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PEDIATRIA GERAL Doença falciforme é a patologia hematológica hereditária mais frequente. Constitui-se em um grupo de doenças genéticas caracterizadas pela predominância da hemoglobina (Hb) S nas hemácias, sendo a anemia falciforme (Hb SS) o genótipo mais frequente. A doença falciforme é o termo utilizado para definir um grupo de alterações genéticas caracterizadas pelo predomínio da hemoglobina S (HbS). Essas alterações incluem a anemia falciforme (HbSS), as duplas heterozigoses, ou seja, as associações de HbS com outras variantes de hemoglobinas, como HbD e HbC, e as interações com talassemias (HbS/B talassemia, HbS/B+ talassemia, HbS/alfa- talassemia). A anemia falciforme é uma doença autossômica recessiva, onde ocorre síntese da hemoglobina anômala HbS. A forma heterozigota é chamada traço falciforme (HbAS) e a homozigota anemia falciforme (HbSS). A heterozigose para HbS (traço falciforme) não é doença, é considerada uma condição benigna. Epidemiologia o No Brasil, a Bahia é o Estado brasileiro que apresenta a maior prevalência da doença no País; o A prevalência média de heterozigotos (traço) é de cerca de 4%, desses, 2% no Sudoeste; mas esse valor sobe entre os afrodescendentes; o Cerca de 50.000 pessoas vão apresentar a homozigose (anemia falciforme) ou alguma hemoglobinopatia (SC, SE, SD, SBetaTAL; o 2.500/ano crianças portadoras de doença falciforme; A taxa de mortalidade para os menores de 5 anos diminuiu muito desde de 2001 com o advento da triagem neonatal aliado ao acompanhamento especializado, antes disso, 20% das crianças não conseguiam chegar aos cinco anos de idade. Fisiopatologia A HbS é uma Hb anormal, resultante da troca de ácido glutâmico pela valina na posição 6 da cadeia beta do gene da globina A. A hemoglobina S vai promover a distorção dos eritrócitos (polimerização), formando hemácias em formato de foice. 1. Acontece a alteração dos polímeros da membrana celular – toda hemácia será mais enrijecida. Em seguida, haverá efluxo de potássio e influxo de cálcio intracelular. O tempo médio de vida reduz (45 dias); 2. Por ser mais endurecida a hemácia apresentará microlesões que possibilitaram o recrutamento de leucócitos, granulócitos e plaquetas na região; 3. O processo inflamatório, de depleção do óxido nítrico, de ativação da cascata de coagulação (fator de Van Willebrand), resultará em eventos de: Adesão de eritrócitos e plaquetas no endotélio vascular; e processos inflamatórios crônicos. 4. A produção desses intermediários inflamatórios como citocinas e alterações no metabolismo do óxido nítrico vão favorecer as complicações da anemia falciforme; 5. O resultado desse processo é um estado de hipercoagulabilidade e um processo inflamatório crônico. Diagnóstico O diagnóstico é feito após a triagem neonatal. Primeiro realiza-se o teste do pezinho através da cromatografia – ele não é confirmatório, mas indica suspeita de anemia falciforme. A presença de hemoglobina fetal altera a porcentagem de hemácias falcizadas. Menos que 50% das hemácias falcizadas: traço falciforme; Mais que 50%: anemia falciforme A suspeita é confirmada com a eletroforese de hemoglobina associada a dosagem de Hb fetal. Seguida de análise laboratorial completa – hemograma. É necessário reavaliar laboratorialmente após o sexto mês de vida. Se o paciente foi submetido há alguma transfusão sanguínea é preciso reavaliar após 3 meses pois o sangue da transfusão permanece integro nesse período que é o tempo de vida da hemácia. FAS = traço falciforme; FS = anemia falciforme; FSA = S-beta- talassemia; FSC = HbSC Complicações / manifestações clínicas Crises de dor (álgica) o A dor aguda é causada por dano tecidual isquêmico, resultante da oclusão do leito microvascular por hemácias falcizadas durante a crise; o Podem durar de 4 a 6 dias, ou até mais tempo, podendo ser sentidas em qualquer parte do corpo, são mais comuns nos braços, pernas, articulações, tórax, abdômen e costas; o Em casos de dor leve e ausência dos fatores de risco uso de analgésico comum e hidratação, na presença de algum fator