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ECOLOGIA GERAL Fabiana Alves Mourão G es tã o E C O L O G IA G E R A L Fa b ia na A lv es M ou rã o Curitiba 2018 Ecologia Geral Fabiana Alves Mourão Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. M929e Mourão, Fabiana Alves Ecologia geral / Fabiana Alves Mourão. – Curitiba: Fael, 2018. 283 p.: il. ISBN 978-85-5337-032-0 1. Ecologia I. Título CDD 574.5 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Fabio Heinzen Fonseca Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem da Capa Shutterstock.com/HAKINMHAN Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Introdução à Ecologia Geral | 7 2. Condições e recursos | 31 3. Introdução à ecologia de populações | 55 4. Dinâmica das Populações | 79 5. Interações ecológicas | 103 6. Interações Ecológicas: Competição e Predação | 127 7. Comunidades Ecológicas | 145 8. Funcionamento dos Ecossistemas | 173 9. Ecossistemas: ciclagem de nutrientes e impactos ambientais | 199 10. Conservação e biodiversidade | 221 Gabarito | 247 Referências | 275 Prezado(a) aluno(a), Iniciaremos nossos estudos em Ecologia, uma disciplina fas- cinante, envolvente e de grande importância para sua formação. Compreender ecologia significa ler o mundo por meio de uma visão integrada dos fenômenos que ocorrem no planeta Terra. Ela se preocupa em estudar as interações dos seres vivos e seu meio. A proposta desse livro é dar início a uma longa caminhada de aprendizado, introduzindo-os a esse universo. Carta ao Aluno – 6 – Ecologia Geral Os textos dessa obra foram escritos de maneira a instigar a curiosi- dade, bem como estimular a constante busca por conhecimento. Quere- mos proporcionar um aprendizado sólido, rico e principalmente aplicável ao nosso cotidiano. Sabemos que uma visão ampla envolve raciocínio e leitura. Com- preender os processos e fenômenos que ocorrem nos ecossistemas, como seus processos hierárquicos – dos mais simples aos mais complexos, as inter-relações, os processos e estruturas ecológicas e suas dimensões espa- ciais e temporais, bem como as ações antrópicas e as consequências ao ambiente, é um processo que demanda tempo e dedicação. Este material servirá de base e auxiliará você, futuro gestor ambiental, a alcançar essa visão integrada sobre os processos ecológicos. Recomendo que você procure por novos conhecimentos, seja por meio de leitura, pesquisa ou quaisquer fontes confiáveis. Bons livros devem ser lidos e relidos quantas vezes forem necessárias. Leitura nunca é demais! Desejo-lhe muito sucesso nesse novo desafio. A autora. 1 Introdução à Ecologia Geral Iniciaremos nossos estudos sobre Ecologia, uma ciência moderna voltada para a compreensão das relações dos seres vivos e seu meio. A palavra “meio”, no contexto da ecologia, se refere ao meio ambiente, isto é, a todos os seres vivos (meio biótico) e todos os aspectos físicos, químicos ou físico-químicos (meio abiótico), tais como o relevo, a vegetação, a radiação solar, a temperatura, a água, entre outros. Os assuntos que serão tra- tados neste capítulo são a base para ingressarmos nesse mundo tão rico e fascinante. Faremos uma viagem no tempo, durante a qual abordaremos os primeiros idealizadores desta ciência e também a evolução de suas ideias e conceitos. Descreveremos os pressupostos da Teoria da Seleção Natural e os grandes feitos do naturalista Charles Darwin. Trataremos, de forma sucinta, dos mecanismos que levam à evolução das espécies, e apresentare- mos as características gerais dos diversos biomas do planeta. Objetivos de aprendizagem: 2 Conhecer as definições, a abrangência e os principais fundamentos da Ecologia; 2 Conhecer o trabalho de Darwin e sua importância; Ecologia Geral – 8 – 2 Conhecer alguns aspectos da evolução das espécies; 2 Conhecer os processos de especiação; 2 Conhecer as semelhanças entre ambientes no mundo: os biomas. 1.1 Afinal, o que é Ecologia? O primeiro pesquisador a propor e usar a palavra “Ecologia” foi o alemão Ernst Haeckel (1866). Em um de seus magníficos trabalhos intitu- lado Morfologia dos Organismos, ele propôs a criação de uma disciplina que, associada à Biologia, se dedicasse exclusivamente ao estudo dos organismos e seu ambiente. O conceito de Ecologia proposto por Haeckel se baseava no estudo científico das interações entre os organismos e seu meio. (BEGON et al., 2007). Em 1972, o pesquisador Charles Joseph Krebs sugeriu uma defini- ção um pouco mais específica de “Ecologia”, incorporando ao conceito as palavras “distribuição” e “abundância”: “Ecologia é o estudo científico das interações que determinam a distribuição e a abundância dos organis- mos” (KREBS, 1972, p. 29). A definição de Ecologia evoluiu ao longo do tempo e hoje apresenta uma visão mais abrangente dessa ciência e mais condizente com o termo. De acordo com Begon e colaboradores (2007), a palavra “Ecologia” se refere ao estudo científico da distribuição (área de ocorrência) e da abun- dância (número de indivíduos) dos organismos, bem como das interações que determinam estes fatores. Compreender os seres vivos e sua distribuição no planeta envolve muitas áreas, sendo difícil separar comportamento de dinâmica popula- cional e de fisiologia, adaptação de evolução e genética, e ecologia animal de ecologia vegetal (CASSINI, 2005). Logo, para a realização de estudos ecológicos é preciso adotar um caráter multidisciplinar, que pode envol- ver diversos ramos da Biologia, tais como taxonomia, fisiologia, genética, comportamento animal e vegetal e parasitologia, e ainda outras ciências, como: Meteorologia, Pedologia, Geologia, Geomorfologia, Sociologia, Antropologia, Física, Química, Matemática, Eletrônica, entre outras. – 9 – Introdução à Ecologia Geral Há três grandes áreas de estudos dentro da Ecologia: a Autoecologia, a Ecologia das Populações (ou Demoecologia) e a Sinecologia. A Autoe- cologia estuda uma única espécie e as relações ou interações que esta man- tém com os meios biótico e abiótico. É uma área indutiva, cujos estudos são baseados em experimentação e apresentam uma visão mecanicista por meio da qual procuram entender as partes antes de compreender o todo. Já a Ecologia das Populações, ou Demoecologia, estuda a dinâmica, a estrutura e os padrões de distribuição das populações buscando descre- ver as variações da abundância das diversas espécies e procura as causas dessas variações (CASSINI, 2005). A Sinecologia é o ramo da Ecologia que estuda as comunidades, voltando-se para as relações entre indivíduos pertencentes às diversas espécies de um grupo e seu meio. Esta área mantém seu enfoque na distri- buição dos organismos, nas interações ecológicas, nos parâmetros demo- gráficos e populacionais, na movimentação dos indivíduos, nas estruturas das cadeias alimentares, no fluxo de energia e na sucessão ecológica. Os estudos relacionados a esta área procuram por padrões e muitas vezes tra- balham com diferentes escalas temporais e/ou espaciais. Como podemos perceber, a Ecologia é uma ciência complexa. Para facilitar a compreensão dos assuntos que a compõem, iniciaremos nossos estudos definindo alguns termos e trataremos de assuntos relacionados a cada nível de organização ecológica. 1.2 Níveis de organização ecológica Os níveis de organização em Ecologia podem ser comparados a um sistema hierárquico ascendente, ou seja, partindo do mais simples ao mais complexo. Utilizando este raciocínio, um único indivíduo apresenta a sim- plicidade necessária para ocupar o primeiro nível. Os indivíduos de mesma espécie interagindo entre si e habitando determinada região, em determi- nada época, formam uma população. Notamos que esta segunda estrutura é um pouco mais complexa; ela ocupa o segundo nível hierárquico. A complexidadetende a aumentar nos próximos níveis. Imagine um conjunto de indivíduos de diferentes espécies (populações) interagindo Ecologia Geral – 10 – entre si em determinada região geográfica. Este conjunto é chamado de comunidade. E o conjunto de seres vivos (bióticos) da comunidade inte- ragindo com os fatores abióticos (temperatura, pressão, umidade, lumino- sidade, entre outros) formam os ecossistemas (RICKLEFS E RELYEA, 2014)Em Ecologia, estes níveis de organização estão representados na figura a seguir (figura 1.1): Figura 1.1 – Níveis de organização ecológica “Fonte: ROCKLEFS, Robert E. The Economic of Nature. (Modificada).” 1.3 História da ecologia – breve abordagem Não se sabe exatamente quando a Ecologia surgiu como ciência. O processo ocorreu de maneira progressiva e natural, e vários naturalistas, filósofos e cientistas contribuíram para isso (quadro 1.1). Podemos consi- derar Aristóteles (384 – 322 a.C.), por exemplo, o pai da ecologia animal, – 11 – Introdução à Ecologia Geral pois ele foi o primeiro a descrever o comportamento e o habitat de aves, a influência da sazonalidade na reprodução, a zoogeografia, a hibernação e a migração, as mudanças de coloração, os hábitos alimentares e a simbiose. A descrição de plantas de sementes foi inicialmente feita por Theophrastus (371 – 283 a.C.), que também fez experimentos de germinação, poliniza- ção e inclusive propôs terminologias para as formas de crescimento vegetal (ACOT, 1990). Veja o quadro a seguir sobre os principais pensadores/naturalistas e suas contribuições para o surgimento da Ecologia. Quadro 1.1 – Principais naturalistas/pensadores e suas contribuições para a Ecologia pensada como ciência Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Filósofos gregos Fonte: Shutterstock. com/drawhunter Vários – ex.: (460 a.C) Hipócrates – Médico; (384 a.C.) Aristóte- les – Filósofo; (372 a.C.) Theophrastus – (Naturalista); (23 d.C.) Plínio, o Velho – Naturalista Os filósofos gregos se pre- ocupavam com aspectos “ecológicos” da natureza, como, por exemplo, a des- crição de sementes, expe- rimentos de germinação, polinização