglicemia sintomática por ano. A hipoglicemia grave é definida como um episódio que necessita de ajuda, e em um estudo, as taxas de incidência foram cerca de 12 por 100 pacientes/ano para os pacientes com DM o tipo 1 e para o tipo 2 tratados com insulina. As sulfonilureias, a repaglinida e nateglinida também podem causar hipoglicemia. Os fatores de risco aumentados incluem idade (70 anos ou mais), insuficiência renal, insuficiência hepática e uso de sulfonilureia de ação prolongada. Inúmeras outras interações medicamentosas (claritromicina, salicilatos, sulfonarnidas) também podem potencializar os efeitos hipoglicêmicos das sulfonilureias. A incidência anual de hipoglicemia induzida por sulfonilureias é de aproximadamente 0,2 por 1.000 pacientes/ano.
A medida que a insuficiência das células progride (inicialmente no diabetes tipo 1 e tardiamente no tipo 2), os pacientes perdem a resposta do glucagon à hipoglicemia. Esta combinação de deficiência de insulina e resposta do glucagon comprometida torna mais difícil que os pacientes atinjam níveis de HbA, abaixo de 7% sem hipoglicemia ocasional. Estes episódios hipoglicêmicos atenuam a resposta simpático-suprarrenal à hipoglicemia, com diminuição da liberação de adrenalina a partir da supra+rrenal e diminuição das respostas simpáticas neurais (inconsciência hipoglicêmica). A inconsciência hipoglicêmica, por sua vez, aumenta o risco de hipoglicemia recorrente. Cerca de 20 a 25% dos pacientes tipo 1 têm hipoglicemia com perda da consciência. Outros fatores que aumentam o risco de hipoglicemia incluem a falta de habilidade de automanejo. Pacientes podem tomar muita insulina para os carboidratos ingeridos ou usar a insulina errada ou não controlar adequadamente o horário de administração da insulina com as refeições. Eles também podem não ajustar a insulina para o exercício ou ingerir carboidratos extra para um exercício inesperado ou reduzir as doses de insulina para uma sensibilidade melhorada pelo exercício. O álcool pode diminuir a produção endógena de glicose e pode causar hipoglicemia, especialmente se for consumido com estômago vazio. As complicaçõe.s do diabetes - gastroparesia, neuropatia autonômica e insuficiência renal também aumentam o risco de hipoglicemia. Há outras consequências da hipoglicemia além dos sintomas autonômicos e neurogênicos da hipoglicemia aguda. Nos casos graves, a hipoglicemia pode causar convulsões e coma. O dano neurológico permanente é raro. Embora estudos transversais e relatos de casos tenham demonstrado declínio intelectual com hipoglicemia recorrente, estudos longitudinais não apresentaram disfunção cognitiva significativa em adultos. No Estudo Diabetes Control and Complications (DCCT), não houve evidência de declínio cognitivo relacionado com a hipoglicemia em 18 anos de acompanhamento. Crianças mais jovens, contudo, podem ser mais vulneráveis aos efeitos da hipoglicemia no cérebro. A hipoglicemia, por meio da sua estimulação autonômica e liberação de catecolaminas, aumenta o débito cardíaco. Em pacientes com doença cardíaca ela também pode precipitar arritmias cardíacas, angina, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca congestiva A hipoglicemia também pode ter um efeito psicológico. A hipoglicemia aguda induz alterações de humor incluindo fadiga, pessimismo, raiva e alterações comportamentais. A hipoglicemia noturna pode levar à fadiga e diminuição do senso de bem-estar no dia seguinte. Os pacientes que tiveram hipoglicemia grave podem desenvolver fobia sobre hipoglicemia e manter sua glicemia excessivamente alta. Alguns pacientes desenvolvem uma síndrome de ansiedade. A hipoglicemia também pode impactar nas relações pessoais, ocupações, condução de veículos e atividades de laser. As pesquisas mostram que pacientes com diabetes tipo l têm maior risco de acidentes com veículos (batidas, violações de trânsito) quando comparados a pacientes não diabéticos; e estas situações estão relacionadas à hipoglicemia. O objetivo da terapia é restaurar os níveis da glicose sanguínea ao normal o mais rápido possível. Se o paciente estiver consciente e capaz de deglutir, alimentos contendo glicose como balas, suco de laranja com açúcar e biscoitos devem ser ingeridos rapidamente. Frutose, encontrada em muitos adoçantes de baixa caloria para diabéticos, não deve ser usada. Embora ela possa ser metabolizada pelos neurônios, a frutose não é transportada por meio da barreira hematencefálica. Se o paciente estiver inconsciente, a rápida restauração da glicose plasmática deve ser acompanhada pela administração de 20 a 50 mL de dextrose a 50% intravenosa em 1 a 3 minutos (o tratamento de escolha) ou, quando a glicose intravenosa não estiver disponível,1 mg de glucagon IM ou IV Familiares ou amigos de diabéticos tratados com insulina devem ser instruidos na administração de glucagon IM para tratamento de emergência em casa. O glucagon não deve ser administrado se a hipoglicemia for causada por sulfonilureia. Nessas circunstâncias, o glucagon pode estimular a secreção de insulina e piorar a hipoglicemia. Tentativas de alimentar o paciente ou aplicar gel contendo glicose na mucosa oral devem ser evitadas devido ao perigo de aspiração. Quando a consciência é restaurada, alimentação