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MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia SANGRAMENTO GESTACIONAL PROBLEMA “Hoje estou muito empolgada com o primeiro dia no internato da obstetrícia. Essa é a especialização que sempre sonhei e agora vou começar no pronto socorro. Chegando, encontrei o gentil Dr. Luiz Celso que me recebeu muito bem e me explicou toda rotina do serviço. Nossa primeira paciente foi a Lúcia, uma mulher de 30 anos que estava em sua 3ª gestação, mas as duas primeiras foram abortos e estava com IG de 8 semanas. Lucia estava muito ansiosa, pois tinha começado com uma leve cólica quando acordou e no trabalho apresentou um pequeno sangramento parecido com uma borra de café. Ela tinha realizado um teste de gravidez há 3 semanas que tinha dado positivo e há 2 semanas uma USGTV, mas sem batimentos cardíacos ainda. Segundo ela, o ultrassonografista falou que o bebê ainda era muito pequeno e ainda não era possível escutar os batimentos, então ela deveria repetir o exame em 14 dias. Dr. Luiz perguntou se ela tinha alguma doença e ela disse que não possuía nenhuma. Perguntei se ela tinha investigado as causas das duas últimas perdas, mas ela explicou que o médico do posto de saúde comentou que não tinha indicação. Aferi a PA da paciente, que estava 120x80 mmHg; e a FC, que estava 100 bpm. Dr Luiz fez a palpação abdominal, que mostrou um abdome flácido, indolor e sem sinais de irritação peritoneal. No exame especular visualizamos um sangramento em pequena quantidade coletado no fundo vaginal, mas sem lesões visíveis no colo uterino. No toque vaginal, o colo estava fechado. Lucia perguntou várias vezes se ela estava perdendo novamente, mas Dr. Luiz explicou que ainda não era possível afirmar e tentou tranquilizar a paciente. Eu já estava ansiosa e perguntei se ele iria solicitar exames, ele me respondeu que iria solicitar uma USGTV e me orientou quais eram os possíveis diagnósticos. Depois de um tempo, Lucia voltou da ultrassonografia chorando muito e mostrou o laudo do exame para Dr. Luiz. Confesso que quase chorei também, pois Lucia perdeu mais uma gravidez. Dr. Luiz explicou que seria necessário a internação para realização de um procedimento cirúrgico. Lucia parecia não entender nada. Como ela estava muito chorosa e sem acompanhante, ele me pediu para acompanhar a paciente até o centro obstétrico. No caminho, ela me contou que não entende o que acontece com ela e que iria desistir desse sonho de ser mãe” USGTV OBSTÉTRICA DO 1º TRIMESTRE (exame realizado em caráter de urgência e direcionado para suspeita clínica): Útero com contornos regulares e ecotextura homogênea. Colo uterino fechado. Presença de saco gestacional em localização fúndica, com contornos regulares e paredes normoecogênicas. Não há sinais de descolamento. Embrião único com comprimento cabeça-nádega de 10 mm. O embrião não apresenta batimentos cardíacos. Vesícula vitelínica um pouco aumentada. Impressão diagnóstica: biometria estimada em 7 semanas (+ ou - 3 dias) pelo CNN; embrião não apresenta batimentos cardíacos. ABORTAMENTO RETIDO. no primeiro trimestre OBJETIVOS: 1. Compreender as principais causas de sangramento no primeiro trimestre gestacional, enfatizando o abortamento; 2. Entender como é feito o processo diagnóstico das diferentes causas de abortamento; 3. Analisar como realizar o manejo farmacológico, cirúrgico e psicológico do abortamento. MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia ABORTAMENTO NO PRIMEIRO TRIMESTRE - O abortamento compõe uma das principais causas de sangramento gestacional do primeiro trimestre, junto com a gravidez ectópica e a doença trofoblástica gestacional. - No início da gestação, o abortamento é um evento comum. A maioria das perdas precoces se origina de anormalidades genéticas ou de razões ainda não identificadas. Assim, a possibilidade de prevenção é atualmente pequena. As mulheres com aborto mais tardio ou com abortos recorrentes têm mais chance de apresentar uma causa repetitiva que pode ser modificada. Além dessas perdas espontâneas, pode-se optar pela interrupção da gestação. Tanto no caso de abortamento induzido como no de abortamento espontâneo, evoluções no manejo levaram a opções cirúrgicas e medicamentosas, e os profissionais devem compreender essas técnicas e as possíveis complicações. - Abortamento é definido como a interrupção da gravidez, tanto induzida quanto espontânea, antes que o feto seja viável, e aborto é o produto do abortamento (embrião ou feto e anexos). Os termos usados para definir a viabilidade fetal e, assim, um abortamento, variam conforme as organizações de referência; segundo a OMS, abortamento é a expulsão de feto pesando menos de 500 g ou com menos de 20 semanas de gestação. Abortamento espontâneo no primeiro trimestre: - Mais de 80% dos abortamentos espontâneos ocorrem nas primeiras 12 semanas de gestação, sendo que nas perdas gestacionais do primeiro trimestre a morte do embrião ou do feto quase sempre ocorre antes da expulsão espontânea – em geral, a morte é acompanhada de hemorragia dentro da decídua basal, seguido pela necrose dos tecidos adjacentes, que estimula as contrações uterinas e a expulsão. Em contrapartida, nas perdas gestacionais mais tardias, o feto geralmente não morre antes da expulsão e, assim, outras razões para o abortamento devem ser investigadas. - Um abortamento anembrionado não contém elementos embrionários identificáveis. Embora não seja tão preciso, pode-se utilizar o termo ovo cego. Os casos restantes são abortamentos embrionados, que em geral apresentam alguma anormalidade do desenvolvimento do embrião, do feto, da vesícula vitelina ou, às vezes, da placenta. - Alguns fatores influenciam a ocorrência do abortamento: Fatores fetais – entre todos os abortos espontâneos, cerca de metade são abortamentos euploides, isto é, que contêm um complemento cromossômico normal. A outra metade tem anormalidade cromossômica. As anormalidades mais comuns são trissomia, encontrada em 50 a 60%; monossomia do X, em 9 a 13%; e triploidia, em 11 a 12%. Fatores maternos – nas perdas gestacionais cromossomicamente normais, as influências maternas são importantes. As causas dos abortamentos euploides são pouco compreendidas, embora vários distúrbios clínicos, condições ambientais e anormalidades do desenvolvimento tenham sido implicados. o Infecções: alguns vírus, bactérias e parasitas comuns que invadem o ser humano normal podem infectar a unidade fetoplacentária por transmissão pelo sangue. Outros podem causar infecções localizadas depois de colonização ou infecção geniturinária. o Doenças clínicas: riscos importantes estão associados a diabetes melito mal controlado, obesidade, doença da tireoide e lúpus eritematoso sistêmico. o Neoplasia. o Procedimentos cirúrgicos. o Fatores sociais e comportamentais: as escolhas de estilo de vida supostamente associadas ao aumento dos riscos de abortamento espontâneo costumam estar mais relacionadas ao uso crônico e principalmente ao uso em grande quantidade de substâncias legalizadas. A droga mais utilizada é o álcool, que produz efeitos teratogênicos graves. o Fatores ocupacionais e ambientais: foi sugerido que algumas toxinas ambientais tenham uma possível associação com abortos espontâneos, incluindo bisfenol A, ftalatos, bifenilas policloradas e diclorodifeniltricloroetano. Fatores paternos – o aumento da idade paterna está significativamente associado a maior risco de aborto. No Jerusalem Perinatal Study, esse risco foi menor antes dos 25 anos de idade, mas depois aumentava MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia progressivamente a intervalos de 5 anos. A etiologia dessa associação não foi bem estudada, mas pode estar relacionada com anormalidades cromossômicas nos espermatozoides. Abortamento espontâneo: - Classificação clínica do abortamento espontâneo: Ameaça de abortamento: este diagnóstico é considerado quando há secreçãovaginal sanguinolenta ou sangramento pelo orifício cervical fechado durante as primeiras 20 (22) semanas de gestação. - Consiste, fundamentalmente, em hemorragia, que traduz anomalia decidual e/ou descolamento do ovo, e dor, sinal de contração uterina. o Os sangramentos precoces, de longa duração, escuros e do tipo “borra de café” são considerados mais sérios. o As dores