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Alice Bastos Aterosclerose Introdução A aterosclerose é responsável pela maior parte dos casos de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral isquêmico e doença arterial periférica; A probabilidade de desenvolver a aterosclerose é determinar pela combinação de fatores de risco adquiridos e hereditários; Quando os fatores de risco agem em conjunto, eles causam lesões da íntima chamadas de ateromas (placas ateromatosas ou ateroscleróticas) que fazem protrusão na luz dos vasos; → Essa placa ateromatosa consiste em uma lesão elevada com centro mole e grumoso de lipídios (principalmente colesterol e ésteres de colesterol), coberta por uma capa fibrosa; Figura 1: estrutura de placa aterosclerótica. Além da obstrução mecânica do fluxo sanguíneo, as placas ateroscleróticas podem: → Se romper, resultando em trombose vascular obstrutiva; → Aumentar a distância de difusão da luz para a média, levando a lesões isquêmicas e ao enfraquecimento das paredes dos vasos, alterações que podem resultar na formação de aneurismas. Fatores de risco A prevalência e a gravidade da aterosclerose e das doenças cardíacas isquêmicas entre indivíduos e grupos estão relacionadas com o número de fatores de risco; Esses fatores de risco têm efeitos multiplicativos; → Dois fatores aumentam o risco em aproximadamente quatro vezes, e três fatores, aumentam o risco em sete vezes. Fatores de risco constitucionais Genética: a história familiar é o fator de risco independente mais importante para aterosclerose; → A pré-disposição familiar bem estabelecida para aterosclerose e doenças cardíacas isquêmicas é, geralmente, poligênica, e é relacionada a grupamentos familiares de outros fatores de risco também estabelecidos, como a hipertensão ou diabetes, ou a variantes hereditárias, que influenciam outros processos fisiopatológicos, como as inflamações; Idade: entre as idades de 40 e 60 anos, a incidência de infarto do miocárdio aumenta cinco vezes; Gênero: as mulheres em pré-menopausa são relativamente protegidas contra aterosclerose e suas consequências, em comparação aos homens de idade correspondente (a menos que as mulheres tenham pré- disposição para diabetes, hiperlipidemia ou hipertensão grave); → No entanto, depois da menopausa a incidência de doenças relacionadas com a aterosclerose em mulheres aumenta e, em idades mais altas, excede a dos homens. Fatores de risco modificáveis Hiperlipidemia: é um dos principais fatores de risco da aterosclerose e, mesmo na ausência de outros fatores de risco, é suficiente para iniciar o desenvolvimento de uma lesão; → O principal componente do colesterol sérico associado com um fator de risco é a lipoproteína de baixa densidade do colesterol (LDL); Hipertensão: por si só, a hipertensão pode aumentar o risco de doença cardíaca isquêmica em aproximadamente 60%, em comparação com a população normotensa; Tabagismo: é um fator de risco bem estabelecido em homens, provavelmente responsável também pelo aumento da incidência e da intensidade da aterosclerose nas mulheres; → O abandono do tabagismo reduz substancialmente o risco; Alice Bastos Diabetes melito: induz a hipercolesterolemia e aumenta acentuadamente o fator de risco para aterosclerose. Fatores de risco adicionais Inflamação: está presente durante todos os estágios da aterogênese e está intimamente relacionada com a formação da placa aterosclerótica e sua ruptura; → A avaliação da inflamação sistêmica tem se tornado importante na estratificação de risco global; • A proteína C reativa é um marcador constantemente utilizado para avaliação; Hiper-homocistinemia: os níveis de homocisteína sérica se correlacionam com a aterosclerose coronariana, doença vascular periférica, acidentes vasculares cerebrais e trombose venosa; Síndrome metabólica: é caracterizada pela resistência à insulina, hipertensão, dislipidemia (LDL mais alto e HDL mais baixo), hipercoagulabilidade e estado pró- inflamatório; → A dislipidemia, hiperglicemia e hipertensão são fatores de risco cardíaco, enquanto os