oral deve ser iniciada imediatamente. Em pacientes que tomaram grandes doses de sulfonilureia, a resposta à dextrose IV pode ser fraca. Para esses pacientes, uma dose IV de diazóxido (150-300 mg) pode ser administrada, mas pode resultar em hipotensão. O octreotide IV (100 f.l.g) também mostrou ser benéfico. Pacientes em uso de insulina ou sulfonilureia devem ser instruidos sobre como reconhecer e tratar hipoglicemia, e quais medidas podem tomar para prevenir tais episódios. Pacientes do tipo 1 e os do tipo 2 tratados com insulina devem monitorizar a glicemia com frequência. A hipoglicemia ocorre não raramente durante a noite e os pacientes devem evitar tomar grandes doses de insulina de ação curta antes de dormir. Os pacientes devem, de tempo em tempo, monitorizar também os níveis glicêmicos no meio da noite. A hipoglicemia também pode ocorrer muitas horas após exercício extenuante e os pacientes devem ser aconselhados a monitorizar nestes momentos e reduzir a dose de insulina e/ou ingerir mais carboidratos. Os sistemas de monitorização continua da glicose são cada vez mais usados por pacientes do tipo 1 para avisá-los da queda dos níveis de glicose e prevenir hipoglicemia. Por fim, é importante individualizar as metas de glicemia. No início do curso de ambos os tipos de diabetes, quando ainda há alguma função endógena das células Beta, é mais fácil atingir os níveis de HbA próximos ao normal com baixo risco de hipoglicemia. Contudo, à medida que a falência das células Beta progride, a meta para a normalidade pode levar a taxas inaceitavelmente altas de hipoglicemia. Pacientes que apresentaram episódios frequentes de hipoglicemia especialmente se com inconsciência devem ser encorajados a elevar temporariamente sua meta glicêmica - um período de até 2 a 3 semanas de evitação cautelosa de hipoglicemia reverte a inconsciência hipoglicêmica, e melhora a resposta atenuada da adrenalina. As complicações do diabetes, incidência prévia de hipoglicemia e expectativa de vida devem ser consideradas no estabelecimento de metas glicêmicas.
Cetoacidose Diabética
A cetoacidose diabética caracteriza-se por hiperglicemia, aumento dos corpos cetônicos e acidose metabólica, como consequência direta da disponibilidade diminuída de insulina e da elevação simultânea dos hormônios contrarreguladores glucagon, catecolaminas, cortisol e hormônio do crescimento. Ela pode ser precipitada por infecções, lesão traumática ou interrupção da insulina ou seu uso inadequado. Na cetoacidose diabética, a gliconeogênese no fígado prossegue sem qualquer restrição pela presença fisiológica de insulina. A glicose em excesso no sangue aumenta a osmolaridade que, quando pronunciada, pode resultar em coma diabético. A ausência de insulina e os níveis elevados dos hormônios contrarreguladores glucagon, adrenalina e cortisol combinam-se para aumentar a atividade da lipase sensível ao hormônio, aumentar a liberação de ácidos graxos livres e diminuir a atividade da acetil-CoA-carboxilase, comprometendo, assim, a reesterificação dos ácidos graxos livres e promovendo a conversão dos ácidos graxos em corpos cetônicos. No fígado, os ácidos graxos sofrem b-oxidação a acetil-CoA. A acetil-CoA condensa-se com o oxaloacetato, formando citrato na etapa de entrada no ciclo de Krebs (ciclo do ácido cítrico ou ciclo dos ácidos tricarboxílicos). Entretanto, a presença de uma baixa razão entre insulina e glucagon favorece a gliconeogênese; por conseguinte, o oxaloacetato é utilizado preferencialmente para a gliconeogênese, diminuindo sua disponibilidade para condensação com a acetil-CoA. Em consequência, a acetil-CoA é desviada do ciclo de Krebs e utilizada preferencialmente para a formação de corpos cetônicos ou cetogênese, o processo pelo qual os ácidos graxos são transformados em acetoacetato e 3-hidroxibutirato nas mitocôndrias dos hepatócitos. As etapas envolvidas na cetogênese consistem em b-oxidação dos ácidos graxos em acetil-CoA, formação de acetoacetil-CoA e conversão da acetoacetil-CoA em 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA e, a seguir, em acetoacetato, que é então reduzido a 3-b-hidroxibutirato. O acetoacetato pode sofrer descarboxilação espontânea a acetona, um composto altamente lipossolúvel, que é excretado de modo lento pelos pulmões e que é responsável pelo odor de fruta da respiração de indivíduos com cetoacidose diabética. Na presença de cetoacidose diabética, ocorre liberação de grandes quantidades de corpos cetônicos no sangue, e observa-se a geração de uma razão elevada (3:1 ou mais) entre o 3-b-hidroxibutirato e o acetoacetato, devido ao estado altamente reduzido das mitocôndrias hepáticas. Esses corpos cetônicos podem sofrer difusão livre através das membranas celulares e atuar como fonte de energia para tecidos extra-hepáticos, incluindo o cérebro, o músculo esquelético e os rins. Eles são filtrados e reabsorvidos no rim. Na presença de pH fisiológico, os corpos cetônicos, com exceção da acetona, sofrem dissociação completa. A consequente liberação de H+ do metabolismo dos corpos cetônicos ultrapassa a capacidade de tamponamento do sangue, levando ao desenvolvimento de acidose metabólica, com aumento do hiato aniônico. Quando grave, essa condição pode levar ao coma.
Cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação grave que pode ocorrer durante a evolução do diabetes mellitus tipos 1 e 2 (DM1 e DM2). A CAD apresenta-se em aproximadamente 25% dos pacientes no momento do diagnóstico do DM1, sendo a causa mais comum de morte entre crianças e adolescentes com DM1; também é responsável por metade das mortes nesses pacientes com menos de 24 anos (D).1-6 Em um grande estudo nacional, o Brazilian Type 1 Diabetes Study Group (BrazDiab1SG), que avaliou 3.591 pacientes com DM1 (56% do sexo feminino) de instituições públicas, o diagnóstico de DM1 foi confirmado por meio de CAD em 42,3%.7 Estudo recente demonstrou que valores elevados de hemoglobina glicada (HbA1c) são preditores de CAD em crianças e adolescentes com menos de 18 anos, concluindo que um controle glicêmico insatisfatório em longo prazo relaciona-se com o seu diagnóstico, independentemente de fatores demográficos e socioeconômicos. Nesse contexto, os dados do BrazDiab1SG, com quase metade (47,5%) dos pacientes com DM1 apresentando HbA1c ≥ 9%,9 a CAD acaba tendo ainda mais importância no Brasil. Quando moderada e grave, a CAD deve ser tratada em unidade de terapia intensiva e, fundamentalmente, por profissionais habilitados nesse tipo de complicação. É importante salientar que, durante muitos anos, considerou-se a CAD uma complicação específica do DM1. Na literatura, entretanto, encontram-se vários relatos de CAD em indivíduos com DM2, inclusive em pacientes idosos acima de 70 anos. Antes do advento da insulina, a taxa de mortalidade por CAD oscilava em torno de 90%. Da década de 1950 em diante, com a evolução de todo o arsenal terapêutico, como antibioticoterapia, ênfase no processo de hidratação, controle eletrolítico e uso de insulina regular, essa taxa foi reduzida para aproximadamente 10%. Atualmente, em centros de excelência no tratamento de CAD, a mortalidade geral é inferior a 1%, podendo, contudo, ser > 5% em indivíduos mais velhos e com doenças graves; ademais, quando evolui com edema cerebral, pode atingir 30% ou mais dos pacientes. As principais causas de morte por CAD são edema cerebral, hipopotassemia, hipofosfatemia, hipoglicemia, complicações intracerebrais, trombose venosa periférica, mucormicose, rabdomiólise e pancreatite aguda.
 O prognósticodepende das condições de base do paciente, com piora sensível em idosos, gestantes e indivíduos com doenças crônicas. Diante do exposto, e considerando a gravidade dessas complicações
Fatores precipitantes 
Os estados infecciosos são a etiologia mais comum de CAD. Entre as infecções, as mais frequentes são as do trato respiratório superior, as pneumonias e as infecções de vias urinárias. Além disso, na prática diária, é necessário valorizar outros fatores importantes, como acidente vascular cerebral (AVC), ingestão excessiva de álcool, pancreatite aguda, infarto agudo do miocárdio (IAM), traumas e uso de glicocorticoides. Entre as drogas ilícitas, a cocaína pode ser a causa de episódios recorrentes de CAD em jovens. Os distúrbios psiquiátricos associados a irregularidades na condução da dieta ou no uso diário de insulina também podem contribuir para a CAD. A utilização crescente, na prática psiquiátrica, de antipsicóticos atípicos para tratamento de transtorno de humor bipolar e esquizofrenia (como clozapina, olanzapina, risperidona e quetiapina) aumenta o risco de distúrbios metabólicos, como ganho de peso, dislipidemia, diabetes mellitus (DM), CAD e pancreatite aguda, sendo observados riscos maiores com a clozapina e a olanzapina e menores com a risperidona e a quetiapina. Atualmente, com o uso mais frequente de bombas de infusão contínua subcutânea de insulina ultrarrápida, tem-se observado aumento da incidência de CAD. Tal fato pode ocorrer em virtude de obstrução parcial ou total do cateter, provocando redução aguda da infusão de insulina. Vale a pena lembrar que a descompensação glicêmica costuma ser mais prolongada e mais grave em pacientes com DM1 recém-diagnosticados e em idosos com diabetes associado a processos infecciosos ou com limitações no autocontrole físico ou psíquico. 