precedem, acompanham e geralmente sucedem a hemorragia. São provocadas por metrossístoles fugazes e intermitentes. o Exame físico confirma, exceto nas primeiras semanas, o útero aumentado, cujo volume é proporcional à data da amenorreia. O toque não é esclarecedor, pois não existem modificações cervicais. O exame especular pode afastar causas ginecológicas da hemorragia. - Todas as mulheres no início da gestação com sangramento vaginal e dor devem ser avaliadas. O objetivo primário é o diagnóstico imediato de gestação ectópica e a avaliação seriada dos níveis séricos de B-hCG e a USGTV são ferramentas fundamentais para isso. o Com uma gestação intrauterina bem documentada, os níveis séricos de β-hCG devem aumentar no mínimo em 53 a 66% a cada 48 horas. Embora seja um marcador menos usado, as concentrações séricas de progesterona < 5 ng/mL sugerem perda gestacional. Valores > 20 ng/mL sustentam o diagnóstico de gestação saudável. o São considerados sinais diagnósticos sonográficos de gravidez inviável: comprimento cabeça-nádega (CCN) ≥ 7 mm e ausência de batimento cardiofetal (BCF), diâmetro médio do saco gestacional (SG) ≥ 25 mm e embrião ausente. A ausência de embrião com BCF, 2 semanas ou mais após uma ultrassonografia mostrando SG sem vesícula vitelina (VV) ou 11 dias ou mais após uma imagem sonográfica de SG com VV, constitui também achado diagnóstico de abortamento precoce. o A bradicardia fetal (< 100/min) e o hematoma subcoriônico constituem outros sinais sugestivos de abortamento precoce, mas não devem ser utilizados para estabelecer um diagnóstico definitivo. Esses achados devem ser avaliados novamente em 7 a 10 dias. - No manejo da ameaça de abortamento, observação é regra. A analgesia com paracetamol ajuda a atenuar o desconforto causado pelas cólicas. O hematócrito e a tipagem sanguínea são determinados. Se houver anemia ou hipovolemia significativas, a evacuação da gestação é geralmente indicada. Nos casos em que o feto está vivo, alguns preferem transfusão sanguínea e observação por um período mais longo. o Repouso relativo, não tendo fundamento a obrigatoriedade de acamar-se; o O coito deve ser proibido enquanto perdurar a ameaça; o Tranquilizar a gestante, sem, contudo, exibir demasiado otimismo (metade aborta); consumada a interrupção, mostrar não haver, em geral, tendência a repetição; o Administrar antiespasmódicos e analgésicos nas pacientes com cólicas; o A progesterona vaginal não está recomendada no abortamento esporádico. Abortamento inevitável: o colo está dilatado, mas o produto da concepção não foi eliminado. - Nas amenorreias de curta duração em que o ovo é pequeno, o processo pode ser confundido com menstruação, diferenciando-se dela pela maior quantidade de sangue pela presença de embrião e decídua ao exame do material eliminado. Esse mecanismo é raro após 8 semanas, pois o cório frondoso bem desenvolvido fixa o ovo à decídua. A partir de 8 semanas, o processo de abortamento adquire, progressivamente, as características do trabalho de parto. MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia - O diagnóstico não oferece dificuldades. O episódio é, quase sempre, precedido por período de ameaça de abortamento; excepcionalmente, pode manifestar-se pela primeira vez no estágio de iminente expulsão. As hemorragias tendem a ser mais abundantes que as da fase de ameaça e o sangue apresenta cor viva. - O volume do útero corresponde à data da amenorreia, exceto quando a morte do ovo é antiga. O colo mostra-se permeável, notando-se as membranas herniadas pelo orifício externo na cavidade uterina. - A conduta depende da idade gestacional: o No caso do abortamento precoce (até 12 semanas), seguimos as recomendações do ACOG, que divide as opções em expectante, médica ou cirúrgica: 1. Tratamento expectante – está reservado ao 1o trimestre da gestação. Com o tempo adequado (até 8 semanas) o tratamento expectante é exitoso em conseguir a expulsão completa em aproximadamente 80% das mulheres. As pacientes habitualmente se queixam de sangramento moderado/grave e cólicas. Critério comumente utilizado para atestar a expulsão completa é a ausência de SG e a espessura do endométrio < 30 mm. A intervenção cirúrgica não é necessária em mulheres assintomáticas com o endométrio espessado após o tratamento do abortamento precoce. Assim, o exame sonográfico sob qualquer proposta diagnóstica que não seja documentar a ausência do SG não é recomendado. 2. Tratamento médico – para pacientes que querem encurtar o tempo da expulsão, mas preferem evitar o esvaziamento cirúrgico, o tratamento com o misoprostol, um análogo da prostaglandina E1, está indicado. O tratamento inicial utiliza 800 μg de misoprostol vaginal, podendo ser repetida a dose, se necessário. A paciente deve ser aconselhada de que o sangramento é mais intenso que o menstrual, potencialmente acompanhado de cólicas, e que a cirurgia poderá estar indicada se a expulsão não for completa. Protocolo de uso do misoprostol no abortamento precoce A dose recomendada inicial de misoprostol é de 800 μg vaginal. Uma dose de repetição pode ser administrada, se necessário, não antes de 3 h da primeira, e em geral dentro de 1 semana Medicações para dor devem ser prescritas à paciente Mulheres Rh-negativo não sensibilizadas devem receber a imunoglobulina Rh dentro de 72 h da primeira dose do misoprostol O seguimento para documentar a completa expulsão do ovo deve ser realizado pelo exame de ultrassom dentro de 7 a 14 dias Se o misoprostol falhar, a paciente poderá optar pelo tratamento expectante ou pelo cirúrgico 3. Tratamento cirúrgico – mulheres que se apresentam com hemorragia, instabilidade hemodinâmica ou infecção devem ser tratadas urgentemente pelo esvaziamento uterino. O esvaziamento cirúrgico também tem preferência em outras situações, incluindo a presença de complicações médicas, tais como anemia grave, desordens da coagulação e doença cardiovascular. Até 12 semanas são procedimentos de escolha a dilatação seguida de aspiração a vácuo ou de curetagem. OBS.: A eficácia do esvaziamento uterino cirúrgico no abortamento precoce é de 99%. O tratamento médico de gestações anembrionadas é inferior (81%) àquele após a morte fetal (88%) ou após o abortamento precoce incompleto ou inevitável (93%). A formação de sinéquias intrauterinas clinicamente importantes é rara após o esvaziamento cirúrgico. A hemorragia e a infecção podem ocorrer em todos os tipos de tratamento → Nessas condições, está indicado o antibiótico profilático: doxiciclina, 200 mg por via oral (VO), 1 h antes do procedimento cirúrgico ou, alternativamente, cefalosporina de primeira geração (cefalotina ou cefazolina 2 g por via intravenosa [IV]). OBS.: As medidas recomendadas pelo ACOG (2015) são: (1) abstenção sexual por 1 a 2 semanas após a expulsão completa do ovo no abortamento precoce, a fim de evitar infecção, embora não haja comprovação de sua eficácia; (2) anticoncepção hormonal e dispositivo intrauterino (DIU), mesmo após o tratamento cirúrgico, podem ser utilizados imediatamente após o abortamento precoce, desde que não haja suspeita de abortamento séptico; e (3) mulheres Rh- negativo não sensibilizadas deverão receber a imunoglobulina Rh (300 μg) imediatamente após o tratamento cirúrgico do abortamento precoce e dentro de 72 h do tratamento expectante ou do médico. MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia o No caso de abortamento tardio (após 12 semanas), como o ovo está muito desenvolvido, a cavidade uterina volumosa esuas paredes serem finas e moles, o esvaziamento instrumental torna-se perigoso. A expulsão é acelerada pela administração de ocitocina em grandes doses: perfusão venosa de solução de 10 unidades em 500 mℓ de lactato de Ringer ou misoprostol, por via vaginal, 400 μg a cada 4 h. Eliminado o ovo, e se a expulsão não foi completa, o remanescente é extraído com pinça adequada. Abortamento completo: todo o produto da concepção foi eliminado sem a necessidade de intervenção médica ou cirúrgica. - É frequente até 8 semanas de gestação. Considera-se abortamento completo quando, após a expulsão do ovo, cessam as cólicas e o sangramento reduz-se a perdas muito discretas. Só a evolução do caso confirma o diagnóstico. - À Ultrassonografia, um “útero vazio” é indicação certa de abortamento