etc. Carl von Linné Fonte: National Museum/ nationalmuseum.se (1707–1778) – Médico e naturalista Considerado o pai da Taxonomia, criou o sis- tema de nomenclatura científica, que, com devi- das atualizações, é utili- zado até hoje. Ecologia Geral – 12 – Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Alexander von Hum- boldt Fonte: Shutterstock. com/Everett Historical (1769–1859) – Geó- grafo e naturalista Estudou os efeitos da lati- tude, relevo e clima nas características da fauna e flora. Foi o primeiro a uti- lizar o termo: “isotermas” – para regiões com tempe- raturas iguais. Formulou o conceito de geobotânica. Thomas Malthus Fonte: Wellcome Images/CC BY 3.0 (1766–1834) – Eco- nomista e político Publicou um livro sobre as populações humanas; se preocupava com o cres- cimento populacional e a escassez de alimentos. Suas ideias contribuíram para o surgimento da Ecologia das Populações e da capacidade de suporte. – 13 – Introdução à Ecologia Geral Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Charles Robert Darwin Fonte: Shutterstock. com/Everett Historical (1809–1882) – Médico e naturalista Teoria da Seleção Natural e Evolução – assuntos des- critos com maiores detalhes neste capítulo. Thomas Henry Huxley Fonte: CC BY 3.0 (1825–1895) – Médico e naturalista Apoiou as ideias de Darwin, estudou grupos marinhos e contribuiu para a Teoria da Evolução. Ecologia Geral – 14 – Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Adolf Engler Fonte: Museu Botânico de Berlim (1844–1930) - Botâ- nico Criou um dos primeiros sistemas para classifica- ção de plantas, baseado em morfologia vegetal. Con- tribuiu para a taxonomia vegetal e fitogeografia. Ernst Heinrich Haeckel (1834–1919) – Bió- logo, naturalista, filó- sofo e médico. Criador das palavras “Eco- logia”, “filo” e “filogenia”. Foi professor de anatomia; estudou profundamente o grupo dos invertebrados. – 15 – Introdução à Ecologia Geral Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Eugenius Warming Fonte: CC BY 3.0 (1841–1924) – Botâ- nico Considerado o pai da eco- logia vegetal, organizou o primeiro curso de Ecolo- gia. Pode ser considerado o fundador da Ecologia moderna. Henry C. Cowles Fonte: archive.org (1869–1939) –Botâ- nico Estudou sucessão ecoló- gica em dunas e enfatizou a natureza dinâmica da vege- tação. Ecologia Geral – 16 – Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Frederic E. Clements Fonte: CC BY 3.0 (1874 – 1945) – Botâ- nico Contribuiu com a análise do desenvolvimento da vege- tação, identificou as etapas da sucessão ecológica e desenvolveu o conceito de “clímax”. Arthur G. Tansley Fonte: CC BY 3.0 (1871–1955) – Bió- logo, botânico e zoó- logo Propôs o conceito de ecos- sistema como unidade básica de estudo em Eco- logia. – 17 – Introdução à Ecologia Geral Naturalista/ Filósofo/ Cientista Ano – formação Principais contribuições Raymond Lindeman Fonte: cbs.umn.edu (1915–1942) –Ecó- logo e limnólogo Fundador da ecologia de ecossistemas. Fonte: ACOT (1990) (modificado pela autora). Sem dúvida, muitas foram as contribui- ções que levaram ao delineamento atual da Ecologia, no entanto, dentre todos os estu- dos citados não poderíamos deixar de men- cionar o trabalho de Charles Darwin e sua teoria sobre a Seleção Natural (figura 1.2). Tal trabalho culminou na publicação de sua obra A origem das espécies, que foi de extrema importância para a Ecologia, pois a partir do seu conteúdo foi elaborada da Teoria da Evolução, cuja base está em uma série de proposições listadas a seguir: 1. Os indivíduos de uma popula- ção não são idênticos – varia- ções genéticas. 2. Uma parte desta variação é here- ditária, ou seja, é passada de gera- ção a geração. Figura 1.2 – Representação da Teoria da Evolução, de Charles Darwin Fonte: Shutterstock.com/Uncle Leo. Ecologia Geral – 18 – 3. As populações têm potencial para se reproduzir e ocupar toda a Terra, mas isto só ocorreria se todos os indivíduos sobrevives- sem e se reproduzissem deixando o número máximo de descen- dentes. Muitos morrem antes de se tornarem adultos (férteis) e os que efetivamente se reproduzem raramente atingem sua capa- cidade máxima de reprodução. 4. Indivíduos diferentes deixam números diferentes de descenden- tes. A sobrevivência da prole também é diferente. 5. O número de descendentes deixados por cada indivíduo depende, de certa maneira, da interação entre ele e seu meio. Isso quer dizer que em todo ambiente alguns indivíduos terão maiores chances de sobrevivência que outros e, ao se reproduzir, deixa- rão maior número de descendentes. A Seleção Natural pode ser entendida como um dos mecanismos bási- cos da evolução. E a evolução nada mais é do que uma mudança nas carac- terísticas hereditárias de uma população, ao longo das gerações, devido a diversos fatores, como mutações genéticas, interações ecológicas, abióticas, entre outras. Mas, como a Seleção Natural atua nos processos evolutivos? Muito simples: indivíduos que deixam maior quantidade de descendentes férteis em comparação a outros, na população, são fortes competidores que perduram por mais tempo no meio. A Seleção Natural atua sobre a variabi- lidade genética disponível, ou seja, no número de genes daquela população. Sobre a Evolução das Espécies, devemos lembrar que, além da Sele- ção Natural, outros mecanismos podem contribuir para mudanças genéti- cas na população. A dispersão e a migração de indivíduos podem contribuir para a transferência de novos genes entre populações. Além disso, durante a reprodução celular podem ocorrer mutações gênicas, que também acres- centam novas características ou até mesmoalteram as que já existiam, modificando e acentuando as diferenças hereditárias entre os indivíduos. Você sabia? O conceito biológico de “espécie” foi proposto por Mayr (1963). Mayr definiu espécie como uma população de organismos naturais que se entrecruzam e estão isolados, reprodutivamente, de grupos semelhan- tes por características biológicas ou biogeográficas. (MAYR, Ernst. 1977). – 19 – Introdução à Ecologia Geral 1.4 Especiação É curioso pensarmos sobre especiação. Esta palavra nos leva a alguns questionamentos: “Como são formadas novas espécies? Qual a origem de tanta diversidade biológica?” A resposta para estas questões é simples: o surgimento de novas espé- cies acontece por um processo evolutivo e ocorre de maneira gradual; para isso, é essencial que haja um isolamento reprodutivo. Podemos classificar quatro modos de especiação: alopátrica, simpátrica, parapátrica e peri- pátrica. Para fins didáticos, trataremos neste livro apenas dos dois primei- ros modos (figura 1.3). Ocorre especiação alopátrica quando duas subpopulações de uma mesma espécie são separadas por uma barreira geográfica ou outro fator que não permita fluxo gênico entre elas. Assim, a especiação é induzida por Seleção Natural, pressionando os indivíduos a uma adaptação genética aos seus novos ambientes e estabelecendo um grau de isolamento repro- dutivo entre eles. Um exemplo clássico desse tipo de especiação são os tentilhões de Darwin. Estes pássaros descenderam de uma única espécie continental que colonizou as ilhas isoladas do arquipélago de Galápagos. Já a especiação simpátrica ocorre quando subpopulações se diferenciam sem estarem separadas geograficamente. Um bom exemplo deste tipo de especiação são os insetos que se alimentam de mais de uma espécie de planta e precisam se especializar para superar as defesas vegetais. Figura 1.3 – Representação gráfica de especiação alopátrica e simpátrica Alopátrica Simpátrica População original Início da especiação Isolamento reprodutivo Ecologia Geral – 20 – Alopátrica Simpátrica Novas espécies após o equilíbrio das áreas Fonte: elaborada pela autora. 1.5 Convergências e paralelismos Muitos fatos curiosos podem ser explicados por meio de conceitos evolutivos. As asas de um inseto, por exemplo, desempenham a mesma função das asas de uma ave. Mas, será que se originaram de estruturas semelhantes? Se você respondeu não, acertou. Figura 1.4 – Detalhes de asas de ave e inseto Fonte: deusnagaragem.ateus.net As estruturas de plantas escaladoras, que necessitam fixar-se em outras plantas para crescer e atingir o dossel, evoluíram em diferentes famílias, de órgãos completamente diferentes. As trepadeiras herbáceas e – 21 – Introdução à Ecologia Geral lianas, por exemplo, utilizam raízes adventícias que emergem dos caules para escalar o tronco das árvores. Já as plantas que apresentam gavinhas, estruturas especializadas em escalar, tiveram essas formações derivadas de segmentos tais como: folhas, espículas, inflorescências, ramos e até mesmo caules (figura 1.5). Figura 1.5 – Gavinha, estrutura vegetal utilizada pelas plantas para escalada Fonte: Flickr.com/Nic McPhee/CC BY 2.0. Os exemplos apresentados são de convergência evolutiva, ou seja, quando encontramos estruturas análogas em diferentes grupos de orga- nismos. Embora estas estruturas tenham origens completamente diferen- tes, apresentam semelhança morfológica e executam a mesma função. A evolução convergente ocorre quando determinado ambiente favorece a sobrevivência e a reprodução de espécies morfológica e fisiologica- mente semelhantes, por meio da Seleção Natural. Isso significa que um caráter semelhante pode evoluir independentemente das espécies, mesmo que não haja nenhum ancestral comum entre elas (BEGON et al., 2007) (figura 1.6). Já na evolução paralela ou paralelismo, as caraterísticas biológi- cas dos indivíduos têm em comum um ancestral, divergindo ao longo de sua história evolutiva. Este processo pode levar à especiação, dado o tempo suficiente. Estes indivíduos passam a ocupar habitats distintos, com condições diferentes, e, por processo de Seleção Natural, é possível que haja divergência das funções dos órgãos, estruturas e genes (TOWN- SEND et al., 2006). Um exemplo deste tipo de