de rico torna-se necessário realizar uma avaliação imediata em unidade de emergência com Doença falciforme avaliação laboratorial (febre, regular estado geral, dor abdominal ou dor torácica ou qualquer outro sintoma respiratório, cefaleia, ou quando o paciente não responde aos analgésicos simples e a ingesta de líquidos). o Se houver dor lombar: pensar em pielonefrite e solicitar exame de urina, urocultura com antibiograma. No exame físico avaliar sinais que sugerem síndrome torácica aguda (tosse, simbilancia, queda de saturação), comprometimento abdominal (aumento de baço, fígado), acometimento articular. Na investigação laboratorial: hemograma (avaliar número de hemácias, pois o aumento do número de hemácias falcemicas levam a crises dolorosas) e contagem de reticulócitos (reticulocitose ou reticulopenia). Tratamento o Monitoramento da dor até o desaparecimento do sintoma; o Sempre estimular aumento da ingesta de líquidos; o Prevenção de mudanças bruscas de temperatura; o Aquecimento das articulações quando estas estiverem acometidas. Primeiro usamos dipirona, tilenol de resgate e como última opção os opioides. Crise vaso-oclusiva o Dano tissular isquêmico secundário à obstrução do fluxo sanguíneos pelas hemácias falciformes; ocorre uma interrupção do fluxo sanguíneo, e consequente hipoxia dessa região associada a uma acidose. Duram em torno de 4 a 6 dias; o Fatores predisponentes: frio, febre, desidratação, quadro infeccioso; Tratamento É a base de hidratação, eliminação dos fatores predisponentes, repouso do membro e analgesia adequada (escalonamento do analgésico simples para os opioides, utilizar em curto espaço de tempo de maneira otimizada). Febre o Frequentemente pode ser sinal de infecção bacteriana ou estar associada a outras condições, como a STA e crises vaso-oclusivas; o Na doença falciforme, o baço tem seu funcionamento prejudicado, fazendo com que o organismo fique mais sujeito a infecções que constituem causa importante de mortalidade em sinais de febre precisamos nos ater as causas infecciosas; o Risco de septicemia ou de meningite por Streptococcus pneumoniae: 400x maior Para pacientes esplenectomizados: protocolo especifico de imunizações para reduzir as chances de infecções dos pacientes. Protocolo de febre para crianças com menos de 5 anos Exame físico: avaliar sinais que indiquem infecção (desconforto respiratório, icterícia (sinaliza maior depleção de hemácias – quadro infecciosos virais podem levar a icterícia), sepse ou meningite, AVC, alterações osseas, pielonefrite, aumento de baço, sinais neurológicos de infarto cerebral, pesquisar pulsos e enchimento capilar, gradientes térmicos. Exames complementares: hemograma com contagem de reticulócitos; hemocultura, urocultura, copocultura (se tiver diarreia), sorologia para Mycoplasma pneumoniae, radiografia do tórax, punção lombar (em pacientes menores de um ano com sinais mínimos sugestivos de meningite e toxemia), radiografia do esqueleto com cintilografia (alterações e dor óssea), USG abdominal. Tratamento Internar os menores de 3 anos com temperatura acima de 38,3° C e iniciar antibioticoterapia venosa na sala de emergência (preferencialmente o ceftriaxone). Acima de cinco anos vai depender da suspeita e do quadro clínico do paciente: o Se a suspeita for de osteomielite: o agente frequente é staphylococcus aureus ou Salmonella sp.: cefuroxima. o Síndrome torácica aguda: fazer associação de eritromicina com cefalosporina. Se não for detectada nenhuma etiologia devo manter os antibióticos por 72 horas e suspender apenas quando a hemocultura for negativa.Alta após 72 horas com antibiótico oral caso o paciente esteja afebril, sem toxemia e com nível de Hb seguro. Crise de sequestração esplênica o Aumento súbito do volume esplênico + queda nos níveis de Hb + reticulocitose. Acontece um sequestro do sangue para o baço, isso faz com que o órgão fique aumentado. Quando o sangue é puxado para dentro do baço acontece uma queda de pelo menos 2 g/dl em relação ao valor basal da hemoglobina. O normal do valor basal costuma variar de 8 a 9 g/dl. Essa alteração