completo. Ecos intrauterinos centrais e escassos ou moderados podem representar coágulos sanguíneos, decídua, glândulas endometriais e placenta. Abortamento incompleto: alguma parte do produto da concepção foi eliminada, mas não a sua totalidade, podendo estar retidos feto, placenta ou membranas → Durante o abortamento, ocorre sangramento depois do desprendimento parcial ou total da placenta e da dilatação do orifício cervical. Antes de 10 semanas, o feto e a placenta em geral são expelidos juntos, mas, depois disso, eles saem separadamente. Assim, pode haver permanência de tecido totalmente dentro do útero ou com extrusão parcial através do colo. - Está relacionado com a eliminação parcial do ovo, que causa hemorragia persistente e é terreno propício à infecção. É comum após 8 semanas de gestação, quando as vilosidades coriônicas ficam aderidas ao útero. - O sangramento não cessa, é intermitente, pode ser intenso e ocorre porque os restos ovulares impedem a contração uterina adequada. As cólicas persistem. O útero está amolecido e tem volume aumentado, mas o escoamento do líquido amniótico e, comumente, do feto, reduz suas dimensões, que não são as previstas pela idade gestacional. Além disso, o colo está entreaberto. - À Ultrassonografia, há uma massa focal ecogênica que caracteriza o diagnóstico de restos ovulares. - Tecidos que se desprendem simplesmente dentro do canal cervical podem ser extraídos facilmente com pinças em anel. Em contrapartida, em caso de expulsão incompleta, há três opções de manejo: curetagem, manejo expectante ou misoprostol (PgE1). O melhor tratamento para o abortamento incompleto é o esvaziamento cirúrgico, e nesse particular, a aspiração a vácuo. Abortamento retido: gravidez na qual já existe a morte fetal sem a sua expulsão → Descreve os produtos mortos da concepção que foram retidos por dias ou semanas no útero com orifício cervical fechado. O diagnóstico é imperativo antes da intervenção e evita a interrupção de uma gestação intrauterina potencialmente viva. O USGTV é a ferramenta primária. - No abortamento retido, o útero retém o ovo morto por dias ou semanas. Após a morte fetal, pode ou não haver sangramento vaginal. O útero mantém-se estacionário e pode até diminuir. A ultrassonografia não exibe BCF após o embrião ter atingido ≥ 7 mm ou se o SG for ≥ 25 mm e o embrião estiver ausente. DIRETRIZES PARA O DIAGNÓSTICO DE PERDA GESTACIONAL PRECOCE Achados na ultrassonografia CNN ≥ 7 mm e ausência de batimentos cardíacos DMS ≥ 25 mm e ausência de embrião Ultrassonografia inicial mostrando saco gestacional com vesícula vitelina e, após ≥ 11 dias, ausência de visualização de embrião com batimento cardíaco Ultrassonografia adicional mostrando saco gestacional sem vesícula vitelina e, após ≥ 2 semanas, ausência de visualização de embrião com batimento cardíaco Modalidades Ultrassonografia transvaginal preferível à transabdominal Uso de imagem em modo M para documentar e medir os batimentos cardíacos Ultrassonografia com Doppler não usada para avaliar um embrião inicial normal MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia - Nas retenções prolongadas do ovo morto (mais de 4 semanas), os distúrbios da hemocoagulação constituem a complicação mais temida. - Chama-se ovo anembrionado o tipo de abortamento retido no qual a ultrassonografia não identifica o embrião, estando o SG ≥ 25 mm. - O diagnóstico definitivo de abortamento retido deve ser sempre confirmado por duas ultrassonografias espaçadas de 7 a 10 dias. - A despeito da conduta expectante e médica (misoprostol) para o abortamento retido no 1o trimestre, a intervenção cirúrgica ainda representa 90% dos desfechos no Reino Unido. Abortamento séptico/infectado: abortamento (geralmente incompleto) complicado por infecção intrauterina. - Sucede, quase sempre, à interrupção provocada em más condições técnicas, mas esta não é a sua única origem. Espontâneo ou intencional, há sempre antecedentes que a anamnese esclarece: abortamento incompleto, manipulação instrumental cavitária, introdução de sondas, laminárias, soluções diversas. Os microrganismos causadores são os existentes na flora normal do sistema genital e dos intestinos: cocos anaeróbios (peptococos, peptostreptococos), E. coli, bacteroides, Clostridium perfringens. - A classificação clínica mais utilizada é feita em três formas: I, II e III. 1. Endo(mio)metrite – É o tipo mais comum. A infecção é limitada ao conteúdo da cavidade uterina, à decídua e, provavelmente, ao miométrio. o A sintomatologia é semelhante à do abortamento completo ou incompleto. A elevação térmica é pequena (pouco acima de 38°C), e o estado geral é bom; as dores são discretas. Não há sinais de irritação peritoneal, e tanto a palpação do abdome como o toque vaginal são tolerados. o Hemorragia escassa é a regra. 2. Pelveperitonite – Em função da virulência do microrganismo e, sobretudo, do terreno, a infecção progride, agora localizada no miométrio, nos paramétrios e anexos, comprometendo o peritônio pélvico. o Todavia, a hemorragia não é sinal relevante. O sangue escorre mesclado a líquido sanioso, cujo odor é fecaloide, com presença de anaeróbios. Se um abortamento incompleto suceder à infecção, como é usual, eliminam-se fragmentos do ovo. A temperatura está em torno de 39°C, e o estado geral está afetado, com taquicardia, desidratação, paresia intestinal, anemia. As dores são constantes e espontâneas. A defesa abdominal está limitada ao hipogástrio e não se estende ao andar superior do abdome. o O exame pélvico é praticamente impossível, tal a dor despertada. Feito muito delicadamente, nota-se útero amolecido, mobilidade reduzida e paramétrios empastados. O colo costuma estar entreaberto. 3. Peritonite – Trata-se da forma extremamente grave, da infecção generalizada. o As condições da genitália repetem as da forma anterior. Há peritonite, septicemia e choque séptico, decorrentes, em geral, do acometimento por gram-negativos (E. coli), mas também de bacteroides e Clostridium. A infecção por Clostridium piora o prognóstico. o Temperatura elevada, mas, nem sempre, pulso rápido, filiforme, hipotensão arterial, abdome distendido, desidratação acentuada, oligúria e icterícia são sinais gerais. o Em outras pacientes, há endocardite, miocardite e subsequente falência do órgão. Tromboflebite pélvica e embolia pulmonar podem ser encontradas. São comuns abscessos no fundo de saco posterior, entre as alças e o epíploo, retroperitoneais, sub-hepáticos e subdiafragmáticos. - Em relação ao tratamento, são concomitantes ao esvaziamento uterino: o Agente anti-infeccioso de amplo especto: - Prescrever inicialmente: clindamicina, 800 a 900 mg IV de 8/8 h + gentamicina, 240 mg/dia em 100 mℓ de solução de NaCl a 0,9% em infusão venosa por 30 min. Se não resolver em cerca de 24 a 48 h, deve-se associar ampicilina, 1 a 2 g IV de 6/6 h MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia - Após 48 a 72 h afebril: amoxicilina, 500 mg por via oral (VO) de 8/8 h, durante 7 a 10 dias o Ocitócicos: ocitocina, derivados ergóticos; o Sangue, solutos glicosados ousalinos, lactato de Ringer, em função de anemia, desidratação, condições circulatórias, depleção de eletrólitos; o Na peritonite, os abscessos devem ser drenados pelo fundo de saco posterior ou pela via alta, dependendo da localização. O diagnóstico ultrassonográfico dos abscessos resolve controvérsias sobre sua sede e extensão; o Na infecção causada por Clostridium, está indicada, por vezes, a histerectomia total com anexectomia bilateral, sendo inoperante o esvaziamento. Abortamento habitual: dois ou mais abortamentos consecutivos. - Existem vários fatores relacionados à sua etiologia: o Fatores epideomiológicos: o abortamento habitual, definido como duas ou mais interrupções, afeta cerca de 5% dos casais tentando conceber; para três ou mais interrupções, a incidência é de 1%. A idade materna e o número de abortamentos anteriores são dois fatores de risco independentes para uma nova interrupção (a idade materna avançada está associada a declínio tanto no número como na qualidade dos oócitos remanescentes). A idade paterna também tem sido reconhecida como fator de risco. o Alterações cromossômicas: em aproximadamente 5% dos casais com dois ou mais abortamentos recorrentes, pelo menos um dos parceiros, especialmente