evolução é o que ocorreu Ecologia Geral – 22 – entre os mamíferos placentários e marsupiais. O ancestral comum mais recente entre marsupiais e placentários provavelmente data do início do Cretáceo, por volta de 125 milhões de anos atrás. Estes grupos divergiram e desenvolveram estruturas totalmente distintas: a fêmea marsupial possui bolsa abdominal, onde ocorre o desenvolvimento dos filhotes (ex.: can- guru) e os placentários apresentam a placenta, estruturas bastante distintas que desempenham função semelhante (ex.: humanos). Figura 1.6 – Paralelismo Fonte: retirada e modificada de Begon et al. (2006), p. 21. – 23 – Introdução à Ecologia Geral 1.6 Semelhanças entre ambientes no mundo Você já reparou como existem lugares semelhantes no mundo? Cha- mamos de biomas os grandes agrupamentos que apresentam semelhanças florísticas e faunísticas em diversas partes do planeta (figura 1.7). Bioma é uma unidade biológica com características muito semelhantes, definidas pelo macroclima, fitofisionomia (tipo de vegetação), fauna e outros orga- nismos vivos associados (COUTINHO, 2006). Podemos encontrar nove biomas no mundo. Veja o quadro a seguir (quadro 1.2): Quadro 1.2 – Biomas terrestres no planeta Bioma Macroclima Florestas tropicais Equatorial, úmido e quente Savanas Tropical, com chuvas de verão e inverno seco Desertos Subtropical árido Chaparral Mediterrâneo, com chuvas de inverno e verão seco Florestas subtropicais Quente-temperado sempre úmido Florestas temperadas caducifólias Temperado úmido, com inverno curto Estepes – desertos com invernos frios Temperado árido Florestas de coníferas - taiga Boreal Tundras Polar Fonte: Coutinho (2006), p.36 (modificada). Ecologia Geral – 24 – Figura 1.7 – Divisão de biomas no mundo Fonte: geografia.seed.pr.gov.br. 1.6.1 Florestas tropicais As florestas tropicais estão localizadas entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, região úmida que possui elevadas temperaturas. Este bioma pode ser classificado como o mais produtivo do planeta. Sua vegetação é exuberante, caracterizada por elevada diversidade, composta por árvores altas, que mantêm suas folhas sempre verdes; nota- mos a presença de muitas epífitas, lianas e trepadeiras, e um dossel fechado. As epífitas mais comuns são as orquídeas, bromélias e samambaias. No Bra- sil, a Floresta Amazônica tem aproximadamente 2.500 espécies de árvores e 30 mil espécies de plantas (BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2007). A fauna deste bioma também é bastante diversa e abundante. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, em 2005 a fauna da Floresta Amazônica continha 4.221 espécies de animais. – 25 – Introdução à Ecologia Geral 1.6.2 Savana As savanas são biomas compostos por vegetação que varia desde um campo herbáceo até campos com arbustos isolados e árvores esparsas. Elas podem ser consideradas áreas de transição entre uma floresta pluvial tropical e os desertos. As espécies vegetais apresentam adaptações capa- zes de suportar a escassez de água no período seco, bem como a queima- das e frequente passagem do fogo. A fauna é composta por mamíferos, herbívoros e pastejadores, aves e muitos insetos. No Brasil, as savanas estão representadas pelo Cerrado, que é um bioma com elevada diversi- dade e está entre os mais ameaçados do país. 1.6.3 Deserto Os desertos são caracterizados pela escassez de água, com chuvas mal distribuídas e variações bruscas de temperatura ao longo de 24 horas. As árvores não conseguem se estabelecer neste bioma, sendo a vegetação do tipo herbácea. As plantas se utilizam de mecanismos físicos e compor- tamentais para sobreviver a estas condições tão adversas. Muitas conse- guem armazenar água(ex.: cactos e suculentas), outras concentram suas atividades de crescimento e reprodução em curtos períodos, quando há certa disponibilidade de água; folhas grossas e espinhos são comuns. Os animais também desenvolveram adaptações à escassez de água e nutrien- tes. Os roedores das famílias Heteromyidae e Dipodidae, por exemplo, se alimentam de sementes secas e não necessitam de grandes quantidades de água para sobreviver (ODUM e BARRET, 2011). 1.6.4 Chaparral O chaparral, também conhecido como Maqui, possui uma vegetação lenhosa arbustiva, com folhas duras, muito resistentes à seca e de cresci- mento bem lento (BEGON et.al., 2006). É comum a presença de plantas anuais, ou seja, aquelas que se reproduzem uma vez e morrem durante o período chuvoso. Além disso, como o chaparral está sujeito a frequentes queimadas, muitas plantas desenvolveram resistência à passagem do fogo. As adaptações mais comuns são a rebrota e a quebra de dormência de algumas sementes após uma queimada. Ecologia Geral – 26 – Devido às altas temperaturas durante o dia, a fauna é mais ativa durante o crepúsculo e durante a noite, embora haja algumas exceções que se adaptam muito bem ao calor. Uma característica comum aos animais do chaparral é a capacidade de sobreviver com pouca água e às variações de temperatura. 1.6.5 Florestas subtropicais Semelhante às florestas tropicais, as florestas subtropicais apresen- tam temperaturas agradáveis, variando de 25 a 35 graus, com chuvas rela- tivamente abundantes e elevada diversidade. A vegetação é exuberante e fornece muitos recursos alimentares a uma extensa fauna. Assim como as florestas tropicais, abrigam, em suas árvores, diversas epífitas, como orquídeas, bromélias, samambaias e lianas. 1.6.6 Florestas temperadas Localizadas em regiões de clima temperado, as florestas temperadas (florestas decíduas) apresentam verões quentes, mas longos invernos, bas- tante rigorosos, com possibilidade de temperaturas abaixo de zero. Neste bioma é possível identificar as quatro estações do ano (primavera, verão, outono e inverno). A vegetação perde suas folhas durante o outono e per- manecem dormentes durante o inverno. O início da primavera é marcado pelas rebrotas das árvores juntamente com as espécies herbáceas. As flo- restas temperadas proporcionam recursos alimentares para a fauna, mas, de maneira geral, estes recursos estarão disponíveis sazonalmente. Muitas aves de florestas temperadas são migratórias, pois saem em busca de ali- mentos durante o período mais crítico do ano: o inverno (BEGON et al., 2006). A fauna desse bioma é composta de ursos, raposas e veados. 1.6.7 Estepes ou pradarias Estepes são biomas temperados semelhantes às savanas, mas o clima é seco e frio. Localizam-se muito próximos às montanhas. A vegetação é – 27 – Introdução à Ecologia Geral representada por campos abertos, vegetação herbácea e poucas árvores. No Brasil, os pampas gaúchos são exemplos deste tipo de bioma. A fauna é diversa e formada principalmente por mamíferos que vivem agregados em manadas para se proteger dos ventos gelados. 1.6.8 Floresta de coníferas ou Taiga As florestas de coníferas, também conhecidas por taigas, possuem uma característica muito interessante – a água líquida não fica disponível por muito tempo no inverno. A vegetação arbórea é muito escassa. Em locais cujo inverno é menos rigoroso, podemos encontrar pinheiros for- mando uma densa cobertura. A fauna é composta de aves, alces, lobos, linces, roedores e outros. 1.6.9 Tundra A tundra é um bioma caracterizado pelas baixas temperaturas e a água está permanentemente congelada no solo. Por se localizar no Hemis- fério Norte, no Círculo Polar Ártico a vegetação consiste basicamente de plantas rasteiras e de pequeno porte, formada por gramíneas, ciperáceas, plantas lenhosas anãs e liquens. A fauna é composta por numerosas espé- cies de pássaros e mamíferos migratórios que visitam a região durante o curto verão. Há muitos insetos que realizam atividades sazonais (RICK- LEFS & RELYEA, 2014,). Você sabia? Todos os Biomas são terrestres! Os ambientes aquáticos podem até ser classificados como biomas por ecólogos de ambiente aquático, pois seria possível distinguir diferentes características de comunidades aquáticas. Entretanto, pela definição de bioma (unidade biológica com características muito semelhantes, definidas pelo macroclima, fitofisio- nomia (tipo de vegetação), fauna e outros organismos vivos associa- dos), os ambientes aquáticos não se encaixariam. Veja, ao final deste capítulo, informações sobre ambientes aquáticos. 1.7 Por que as comunidades são tão diversas no mesmo bioma? É fácil perceber que biomas têm muitas características comuns. Isso não se resume apenas ao mesmo tipo vegetacional, mas também às condições climáticas, como temperatura e umidade muito semelhantes. Sendo assim, por que as espécies que vivem nestes ambientes apresen- tam tantas diferenças? Um dos principais fatores é a heterogeneidade ambiental. Mesmo regiões muito semelhantes terão diferenças sutis em suas característi- cas. Por exemplo: em uma floresta tropical, a temperatura do solo não será a mesma em toda sua extensão. Isso pode ocorrer por que os raios de sol podem ser bloqueados por copas muito densas da mesma forma que podem atravessar facilmente uma clareira no meio da floresta. Variações na luminosidade, umidade, temperatura ou na concentração de nutrientes são exemplos de fatores variáveis que mantêm a hetero- geneidade do ambiente. Logo, espécies com requerimentos diferen- tes poderão coexistir em um mesmo bioma. Além da heterogeneidade ambiental, devemos nos lembrar que as interações entre as espécies e a coexistência de espécies semelhantes contribuem para a manutenção da biodiversidade. 