Fisiopatologia 
Na CAD, fundamentalmente, o que ocorre é a redução da concentração efetiva de insulina circulante associada à liberação excessiva de hormônios contrarreguladores, entre os quais o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormônio do crescimento. A deficiência de insulina pode ser absoluta em pacientes com DM1 ou relativa, como observado em pacientes com DM2, na presença de estresse ou doenças intercorrentes. Em resumo, essas alterações hormonais na CAD desencadeiam aumento da produção hepática e renal de glicose e redução da sua captação pelos tecidos periféricos sensíveis à insulina, resultando, assim, em hiperglicemia e consequente hiperosmolalidade no espaço extracelular. A hiperglicemia, portanto, é resultante de três mecanismos, ou seja, ativação da gliconeogênese, ativação da glicogenólise e redução da utilização periférica de glicose, principalmente nos músculos. A combinação de deficiência de insulina com aumento de hormônios contrarreguladores provoca a liberação excessiva de ácidos graxos livres do tecido adiposo (lipólise), os quais, no fígado, serão oxidados em corpos cetônicos (ácidos β-hidroxibutírico e acetoacético) em um processo estimulado, principalmente, pelo glucagon e pelo aumento da relação glucagon/ insulina, bem como pela diminuição da atividade da malonil coenzima A, uma enzima que modula o transporte dos ácidos graxos livres para dentro da mitocôndria dos hepatócitos para oxidação no sistema microssomal. Assim, todo esse processo culmina em cetonemia e acidose metabólica . Finalmente, na CAD, observam-se desidratação e glicosúria de graus variáveis, diurese osmótica e perda de fluidos e eletrólitos. Os inibidores do cotransportador de sódio/glicose 2 (sodium/glucose cotransporter 2, SGLT2), uma nova classe de antidiabéticos orais cuja função é diminuir a glicemia plasmática ao inibir a reabsorção tubular renal de glicose, podem relacionar-se com a CAD em pacientes com DM1 e DM2. Uma apresentação não comum de CAD e, inclusive, que pode atrasar o diagnóstico e o início do tratamento foi descrita com o uso desses inibidores, sendo denominada CAD “euglicêmica”, em razão das elevações moderadas de glicose sanguínea no momento do diagnóstico. Em dados de estudos clínicos aleatorizados com o uso de inibidores de SGLT2, demonstra-se baixa incidência dessa entidade em pacientes com DM2 (cerca de 0,07%). No entanto, devido a prescrições inapropriadas, é mais frequente em pacientes com DM1, acima de 10%, com 5% dos casos requerendo admissão hospitalar. Os potenciais mecanismos de CAD com o uso de inibidores de SGLT2 podem ser explicados pelo aumento de glucagon, pela redução concomitante da dose diária de insulina requerida e, consequentemente, pela diminuição da supressão da lipólise, com aumento da cetogênese e redução da excreção urinária de cetonas.
 Diagnóstico, História e exame físico 
O quadro clínico da CAD representa uma evolução lenta e progressiva dos sinais e sintomas de DM descompensado, entre eles: poliúria, polidipsia, perda de peso, náuseas, vômitos, sonolência, torpor e, finalmente, coma. Ao exame físico, em consequência dos diferentes graus de acidose, observam-se hiperpneia e, em situações mais graves, respiração de Kussmaul. Há desidratação com pele seca e fria, língua seca, hipotonia dos globos oculares, extremidades frias, agitação, fácies hiperemiada, hipotonia muscular, pulso rápido e pressão arterial variando de normal até choque hipovolêmico. A intensificação da desidratação dificulta e torna doloroso o deslizamento dos folhetos da pleura e do peritônio, sendo possível observar defesa muscular abdominal localizada ou generalizada, e o quadro de dor abdominal está presente em até 51% dos casos. Em algumas situações, são verificadas dilatação, atonia e estase gástrica com maior incidência de vômitos. O atraso no início do tratamento da acidose e da desidratação pode evoluir com choque hipovolêmico e morte.