associada aos valores de reticulócitos são indicativos de crise do sequestro esplênico; o O quadro cínico vai ser compatível com aumento do baço, taquicardia, taquipneia, queda da hemoglobina; astenia, descompensação hemodinâmica que vão evoluir para o choque hipovolêmico; Tratamento Correção da hipovolemia, com transfusão de hemácias para aumentar a Hb para 9 a 10 g/dl. Orientar a família quanto à palpação do baço para diagnóstico precoce do aumento súbito e socorro imediato. Crise aplástica o Ocorre quando a medula deixa de produzir as 3 series: brancas, vermelhas e plaquetas, ou seja, vai ter anemia, leucopenia e plaquetopenia; é autolimitada e tem uma duração de 7 a 10 dias. o Para o paciente falcêmico vai ocorrer após processos infecciosos, quando muito intensos costumam ser resultado de infecção por parvovírus B 19; Diferença laboratorial da crise aplástica para o sequestro esplênico: ▪ Crise aplástica: ocorre a ausência de atividade medular – reticulopenia; ▪ Sequestro esplênico: aumento da produção de hemácias – reticulocitose. Tratamento Prevenção: tratar os sintomas, correção da anemia quando houver repercussão clínica (taquicardia, taquipneia, baixa perfusão, etc), em casos de sangramento fazer a transfusão de plaquetas e manter em observação até a melhora. Síndrome torácica aguda o Acometimento respiratório em paciente falcêmico, pode ser uma febre associada à dispneia/ taquipneia, tosse, dor torácica, hipoxemia, novo infiltrado pulmonar na radiografia (sugere algo crônico); o Crianças menores de 10 anos vão apresentar febre, tosse e sibilancia (muito semelhante aos quadros de pneumonia). Em pacientes com história prévia de asma vai ter uma maior frequência de sibilos, e aumenta a probabilidade de recorrência da STA. Tratamento Internar e solicitar exames complementares; Hemograma, contagem de reticulócitos, hemoculturas, gasometria arterial (se a saturação de O2 < 96% ou decréscimo de 25% do basal), tipagem sanguínea ABO e Rh, raio X de tórax, sorologia para Mycoplasma pneumoniae. Avaliar a necessidade de USG de tórax, tomografia de tórax ou cintilografia pulmonar. o Oxigenoterapia: manter a saturação de O2 acima de 92% - suporte ventilatório; o Analgesia: pode ocorrer sedação e depressão respiratória – se eu prescrevo uma infusão lenta o risco é baixo. o Antibioticoterapia venosa: bactérias encapsuladas; cefalosporinas de segunda ou terceira geração; associação com eritromicina. o Uso de broncodilatadores: em pacientes com sibilância; o Tratamento de suporte: fisioterapia respiratória; manter o paciente monitorado e com suporte adicional necessário. Vasculopatia cerebral o Etiologia indefinida, acredita-se que há uma maior chance de lesão vascular associada ao estado hipercoagulabilidde devido uma hiperplasia da camada mais superficial dos vasos (intima) dos grandes vasos com progressiva estenose para artérias cerebrais. o Principais complicações: acidente vascular encefálico, infarto cerebral silencioso, déficits cognitivos, cefaleia aguda e crônica. Acidente vascular cerebral Entupimento dos vasos sanguíneos e redução da corrente de sangue no cérebro, causando derrame. o Quadro clinico: hemiparesia, hemiplegia, alteração do campo visual, afasia, disartria, paralisia de nervos cranianos. Quando mais graves pode ter convulsões e coma. o A recuperação pode ser completa ou pode restar dano cerebral e sequelas neurológicas graves. Em alguns casos podem levar até a morte. o O AVC hemorrágico, mais comum em adultos, 5% dos casos e apresenta mais morbimortalidade. AVC isquêmico ocorre principalmente em crianças e em pacientes com HbSS, raro naqueles com HbSC e S/talassemias. o Incidência de aproximadamente 11% nos indivíduos com HBSS até os 18 anos de idade. Pode ser reduzido para 1% se feita a triagem com doppler transcraniano e aplicar medidas preventivas. o Prevenção: antes dos 18 anos fazer uma ressonância com Doppler transcraniano para avaliar a perfusão cerebral, áreas de estenose, áreas de risco, ou pre- infartadas e definir qual a melhor conduta. Tratamento Internar em UTI; A avaliação laboratorial deve conter