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MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves ATEROSCLEROSE FISIOPATOLOGIA E COMPLICAÇÕES DEFINIÇÃO A aterosclerose é uma doença multifatorial, lenta e progressiva, resultante de uma série de respostas celulares e moleculares altamente específicas. Há obstrução das artérias, devido a formação de placas ou estrias gordurosas nela, por acúmulo de: → Lipídeos; → Células inflamatórias; e → Elementos fibrosos. A aterosclerose é a base da patogenia das doenças vasculares periféricas, cerebral e coronariana. A probabilidade de desenvolver a aterosclerose é determinada pela combinação de fatores de risco: → Adquiridos (níveis de colesterol, tabagismo, hipertensão); e → Hereditários (mutações dos genes receptores do LDL). Agindo em conjunto, eles causam lesões da íntima, chamadas ateromas (também chamadas de placas ateromatosas ou ateroscleróticas) que fazem protrusão na luz dos vasos. Uma placa ateromatosa consiste em uma lesão elevada com centro mole e grumoso de lipídios (principalmente colesterol e ésteres do colesterol), coberta por uma capa fibrosa. Além da obstrução mecânica do fluxo sanguíneo, as placas ateroscleróticas podem se romper, levando à catastrófica trombose vascular obstrutiva. As placas ateroscleróticas também podem aumentar a distância de difusão da luz para a média, levando a lesões isquêmicas e ao enfraquecimento das paredes dos vasos, alterações que podem resultar na formação de aneurismas. FAOTRES DE RISCO GENÉTICA Fator de risco mais importante; Está relacionado ao grupamento familiar de outros fatores de risco, como: HAS ou DM, ou variantes hereditárias que influenciam outros processos patológicos. IDADE O desenvolvimento da placa aterosclerótica é, geralmente, progressivo, portanto, se manifesta clinicamente na meia idade ou na idade mais avançada; Entre 40 e 60 anos, a incidência de IAM aumenta 5 vezes. GÊNERO Mulheres em pré-menopausa são relativamente protegidas contra aterosclerose e suas consequências, em comparação aos homens de idade correspondente; Depois da menopausa, contudo, a incidência de doenças relacionadas com a aterosclerose em mulheres aumenta e, em idades mais altas, realmente excede a dos homens. HIPERCOLESTEROLEMIA Um dos principais fatores de risco da aterosclerose; mesmo na ausência de outros fatores de risco, a hipercolesterolemia é suficiente para iniciar o desenvolvimento de uma lesão. O principal componente do colesterol sérico associado com um fator de risco é a lipoproteína MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves de baixa densidade do colesterol (LDL) (“colesterol ruim”). → LDL é o complexo que entrega colesterol nos tecidos periféricos; Ao contrário, a lipoproteína de alta densidade (HDL) é um complexo que: → Mobiliza o colesterol da periferia (incluindo ateromas) e o transporta até o fígado, para excreção biliar. Consequentemente, níveis mais altos de HDL (“colesterol bom”) se correlacionam com redução do risco. Macete: LDL: Ladrão “colesterol ruim” HDL: Herói “colesterol bom” HIPERTENSÃO A hipertensão crônica é a causa mais comum de hipertrofia ventricular esquerda, que também é um fator de risco cardiovascular. TABAGISMO É um fator de risco bem estabelecido em homens, provavelmente responsável também pelo aumento da incidência e da intensidade da aterosclerose nas mulheres. O tabagismo prolongado (anos) de um maço de cigarros ou mais por dia duplica a taxa de mortes por doença cardíaca isquêmica. O abandono do tabagismo reduz substancialmente o risco. DIABETES MELITO Induz hipercolesterolemia e aumenta acentuadamente o fator de risco para aterosclerose. Os outros fatores permanecendo iguais, a incidência de infarto do miocárdio é 2x mais alta em pacientes diabéticos do que em não diabéticos. Há, também, aumento do risco de AVC e um aumento de 100x do risco de gangrena induzida por aterosclerose nas extremidades inferiores. INFLAMAÇÃO Inflamação está presente durante todos os estágios da aterogênese e está intimamente relacionada com formação da placa aterosclerótica e sua ruptura. A inflamação desempenha um papel causal significativo na doença cardíaca isquêmica, por isso, a avaliação da inflamação sistêmica tem se tornado importante na estratificação do risco global. → A proteína C-reativa (PCR) é um dos exames mais simples mensuráveis e um dos mais sensíveis. A PCR é um reagente de fase aguda sintetizado