 Achados laboratoriais
 A avaliação laboratorial inicial de pacientes com CAD deve incluir determinação de glicose plasmática, fósforo, ureia, creatinina, cetonemia e eletrólitos, inclusive com cálculo do intervalo aniônico (anion gap), análise urinária, cetonúria, gasometria, hemograma e eletrocardiograma. Quando necessário, podem-se solicitar radiografia de tórax e culturas de sangue e urina. Procede-se ao cálculo bioquímico do anion gap do seguinte modo: [Na+ – (Cl– + HCO– )], em que: Na = sódio, Cl = cloro e HCO = bicarbonato. No resultado, consideram-se normais os valores de 8 a 10 mEq/L. A Associação Americana de Diabetes (American Diabetes Association, ADA), desde 2009, adota como critério diagnóstico de CAD a glicemia igual ou superior a 250 mg/dL, mas alguns pacientes evoluem com valores inferiores pela diminuição da dose de insulina em condições clínicas que reduzem a ingesta alimentar. Em 1973, Munro et al., relataram 211 episódios de CAD, dos quais 16 (7,6%) apresentavam glicemias menores que 200 mg/dL; por isso, na época, essa apresentação foi denominada CAD euglicêmica. Em geral, ela é mais observada em gestantes com diabetes ou em pacientes com diminuição da gliconeogênese durante o abuso de álcool, e, atualmente, em uso de inibidores de SGLT2. Mais recentemente, Dhatariya e Umpierrez sugeriram a necessidade de revisão do posicionamento da ADA, considerando-se glicemia superior ou igual a 200 mg/dL, em vez de 250 mg/dL , em concordância com os critérios bioquímicos atuais para o manejo da CAD em crianças e adolescentes propostos pela Federação Internacional de Diabetes (International Diabetes Federation, IDF). Em alguns casos, a glicemia pode ser menor que 200 mg/dL (CAD euglicêmica). O pH venoso < 7,3 ou o bicarbonato sérico < 15 mmol/L, além de cetonemia e cetonúria. A CAD pode ser classificada em grave (quando evoluir com pH venoso < 7,0), moderada (pH entre 7,0 e 7,24) ou leve (pH entre 7,25 e 7,30).1 A maioria dos pacientes com CAD apresenta-se com leucocitose, verificada em até 55% dos casos, e pode traduzir apenas intensa atividade adrenocortical. O sódio sérico mostra-se abaixo do normal em 77% dos casos na CAD em razão da transferência osmótica de líquidos do espaço intra para o extracelular, dos vômitos e, também, da perda renalassociada aos corpos cetônicos . No diagnóstico, o potássio sérico pode ser elevado em 37% dos casos secundários à acidose, normal em 58% deles ou baixo em 5%, dependendo das reservas prévias nos espaços intra e extracelulares, e isso exige muito cuidado durante o tratamento pelo risco de arritmias ou até parada cardíaca . Os valores de fosfato plasmático podem encontrar-se normais (54% dos casos) ou aumentados (38% dos casos) no diagnóstico e tendem a diminuir com a terapia insulínica . A elevação de ureia e de creatinina reflete a depleção de volume intravascular. Outros achados menos frequentes são a hipertrigliceridemia e a hiperamilasemia, as quais, quando acompanhadas de dor abdominal, podem sugerir diagnóstico de pancreatite aguda. 
Diagnóstico diferencial 
Cetose de jejum, cetoacidose alcoólica, acidose láctica pelo uso inadequado de fármacos (como salicilatos e metformina) e outras causas de acidose com anion gap elevado (por exemplo, insuficiência renal crônica) são facilmente diagnosticadas por história clínica e avaliação laboratorial.
 Tratamento
 As metas do tratamento da CAD são: − Manutenção das vias respiratórias pérvias e, em caso de vômitos, indicação de sonda nasogástrica; − Correção da desidratação; − Correção de distúrbios eletrolíticos e acidobásicos; − Redução da hiperglicemia e da osmolalidade; − Identificação e tratamento do fator precipitante.
Reposição de líquidos e de eletrólitos 
Para correção da desidratação, na ausência de comprometimento das funções cardíaca e renal, deve-se indicar infusão salina isotônica de cloreto de sódio (NaCl) 0,9%, em média 15 a 20 mL/kg na primeira hora, buscando-se restabelecer a perfusão periférica . A escolha subsequente de fluidos dependerá da evolução dos eletrólitos séricos e da diurese. Se o paciente evoluir com sódio elevado (≥ 150 mEq/L), deve-se prescrever solução salina hipotônica de NaCl 0,45%, em média 10 a 14 mL/kg/h; caso contrário, pode-se administrar solução isotônica de NaCl 0,9%. Durante a reposição volêmica inicial, alguns posicionamentos oficiais recomendam o uso de solução coloide em pacientes hipotensos. No entanto, a hipotensão ocorre por perda de solução de eletrólitos; assim, a reposição fisiológica seria com solução cristaloide. Revisão da Cochrane não mostrou melhores resultados do uso de fluido coloide em relação ao uso de solução cristaloide. Com a função renal normal, ou seja, com débito urinário, inicia-se a infusão de 20 a 30 mEq/L de cloreto de potássio (KCl) a 19,1% por hora, com a proposta de manter o potássio sérico entre 4 e 5 mEq/L. É importante comentar que esses pacientes, principalmente se evoluírem com falência cardíaca ou renal, devem ser continuamente monitorados, do ponto de vista hemodinâmico, para prevenir a sobrecarga de líquidos. Na prática, a fim de agilizar a reposição de potássio, um ponto ainda em debate é a possibilidade de substituição de sua dosagem plasmática por dosagem na gasometria venosa. Estudo retrospectivo que comparou a acurácia da mensuração da concentração de potássio em gasometria venosa (KGV), em relação ao potássio plasmático (KP), verificou diferença entre as médias de 1,13 mmol/L (p = 0,0005). Não houve associação significativa entre pH/glicemias e a diferença das médias de KGV e KP. Assim, apesar de a dosagem de potássio na gasometria venosa ser tecnicamente mais rápida e fácil, não deve, na prática, substituir a dosagem plasmática. 