1.8 Ambientes aquáticos Os ambientes aquáticos podem ser divididos em marinho e de água doce. Os ambientes marinhos são formados pelos oceanos e as zonas costeiras. Os oceanos (Antártico, Ártico, Atlântico, Índico e Pacífico) e mares cobrem aproximadamente 71% da superfície da Terra (BEGON et al., 2006). Já as zonas costeiras são regiões de transição ecológica entre a terra e o mar e fornecem uma variedade de habitats que abrigam inúmeras espécies. Nessas regiões há riqueza de recursos alimentares e é onde se encontra a maior produtividade dos oceanos. Tanto os oceanos quanto as zonas costeiras abrigam grande diversidade de organismos, tais como algas, bactérias, macrofilas, artrópodes (crustáceos e insetos) e vertebrados. – 29 – Introdução à Ecologia Geral Fazem parte da zona costeira os estuários e manguezais, cujas águas são pouco profundas e ricas em nutrientes. Essas regiões abrigam elevada diversidade, constituindo-se em berçários para inúmeras espécies de pei- xes, crustáceos, moluscos e aves. Outras regiões que abrigam muitas espécies marinhas são os reci- fes de corais, estruturas rígidas e resistentes à ação mecânica das ondas e de correntes marinhas. Os corais são animais invertebrados que formam colônias, possuem exoesqueletos à base de carbonato de cálcio e são res- ponsáveis pela estrutura rochosa que chamamos de recifes de coral. Essa estrutura é usada como substrato por uma série de organismos, pois os corais se localizam a uma profundidade adequada para o estabelecimento e desenvolvimento de outros seres vivos (TOWSEND et al., 2006). As áreas costeiras, especialmente os manguezais, praias, dunas e res- tingas, são consideradas verdadeiras hotspots, ou seja, áreas de alta biodi- versidade e sob elevada pressão antrópica (MMA, 2002). Já os ambien- tes de água doce, formados basicamente por rios, lagos e represas, têm características muito diversas. As formas e profundidade influenciarão na composição físico-química e biológica da água. É certo que nas bacias de captação de água, com a elevada evaporação, pode ocorrer acúmulo de sais, devido à lixiviação terrestre, sendo possível que essas concentrações sejam até maiores às dosoceanos (BEGON et al., 2006). Síntese Neste capítulo, estudamos os conceitos básicos aplicados à Eco- logia, à Evolução das Espécies e aos pressupostos da Seleção Natural, que deram base à Teoria da Evolução. Vimos, de forma breve, os pro- cessos de especiação, bem como os paralelismos e a convergência dos aspectos evolutivos. Pudemos perceber as semelhanças entre os ambientes no mundo e definimos o conceito de bioma, descrevendo cada um deles, suas espécies e características específicas. Por fim, falamos da heterogeneidade ambien- tal e como cada bioma pode apresentar uma infinidade de espécies dife- rentes, mesmo em um ambiente tão semelhante. Ecologia Geral – 30 – Atividades A Ecologia é uma ciência cuja complexidade foi contornada com base em subdivisões e níveis hierárquicos. Responda: 1. Quais as diferenças das subdivisões existentes em Ecologia? 2. Quais estudos um ecólogo consegue realizar em cada nível hierárquico? 3. Dentre tantos naturalistas/filósofos/pesquisadores, Charles Darwin merece um destaque especial. Por quê? 4. Neste capítulo, apresentamos os biomas terrestres no planeta. Pesquise: quais biomas fazem parte do Brasil e quais suas prin- cipais características? 2 Condições e recursos Todos os organismos necessitam de condições favoráveis e de recursos para sobreviver. Havendo ótimas condições e recur- sos abundantes, as espécies se desenvolvem, crescem e se repro- duzem satisfatoriamente. Tais requerimentos variam de espécie para espécie, e é comum confundir o conceito de condição com o de recurso. Entretanto, sabemos que ambos podem alterar dras- ticamente a permanência do indivíduo em seu meio, seu cresci- mento e sua capacidade de reprodução. Neste capítulo, aborda- remos a influência das condições e dos recursos na distribuição e abundância das espécies. Para tanto, cumpriremos os seguintes objetivos de aprendizagem: Ecologia Geral – 32 – Objetivos de aprendizagem: 2 Compreender a diferença entre uma condição e um recurso; 2 Compreender o que influencia a distribuição de espécies, sua abundância e seus requerimentos básicos; 2 Compreender o que são fatores limitantes; 2 Compreender o que é tolerância; 2 Compreender o conceito de nicho. 2.1 Condições e Recursos Compreender a distribuição das espécies no globo terrestre e a razão pela qual apresentam diferentes abundâncias nos ecossistemas não é uma tarefa muito simples. Isto acontece porque são vários os fatores que atuam conjuntamente e influenciam a sobrevivência, o crescimento e a repro- dução das espécies. Logo, as condições, os recursos, a história de vida (ex. taxas de natalidade, mortalidade e dispersão), as interações intra e interespecíficas e também os efeitos do ambiente sobre as espécies podem explicar estas variações. O conceito de condição pode ser facilmente confundido com o de recurso. Uma condição pode ser definida como o fator ambiental abiótico que interfere nas atividades de um ser vivo (BEGON et al., 2006). Na prá- tica, isso quer dizer que os seres vivos estão sujeitos às condições físico- -químicas dos ambientes, tais como umidade, temperatura, pH, salinidade, concentração de poluentes etc. As condições variam de lugar para lugar e também de acordo com o período do ano. Chamamos de sazonalidade as variações que ocorrem ao longo do tempo, de forma cíclica. Por exemplo: no inverno, a temperatura pode ficar abaixo de zero em algumas partes do planeta e voltam a aumentar durante a primavera e o verão. Alguns locais possuem as quatro estações do ano bem definidas, ao passo que outras regiões podem apresentar apenas duas. Além disso, as condições podem apresentar diferentes intensidades, mesmo quando a sazonalidade não varia. Veja a figura 2.1 a seguir: – 33 – Condições e recursos Figura 2.1 – Temperatura média anual de três cidades brasileiras: Rio Branco – AC; Belo Horizonte – MG e Curitiba – PR Fonte: inmet.gov.br. Ecologia Geral – 34 – Os gráficos mostram a variação média de temperatura que ocorreu de 1930 a 1960 (representadas pela linha vermelha) e de 1961 a 1990 (representadas pela linha azul). O Acre possui linha vermelha sobreposta à azul. Os meses representados vão de janeiro a dezembro e correspondem a um ano. Os gráficos anteriores representam as temperaturas médias de três cidades brasileiras. É importante notar que as condições variam ao longo do ano e são bastante diferentes entre as regiões. Rio Branco tem uma temperatura média anual, no inverno, de 23 oC, enquanto neste mesmo período as cidades de Belo Horizonte e de Curitiba apresentam médias de 18 oC e 12 oC, respectivamente. O que diferencia condição de recurso é o fato de que, normalmente, as condições não são consumidas ou esgotadas por atividades dos orga- nismos. Já os recursos são tudo aquilo que pode ser consumido, ou seja, estão disponíveis até que os organismos os utilizem para sua manutenção, crescimento e reprodução (quadro 2.1). A palavra consumo não se refere somente à obtenção de alimento (nutrientes). Um recurso pode ser, por exemplo, um local disponível para nidificação, um espaço, um abrigo ou um parceiro sexual. Quadro 2.1 – Condições e recursos Condição Recurso Temperatura Radiação solar Umidade relativa do ar Nutrientes minerais Umidade relativa do solo Água pH do solo CO2 pH da água Abrigo Pressão atmosférica Espaço (territórios), parceiros sexuais. Salinidade Alimento Fonte: elaborado pela autora. Tanto as condições quanto os recursos influenciam no desempe- nho biológico dos organismos. Isso significa que todas as espécies têm – 35 – Condições e recursos requerimentos básicos para desempenharem suas atividades. Em condi- ções ótimas e recursos abundantes, as espécies tendem a se reproduzir de modo a deixar o maior número de descendentes e a elevarem a densidade populacional (Figura 2). Essas condições variam de espécie para espécie e a quantidade de recursos disponíveis varia de acordo com o meio. As extremidades do gráfico representam condições pouco favoráveis para o desenvolvimento do organismo, sendo letal em muitos casos. Isso signi- fica, por exemplo, que há um decréscimo na reprodução, no crescimento e na sobrevivência. Esse declínio ocorre quando as condições passam de ótimas para extremas. Figura 2.2 – Efeito das condições ambientais sobre a sobrevivência (S), o crescimento (G) e a reprodução (R) do indivíduo R G S R G S Intensidade da condição Pe rfo rm an ce d as es pé ci es Reprodução (R) Crescimento (G) Sobrevivência (S) Fonte: retirada e modificada de Begon et al. (2006, p. 30). Legenda: As extremidades do gráfico representam condições extremas para o indivíduo, tornando-se letal quando se aproximam do eixo x ou se afastam muito dele. Note que a área representada por S demonstra a capacidade do indivíduo sobreviver às condições um pouco menos severas. O ponto mais alto da curva representa as condições ideais. Neste ponto, a sobrevivência, o crescimento e a reprodução atingem seu máximo. Ecologia Geral – 36 – 2.2 Distribuição de organismos influenciada por condições do meio As condições podem influenciar fortemente a distribuição dos orga- nismos no ambiente. Quando são favoráveis, os organismos podem se reproduzir e ocupar áreas cada vez maiores, formando densas populações. Entretanto, se forem adversas ou muito severas, poucos ou nenhum orga- nismo sobreviverá, pois apenas os adaptados e resistentes persistirão no meio. O conceito de condição severa ou adversa varia de espécie para espécie. As temperaturas no deserto podem ser consideradas extremas para muitas ervas, musgos e liquens que vivem nas regiões mais frias do planeta. Já as plantas xerófitas, que armazenam água em seus órgãos, estão bem adaptadas às temperaturas muito elevadas e ao clima quente e seco. Aprendemos, aqui, uma grande lição: uma condição extrema para um organismo pode ser ótima para outro. 