a mulher, é portador de anomalia estrutural balanceada, na maioria das vezes, uma translocação. Muito embora os portadores de translocações balanceadas sejam fenotipicamente normais, a perda fetal ocorre porque a segregação durante a meiose resulta em gametas com duplicação ou falta de segmentos nos cromossomos. Além da incidência maior de abortamento, essas gestações carreiam risco de crianças malformadas. o Síndrome antifosfolípide (SAF): talvez seja a causa mais importante de abortamento habitual. A SAF refere-se à associação entre anticorpos antifosfolipídio e trombose vascular ou prognóstico adverso na gravidez. Dos abortamentos habituais, 3 a 15% são causados por SAF. Mulheres com abortamento recorrente por SAF, sem tratamento, têm chance de apenas 10% de feto vivo. Critérios clínicos e laboratoriais para o diagnóstico de SAF Critérios clínicos: Obstétricos: Uma ou mais mortes inexplicadas de feto morfologicamente normal com 10 semanas ou mais OU Pré-eclâmpsia grave ou insuficiência placentária necessitando de parto antes de 34 semanas OU Três ou mais abortos espontâneos consecutivos inexplicados antes de 10 semanas. Vacular: Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos em qualquer tecido ou órgão. Critérios laboratoriais: Presença de anticoagulante lúpico conforme as diretrizes da International Society on Thrombosis and Hemostasis OU Níveis séricos médios ou altos de anticorpos anticardiolipina IgG ou IgM OU Anticorpo anti-B2-glicoproteina-I IgG ou IgM Pelo menos um critério clinico e um laboratorial devem estar presentes OBS.: Não é precisamente conhecido como os anticorpos antifosfolipídeos causam dano, mas é provável que suas ações sejam multifatoriais. As plaquetas podem ser afetadas diretamente por um anticorpo antifosfolipídeo ou indiretamente por β2-glicoproteína I de ligação, o que faz elas serem suscetíveis à agregação. Uma teoria propõe que células endoteliais contendo células fosfolipídicas ou membranas sinciciotrofoblásticas possam ser danificadas diretamente pelo anticorpo antifosfolipídeo ou indiretamente pela ligação do anticorpo à β2-glicoproteína I ou à anexina V. Isso impede que as membranas celulares protejam o sinciciotrofoblasto e o endotélio e, consequentemente, expõe a membrana basal, à qual as plaquetas afetadas podem aderir e formar um trombo. o Doenças endócrinas: principalmente deficiência luteínica, hipotireoidismo (doenças autoimunes – Hashimoto) e síndrome do ovário policístico (SOP). MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia o Fatores anatômicos: - Malformações uterinas: têm incidência de 10 a 15% no abortamento habitual. As malformações uterinas deformam a cavidade uterina e prejudicam o desempenho reprodutivo, acentuando a incidência de abortamentos, parto pré-termo, crescimento intrauterino restrito (CIR), ruptura uterina e apresentações anômalas. A insuficiência cervical está frequentemente associada aos defeitos congênitos uterinos, o que explica por que o útero arqueado, a malformação mais leve, também ocasiona mau prognóstico obstétrico. O útero septado é o de pior prognóstico em virtude da má vascularização do septo. - Insuficiência cervical: determina, tipicamente, abortamentos de 2o trimestre. - Miomas: aqueles que distorcem a cavidade intrauterina podem determinar abortamento habitual de 2o trimestre. - Exames diagnósticos podem incluir: cariótipo do casal, avaliação citogenética no material de abortamento, USGTV 3D, dosagem de anticorpos antifosfolípides, dosagem de TSH e anti-TPO e dosagem de testosterona livre/total. - As principais medidas terapêuticas são: o Fertilização in vitro (FIV) com diagnóstico pré-implantação (DPI) nas alterações cromossômicas do casal; o Na insuficiência luteínica, deve-se administrar progesterona vaginal, 200 mg/dia, 2 a 3 dias após a ovulação, até a transferência luteoplacentária entre 7 e 9 semanas; o Administração de levotiroxina no hipotireoidismo (Hashimoto), desde que o TSH esteja > 2,5 mUI/mℓ; o Redução de peso e metformina na SOP. Uma vez confirmada a gravidez, a metformina pode ser retirada na SOP (American Diabetes Association [ADA], 2017); o Administração de heparina e ácido acetilsalicílico (AAS) infantil na SAF (70% de tratamento bem-sucedido); o Resecção histeroscópica no útero septado e no mioma intracavitário. - O casal com abortamento habitual de causa inexplicável deve ser confortado, comunicando-lhe a chance de êxito de 70% em uma próxima gravidez. Antes de uma nova concepção, recomendam-se: mudança no estilo de vida com exercícios moderados e perda de peso, suplementação de ácido fólico, cessação do tabagismo, moderação no consumo de cafeína e de álcool. GRAVIDEZ ECTÓPICA - Depois da fecundação e do trânsito pela tuba uterina, o blastocisto normalmente implanta-se no revestimento endotelial da cavidade uterina. A implantação em qualquer outro local é considerada ectópica → Nesse caso, a ectociese é sinônimo de gravidez extrauterina, podendo ser tubária, ovariana ou abdominal. - É uma patologia que ameaça a vida da paciente e incide em 1,5 a 2% das gestações, sendo mais frequente em mulheres que já tenham concebido. Em grandes centros, a gravidez extrauterina pode ser considerada a causa mais frequente de decesso das gestantes e o principal problema de saúde pública em alguns países (como os EUA), à vista de sua incidência ascensional e da carregada mortalidade materna (9% de todos os óbitos gestacionais). Nas últimas décadas, o diagnóstico precoce da gravidez ectópica por gonadotrofina coriônica humana (β-hCG), ultrassonografia transvaginal e laparoscopia revolucionou seu tratamento, com o objetivo de preservar o futuro obstétrico da mulher. Etiologia: - Os principais fatores de risco para a ectopia são: Cirurgia tubária prévia Gravidez ectópica anterior Exposição in utero ao dietilestilbestrol (DES) História de doença inflamatória pélvica História de infertilidade História de cervicite para clamídia ou gonococo Anormalidade tubária documentada Ligadura tubária Uso atual de dispositivo intrauterino (DIU) MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia Patologia: - Do ponto de vista anatomopatológico, a gravidez ectópica pode ser primitiva ou secundária. É primitiva quando a nidificação ocorre e prossegue em zona única do sistema genital, e secundária quando, após implantar-se em um lugar, o ovo desprende-se do sistema genital e continua o desenvolvimento em outro local. GRAVIDEZ TUBÁRIA: - Quase 95% das gestações ectópicas são implantadas nos vários segmentos da tuba uterina. A ampola é o local mais frequente (80-70%),seguido pelo istmo (12%), fímbrias (11%) e interstício tubário (2%). Os 5% restantes dos casos de gestações ectópicas não tubárias ocorrem no ovário, na cavidade peritoneal, no colo uterino ou em uma cicatriz de cesariana prévia. Em alguns casos, uma gestação múltipla contém um concepto com implantação uterina normal e outro implantado em posição ectópica. - Nos casos de gestação tubária, como a tuba uterina não tem uma camada submucosa, o ovo fecundado perfura imediatamente o epitélio. O zigoto fica localizado nas proximidades ou dentro da camada muscular, a qual é invadida pelo trofoblasto em proliferação rápida. O embrião ou feto de uma gravidez ectópica em geral está ausente ou atrofiado. - Os desfechos das gestações ectópicas incluem ruptura tubária, abortamento tubário ou falha da gravidez com resolução. Quando há ruptura, o concepto em expansão invasivo e a hemorragia associada podem lacerar as estruturas da tuba uterina. Em geral, as gestações ectópicas tubárias rompem de maneira espontânea, mas em alguns casos a ruptura ocorre depois do coito ou de exame de toque bimanual. - A gestação também pode passar para fora da tuba distal. A frequência de abortos tubários depende, em parte, do local inicial da implantação, sendo mais comuns as implantações distais. Subsequentemente, a hemorragia pode cessar e os sintomas podem desaparecer. Porém, o sangramento pode persistir enquanto os produtos permanecem na tuba uterina. O sangue escoa lentamente das fímbrias tubárias para o interior da cavidade peritoneal e geralmente se acumula no fundo de saco retrouterino. Quando a extremidade fimbriada está obstruída, a tuba uterina poderá ser distendida gradualmente pelo sangue, formando uma