Insulinoterapia 
Para corrigir a hiperglicemia e a acidose metabólica, inicia-se a terapia com insulina. O ponto de debate quanto à insulinoterapia consiste na indicação de insulina: uso de insulina regular ou de análogos de insulina ultrarrápida, além das vias de administração (se subcutânea [SC], intramuscular [IM] ou infusão intravenosa [IV] contínua). A insulina somente deve ser iniciada se o potássio estiver > 3,3 mEq/L, pelo risco de arritmias associado à hipopotassemia. Nos episódios mais graves de CAD, a via de escolha consiste em infusão IV contínua de insulina regular, sendo a dose, em média, de 0,1 U/kg/h. Em casos leves ou moderados, pode-se utilizar insulina regular por via IM, a cada hora, ou análogo ultrarrápido por via SC, a cada hora ou a cada 2 horas. Apesar de muitos estudos demonstrarem a mesma eficácia e segurança das vias SC e IM, elas são recomendadas apenas em casos mais leves ou moderados. Vários estudos prospectivos aleatorizados, após a década de 1970, demonstraram que não há vantagem no uso de altas doses de insulina em comparação com baixas doses. A utilização de baixas doses na terapia insulínica, associada à reposição da volemia e à correção de eletrólitos, com diminuição da glicemia a uma taxa menor que 50 mg/dL/h, tem apresentado excelentes resultados no tratamento de episódios graves de CAD em adultos. Em crianças, o uso de baixas doses de insulina (0,1 U/kg/h) nos protocolos de tratamento da CAD também se mostrou eficaz em relação ao uso de altas doses, com menor potencial de hipoglicemia e hipopotassemia. A dose de 0,1 U/kg/h vem sendo utilizada amplamente em crianças e adolescentes; recente estudo demonstrou que doses muito baixas (como 0,03 e 0,05 U/kg/h) no tratamento inicial normalizam adequadamente os valores de hidroxibutirato na CAD. Em estudos prospectivos e aleatorizados, nos quais se compararam a eficácia e a segurança dos análogos lispro e asparte por via SC, a cada hora ou a cada 2 horas, e da glulisina por via IV, não houve diferenças significativas entre os grupos em relação às doses totais de análogos utilizados e ao tempo de internação e de episódios de hipoglicemias. Metanálise avaliou o tratamento de CAD leve e moderada com o uso de insulina lispro por via SC, de uma a duas horas, em comparação ao grupo de controle com infusão IV de insulina regular, em um total de 156 pacientes de quatro estudos. A média de duração para a resolução da hiperglicemia, a dose requerida, o número de dias de hospitalização e a quantidade de episódios de hipoglicemia foram similares em ambos os grupos, porém houve redução de 39% dos custos em um estudo no grupo com lispro.Outro aspecto importante e a favor do uso de baixas doses de insulina é que, com a correção gradual da glicemia e, portanto, da osmolalidade, pode-se prevenir o edema cerebral clínico, sobretudo em jovens. Em estudo com crianças de aproximadamente 11 anos de idade e DM1, a infusão contínua IV de insulina regular na dose-padrão de 0,1 UI/kg/h foi comparada com a dose de 0,05 UI/kg/h. Não houve diferenças significativas na correção da glicemia e do pH sanguíneo entre os dois grupos nas 6 primeiras horas de admissão. De acordo com a ADA, o uso de bolus intravenoso de insulina regular no início do tratamento é desnecessário e não recomendado em crianças, em razão do risco aumentado de edema cerebral. Em adultos, há necessidade de mais estudos controlados e aleatorizados para que esse procedimento possa ser implementado rotineiramente. Com a evolução do tratamento, quando a concentração de glicose na CAD atingir 200 a 250 mg/dL, deve-se iniciar soro glicosado 5% associado à insulina regular IV contínua ou SC a cada 4 horas, até a resolução da CAD. Na prática, os critérios utilizados para definir o controle laboratorial da CAD incluem glicemias ≤ 200 mg/dL, bicarbonato sérico ≥ 15 mEq/L e pH ≥ 7,3.1 Assim que o paciente conseguir alimentar-se e estiver bem controlado, dos pontos de vista clínico e laboratorial, inicia-se insulinoterapia basal com insulina humana de ação intermediária ou com análogos de insulina de longa ação, em associação a múltiplas injeções de insulina regular ou a análogos de insulina ultrarrápidos antes das refeições. Bicarbonato A administração de bicarbonato de sódio intravenoso de rotina não demonstrou melhora clínica na resolução da acidose, na duração do plano de tratamento e na mortalidade em pacientes com CAD; ele, em geral, não é recomendado, essencialmente em crianças. A recomendação do uso de bicarbonato de sódio reserva-se a casos graves de pacientes adultos com acidose e pH < 6,9. Caso seja indicado, a dosepreconizada em adultos é de 50 a 100 mmol diluídos em solução isotônica de 400 mL para reduzir o potencial risco de hipocontratilidade cardíaca e arritmias.28 Atente-se para a chance de hipocalemia durante a administração do bicarbonato de sódio.54 A utilização de bicarbonato de sódio com pH > 6,9 não melhora o prognóstico. Os riscos do seu uso inapropriado são alcalose metabólica, acidose liquórica paradoxal, edema cerebral e anoxia tecidual.