2.2.1 A temperatura A temperatura é uma das condições mais importantes da natureza paraa vida no planeta. Ela atua sobre todas as espécies, em seus diferentes estágios de vida, limitando sua distribuição e atuando diretamente ou indi- retamente nas condições de crescimento e reprodução e na forma como interagem e se relacionam com outras espécies (BEGON et al., 2007; RICKLEFS; RELYEA 2014). A superfície da Terra sofre variações de temperatura devido à latitude, à altitude, às diferentes épocas do ano, às variações diárias etc. (figura 2.3). A temperatura aumenta com a diminuição da latitude e diminui com o aumento da altitude. Todas essas variações de temperatura na superfície da Terra influenciam na distribuição de animais e plantas, interferindo na riqueza e abundância destas espécies. Por exemplo: algumas espécies de plantas só sobrevivem a temperaturas acima de 20 oC, ao passo que outras conseguem suportar temperaturas muito baixas. Seria correto dizer que essas plantas conseguem sobreviver a condições extremas? Pode parecer fácil definir uma condição extrema, pois logo pensamos em lugares muito – 37 – Condições e recursos quentes, como o deserto ao meio-dia; ou muito frios, com temperaturas bem abaixo de zero, como nos polos. Mas o que dizer das espécies que estão adaptadas a estes ambientes? Será que poderíamos considerar que a temperatura é realmente extrema para elas? O que é extremo para um organismo pode não ser para o outro. Tudo depende do referencial. Figura 2.3 – Variação da temperatura na superfície da Terra (Fevereiro de 2017) -25 10 45 ºC Fonte: climatehotmap.org. 2.2.2 O pH do solo e da água O pH, também conhecido como potencial Hidrogeniônico, é medido pela concentração de íons H+. Ele determina o grau de acidez em uma solução (figura 2.4). Utilizamos uma escala logarítmica, que indica se uma determinada solução é ácida, neutra ou alcalina. Ecologia Geral – 38 – Figura 2.4 – Escala de pH 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Soluções Ácidas Soluções Básicas Soluções Neutras Acidez Crescente Basicidade Crescente Escala de pH Fonte: mcientifica.com.br. O pH é uma condição que exerce forte influência na distribuição e abundância dos organismos na natureza. Ele influencia diretamente na fisiologia de diversas espécies e indiretamente contribui para a precipita- ção de elementos químicos tóxicos, como metais pesados, podendo exer- cer efeitos sobre as solubilidades de nutrientes (RODRIGUES, 2011). A espécie de crustáceo bentônico Moraria brevipes tem sua distribui- ção influenciada negativamente pelo pH. Isso significa que quando o pH aumenta, esta espécie tende a desaparecer (RUNDLE, 1990). O pH do solo é um dos principais fatores que afetam a disponibili- dade de nutrientes e a distribuição das espécies vegetais. Normalmente, os solos básicos possuem flora e fauna associadas muito mais ricas do que as encontradas em solos ácidos. Alguns minerais como o Ferro, o Fosfato e o Magnésio, se tornam insolúveis, prejudicando o desenvolvimento das plantas. A maioria dos solos de região úmida possui um pH entre 5,0 e 6,5, sendo fracamente ácidos. Já os solos de regiões pantanosas, geralmente são muito ácidos, tendo o pH abaixo de 4,0, e os de regiões secas são alca- linos, com pH entre 8,0 e 9,0 (LARCHER, 2006). O pH da água também afeta o desenvolvimento de plantas aquáticas. Em condições muito ácidas (pH abaixo de 3) ou muito básicas (pH acima de 9), essas plantas têm suas raízes danificadas. Além disso, alterações no pH interferem na disponibilidade e absorção de nutrientes. – 39 – Condições e recursos Você sabia? O sangue humano tem pH variando entre 7,3 a 7,4. Já o suco gástrico, importante para a digestão dos alimentos, tem o pH entre 1,2 e 3,0. 2.2.3 Umidade do ar A umidade do ar é uma condição importante na vida dos organis- mos terrestres e está muito relacionada às variações de temperatura. Na verdade, dificilmente conseguiremos perceber os efeitos de uma e de outra, separadamente. Estas variáveis estão correlacionadas positi- vamente. Isso significa que quanto maior for a temperatura, maior será a taxa de evaporação e maior será a umidade do ar. De acordo com Begon e colaboradores (2007), a umidade relativa do ar tem grande importância na determinação de taxas de perda de água na vida de organismos terrestres. Há outros fatores que exercem influência na variação de umidade. Em regiões montanhosas, por exemplo, o ar esfria à medida que sobe, diminuindo a temperatura. Quando a massa de ar atravessa a montanha, se torna mais quente e absorve mais umidade, causando dessecação e uma chuva bastante característica, chamada de chuva orográfica. Você sabia? O pico do Everest, com 8.848 metros, tem um ar muito frio e a tempera- tura pode chegar a 30 graus Celsius negativos. A presença de vegetação e grandes formações florestais também influenciam na umidade do ar. Vale lembrar que as árvores, por meio de suas raízes, absorvem água do solo e, por um processo de transpiração, eliminam vapor d’água, aumentando a umidade local. Ecologia Geral – 40 – 2.2.4 Pressão atmosférica A pressão atmosférica é uma condição que está muito relacionada à altitude. Estas variáveis mantêm uma relação negativa direta. Isso signi- fica que quanto maior for a altitude, menor será a pressão atmosférica. É por este motivo que essa condição impõe limitações a muitos organismos. Ao nível do mar, não sentimos seus efeitos, uma vez que nosso corpo possui pressão interna muito semelhante à da atmosfera. Entretanto, nosso corpo sofre grandes alterações à medida que a pressão diminui. O ar se torna rarefeito, dificultando a obtenção de oxigênio e causando acidifica- ção no sangue. A circulação sanguínea aumenta, sobrecarregando o cora- ção e provocando inchaço no cérebro. Reações semelhantes são esperadas para animais que não estão sujeitos à elevação de pressão atmosférica, sendo necessária a aclimatação para adaptação de seu organismo. 2.2.5 Salinidade A salinidade é uma condição que limita a distribuição dos organis- mos. O excesso de sais no solo e na água pode prejudicar a absorção de água pelas plantas. Podemos definir a salinização como um processo que conduz ao aumento de sais solúveis (íons Na+, Ca+ Mg+, K+) no solo, pro- vocando mudanças das características do meio e causando prejuízos aos organismos. Há, entretanto, alguns organismos adaptados a esta condição. As halófitas, definidas como plantas superiores, com capacidade de sobre- vivência ao excesso de sal, por exemplo, acumulam eletrólitos em seus vacúolos para auxiliar na manutenção de baixas concentrações de sal em suas organelas e citoplasma, evitando, assim, sua morte (ROBINSON et al., 1983). Regiões áridas estão mais sujeitas ao processo de salinização. Entretanto, o uso inapropriado do solo ou a sua má adaptação à agri- cultura tem provocado este efeito em outras regiões. Além disso, o uso intensivo de fertilizantes e o uso de calagem contribuem ainda mais para acelerar este processo. Nos ecossistemas aquáticos, a salinidade influencia na distribuição e abundância dos organismos, principalmente em estuários e manguezais, onde existe um gradiente bem definido entre os habitats de água doce – 41 – Condições e recursos e salgada. Muitos animais que vivem em locais salinos desenvolveram mecanismos muito semelhantes aos utilizados pelas plantas, mantendo suas organelas e citoplasmas livres do sal (figura 2.5). Para estes animais a regulação da concentração fluida do corpo é vital e, em muitos casos, envolve gasto de energia (BEGON et al., 2007). Figura 2.5 – Osmorregulação de peixe ósseo de água salgada Fonte: retirada de resumoescolar.com.br. 2.3 Distribuição de organismos influenciada por recursos 2.3.1 Radiação solar (luminosidade) A radiação solar ou luminosidade é um recurso fundamental aos organismos e uma das barreiras naturais na distribuição das populações. Praticamente todos os seres vivos necessitam de luz para sobreviver. São exceção algumas espécies que vivem em cavernas e as que vivem em grandesprofundidades, no meio aquático, – as espécies abissais. Ecologia Geral – 42 – A luminosidade determina o comportamento e a distribuição dos seres vivos e também as suas características morfológicas. As plantas podem responder a estímulos, mudando de direcionamento ao perceber uma fonte de luz. Estes estímulos podem ser em direção à luz (fototaxia positiva), como fazem os girassóis; em direção contrária a ela (fototaxia negativa) ou perpendicular à direção desta fonte de luz (fototaxia trans- versal) (figura 2.6). Figura 2.6 – Fototaxia positiva: girassóis Fonte: Pixabay.com/congerdesign/CC BY 1.0. Os caules podem apresentar crescimento direcionado a uma fonte de luz (fototropismo positivo), já as raízes, que crescem em direção ao solo, evitam a luminosidade (fototropismo negativo). A luminosidade pode interferir no comportamento dos organismos. Os animais e as plantas apresentam fotoperiodismo, isto é, capacidade de reagir à duração da luminosidade diária a que estão submetidos, sendo este fato denominado fotoperíodo (LARCHER 2006). A floração das plantas está de acordo com a duração do período de luz. Este é um dos motivos pelos quais algumas plantas florescem apenas em deter- minadas épocas do ano. O mesmo efeito da duração dos dias pode ser observado em alguns animais. Um exemplo disso são as aves migra- tórias, que utilizam este mecanismo para determinar o início de suas jornadas (figura 2.7). – 43 – Condições e recursos Figura 2.7 – Fotoperiodismo: migração de aves Fonte: Pixabay.com/UschiL/CC BY 1.0. A luz é uma manifestação de energia que tem como fonte principal o sol. É indispensável ao desenvolvimento das plantas e para a realização do processo de fotossíntese. A fotossíntese (síntese de energia usando luz) é um processo que ocorre em nível celular, por meio do qual os seres autótrofos produzem seu próprio alimento utilizando-se de elementos inorgânicos (figura 2.8). Este processo requer outros recursos, como a água e gás carbônico (CO2). A energia vinda do sol é captada pela clorofila, que, após a fotossíntese (transformação da energia luminosa em glicose), é