hemograma, contagem de reticulócitos, %HBS, tipagem sanguínea, função renal, hepática e eletrólitos; Com até 4horas e meia pode fazer uma transfusão simples ou a transfusão com troca; Medidas de suporte: exames de imagem nas primeiras 6 horas após estabilização do paciente. Estabelecer acompanhamento com hematologista e neurologista pediátrico. Após o quadro agudo é preciso manter o paciente em regime crônico de transfusões com intuito de reduzir a concentração de HBS para menos de 30%. Pacientes menor de 2 anos que apresente febre e crise convulsiva, ou qualquer paciente que apresente febre e cefaleia pode ser um quadro de meningite. Infarto silencioso cerebral Vão ocorrer por oclusão, estenose ou até mesmo hipoxia com pequenas áreas de morte cerebral. Os pacientes são assintomáticos, fazendo áreas focais de isquemia. o Mais comum em crianças, principalmente lactentes e pré-escolares. o Fatores de risco: sexo masculino, hemoglobina basal baixa, hipertensão, convulsões prévias e evidência de doença cerebrovascular. o A frequência é de 25% dos menores de seis anos e 39% até os 18 anos. Não há tratamento, o que pode ser feito e reduzir as chances de um novo episódio. Cefaleia o Cefaleia aguda: sintoma inicial de um AVC. A hipoxemia crônica vai resultar no quadro de cefaleia mais agudo; Habitualmente estão associados a situações que requerem conduta médica imediata (AVE hemorrágico, isquêmico ou trombose dos seios venosos). o Cefaleia crônica ou recorrente: associada a hipoxemia crônica e/ou de vasculopatia cerebral. Tratamento: analgésico simples e hidratação rigorosa. Priapismo Ereção dolorosa e prolongada do pênis não acompanhada de desejo ou estímulo sexual, que persiste por mais de 4 horas. Classificação: ▪ Pode ser de alto fluxo (menos vigorosa, não causa dor, sem lesão isquêmica) ou baixo fluxo (ereção vigorosa, rígida e dolorosa; com lesão isquêmica, mais comum); ▪ Menor: episódios isolados ou raros, duração menor que 3 horas; ▪ Recorrente: vários episódios com duração menor que 3 horas por semana, durante 4 semanas. ▪ Prolongado: duração maior de 3 horas o Complicação nos meninos maiores de dez anos. Se não for tratado em até seis horas pode levar a uma disfunção erétil permanente. Tratamento Até duas horas: analgesia simples, aumento da ingesta hídrica, caminhada, micção e banho morno; TRANSFUSÕES SANGUÍNEAS As transfusões sanguíneas estão indicadas em situações em que a anemia determine repercussões clínicas, como: na queda da Hb de 2 g/dL ou mais do valor basal com repercussão hemodinâmica, na crise aplástica, no sequestro esplênico, na STA, na hipóxia crônica, no cansaço e dispneia com Hb abaixo do nível basal e na falência cardíaca, infecção grave deficiência de múltiplos órgãos, cirurgia, sequestro hepático esplênico Indicações controversas: episódios frequentes de crise álgica, ou de síndrome torácica aguda, ou na prevenção da hipertensão pulmonar, ou do priapismo. Qual volume de sangue? ▪ 10 a 15 mL/Kg de concentrado de hemácias filtradase fenotipadas; ▪ Hiperviscosidade deve ser evitada: <10g/dl; ▪ Solicitar sempre hemoglobina pré e pós transfusional. IMUNIZAÇÕES o Processos vaso-oclusivos repetidos no baço vai levar a uma asplenia funcional. O paciente passa a ter uma menor capacidade de produção de anticorpos, redução imunológica, menor sinalização de patógenos, dificuldade de opsonização. Pode haver uma redução no tamanho do baço que vai regredir e perder a função; o Podem necessitar de transfusões sanguíneas; o Vacinação precoce para evitar uma crise esplênica; o Programa vacinal + penicilina profilática (oral e intramuscular) Profilaxia com penicilina G benzantina ou penicilina via oral: 3 meses até 5 anos Via oral I. Lactentes 200.000 unidades 2 x ao dia II. Pré-escolares: 400.000 unidade 2x ao dia G benzantina I. Lactentes 300.000 unidades a cada 28 dias II. Pré-escolares 600.000 unidades a cada 28 dias. o Pacientes alérgicos: usar eritromicina Pacientes pediátricos com doenças hematológicas benignas durante a pandemia de COVID-19: doença falciforme
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