hematossalpinge. Raras vezes, um feto abortado irá se implantar na superfície peritoneal e se transformar em uma gestação abdominal, o que é discutido adiante. - Por fim, um número indeterminado de gestações ectópicas falha de maneira espontânea, sendo reabsorvidas. Hoje, isso pode ser documentado com mais frequência com a utilização dos exames de β-hCG → Pode-se diferenciar entre a gravidez ectópica “aguda” recém-descrita e a gravidez ectópica “crônica”. As gestações ectópicas agudas mais comuns são as com níveis séricos altos de β-hCG e crescimento rápido, resultando em seu diagnóstico oportuno. Essas gestações acarretam um risco mais alto de ruptura tubária. Na gravidez ectópica crônica, o trofoblasto anormal morre precocemente e, desse modo, os níveis séricos de β-hCG são indetectáveis ou baixos e estáveis. Nos casos típicos, as gestações ectópicas crônicas rompem tardiamente, quando rompem, mas em geral formam uma massa pélvica complexa, que costuma ser a razão para se realizar um procedimento cirúrgico diagnóstico. Manifestações clínicas: - Em geral, a apresentação precoce das pacientes e as técnicas diagnósticas mais precisas permitem detectar gestações ectópicas antes de seu rompimento. Nesses casos, os sinais e sintomas de gravidez ectópica com frequência são sutis ou estão ausentes. Não se suspeita uma gravidez ectópica e se supõe que tenha uma gravidez normal em fase inicial ou que esteja passando por um abortamento espontâneo. - Quando o diagnóstico é mais tardio, a tríade clássica é atraso menstrual, dor e sangramento vaginal ou manchas de sangue. No caso de ruptura tubária, a dor abdominal baixa e pélvica costuma ser intensa e frequentemente descrita como aguda, em pontada ou dilacerante. A palpação abdominal causa dor. O exame de toque bimanual, principalmente com a mobilização do colo uterino, provoca dor extrema. O fórnice vaginal posterior pode ficar abaulado em virtude do sangue no fundo de saco retrouterino, ou ser percebida massa sensível e tumefeita lateralmente ao útero. O útero MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia também pode aumentar levemente de volume por causa da estimulação hormonal. Os sintomas de irritação diafragmática, caracterizados por dor no pescoço ou no ombro, em especial durante a inspiração, ocorrem talvez em metade das mulheres com hemoperitônio significativo. - Cerca de 60 a 80% das mulheres com gravidez tubária relatam manchas de sangue ou sangramento vaginal em algum grau. Embora o sangramento vaginal profuso seja sugestivo de abortamento incompleto, hemorragias desse tipo às vezes ocorrem nas gestações tubárias. Além disso, a gravidez tubária pode causar hemorragia intra-abdominal significativa. As reações físicas a uma hemorragia moderada incluem ausência de alterações nos sinais vitais, elevação discreta da pressão arterial ou uma resposta vasovagal evidenciada por bradicardia e hipotensão. A pressão arterial diminui e o pulso aumenta quando o sangramento continua e a hipovolemia se torna significativa. A paciente apresenta distúrbios vasomotores, os quais variam de vertigem a síncope. Diagnóstico: - O diagnóstico diferencial de dor abdominal com gestação em andamento é bastante amplo. A dor pode ser causada por distúrbios uterinos como abortamento espontâneo, infecção, leiomiomas em crescimento ou degeneração e dor MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia associada ao ligamento redondo. Entre as doenças anexiais estão gravidez ectópica, massas ovarianas hemorrágicas, rompidas ou torcidas, salpingite ou abscesso tubo-ovariano. Por fim, apendicite, cistite, cálculo renal e gastrenterite são causas não ginecológicas comuns de dor abdominal baixa no início da gravidez. - Vários algoritmos foram sugeridos para diagnosticar a gestação ectópica. A maioria inclui os seguintes elementos essenciais: achados físicos, ultrassonografia transvaginal (USTV), determinação do nível sérico de β-hCG – tanto o padrão inicial de elevação ou declínio quanto o padrão tardio – e procedimentos cirúrgicos diagnósticos, incluindo dilatação e curetagem (D&C), laparoscopia e, ocasionalmente, laparotomia. - Os algoritmos são usados apenas nas gestantes hemodinamicamente estáveis, pois as pacientes com suposta ruptura devem ser operadas imediatamente. Quando há suspeita de gravidez ectópica não rompida, todas as abordagens diagnósticas devem ser discutidas. Tratamento medicamentoso: - Tradicionalmente, o tratamento medicamentoso consiste em usar o metotrexato (MTX), um antimetabólito. Este fármaco é um antagonista do ácido fólico que se liga fortemente à di-hidrofolato-redutase, bloqueando a redução do di-hidrofolato em tetra-hidrofolato, que é a forma ativa do ácido fólico. Como consequência, a síntese de novo de bases de purina e pirimidina é bloqueada, o que acarreta na supressão das sínteses de DNA, RNA e proteínas. Assim, o MTX é altamente efetivo contra tecidos em proliferação rápida, como o trofoblasto. - Em geral, as taxas de resolução da gravidez ectópica tubária se aproximam de 90% com o seu uso. Entretanto, uma desvantagem é que a medula óssea, a mucosa gastrintestinal e o epitélio respiratório também podem ser danificados. O MTX causa efeitos tóxicos diretos nos hepatócitos e é excretado por via renal. - O MTX é um teratógeno potente, e a embriopatia associada é evidenciada por malformações craniofaciais e esqueléticas, além de restrição do crescimento fetal. Além disso, o MTX é excretado no leite materno e pode se acumular nos tecidos do recém-nascido e interferir com o metabolismo celular neonatal. Tendo em vista todos esses achados, a tabela abaixo apresenta uma lista de contraindicações e exames laboratoriais exigidos antes de iniciar o tratamento. DOSE ÚNICA DOSES MÚLTIPLAS POSOLOGIA Uma dose; repetir se necessário Até 4 doses de ambos os fármacos até que o nível sérico de B-hCG diminua em 15% DOSE Mtx Leucovorina 50 mg/m² área de superfície corporal (dia 1) Não aplicável 1 mg/kg, dias 1, 3, 5 e 7 0,1 mg/kd, dias 2,4, 6 e 8 NÍVEL SÉRICO DE BHCG Dias 1 (linha de base), 4 e 7 Dias 1 (linha de base) 3, 5 e 7 INDICAÇÃO PARA ADM DOSES ADICIONAIS Quando o nível sérico de β-hCG não diminuir em 15% entreos dias 4 e 7; Declínio de menos de 15% durante a semana de vigilância Quando o nível sérico de β-hCG diminuir em < 15%, administrar uma dose adicional; repetir a dosagem de β-hCG sérica em 48 horas e comparar com o valor anterior; máximo de 4 doses VIGILÂNCIA Após se atingir uma queda de 15%, níveis séricos semanais de β-hCG até que esteja indetectável CONTRAINDICAÇÕES DO MTX Sensibilidade ao MTX Ruptura tubária Amamentação Gravidez intrauterina Doença ulcerosa péptica Doença pulmonar ativa Imunodeficiência Disfunção hematológica, renal ou hepática - Há algumas precauções com relação ao uso do MTX. Primeiro, o MTX liga-se predominantemente à albumina, e seu deslocamento por outros fármacos (p. ex., fenitoína, tetraciclinas, salicilatos e sulfonamidas) pode aumentar os níveis séricos de MTX. Além disso, a depuração renal do MTX pode ser reduzida por anti-inflamatórios não esteroides (incluindo o ácido acetilsalicílico), probenecida ou penicilinas. Por fim, as preparações de vitaminas que contêm ácido fólico podem reduzir a eficácia do MTX. MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia - Por conveniência e eficácia, a administração intramuscular do MTX é a mais usada para resolver uma gravidez ectópica de forma medicamentosa, e existem protocolos de tratamento com uma ou várias doses de MTX. Como mencionado, o MTX pode causar supressão da medula óssea. Esse efeito tóxico pode ser atenuado pela administração prévia de ácido folínico (leucovorina), que tem atividade equivalente à do ácido fólico. Desse modo, a leucovorina administrada com os protocolos de doses múltiplas permite que a síntese de algumas bases de purina e pirimidina atenue os efeitos colaterais. - As melhores candidatas ao tratamento medicamentoso são mulheres assintomáticas, motivadas e dispostas a seguir o esquema terapêutico. Alguns previsores clássicos de sucesso do tratamento medicamentoso incluem nível sérico inicial baixo de β-hCG, dimensões pequenas da gravidez ectópica e inexistência de atividade cardíaca fetal. Entre esses indicadores, o nível sérico de β-hCG é o melhor indicador prognóstico isolado de