 Fosfato
 A hipofosfatemia leve é um achado comum e geralmente assintomático durante a terapia da CAD. Não se indica reposição de sais de fosfato de rotina, em parte devido ao risco de hipocalcemia, não havendo evidências suficientes que demonstrem a melhora do prognóstico quando em comparação com o não uso. Em raras situações de extrema depleção de fosfato, que podem evoluir com manifestações clínicas graves, como insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência respiratória aguda e outras condições clínicas associadas à hipóxia, a reposição adequada de fosfato torna-se imperiosa e costuma evoluir com bom prognóstico (A).
 Complicações 
As complicações mais comuns da CAD são hipoglicemia secundária ao uso inapropriado de insulina, hipopotassemia por administração de doses inadequadas de insulina e/ou bicarbonato de sódio, hiperglicemia secundária à interrupção de infusão de insulina sem cobertura correta de insulina subcutânea, hipoxemia, edema agudo de pulmão e hipercloremia por infusão excessiva de fluidos. O edema cerebral é uma complicação rara no adulto, mas pode evoluir com herniação de tronco cerebral e parada cardiorrespiratória, portanto deve ser tratado prontamente com infusão intravascular de manitol a 20%. A correção gradual da glicemia e da osmolalidade pode prevenir o edema cerebral clínico. Doenças agudas rinocerebrais, denominadas mucormicoses, também podem ocorrer, principalmente em indivíduos imunossuprimidos. Insuficiência renal aguda, rabdomiólise e fenômenos tromboembólicos são incomuns; quando presentes, são secundários à desidratação grave. Em crianças, as complicações da CAD são raras, sendo o edema cerebral responsável por aproximadamente 0,5 a 1% dos casos nesse grupo. Os fatores de risco para o seu desenvolvimento durante a CAD são: paciente com DM1 recém-diagnosticado, bicarbonato baixo, baixa pressão parcial de CO2 e valores aumentados de ureia sanguínea. Outras complicações raras em crianças incluem trombose venosa profunda, trombose venosa cerebral, AVC, rabdomiólise, edema pulmonar, pancreatite, sangramento digestivo alto e complicações cognitivas.
 Conclusão 
O diagnóstico correto e o tratamento rápido e eficaz da CAD são essenciais para diminuir as taxas de morbidade e mortalidade. Muitos desses episódios podem ser prevenidos com o bom controle metabólico do DM por meio de tratamento adequado com insulinas ou análogos de insulina, automonitoramento, além de orientação educacional aos familiares e ao próprio paciente. A facilidade de comunicação com o especialista ou com o grupo multidisciplinar que acompanha o paciente é fundamental para a orientação precoce e adequada no início de qualquer evento potencialmente precipitante.
 
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Hipoglicemia
 
Uma complicação comum do controle glicêmico rigoroso é a hipoglicemia, que 
ocorre em consequência de 
doses excessivas de insulina, jejum ou exercício 
vigoroso
. Isso resulta em ativação imediata de uma resposta contrarreguladora 
sistêmica, que envolve ativa
ção do sistema nervoso simpático e liberação de 
glicose, seguida de liberação de hormônio do crescimento e cortisol. As 
manifestações clínicas incluem desde taquicardia, palpitações, sudorese e 
tremores, quando os níveis de glicose diminuem para cerca de 5
4 mg/dL, até 
irritabilidade, confusão, visão turva, cansaço, cefaleia e dificuldade em falar, 
quando os níveis se aproximam de 50 mg/dL. Uma redução mais pronunciada 
da glicose pode levar à perda da consciência ou a convulsões.
 
FISIOPATOLOGIA DA RESPOSTA C
ONTRARREGULATÓRIA À 
NEUROGLICOPENIA
 
As concentrações de glicose plasmática circulante são mantidas dentro de uma 
faixa relativamente estreita por um 
sistema complexo de controles neurais, 
humorais e celulares inter
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relacionados. 
Em condições metabólicas us
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sistema nervoso central é totalmente dependente da glicose plasmática e age 
contra uma queda na concentração de glicose sanguínea com uma resposta 
cuidadosamente programada. Isso frequentemente está associado a uma 
sensação de fome e, como o cérebr
o recebe uma quantidade insuficiente de 
glicose para atender as suas necessidades metabólicas (neuroglicopenia), é 
desencadeada uma resposta autonômica para mobilizar os depósitos 
armazenados de glicogênio e gordura. No estado pós
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absortivo, as reservas 
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páticas de 
glicogênio e a gliconeogênese do fígado e do rim suprem 
diretamente o sistema nervoso central com glicose
, que é transportada 
através da barreira hematencefálica por um sistema especifico de transporte de 
glicose, enquanto a mobilização dos ácid
os graxos, 
a partir dos depósitos de 
triglicérides, fornece energia para a grande massa de músculos 
esquelético e cardíaco, córtex renal, fígado e outros tecidos que usam os 
ácidos graxos como seu combustível básico, poupando, assim, a glicose 
para os teci
dos do sistema nervoso central.