primariamente pelo fígado. Sua expressão foi aumentada por vários mediadores inflamatórios, em particular a IL-6. → Ela aumenta a reposta imune inata ligando-se a bactérias e ativando a cascata de complementos clássica. HIPER-HOMOCISTINEMIA Os níveis de homocisteína sérica se correlacionam com: → Aterosclerose coronariana; → Doença vascular periférica; → AVC; → Trombose venosa. A homocistinúria, causada por raros erros inatos do metabolismo, resulta em elevação da homocisteína circulante (>100 μmol/L) e está associada a doença vascular prematura. SÍNDROME METABÓLICA Associada com a obesidade central, esta entidade é caracterizada por: → Resistência à insulina; MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves → HAS; → Dislipidemia (LDL mais alto e HDL mais baixo); → Hipercoagulabilidade; e → Estado próinflamatório. A dislipidemia, hiperglicemia e hipertensão são fatores de risco cardíaco, enquanto os estados de hipercoagulabilidade sistêmica e pró- inflamatório podem contribuir com a disfunção endotelial e/ou trombose. LIPOPROTEÍNA - LP(A) É uma forma alterada de LDL que contém a porção apolipoproteína B-100 do LDL ligada à Apolipoproteína A (apo A). Os níveis de lipoproteína Lp(a) se associam a risco de doenças coronariana e cerebrovascular, independentemente dos níveis de colesterol total ou LDL. FATORES QUE AFETAM A HEMOSTASIA Vários marcadores da função hemostática e/ou fibrinolítica (ex.: inibidor do ativador do plasminogênio 1 elevado) são preditores de risco em potencial para importantes manifestações da aterosclerose, incluindo infarto do miocárdio e AVC. Fatores derivados das plaquetas, além da trombina, através de ambos efeitos, pró- coagulantes e pró-inflamatórios, são grandes contribuintes das doenças vasculares. OUTROS FATORES Fatores associados a um risco menos pronunciado e/ou difícil de quantificar incluem: → Falta de exercício; → Estilo de vida estressante e competitivo (personalidade “tipo A”); e → Obesidade (é complicada pela HAS, DM, hipertrigliceridemia e diminuição do HDL). FISIOPATOLOGIA A visão da aterogênese integra os fatores de risco discutidos anteriormente e é chamada de hipótese de “resposta à lesão”. Este modelo vê a aterosclerose como uma resposta crônica inflamatória e reparativa da parede arterial à lesão endotelial. A progressão da lesão ocorre pela interação entre lipoproteínas modificadas, macrófagos derivados de monócitos e linfócitos T, com células endoteliais e células musculares lisas da parede arterial. Estudos têm sugerido duas fases interdependentes na evolução da doença aterosclerótica: → Fase “aterosclerótica”: predomina formação anatômica da lesão aterosclerótica sob influencia dos fatores de risco; não possui manifestações clínicas dramáticas. → Fase trombótica: a influência dos “fatores de risco trombogênicos” determina a formação aguda de trombo sobre a placa aterosclerótica, fenômeno este diretamente ligado aos eventos agudos coronarianos, como infarto do miocárdio, angina instável e morte súbita. Esquema de progressão da aterosclerose: Lesão e disfunção endoteliais; Causando: Aumento da permeabilidade vascular, adesão de leucócitos, trombose e outros. Acúmulo de lipoproteínas (principalmenteLDL e suas formas oxidadas) na parede do vaso. Adesão de monócitos ao endotélio, seguida por migração para a íntima e transformação em macrófagos e células espumosas. MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves Adesão plaquetária Fatores liberados por plaquetas, macrófagos e células da parede vascular ativados, induzindo recrutamento de células musculares lisas, seja da média ou de precursores circulantes. Proliferação de células musculares lisas, produção da matriz extracelular e recrutamento das células T. Acúmulo de lipídios extracelulares e dentro das células (macrófagos e células musculares lisas). Atualmente as evidências científicas demonstram que os mecanismos envolvidos na gênese da doença aterosclerótica são extremamente complexos e envolvem a interação de componentes genéticos, ambientais e resposta inflamatória. RESPOSTA INFLAMATÓRIA, INJÚRIA ENDOTELIAL E MECANISMOS DE FORMAÇÃO DA PLACA ATEROSCLERÓTICA A aterosclerose é postulada como uma doença progressiva caracterizada pelo acúmulo de: → Lipídeos; → Elementos fibrosos e inflamatórios (especificamente de resposta à injúria endotelial vascular). Tal situação pode resultar da interação de várias forças, incluindo: → Anormalidades