tratamento bem-sucedido com MTX em dose única. - Como observado na última tabela, a monitoração do tratamento com dose única requer dosagens da β-hCG sérica nos dias 4 e 7 depois da injeção inicial no dia 1. Após uma dose única de MTX, os níveis séricos médios de β-hCG podem aumentar ou diminuir durante os primeiros 4 dias e depois cair gradualmente. Quando o nível não diminuir em mais de 15% entre os dias 4 e 7, então uma segunda dose de MTX é requerida. Isso é necessário em 15 a 20% das mulheres que usam o esquema de dose única. - Com o esquema de doses múltiplas de MTX, os níveis são determinados a intervalos de 48 horas até que diminuam em mais de 15%. Até quatro doses podem ser administradas para uma paciente, se necessário. - Assim que as quedas apropriadas sejam atingidas em qualquer um desses esquemas, os níveis séricos de β-hCG são dosados semanalmente até que se tornem indetectáveis. A falha do tratamento é implicada quando o nível de β-hCG estabiliza ou aumenta, ou quando há ruptura tubária. Tratamento cirúrgico: - A laparoscopia é o tratamento cirúrgico de escolha para gravidez ectópica, a menos que a mulher esteja hemodinamicamente instável. Antes da cirurgia, são discutidos os desejos de fertilidade para o futuro – nas mulheres que desejam esterilização permanente, a tuba uterina não afetada pode ser ligada ou removida simultaneamente com a salpingectomia da tuba afetada. - Salpingostomia – este procedimento é tipicamente usado para a remoção de uma pequena gestação não rota. Uma incisão linear de 10 a 15 mm é realizada na borda antimesentérica da tuba uterina sobre a área de implantação da gestação. Em geral, os produtos da concepção saem pela incisão e podem ser cuidadosamente retirados ou removidos por irrigação de alta pressão, que retira de modo mais completo os tecidos trofoblásticos. Os pequenos locais de sangramento podem ser controlados por meio de eletrocoagulação com a ponta do cautério, e a incisão é deixada sem sutura para cicatrizar por segunda intenção. Os níveis séricos de β-hCG são usados para monitorar a resposta aos tratamentos medicamentoso e cirúrgico. Depois da salpingostomia linear, os níveis séricos de β-hCG caem rapidamente no transcorrer de alguns dias e, a seguir, mais gradualmente, com um tempo médio de resolução de cerca de 20 dias. - Salpingectomia – a ressecção tubária pode ser realizada nas gestações ectópicas com ou sem ruptura. De forma a reduzir as recidivas raras de gestação no coto tubário, recomenda-se a excisão completa da tuba uterina. Com uma técnica laparoscópica, a tuba uterina afetada é levantada e segurada por pinças de preensão atraumáticas. Um dos vários dispositivos de preensão bipolar disponíveis é aplicado sobre a tuba uterina na junção uterotubária. Depois de ser dissecada, a tuba uterina é cortada. Em seguida, o dispositivo bipolar é avançado ao longo do segmento mais proximal da mesossalpinge. Do mesmo modo, a corrente é aplicada, e o tecido dissecado é cortado. Esse processo avança de forma seriada da mesossalpinge proximal em direção distal até chegar à superfície sob a ampola tubária. Como alternativa, uma alça de sutura endoscópica pode ser usada para circundar e ligar a junção da tuba uterina envolvida e sua irrigação vascular subjacente dentro da mesossalpinge. Duas alças de sutura consecutivas são aplicadas, e a tuba uterina distal a essas ligaduras é cortada com tesoura. A maioria das gestações ectópicas tubárias são pequenas e flexíveis. Por essa razão, elas podem ser seguradas firmemente com pinças de preensão e puxadas para dentro de uma das cânulas acessórias locais. As gestações MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia tubárias ectópicas mais volumosas podem ser colocadas em um saco endoscópico para evitar fragmentação enquanto são removidas pelo portal de acesso laparoscópico. Para retirar todos os tecidos trofoblásticos, é importante que a pelve e o abdome sejam irrigados e aspirados caso haja sangue e restos de tecidos. A movimentação lenta e controlada da paciente da posição de Trendelenburg para uma posição de Trendelenburg reversa durante a irrigação também pode ajudar a deslocar resíduos de tecidos e líquidos. Esse material deve ser aspirado e retirado da cavidade peritoneal. GRAVIDEZ INTERSTICIAL: - Uma gravidez intersticial é aquela que se implanta dentro do segmento tubário proximal localizado dentro da parede muscular do útero. Os fatores de risco são semelhantes aos outros descritos para gestação ectópica tubária, mas a salpingectomia ipsilateral pregressa é um fator de risco específico para gravidez intersticial. - Em geral, as gestações intersticiais não diagnosticadas rompem depois de 8 a 16 semanas de amenorreia, ou seja, mais tarde do que as gestações mais distais. Isso se deve à maior capacidade de distensão do miométrio que recobre o segmento intersticial da tuba uterina. Em razão da proximidade entre essas gestações e as artérias uterina e ovariana, a hemorragia pode ser grave e estar associada a taxas de mortalidade de até 2,5%. - Com a USTV e as dosagens de β-hCG sérica, hoje as gestações intersticiais podem ser diagnosticadas precocemente em muitos casos, mas o diagnóstico pode ser difícil. Ao exame ultrassonográfico, essas gestações podem ser semelhantes a uma gestação uterina implantada em posição excêntrica, em especial em um útero com malformação mülleriana. Alguns critérios podem facilitar essa diferenciação, entre eles: um útero vazio, um saco gestacional separado do endométrio e com > 1 cm de distância da borda mais lateral da cavidade uterina e uma camada fina de miométrio (< 5 mm) ao redor do saco. Além disso, uma linha ecogênica (conhecida como “sinal da linha intersticial”) estendendo- se do saco gestacional até a cavidade endometrial provavelmenterepresenta o segmento intersticial da tuba uterina e é um sinal altamente sensível e específico. Nos casos inconclusivos, a ultrassonografia tridimensional (3D), a ressonância magnética (RM) ou a laparoscopia diagnóstica podem ajudar a esclarecer a anatomia. Ao exame laparoscópico, observa- se uma protuberância acentuada por fora do ligamento redondo, coexistindo com uma tuba uterina distal e ovário normais. - O tratamento cirúrgico com ressecção cornual ou cornuostomia pode ser realizado por laparotomia ou laparoscopia, dependendo da estabilidade hemodinâmica da paciente e da experiência do cirurgião. Com qualquer uma dessas abordagens, a injeção intramiometrial de vasopressina durante o procedimento cirúrgico pode limitar o sangramento, e os níveis de β-hCG devem ser monitorados depois do procedimento para descartar a presença de resíduos de trofoblasto. A ressecção cornual remove o saco gestacional e o miométrio cornual circundante por meio de uma excisão cuneiforme. De modo alternativo, a cornuostomia consiste na incisão dos cornos e na aspiração ou extração da gravidez por instrumentos. Ambas as situações exigem o fechamento do miométrio. GRAVIDEZ EM CICATRIZ DE CESARIANA: - Este termo descreve a implantação do concepto dentro do miométrio de uma cicatriz de cesariana prévia. A incidência aproximada é de 1 em 2.000 gestações normais e tem aumentado junto com o aumento da taxa de cesarianas. A patogênese da gravidez em cicatriz de cesariana (GCC) foi comparada à da placenta acreta e causa riscos semelhantes de hemorragia profusa. Ainda não está evidente se a incidência aumenta com múltiplos partos cesáreos ou se é afetada pelo fechamento uterino em plano único ou em dois planos durante o procedimento. - Em geral, as mulheres com GCC apresentam-se precocemente, e dor e sangramento são comuns. Mesmo assim, até 40% das pacientes são assintomáticas, e o diagnóstico é feito durante uma ultrassonografia de rotina. - Não há tratamento-padrão estabelecido, mas existem várias opções disponíveis. O manejo expectante é uma opção, e as taxas de nascidos vivos foram de 57% em uma revisão. Porém, os riscos incluem hemorragia, placenta acreta e ruptura uterina. Assim, a histerectomia é uma opção inicial aceitável para as mulheres que desejam esterilização. Em alguns casos, essa é uma opção necessária quando há sangramento profuso incontrolável. As opções que preservam a fertilidade incluem MTX sistêmico ou por injeção local, isoladamente ou em combinação com cirurgia conservadora. Os MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia procedimentos cirúrgicos incluem curetagem por aspiração guiada visualmente, remoção histeroscópica ou excisão ístmica feita por via abdominal ou vaginal. Eles são feitos de forma isolada ou com MTX adjunto. GRAVIDEZ CERVICAL: - Esta rara gestação ectópica é definida pela presença de glândulas cervicais detectáveis ao exame histológico em oposição ao sítio de implantação placentária e pela demonstração de parte ou de toda a placenta localizada abaixo da entrada dos vasos uterinos ou abaixo da reflexão peritoneal na superfície uterina anterior. Em um caso típico, a endocérvice é invadida pelo trofoblasto, e o desenvolvimento da gravidez prossegue na parede cervical fibrosa. Os riscos predisponentes incluem TRA e curetagem uterina prévia. - Sangramento vaginal indolor é relatado em 90% das mulheres com gravidez cervical – um terço delas sofrem hemorragia profusa. À medida que a gravidez progride, pode tornar-se evidente um colo distendido de paredes finas com um orifício externo parcialmente dilatado. Acima da massa cervical, pode ser palpado o fundo uterino ligeiramente aumentado. O diagnóstico de gravidez cervical baseia-se no exame especular, na palpação e na USTV. - A gravidez cervical pode ser tratada por intervenções farmacológicas ou cirúrgicas. O manejo conservador visa minimizar a hemorragia, resolver a gestação e preservar a fertilidade. Em muitos centros, inclusive o nosso, o MTX tornou-se a primeira opção de tratamento para gestantes estáveis. - Embora o tratamento conservador seja possível em muitas mulheres com gravidez cervical, a curetagem por aspiração ou a histerectomia podem ser escolhidas. Além disso, a histerectomia pode ser necessária nos casos de sangramento não controlado pelos métodos conservadores. Em razão da proximidade entre os ureteres e o colo uterino abaulado, as taxas de lesão do trato urinário são preocupantes durante a histerectomia. GRAVIDEZ ABDOMINAL: - Esta rara gestação ectópica é definida como uma implantação na cavidade peritoneal excluindo as implantações tubárias, ovarianas ou intraligamentares. Embora um zigoto possa atravessar a tuba uterina e implantar-se primariamente na cavidade peritoneal, a maioria das gestações abdominais parece ocorrer depois de ruptura tubária precoce ou de um abortamento com reimplantação. Nos casos de gravidez extrauterina avançada, não é raro que a placenta ainda permaneça ao menos parcialmente aderida ao útero ou aos anexos. - O diagnóstico pode ser difícil. Primeiro, a paciente pode ser assintomática ou ter sintomas vagos. Nos casos típicos, os exames laboratoriais não são informativos, embora os níveis maternos de α-fetoproteína possam estar elevados. Clinicamente, as localizações fetais anormais podem ser palpadas ou o colo uterino está deslocado. - À ultrassonografia, o diagnóstico costuma passar despercebido. Oligoidrâmnio é comum, embora inespecífico. Outros indícios incluem feto separado do útero ou em posição excêntrica dentro da pelve; inexistência de miométrio entre o feto e a parede abdominal anterior ou a bexiga materna; tecidos placentários extrauterinos; ou alças intestinais circundando o saco gestacional. Se for necessário mais informações, a RM pode ajudar a confirmar o diagnóstico e fornecer o máximo de informações sobre a implantação placentária. OBS.: A sobrevida fetal na gravidez abdominal é exceção e não a regra, e o feto que nasce vivo frequentemente é malformado. A retenção prolongada, com conservação de certa quantidade de líquido amniótico, é conhecida como cisto fetal. Com o tempo, o feto macera-se pela reabsorção progressiva de líquido amniótico, desseca-se por desidratação (mumificação) e pode sofrer saponificação, isto é, transformação de músculos e partes moles em massa constituída por ácidos graxos, sabões (lipocere ou adipocere). A reabsorção total das partes moles (esqueletização) e a deposição calcária no feto (litopédio) e nas membranas (litoquélifo) são as etapas finais do processo. - O tratamento de uma gravidez abdominal depende da idade gestacional ao diagnóstico. O tratamento conservador acarreta riscos maternos de hemorragia súbita e perigosa. Além disso, Stevens (1993) relatou malformações e deformações fetais em 20% dos casos. Assim, acredita-se que a interrupção da gravidez em geral está indicada quando o diagnóstico é estabelecido. MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia - Após a avaliação da implantação placentária, as várias opções para controle da hemorragia intraoperatória são as mesmas usadas para a síndrome da placenta acreta. Os principais objetivos cirúrgicos são a retirada do feto e a avaliação minuciosa da implantação placentária sem provocar hemorragia. A exploração desnecessária deve ser evitada, pois a anatomia em geral está distorcida e as áreas circundantes são extremamente vascularizadas. GRAVIDEZ OVARIANA: - implantação ectópica do ovo fecundado no ovário é rara, e seu diagnóstico é firmado quando quatro critérios clínicos são preenchidos. Esses critérios foram delineados por Spiegelberg (1878): (1) a tuba uterina ipsilateral está intacta e separada do ovário; (2) a gestação ectópica ocupa o ovário; (3) a gestação ectópica está conectada ao útero pelo ligamento útero-ovárico; e (4) os tecidos ovarianos podem ser demonstrados ao exame histológico cercados por tecidos placentários. Os fatoresde risco são semelhantes aos das gestações tubárias, mas a falha da TRA ou do DIU parece estar desproporcionalmente associada. As queixas e os sinais iniciais refletem uma gestação ectópica tubária. Embora o ovário possa acomodar mais facilmente a gravidez em expansão que a tuba uterina, a ruptura em um estágio mais precoce é a consequência habitual. - A utilização da USTV possibilita um diagnóstico mais frequente de gestações ovarianas não rompidas. Ao exame ultrassonográfico, uma área anecoica interna está circundada por um halo ecogênico largo que, por sua vez, está circundado pelo córtex ovariano. - As condutas com base em evidências estão fundamentadas principalmente em relatos de casos. O manejo clássico para as gestações ovarianas é cirúrgico. Lesões pequenas podem ser tratadas com ressecção cuneiforme do ovário ou cistectomia, enquanto as lesões maiores requerem ooforectomia. Com tratamento cirúrgico conservador, os níveis de β-hCG devem ser monitorados para excluir persistência do trofoblasto. DOENÇA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL - Doença trofoblástica gestacional (DTG) é o termo usado para descrever um grupo de tumores que se caracterizam por proliferação trofoblástica anormal. O trofoblasto produz gonadotrofina coriônica humana e, desse modo, a determinação dos níveis desse hormônio peptídico no soro é essencial para o diagnóstico, tratamento e monitoração da DTG. Histologicamente, a DTG é dividida em molas hidatidiformes, que se caracterizam pela presença de vilosidades, e neoplasias malignas trofoblásticas não molares, que não contêm vilosidades. - As molas hidatidiformes são placentas imaturas excessivamente edemaciadas e incluem a mola hidatidiforme completa e a mola hidatidiforme parcial benignas e a mola invasiva maligna. Esta última doença é considerada maligna porque causa penetração acentuada e destruição do miométrio, além de ter capacidade de produzir metástases. - As neoplasias trofoblásticas não molares incluem coriocarcinoma, tumor trofoblástico do sítio placentário e tumor trofoblástico epitelioide. Essas três apresentações são diferenciadas pelo tipo de trofoblasto que contêm. - As formas malignas da DTG são chamadas neoplasia trofoblástica gestacional (NTG) e incluem mola invasiva, coriocarcinoma, tumor trofoblástico do sítio placentário e tumor trofoblástico epitelioide. Outros termos usados para descrever NTG são doença trofoblástica gestacional maligna e doença trofoblástica gestacional persistente. Essas neoplasias malignas desenvolvem-se ao longo de semanas ou anos depois de qualquer tipo de gravidez, mas frequentemente ocorrem depois de uma mola hidatidiforme. - Cada um dos tipos malignos de NTG pode ser diferenciado histologicamente e varia quanto à sua tendência de invadir e produzir metástases. Contudo, a confirmação histológica geralmente não é possível. Assim, a determinação dos níveis