armazenada nas molé- culas de glicídios, como reserva de nutrientes e também como fonte de alimento para outros seres vivos (figura 2.9). As plantas podem transportar a glicose para suas diferentes partes, por meio dos vasos condutores de seiva. Uma parte desta glicose é consumida pela planta, que irá investir essa energia em crescimento, sobrevivência e reprodução. Figura 2.8 – Equação geral da fotossíntese Fonte: modificada de biologiairleneonline2. Ecologia Geral – 44 – De modo geral, podemos representar o processo de fotossíntese da seguinte maneira: Figura 2.9 – Representação do processo de fotossíntese Fonte: Shutterstock.com/Sergey Merkulov. Você sabia? A clorofila, um pigmento de cor verde, tem a capacidade de absorver a energia solar. As clorofilas são encontradas nos cloroplastos, que são plastídios localizados nas células especializadas das folhas. Os cloro- plastos têm forma discoide e são limitados por uma dupla membrana (externa e interna). A membrana interna atua como uma barreira, con- trolando o fluxo de moléculas orgânicas e íons, dentro e fora do cloro- plasto, mas, moléculas pequenas como CO₂, O₂ e H₂O passam livre- mente por elas (DAZOJ, 2005). – 45 – Condições e recursos 2.3.2 Outros recursos essenciais às plantas (minerais) As plantas utilizam muitos recursos durante seu ciclo de vida. Esses recursos são obtidos de maneira independente uns dos outros e muitas vezes são captados por vias muito diferentes. O nitrogênio, por exemplo, é absorvido pelas raízes das plantas sob a forma de nitrato ou de íons de amônio. Do contrário, mesmo estando presente no solo, o nitrogênio se torna indisponível para as plantas. Já o dióxido de carbono (CO2) é retirado pelas plantas terrestres quase que exclusivamente da atmosfera, e é absorvido pelos estômatos e assimilado durante o processo de fotossín- tese. Os estômatos são organelas responsáveis pelas trocas gasosas entre a planta e o meio (LARCHER, 2006). Alguns recursos são essenciais, ou seja, não podem ser substituídos. Os nutrientes essenciais são classificados em macronutrientes (N, P, K Mg, Ca, S), ou micronutrientes (Mn, Zn, Fe, Cu, B, Mo) (figura 2.10). Figura 2.10 – Micronutrientes e suas funções desempenhadas nas plantas Cu - Produção de sementes e estruturas celulares Mn - Produção de cloroplasto Mo - Produção de aminoácidos Cl - Processo de fotossíntese Ni - Metaboliza Nitrogênio Zn - Síntese de enzimas Fe - Auxilia enzimas B - Transporte de glicose e divisão celular Zn Ni Cl Mo Mn CuB Fe Fonte: Shutterstock.com/ showcake. A ausência de apenas um nutriente essencial inviabiliza o cresci- mento de uma planta. Acabamos de descrever a Lei do Mínimo, proposta por Liebig. Em 1840, Justus Von Liebig, estudando o crescimento de plan- tas, enunciou a Lei do Mínimo (figura 2.11). Segundo ele, o crescimento de uma planta depende de um ou mais nutrientes que estão presentes em quantidades mínimas (ODUM, 1983). Ecologia Geral – 46 – Veja o seguinte exemplo: a substância Boro é indispensável, porém é sempre rara no solo. Quando é esgotado pelas plantas cultivadas, o cresci- mento para, mesmo que sejam oferecidos com abundância outros elemen- tos indispensáveis. Figura 2.11 – Representação esquemática da Lei do Mínimo Lei do Mínimo (Lei de Liebig) Sob condições de estado constante, o nutriente presente em menor quantidade (concentração próxima à mínima necessária) tende a ter efeito limitante sobre a planta. Fonte: phytusclub.com. – 47 – Condições e recursos Você sabia? Existem plantas de sol e plantas de sombra. As plantas de sol nor- malmente possuem folhas menores e mais espessas. Alguns estudos demonstram que estas plantas apresentam maior capacidade fotossin- tética, pois possuem mais clorofila e nitrogênio por unidade de área. 2.3.3 Dióxido de carbono (CO2) O dióxido de carbono (CO2) é um recurso que mantém uma relação direta com o processo de fotossíntese. Isso significa que sem este gás as plantas não conseguem sintetizar a glicose. Todos os vegetais retiram o CO2 quase que exclusivamente da atmosfera, fazendo sua captação durante o dia e liberando-o durante a noite. Em ambientes aquáticos, o processo de fotossíntese é realizado pelas algas e pelo fitoplâncton. Quando há excesso de dióxido de carbono, este tende a reagir com a água e formar o ácido carbônico, um ácido fraco, mas que pode diminuir o pH do meio. No Brasil, são encontrados corpos d’água com pH baixo na Amazônia central, no litoral (regiões próximas às restingas) e turfeiras. São características comuns dessas regiões a água escura ou cor de chá. Já os açudes do Nordeste, em especial durante o período de estiagem, possuem pH acima de 8,0 (ESTEVES, 1998). Você sabia? O aumento da concentração de CO2 tem sido uma das causas do aqueci- mento global. Há muitos estudos sobre este tema sendo desenvolvidos e vários outros que já foram realizados. Um deles é o de Delworth e colaboradores (2002), que demonstrou que a temperatura do planeta está em crescente elevação, podendo ultrapassar 4 0C no ano de 2075. Eles utilizaram um modelo matemático preditivo e o alimentaram com dados do aumento dos gases de efeito estufa observados nos anos de 1850 a 1990 e um experimento considerando o aumento de 1% ao ano a partir dos anos de 1990 (Figura 2.12). Ecologia Geral – 48 – Figura 2.12 – Modelo de Delworth et al., (2002), demonstrando a elevação de temperatura na Terra Fonte: retirada de Begon et al. (2006). Legenda: Eixo x = anos. Eixo y = Temperatura média global da superfície da Terra em graus Celsius, par- tindo de 1865. Linha tracejada em preto = representa os anos de observação do aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. 2.3.4 Água (H2O) Não é à toa que ouvimos dizer que a água é o componente essencial à vida. O que justifica tal afirmaçãoé que as reações metabólicas e os pro- cessos fisiológicos somente ocorrem em meio aquoso. A maioria dos orga- nismos necessita se hidratar para pôr em ação estes recursos, apesar disso, há grande variação da disponibilidade de água no ambiente terrestre. Em ambientes com severas restrições hídricas, os animais e as plan- tas desenvolveram estratégias que permitiram sua sobrevivência nestes locais. Em zonas áridas, alguns animais convertem alimentos em água – 49 – Condições e recursos metabólica. Isso é o que acontece com alguns roedores do deserto, das famílias Heteromyidae e Dipodidae, especialmente o rato-canguru e o rato-de-bolso, que podem extrair água das sementes e viverem longos períodos sem beber, efetivamente, água (figura 2.13). Eles passam os dias quentes escondidos em suas tocas e saem somente durante a noite, para evitar perdas por transpiração. Figura 2.13 – Rato do deserto e uma planta suculenta Fonte: Pixabay.com/cocoparisienne/CC BY 1.0. Fonte: Pixabay.com/CC BY 1.0. As espécies vegetais também desenvolveram mecanismos de sobre- vivência. As plantas anuais, cujo ciclo de vida tem a duração de um ano, se reproduzem em determinados períodos em que a escassez de água diminui e morrem em seguida. Elas crescem somente onde há umidade, evitando locais muito secos ou pouco propícios à germinação de suas sementes. Algumas plantas armazenam água em suas folhas e caules, sendo por este motivo conhecidas como “suculentas” (figura 2.13). Outras, como o arbusto do deserto, possuem várias ramificações, folhas espessas modi- ficadas e se reproduzem também por rebrota do tronco basal (ODUM; BARRET, 2011, p. 448). 2.4 Tolerância e fator limitante São vários os fatores, no ambiente, que afetam as espécies. Um fator pode ser considerado limitante quando restringe a capacidade das espécies de sobreviver, crescer e se reproduzir. Alguns fatores podem ser limitantes Ecologia Geral – 50 – para uma espécie e não para outras. Portanto, podemos definir fator limi- tante como aquilo que está disponível em menor quantidade e afeta direta ou indiretamente o desenvolvimento das espécies. Sabemos que as condições nem sempre serão ótimas e os recursos nem sempre serão abundantes, então as espécies tendem a se ajustar ao meio, sendo tolerantes ou não às novas condições. Os limites de tolerância são definidos pela capacidade de cada espécie sobreviver (figura 2.14). Figura 2.14 – Representação gráfica da Lei de Tolerância intolerância intolerância De se m pe nh o bi ol óg ico Amplitude de Tolerância estresse estressefaixa ótima Fatorlimite mínimo limite máximo Fonte: Brandimarte; Santos (2014). De acordo com a Lei de Tolerância, de Shelford, a existência das espécies depende de suas amplitudes de tolerância, isto é, dos limites mínimos e máximos aos fatores ecológicos. Essa lei se baseia nos seguin- tes princípios: 1 – Os organismos podem ter uma grande amplitude de tolerância para um fator e uma estreita amplitude para outra; 2 – Organismos com grandes amplitudes de tolerância a fatores limitantes, provavelmente terão distribuição mais ampla; 3 – Quando as condições não são ótimas para uma espécie em relação a um fator ecológico, os limites de tolerância podem ser reduzidos a outros fatores ecológicos; – 51 – Condições e recursos 4 – É comum os organismos não viverem em uma amplitude ótima de um fator físico particular; 5 – A reprodução é um período crítico, quando fatores ambiente parecem ser mais limitantes. 