metabólicas e nutricionais, tais como hiperlipidemias; → Forças mecânicas associadas como a HAS; → Toxinas exógenas como as encontradas no tabaco; → Proteínas anormalmente glicosiladas associadas com os DM, lípides ou proteínas modificadas oxidativamente; e, possivelmente; → Infecções virais e bacterianas. A resposta inflamatória na aterogênese é mediada através de mudanças funcionais em: → Células endotelias (CEs); → Linfócitos T; → Macrófagos derivados de monócitos; e → Células do músculo liso. A ativação destas células desencadeia a elaboração e interação de um extenso espectro de: → Citocinas; → Moléculas de adesão; → Fatores de crescimento; MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves → Acúmulo de lipídeos; e → Proliferação de células do músculo liso. Adicionalmente, a resposta inflamatória pode ser induzida pelo estresse oxidativo, principalmente à oxidação da LD-c. Estas interações resultam em expressão e seleção de vários mediadores potenciais da formação de lesão vascular, tais como: → Fatores de crescimento de endotélio vascular (VEGF); → Fator de crescimento de fibroblastos (FGF); → Interleucina- 1 (IL-1); e → Fatores de transformação -α e -β (TGF-α, TGF-β). A IL-1, e os TGF-α e TGF-β podem inibir a proliferação endotelial e induzir a expressão genética secundária pelo endotélio de fatores de crescimento, como o fator de crescimento derivado de plaquetas (FCDP) e outros mediadores potenciais da formação de lesão vascular. O TGF-β também induz a síntese de tecido conjuntivo pelo endotélio. Além disso, as células endoteliais produzem fatores estimulantes de colônias de macrófagos (M-CSF), fatores estimulantes de colônias de macrófagos- granulócitos (GM-CSF) e LDL-ox, que são mitogênicos e fatores ativadores dos macrófagos adjacentes. As células endoteliais também fornecem fatores quimiotáxicos potentes que afetam a quimiotaxia dos leucócitos, incluindo a LDL-ox e a proteína-1 quimiotáxica dos monócitos (MCP- 1); além de modular o tônus vasomotor através da formação de óxido nítrico (ON), prostaciclina (PGI2) e endotelinas. MOLÉCULAS DE ADESÃO DE LEUCÓCITOS E CITOCINAS As moléculas de adesão têm emergido como candidatas para adesão precoce de leucócitos no endotélio arterial em sítios de ateromas iniciais. Entre as principais moléculas de adesão, destacam-se a: → Moléculas de adesão vascular (VCAM1); → Molécula de adesão intercelular (ICAM1); → E-seletina (molécula de adesão de fase aguda) → Molécula de adesão entre endotélio e leucócitos; e outras. Acredita-se que a secreção de moléculas de adesão é regulada por citocinas sintetizadas em pequenas concentrações pelo endotélio arterial. → Destas salientam-se IL-1, IL-4, o TFN-α e a gama interferon (IFN-γ). Na vigência de disfunção endotelial, a concentração destas citocinas eleva-se, estimulando a produção de moléculas de adesão, assim favorecendo o recrutamento e adesão de monócitos à superfície endotelial. Legenda: Sequência de interações celulares na aterosclerose. Hiperlipidemia, hiperglicemia, hipertensão e outras influências causam a disfunção endotelial. Isto resulta na adesão plaquetária e recrutamento MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves de monócitos circulatórios e células T, com subsequente liberação de citocinas e fatores de crescimento pelas células inflamatórias, acarretando a migração e proliferação das células musculares lisas, além da subsequente ativação de macrófagos. As células espumosas nas placas ateromatosas derivam de células musculares lisas e macrófagos que acumularam lipídios modificados (lipoproteínas de baixa densidade agregadas e oxidadas - LDL) através dos receptores depuradores scavengers e dos receptores de proteínas relacionadas à LDL. Lipídios extracelulares são derivados da insudação pela luz vascular, em particular na presença da hipercolesterolemia, e pela da degeneração das células espumosas. O acúmulo de colesterol nas placas reflete o desequilíbrio entre o influxo e efluxo; a lipoproteína de alta densidade (HDL) também ajuda a retirar o colesterol desses acúmulos. Em resposta às citocinas e quimiocinas elaboradas, as células musculares lisas migram para a íntima, proliferam e produzem matriz extracelular, incluindo colágeno e proteoglicanas. IL-1, Interleucina-1; MCP-1, proteína quimioatrativa de monócitos-1. COMPLICAÇÕES As grandes artérias elásticas (aorta, carótida e ilíaca) e as artérias musculares de grande e