séricos de hCG juntamente com os achados clínicos – em vez do exame histológico – são usados para diagnosticar e tratar essas neoplasias. Por essa razão, a NTG em geral é diagnosticada e tratada de maneira eficaz como um grupo de doenças. MOLA HIDATIFORME: - Os achados histológicos clássicos da gestação molar incluem proliferação trofoblástica e edema do estroma viloso. O grau das alterações histológicas, as diferenças de cariótipo e a presença ou ausência de elementos embrionários são MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia usados para classificar as lesões como molas parciais ou completas. Essas duas formas também variam quanto aos riscos associados de desenvolvimento de comorbidades clínicas e NTG pós-evacuação. Entre essas duas, a NTG costuma ocorrer depois da extração de uma mola hidatidiforme completa. - Uma mola completa tem vilosidades coriônicas anormais que, ao exame macroscópico, parecem uma massa de vesículas translúcidas. As vesículas variam quanto às dimensões e, em geral, pendem em cachos a partir de pedículos finos. Por outro lado, uma gravidez molar parcial tem alterações hidatidiformes focais e menos avançadas e contém algum tecido fetal. Esses dois tipos de mola em geral preenchem a cavidade uterina, mas raramente causam gestação ectópica tubária ou de outros tipos. Patogênese: - As gestações molares tipicamente surgem de fecundações cromossomicamente anormais. Na maioria dos casos, as molas completas têm composição cromossômica diploide. Em geral, as células são 46,XX e resultam de androgênese, ou seja, os dois conjuntos de cromossomos provêm do pai. Os cromossomos do ovo estão ausentes ou inativados. O ovo é fecundado por um espermatozoide haploide, que depois duplica seus próprios cromossomos após a meiose. Em casos menos comuns, o padrão cromossômico pode ser 46,XY ou 46,XX e resulta da fecundação por dois espermatozoides, isto é, fecundação dispérmica ou dispermia. Achados clínicos: - A apresentação das mulheres com gravidez molar teve mudanças expressivas ao longo das últimas décadas, pois a assistência pré-natal é iniciada mais precocemente e a ultrassonografia é um exame disponível praticamente em qualquer serviço. Tipicamente, 1 a 2 meses de amenorreia precedem o diagnóstico. Por exemplo, em 194 mulheres com uma mola completa, a evacuação foi completada com uma idade gestacional média de 9 semanas, sendo de 12 semanas para 172 pacientes com uma mola parcial. Por essa razão, em sua maioria, as gestações molares são detectadas antes que ocorram complicações. - Com o avanço da gestação, os sintomas tendem a se tornarem mais pronunciados nas gestações molares completas em comparação com as parciais. As gestações molares não tratadas quase sempre causam sangramentos uterinos, que variam de manchas de sangue até hemorragia profusa. O sangramento pode prenunciar um abortamento molar espontâneo, mas, na maioria dos casos, tem evolução intermitente ao longo de semanas ou meses. Nos casos de molas mais avançadas com hemorragia uterina oculta significativa, há desenvolvimento de anemia ferropriva moderada. Náusea e vômitos podem ser queixas significativas. - Entre os achados físicos, muitas mulheres têm crescimento uterino mais rápido que o esperado, e o útero aumentado é comparativamente mais macio. Os movimentos cardíacos fetais estão ausentes nas molas completas. Os ovários podem estar mais cheios e císticos devido a múltiplos cistos tecaluteínicos, o que é mais comum na mola completa e provavelmente resulta de hiperestimulação ovariana por níveis excessivos de hCG. Como os cistos tecaluteínicos regridem depois da evacuação da gravidez, a conduta expectante é preferida. Algumas vezes, os cistos maiores podem sofrer torção, infarto e hemorragia. Entretanto, a ooforectomia não é realizada a não ser que haja infarto extenso que persista depois da reversão da torção. Diagnóstico: Medições de B-hCG sérica – inicialmente, a maioria das pacientes tem sangramento irregular, que quase sempre indica a realização de um teste de gravidez e ultrassonografia. Algumas mulheres apresentam-se com eliminação espontânea de tecido molar. Com uma gestação molar completa, os níveis séricos de β-hCG em geral estão elevados acima do valor esperado para a idade gestacional. Ultrassonografia – embora seja a base do diagnóstico da doença trofoblástica, nem todos os casos são confirmados no início. À ultrassonografia, uma mola completa aparece como uma massa uterina ecogênica com inúmeros MARC – Clínica Integrada – Jordana Garcia espaços císticos anecoicos, mas sem um feto ou bolsa amniótica. O aspecto em geral é descrito como “tempestade de neve”. Uma mola parcial tem elementos que incluem uma placenta policística espessa com um feto ou, no mínimo, algum tecido fetal. Pré-operatório Exames laboratoriais Hemograma; níveis séricos de β-hCG, creatinina, eletrólitos e aminotransferases hepáticas Níveis de TSH, T4 livre Tipagem sanguíneo e fator Rh; grupo e rastreamento, ou prova cruzada Radiografias do tóraxConsiderar dilatadores cervicais osmóticos Intraoperatório Cateter(es) intravenoso(s) de grande calibre Anestesia regional ou geral Ocitocina: 20 unidades em 1.000 mL de Ringer lactato para infusão contínua Conforme a necessidade, pode-se acrescentar um ou mais dos outros agentes uterotônicos: Metilergonovina: 0,2 mg = 1 mL = 1 ampola IM a cada 2 horas, conforme necessidade Trometamina carboprosta (PGF2α): 250 μg = 1 mL = 1 ampola IM a cada 15-90 minutos, conforme necessidade Misoprostol (PGE1): comprimidos de 200 mg para administração retal, 800-1.000 mg em dose única Cânula de Karman – tamanho 10 ou 14 mm Considerar equipamento de ultrassonografia Pós-evacuação Imunoglobulina anti-D se for Rh D-negativo Iniciar método anticoncepcional eficaza Revisar o laudo da patologia Níveis séricos de hCG: nas primeiras 48 horas depois da evacuação, depois semanalmente até que sejam indetectáveis e, por fim, mensalmente por 6 meses NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL: - Este grupo inclui mola invasiva, coriocarcinoma, tumor trofoblástico do sítio placentário e tumor trofoblástico epitelioide. Esses tumores quase sempre se desenvolvem com algum tipo de gravidez diagnosticada ou após ela. Metade dos casos ocorre depois de molas hidatidiformes, um quarto após abortamento espontâneo ou gravidez tubária e o outro quarto após gestação pré-termo ou a termo. Embora esses quatro tipos de tumor sejam histologicamente diferentes, eles em geral são diagnosticados apenas com base nas elevações persistentes dos níveis séricos de β-hCG, pois comumente não se dispõe de tecidos para exame. Critérios para o diagnóstico de neoplasia trofoblástica gestacional Nível sérico de β-hCG em platô (± 10%) em quatro medições durante um período de 3 semanas ou mais – dias 1, 7, 14 e 21 Elevação do nível sérico de β-hCG > 10% em três medições semanais consecutivas ou mais, no decorrer de um período de 2 semanas ou mais – dias 1, 7 e 14 Nível sérico de β-hCG permanece detectável por 6 meses ou mais. Critérios histológicos de coriocarcinoma - Esses tumores placentários caracterizam-se clinicamente por sua invasão agressiva para dentro do miométrio e sua propensão a produzir metástases. O achado associado mais comumente às NTGs é sangramento irregular com subinvolução do útero. O sangramento pode ser contínuo ou intermitente, com hemorragia súbita e, em alguns casos, profusa. A perfuração do miométrio pelo crescimento trofoblástico pode causar hemorragia intraperitoneal. Em algumas pacientes, metástases do trato genital inferior são evidentes, enquanto em outras há apenas metástases a distância, sem qualquer traço de tumor uterino. - A consideração da possibilidade de NTG é o fator mais importante para seu diagnóstico. Sangramento persistente incomum depois de qualquer tipo de gestação deve levar à determinação imediata dos níveis séricos de β-hCG e à consideração da curetagem diagnóstica se os níveis estiverem elevados. O tamanho do útero é avaliado durante exame cuidadoso para detectar metástases do trato genital inferior, as quais em geral se evidenciam por massas vascularizadas azuladas. O diagnóstico tecidual não é necessário e, por essa razão, a biópsia é evitada e pode causar sangramento significativo.
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