2.5 Nicho Ecológico A expressão “nicho ecológico” muitas vezes é confundida com habi- tat. Algumas definições erroneamente definem “nicho” como sendo o lugar onde vive o organismo. Espaço físico é o habitat. Nicho ecológico não é um espaço físico, e sim todas as condições físicas, químicas e bioló- gicas necessárias ao desenvolvimento de um ser vivo. Uma explicação bastante esclarecedora sobre o assunto foi dada por Chase e Leibold (2003), que definem nicho ecológico como sendo o con- junto de requerimentos de uma espécie para viver em dado ambiente e seus efeitos sobre este ambiente. Isto significa que o nicho ecológico com- preende todos os fatores limitantes que influenciam o desenvolvimento de uma espécie. Segundo Hutchinson (1957), o conceito de “nicho” é a reunião das dimensões em um espaço n-dimensional, definido por todos os fatores limitantes que interferem na ocorrência de dada espécie em dado lugar. Dessa forma, tornou-se possível definir os limites da atividade de cada espécie de uma comunidade ao longo de cada uma das dimensões de seu ambiente, ou seja, os fatores físicos, químicos e biológicos (BEGON et al., 2007; TOWSEND et al., 2006). Pela definição de Hutchinson, a temperatura, que limita o crescimento e a reprodução de todos os organismos, por exemplo, seria uma dimensão de um nicho ecológico. Mas somente a temperatura não determina a dis- tribuição e a abundância deste organismo, e sim várias outras condições, como umidade, luminosidade, pH, velocidade dos ventos etc., além dos recursos necessários. Logo, podemos dizer que o nicho ecológico de uma espécie é multidimensional. Veja, a seguir, um exemplo de nicho com três fatores (figura 2.15): Ecologia Geral – 52 – Figura 2.15 – Nicho Ecológico proposto por Hutchinson Espaço Ecológico Temperatura U m id ad e Pre da do r Fonte: modificada de Begon et. al. (2007). Síntese É certo que todas as condições e recursos influenciarão os organismos em maior ou menor grau. O que diferencia uma condição de um recurso é o fato de que normalmente a primeira não é consumida ou esgotada por atividades dos organismos. Já um recurso é tudo aquilo que pode ser consumido. Ao longo do texto, descrevemos as seguintes condições: tem- peratura, umidade, pH do solo e da água, pressão atmosférica e salinidade. Também descrevemos os seguintes recursos: radiação solar (luminosi- dade), nutrientes minerais, dióxido de carbono e água. Entendemos que estes são os principais fatores que afetam a distribuição e a abundância dos seres vivos ao redor do planeta. Atividades 1. Pensando no mundo como o conhecemos hoje, nos biomas e na distribuição de espécies, responda: Como seria o nosso mundo se a temperatura global sofresse um aumento médio de apenas 2 °C? O que aconteceria na região onde você mora? Pesquise e reflita sobre isso. – 53 – Condições e recursos Para responder à questão 1, você deve ler os seguintes arquivos: 2 FONSECA, R. S. O que acontece com as espécies quando o clima muda? Folha biológica. n. 4, ed. especial, 2013, p. 2-3. Disponível em: <https://folhabiologica.bio.br/arquivos/474>. Acesso em ago. 2017. 2 RODRIGUES, M. Variações climáticas e o futuro de espécies animais e vegetais. 2015. Disponível em: <http://climacom. mudancasclimaticas.net.br/?p=2174>. Acesso em: ago. 2017. 2. O CO2 é o único recurso que tem aumentado na atmosfera. Estudos demonstraram que o enriquecimento desse elemento pode alte- rar a qualidade nutricional das plantas, pois reduz a concentra- ção de nitrogênio e de outros nutrientes em seus tecidos (CONN; COCHRAN, 2006). Com base nessa informação, responda: Como isso afetaria a produção de alimentos no mundo? 3. O que deveríamos fazer para suprir nossas necessidades nutri- cionais, sabendo que a emissão de CO2 tende sempre a aumen- tar? A resposta seria aumentar a quantidade de alimentos ingeridos, certo? Mas será que isso é possível, considerando o crescimento populacional e os espaços limitados de que dispo- mos para o plantio? Para responder às questões 2 e 3, você deve ler os seguintes arquivos: 2 BORDIGNON, L. Efeitos do aumento da concentração de CO2 atmosférico e da elevação da temperatura em plantas e suas interações biológicas. Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. Disponível em: <http://pos.icb.ufmg.br/pgecologia/teses/T136%20-%20Lean- dra_Bordignon.pdf>. Acesso em: 08/12/2017. 2 FAGUNDES et al. Aquecimento global: efeitos no crescimento,no desenvolvimento e na produtividade de batata. Ciência Rural, v. 40, n. 6, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo. br/pdf/cr/v40n6/a609cr2829.pdf>. Acesso em: 7 maio 2018. Ecologia Geral – 54 – 2 BUCKERIDGE, M. S. et al. Comparação entre os sistemas fotossintéticos C3 e C4. [s.d.]. Disponível em: <http://felix. ib.usp.br/pessoal/marcos/minhaweb3/PDFs/Pratica%20fotos- sintese.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2017. 4. Reflita e responda: o que determina a distribuição e a abundân- cia de uma espécie? 3 Introdução à ecologia de populações Neste capítulo, daremos início ao estudo das populações e de sua dinâmica. Inicialmente abordaremos as característi- cas populacionais das espécies, como idade, estágios de cresci- mento, tamanho e comportamento. Esses parâmetros são essen- ciais para compreendermos a utilidade e a funcionalidade de uma tabela de vida, bem como sua importância para o correto manejo das populações. Objetivos de aprendizagem: 2 compreender o estudo das populações; 2 compreender a metodologia de coleta e a estrutura populacional das espécies; 2 compreender a história de vida dos indivíduos e suas aplicações ecológicas; 2 aprender a interpretar uma tabela de vida simples; 2 reconhecer a importância de uma tabela de vida no estudo da ecologia de populações; 2 compreender os termos sobrevivência, fecundidade e taxa intrínseca de crescimento. Ecologia Geral – 56 – 3.1 De que trata a ecologia de populações? Para compreendermos de que trata a ecologia de populações, pre- cisamos responder a uma questão mais básica: o que é uma população? Segundo Gotelli (2009), populações são grupos de seres vivos, todos da mesma espécie, que vivem juntos e se reproduzem. A ecologia de populações procura compreender os padrões e as varia- ções temporais no crescimento de uma espécie, na chamada dinâmica popu- lacional. Mas como uma população cresce? Uma população cresce quando há aumento no número de indivíduos e esse aumento supera a perda. Os estudos se baseiam no número populacional (densidade), na distribuição dos indivíduos por idade (tamanho ou estágio do ciclo de vida), na propor- ção de machos e de fêmeas (razão sexual) e na distribuição espacial. Para compreender as populações, empregamos cálculos e modelos matemáticos muito úteis para fazer previsões e estabelecer padrões de distribuição e de abundância das espécies na natureza (BEGON; TOWN- SEND; HARPER, 2007). Esses modelos são alimentados com dados coletados e com medições realizadas na área de ocorrência das espécies; sem a matemática e a estatística não seria possível sintetizar e interpre- tar esses dados biológicos (GOTELLI, 2009); além disso, os melhores modelos matemáticos devem ser simples e utilizar poucas variáveis. Ape- sar de serem muito úteis, são representações malfeitas, pois a natureza é muito mais complexa e completa e não segue as regras impostas pelos modelos matemáticos. 3.2 Estudos populacionais Ao estudarmos as populações, podemos nos deparar com uma série de problemas de amostragem. Como a ecologia de populações se preocupa com a contagem de indivíduos, estimativas de taxas de mortalidade, nata- lidade e sobrevivência, muitas vezes há uma enorme dificuldade para coletar esses dados. Um dos frequentes problemas é o limite de uma população. Onde começa e onde termina uma população? Para algumas espécies, o limite é facilmente identificado. Por exemplo, a população de algas de um – 57 – Introdução à ecologia de populações pequeno açude, a população de margaridas de um pequeno jardim e assim por diante. Entretanto, estudar uma espécie de insetos na Floresta Amazô- nica pode ser um tanto complicado. Para resolver esse problema, ecólogos populacionais trabalham com amostragens, estabelecendo limites para a população. Assim é possível estudar, por exemplo, os insetos que vivem em apenas uma árvore da Flo- resta Amazônica, em determinado grupo de árvores ou em uma área pré- -determinada. Nesses casos, é recomendável considerar a densidade popu- lacional, ou seja, o número de indivíduos por unidade de área (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2006). Isso faz que a amostragem seja expressa pelo número de insetos e pelo limite definido, por exemplo: número de insetos por árvore, número de insetos por metro quadrado de floresta ou ainda número de insetos por folha). Outros parâmetros difíceis de quantificar são a natalidade e a morta- lidade. A formação do zigoto pode ser considerada o início da vida, mas esse estágio é muito difícil de ser estudado. Quantos embriões morrem antes mesmo de “nascer”? É quase impossível considerarmos o início da vida a partir da formação do zigoto, já que a natalidade quase sempre é amostrada a partir de um estágio superior. Por exemplo, para quantificar os nascimentos em plantas, amostramos o número de sementes germinadas como o estágio inicial, as aves quando os ovos eclodem e os mamíferos quando nascem e passam a viver como lactantes (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2006). Outro fator que dificulta quantificar a natalidade é o processo de imigração, com a chegada de novos indivíduos na população. Quantificar a mortalidade é igualmente difícil, pois os vestígios (cor- pos mortos) não permanecem por muito tempo na natureza. As plântulas (estágio posterior à germinação das sementes) podem aparecer em um dia e desaparecer no outro; predadores podem remover presas inteiras sem deixar rastros de sua existência. Além disso, há o processo de emigração, fator de confundimento entre a mortalidade e a saída de indivíduos para outras áreas (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2007). O estudo dos parâmetros populacionais nem sempre é fácil, pois exige dedicação e tempo. A obtenção dos dados envolve o acompanhamento dos indivíduos desde o nascimento até a morte, pois geram informações sobre a história de vida dos organismos. Ecologia Geral – 58 – 3.2.1 Métodos aplicados ao estudo de populações Um dos métodos para estimar o tamanho populacional é o cálculo