médio calibres (coronárias e poplíteas) são os principais alvos da aterosclerose. A doença aterosclerótica sintomática envolve mais frequentemente as artérias que irrigam: → Coração; → Cérebro; → Rins; e → Extremidades inferiores. As principais consequências da aterosclerose são: → Infarto do miocárdio (ataque cardíaco); → Infarto cerebral (acidente vascular cerebral); → Aneurismas da aorta; e → Doença vascular periférica (gangrena dos membros inferiores) A história natural, as principais características morfológicas e os principais eventos patogênicos estão esquematizados na figura: Descreveremos a seguir as características das lesões ateroscleróticas que são tipicamente responsáveis pelas manifestações clinicopatológicas: ESTENOSE ATEROSCLERÓTICA Nas pequenas artérias, as placas ateroscleróticas podem ocluir gradualmente a luz, comprometendo o fluxo sanguíneo e causando lesão isquêmica. → No estágio inicial da estenose, o remodelamento da camada média vascular tende a manter o tamanho da luz. Contudo, há limites do grau de remodelamento e, por fim, o ateroma em expansão oclui a luz a um ponto em que há comprometimento do fluxo sanguíneo. A estenose crítica é o estágio em que a oclusão é severa o suficiente para produzir isquemia tecidual. → Na circulação coronariana (e outras), isto acontece quando a oclusão promve diminuição de 70% na área de secção transversal da luz; → Com este grau de estenose, pode-se desenvolver dor no peito por esforço (a chamada angina estável). MÓDULO PERDA DE SANGUE – P3 | Luíza Moura e Vitória Neves A ruptura da placa aguda é a evolução mais perigosa, mas a aterosclerose também tem consequências devido à diminuição crônica da perfusão arterial, por consequências da estenose com restrição de fluxo; são elas: → Oclusão mesentérica e isquemia intestinal; → Morte súbita cardíaca; → Doença cardíaca isquêmica crônica; → Encefalopatia isquêmica;→ Claudicação intermitente (perfusão diminuída nas extremidades). ALTERAÇÃO AGUDA DA PLACA A erosão ou ruptura da placa é seguida prontamente por trombose vascular parcial ou completa; resultando em infarto agudo do tecido (infarto do miocárdio ou cerebral). As alterações das placas estão dentro dessas três categorias gerais: → Ruptura/fissura: expondo constituintes da placa altamente trombogênicos. → Erosão/ulceração: expondo ao sangue a membrana basal subendotelial trombogênica. → Hemorragia no ateroma: expandindo seu volume. As placas se rompem quando elas não podem suportar o estresse mecânico gerado pelas forças de cisalhamento vascular. Os eventos que desencadeiam as mudanças abruptas nas placas e na trombose subsequente são complexos e incluem: → Fatores intrínsecos (estrutura e composição de placas); e → Elementos extrínsecos (pressão arterial, reatividade plaquetária, espasmos vasculares). A composição da placa é dinâmica e pode contribuir para o risco de ruptura. Desse modo, as placas com mais probabilidade de ruptura, sendo denominadas “placas vulneráveis” são as com: → Grandes áreas de células espumosas, de lipídios extracelulares; → Cápsulas fibrosas finas, com poucas células musculares lisas, ou têm agrupamentos de células inflamatórias. TROMBOSE A trombose parcial ou total sobreposta à ruptura de uma placa é um fator central nas síndromes coronarianas agudas. Nas formas mais sérias, a trombose pode desencadear a oclusão total dos vasos afetados.. O trombo mural numa artéria coronária também pode embolizar. → Na verdade, pequenos fragmentos embólicos do trombo podem ser encontrados na circulação intramiocárdica distal ou associados com microinfartos em pacientes com aterosclerose que morreram repentinamente. Por último, a trombina e outros fatores associados à trombose são ativadores potentes das células musculares lisas e, portanto, podem contribuir para o crescimento de lesões ateroscleróticas. VASOCONSTRIÇÃO A vasoconstrição compromete o tamanho da luz, e por aumentar as forças mecânicas locais, pode potencializar a ruptura da placa. A vasoconstrição em sítios de ateroma pode ser estimulada por: → Agonistas adrenérgicos circulantes; → Conteúdo plaquetário localmente liberado; → Disfunção da célula endotelial com comprometimento da secreção de fatores relaxantes derivados do endotélio (óxido nítrico) relativos aos fatores de contração (endotelina); e → Mediadores liberados das células inflamatórias perivasculares.
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