 
O limite normal inferior da glicose plasmática de jejum é geralmente 70 mg
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(3,9 mmo
l/
L). Valores mais baixos podem ocorrer durante 
jejum prolongado, 
exercício extenuante, gravidez ou podem ocorrer por artefato do laborató
rio
. 
Em homens normais, a glicose plasmática não cai abaixo de 55 mg/dL (3 
m
mo
l/
L) durante um jejum de 72 horas. Contudo, por motivos que não são 
claros, mulheres normais podem apresentar uma queda a níveis de até 30 
mg/dL (1,7 m
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ol/L), a despeito de uma acentuada supressão da insulina 
circulante para menos de 5 f.LU/mL. 
Elas permanecem assintomáticas a 
despeito deste grau de hipoglicemia, presumivelmente porque a 
cetogênese é capaz de satisfazer as necessidades energéticas do sist
ema 
nervoso central.
 
A glicose plasmática basal declina progressivamente durante 
a gravidez normal, e níveis hipoglicêmicos podem ser atingidos durante jejum 
prolongado. Isso pode ser 
consequência do consumo contínuo de glicose pelo 
 
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Hipoglicemia 
Uma complicação comum do controle glicêmico rigoroso é a hipoglicemia, que 
ocorre em consequência de doses excessivas de insulina, jejum ou exercício 
vigoroso. Isso resulta em ativação imediata de uma resposta contrarreguladora 
sistêmica, que envolve ativação do sistema nervoso simpático e liberação de 
glicose, seguida de liberação de hormônio do crescimento e cortisol. As 
manifestações clínicas incluem desde taquicardia, palpitações, sudorese e 
tremores, quando os níveis de glicose diminuem para cerca de 54 mg/dL, até 
irritabilidade, confusão, visão turva, cansaço, cefaleia e dificuldade em falar, 
quando os níveis se aproximam de 50 mg/dL. Uma redução mais pronunciada 
da glicose pode levar à perda da consciência ou a convulsões. 
FISIOPATOLOGIA DA RESPOSTA CONTRARREGULATÓRIA À 
NEUROGLICOPENIA 
As concentrações de glicose plasmática circulante são mantidas dentro de uma 
faixa relativamente estreita por um sistema complexo de controles neurais, 
humorais e celulares inter-relacionados. Em condições metabólicas usuais, o 
sistema nervoso central é totalmente dependente da glicose plasmática e age 
contra uma queda na concentração de glicose sanguínea com uma resposta 
cuidadosamente programada. Isso frequentemente está associado a uma 
sensação de fome e, como o cérebro recebe uma quantidade insuficiente de 
glicose para atender as suas necessidades metabólicas (neuroglicopenia), é 
desencadeada uma resposta autonômica para mobilizar os depósitos 
armazenados de glicogênio e gordura. No estado pós-absortivo, as reservas 
hepáticas de glicogênio e a gliconeogênese do fígado e do rim suprem 
diretamente o sistema nervoso centralcom glicose, que é transportada 
através da barreira hematencefálica por um sistema especifico de transporte de 
glicose, enquanto a mobilização dos ácidos graxos, a partir dos depósitos de 
triglicérides, fornece energia para a grande massa de músculos 
esquelético e cardíaco, córtex renal, fígado e outros tecidos que usam os 
ácidos graxos como seu combustível básico, poupando, assim, a glicose 
para os tecidos do sistema nervoso central. 
O limite normal inferior da glicose plasmática de jejum é geralmente 70 mg/dL 
(3,9 mmol/L). Valores mais baixos podem ocorrer durante jejum prolongado, 
exercício extenuante, gravidez ou podem ocorrer por artefato do laboratório. 
Em homens normais, a glicose plasmática não cai abaixo de 55 mg/dL (3 
mmol/L) durante um jejum de 72 horas. Contudo, por motivos que não são 
claros, mulheres normais podem apresentar uma queda a níveis de até 30 
mg/dL (1,7 mmol/L), a despeito de uma acentuada supressão da insulina 
circulante para menos de 5 f.LU/mL. Elas permanecem assintomáticas a 
despeito deste grau de hipoglicemia, presumivelmente porque a 
cetogênese é capaz de satisfazer as necessidades energéticas do sistema 
nervoso central. A glicose plasmática basal declina progressivamente durante 
a gravidez normal, e níveis hipoglicêmicos podem ser atingidos durante jejum 
prolongado. Isso pode ser consequência do consumo contínuo de glicose pelo

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