da densidade absoluta. Esse parâmetro é expresso pelo número de indivíduos por unidade de área: Onde: D = Densidade N = Número de indivíduos A = Área/Volume Nos ambientes terrestres, por exemplo, a área pode ser expressa em quilômetros quadrados (km²), metros quadrados (m²), centímetros quadra- dos (cm²); já nos ambientes aquáticos, a área é representada pelo volume em metros cúbicos (m³), centímetros cúbicos (cm³), decímetro cúbico (dm³) e assim por diante. Essa metodologia é muito utilizada em censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para estimar o tamanho da população humana em uma região. Realizar um censo é muito trabalhoso, pois corresponde à contagem de todos os indivíduos de determinada população ou área. Por questões de limitações de tempo, dinheiro e até mesmo ausência de um ajudante de campo, podemos dedicar nossos estudos a apenas uma parte da popula- ção. Nesse caso, para facilitar a coleta de dados, é possível obter amostra- gens. Normalmente dividimos uma área em parcelas (porções menores), traçamos transectos ou utilizamos a metodologia de captura e recaptura. As parcelas são partes menores e geralmente padronizadas de uma área amostral (figura 3.1). Ao utilizar essa metodologia, é importante ter coerência ao determinar como a área será subdividida. Por exemplo, par- celas de 1 m² a 2 m² são suficientes para estudar populações de gramíneas, mas são muito pequenas para estudar espécies arbóreas de uma floresta, para as quais é recomendável analisar parcelas de 10 m² (CULLEN JR.; RUDRAN; VALLADARES-PADUA, 2003); muitos pesquisadores afir- mam que é melhor um número grande de parcelas. – 59 – Introdução à ecologia de populações Há também a possibilidade de sortear parcelas que deverão ter seus indivíduos contados e depois fazer uma estimativa do tamanho popu- lacional. A vantagem de parcelas contíguas é mapear a distribuição espacial dos indivíduos (CULLEN JR.; RUDRAN; VALLADARES- -PADUA, 2003). O método de transectos é umdos mais utilizados para estimar a den- sidade populacional e seus princípios se baseiam em um censo conduzido por um pesquisador ao longo de linhas ou trilhas previamente selecionadas (CULLEN JR.; RUDRAN; VALLADARES-PADUA, 2003). Podemos utilizar esse método para estimar a densidade populacional de vegetação e de animais vertebrados ou invertebrados. Figura 3.1 – Metodologia de parcelas Fonte elaborada pela autora. As subáreas coloridas representam parcelas sorteadas e que deverão ser amostradas; o quadrado que delimita os demais poderia representar, por exemplo, um fragmento florestal. O método de captura e recaptura envolve a amostragem de marcação e uma amostragem de recaptura. O método mais simples foi desenvol- vido por C. G. Johannes Petersen, em 1898, e pode ser utilizado para a Ecologia Geral – 60 – fauna e para a flora. Na primeira amostragem, a captura, o pesquisador faz uma marcação seguida de soltura e depois de um pequeno intervalo de tempo realiza a segunda amostragem (recaptura). Esse método assume que uma população é fechada, ou seja, não pode haver mortes, nascimen- tos ou migrações (CULLEN JR.; RUDRAN; VALLADARES-PADUA, 2003). O tamanho populacional é quantificado da seguinte maneira: Onde: N = tamanho populacional M = número de indivíduos marcados na primeira amostragem C = Número de indivíduos capturados na segunda amostragem R = Numero de indivíduos com marcas na segunda amostragem Figura 3.2 – Marcação de aves com colocação de anilha Fonte: Umeshsrinivasan/ CC BY 3.0. Os pressupostos desse método são: 1. as populações são fechadas, ou seja, não há entrada nem saída de indivíduos; – 61 – Introdução à ecologia de populações 2. os indivíduos têm as mesmas chances de serem capturados e recapturados; 3. as marcações não são perdidas durante o estudo. 3.3 História de vida Todos os organismos passam por estágios ontogenéticos durante a vida (figura 3.3). As plantas adultas, por exemplo, já foram sementes, desenvolveram-se em plântulas, atingiram a fase adulta (fase reprodutiva) e um dia morrerão. Os estágios de desenvolvimento podem ser influencia- dos por variados fatores, fazendo que indivíduos de uma mesma espécie apresentem diferenças nas taxas de reprodução, dispersão (emigração e imigração) e mortalidade (BEGON; TOWNSEND; HARPER, 2006). Figura 3.3 – Esquema simplificado do ciclo de vida dos organismos Fonte elaborada pela autora. Nascimento Juvenil: pré-reprodutivo Adulto: reprodutivo Morte O ciclo de vida das espécies pode ser muito variável e para estudá- -lo necessitamos compreender as sequências de eventos que o compõem. Isso significa obter informações sobre nascimentos, estágios de desenvol- vimento, períodos reprodutivos e morte (BEGON; TOWNSEND; HAR- PER, 2007). Vale lembrar que os ciclos de vida de muitas espécies são complexos e em alguns animais envolvem uma fase larval. Para determinar a idade dos indivíduos é preciso ter conhecimento sobre seu nascimento; e quando não é possível acompanhar esses nasci- mentos podemos separar os indivíduos em classes de tamanho. As espé- cies podem apresentar diferentes frequências de distribuição devido ao habitat em que se encontram ou ao longo do tempo. Esse tipo de análise permite avaliar a estrutura de populações, contribuindo para um maior entendimento da ecologia de espécies e gerando subsídios para o manejo. Vejamos a tabela 3.1, com uma amostragem fictícia: Ecologia Geral – 62 – Tabela 3.1 – Altura de arbusto do sub-bosque da Fael Indivíduo Altura (cm) Diâmetro do caule na altura do peito (cm) Arbusto 1 200 5 Arbusto 2 250 5,2 Arbusto 3 100 1,5 Arbusto 4 120 1,1 Arbusto 5 400 7 Arbusto 6 479 7,8 Arbusto 7 50 0,5 Arbusto 8 90 0,8 Arbusto 9 140 1,2 Arbusto 10 236 2,4 Arbusto 11 339 3 Arbusto 12 196 2 Arbusto 13 204 2,3 Arbusto 14 353 6 Arbusto 15 543 8 Arbusto 16 284 2,2 Arbusto 17 370 3,1 Arbusto 18 322 2,9 Arbusto 19 68 0,3 Arbusto 20 210 1,1 Fonte: elaborada pela autora. O primeiro passo é criar as classes de tamanho (altura ou diâmetro) e distribuir os arbustos conforme a categoria. No exemplo fictício foram criadas as seguintes classes (tabela 3.2): – 63 – Introdução à ecologia de populações Tabela 3.2 – Classes de tamanho (altura) de arbusto do sub-bosque da Fael Classes Divisão das classes de tamanho – altura (cm) Número de indivíduos Proporção (%) 1 > 51 1 5 2 51 a 150 5 25 3 151 a 250 6 30 4 251 a 350 3 15 5 351 a 450 3 15 6 > 451 2 10 Fonte: elaborada pela autora. Uma análise não muito minuciosa da Tabela 3.2 permite identificar seis classes de tamanho, entre as quais os indivíduos foram distribuídos e tiveram suas proporções calculadas (última coluna). A representação dessa distribuição pode ser feita por meio de um gráfico de barras ou um histo- grama (figura 3.4). Diferentes espécies apresentam diferentes distribuições e os histogramas variam; seu for- mato depende do número de classes criadas e do número de indivíduos amos- trados. Normal- mente, as popula- ções estruturadas apresentam um gráfico padrão de J-invertido (figura 3.5), indi- cando maior r e c r u t a m e n t o > 51 51 a 150 151 a 250 251 a 350 351 a 450 > 451 7 6 5 4 3 2 0 1 Classes de tamanho (altura) N úm er o de in di ví du os Figura 3.4 – Estrutura populacional da espécie fictícia de arbustos da Fael Fonte: elaborada pela autora. Ecologia Geral – 64 – (nascimento) no início da vida e a sobrevivência diminuindo ao longo do tempo. No exemplo anterior, o número de indivíduo na primeira classe é bastante baixo, o que pode indicar instabilidade populacional e não formar efetivamente esse padrão. Figura 3.5 – Estrutura populacional J-invertido > 51 51 a 150 151 a 250 251 a 350 351 a 450 > 451 7 300 250 200 150 100 0 50 Classes de tamanho (altura) N úm er o de in di ví du os Fonte: elaborada pela autora. Podemos inferir que a população de arbustos fictícia é composta em sua grande maioria por indivíduos jovens ou adultos (soma da proporção das classes 2 e 3 = 55%). O número de arbustos na primeira classe é muito baixo (5%) e pode indicar uma defasagem de recrutamento de novos indi- víduos na população. Embora seja necessário cautela ao interpretar esses dados, devido ao pequeno número da amostra (apenas 20 indivíduos), estratégias de manejo poderiam ser aplicadas nesse caso, considerando o plantio e o monitoramento de mudas em uma intervenção que poderia salvar a espécie de uma possível extinção no futuro. Na tabela 3.1 foram apresentados os dados de diâmetro na altura do peito (DAP). Podemos criar classes de tamanho baseadas no diâ- metro do caule dos indivíduos, já que normalmente é observada uma correlação positiva entre o diâmetro e a altura das plantas. Isso significa que, quando a altura aumenta, o diâmetro também aumenta. Observe o gráfico da figura 3.6: – 65 – Introdução à ecologia de populações Figura 3.6 – Correlação entre o diâmetro e a altura dos arbustos fictícios da Fael 0 2 4 6 8 0 5 10 15 20 25 Altura (m) D iâ m et ro (c m ) Altura (m) Diâmetro do caule na altura do peito (cm) Fonte: elaborada pela autora. Os testes estatísticos de correlação devem ser realizados antes de afir- mar que seria pertinente criar classes de tamanho usando qualquer uma des- sas variáveis. Alguns dos testes mais usados são a correlação de Spearman e correlação de Pearson. Apesar de oferecerem informações diferentes, elas descrevem muito bem a estrutura da população vegetal que mantém essa correlação positiva. É claro que há exceções, por isso é sempre prudente conhecer a história de vida da espécie com a qual se está trabalhando. Os dados apresentados na tabela 3.1 não trazem nenhuma informação sobre a fase reprodutiva dos arbustos. Dessa forma, seria indicado estudar também o ciclo de vida da espécie. 3.3.1 Ciclos reprodutivos das espécies Alguns indivíduos conseguem se reproduzir muitas vezes ao longo de um ano, como insetos, gatos, ratos, aves, etc. Os coelhos, por exemplo,