estados de hipercoagulabilidade sistêmica e pró- inflamatório podem contribuir com a disfunção endotelial e/ou trombose; Lipoproteína [Lp(a)]: os níveis de lipoproteína se associam a risco de doenças coronariana e cerebrovascular, independentemente dos níveis de colesterol total ou LDL; Fatores que afetam a hemostasia: fatores derivados das plaquetas, além da trombina, através de ambos efeitos, pró-coagulantes e pró-inflamatórios, são amplamente reconhecidos como contribuintes das doenças vasculares; Outros fatores: falta de exercício, estilo de vida estressante e competitivo e obesidade. Patogenia A aterosclerose é explicada pela hipótese de “resposta à lesão”; → A aterosclerose é vista como uma resposta crônica inflamatória e reparativa da parece arterial à lesão endotelial; → A progressão da lesão ocorre pela interação entre lipoproteínas modificadas, macrófagos derivados de monócitos e linfócitos T, com células endoteliais e células musculares lisas da parede intestinal; De acordo com esse modelo, a aterosclerose progride da seguinte maneira: 1. Lesão e disfunção endoteliais: causam aumento da permeabilidade vascular, adesão de leucócitos e trombose; 2. Acúmulo de lipoproteínas (principalmente LDL e suas formas oxidadas) na parede do vaso; 3. Adesão de monócitos ao endotélio, seguida por migração para a íntima e transformação em macrófagos e células espumosas; 4. Adesão plaquetária; 5. Fatores liberados por plaquetas, macrófagos e células da parede vascular ativados, induzindo recrutamento de células musculares lisas, seja da média ou de precursores circulantes; 6. Proliferação de células musculares lisas, produção da matriz extracelular e recrutamento das células T; 7. Acúmulo de lipídios extracelulares e dentro das células (macrófagos e células musculares lisas). Lesão endotelial A lesão de células endoteliais é o pilar da hipótese da resposta à lesão; A perda endotelial por qualquer tipo de lesão resulta em espessamento da íntima; No entanto, as lesões humanas iniciais são encontradas em locais de endotélio morfologicamente intacto; A disfunção endotelial sem denudação é a base da maior parte dos casos de aterosclerose humana; → Nessa situação, células endoteliais intactas, porém disfuncionais, mostram aumento da permeabilidade endotelial, aumento da adesão de leucócitos e expressão genética alterada; Não são inteiramente compreendidos as vias e os fatores específicos que contribuem para a disfunção de células endoteliais no início da aterosclerose; → Os principais envolvidos são: toxinas do cigarro, homocisteína e agentes infecciosos; As citocinas inflamatórias também podem estimular a expressão de genes endoteliais pró-aterogênicos. Desequilíbrios hemodinâmicos As placas tendem a se formar nos óstios de saída dos vasos, pontos de ramificação e por toda a parede posterior da aorta abdominal, onde existem padrões de fluxo desordenados; Alice Bastos → O fluxo laminar não turbulento leva à expressão de genes endoteliais que são ateroprotetores, o que explica a localização não aleatória das lesões iniciais ateroscleróticas. Lipídios As evidências que implicam a hipercolesterolemia na aterogênese incluem: → Os lipídios predominantes nas placas ateromatosas são o colesterol e os ésteres do colesterol; → Os defeitos genéticos na captação e metabolismo das lipoproteínas que causam hiperlipoproteinemia se associam à aterosclerose acelerada; → Outros distúrbios genéticos ou adquiridos que causam hipercolesterolemia levam à aterosclerose precoce; → Análises epidemiológicas demonstram uma correlação significativa entre a intensidade da aterosclerose e os níveis de colesterol total ou de LDL noplasma; → A redução do colesterol sérico por dieta ou medicamentos torna mais lenta a taxa de progressão da aterosclerose, causa regressão de algumas placas e reduz o risco de eventos cardiovasculares; Os mecanismos pelos quais a hiperlipidemia contribui para a aterogênese são: → Hiperlipidemia crônica (particularmente hipercolesterolemia), pode comprometer diretamente a função das células endoteliais por aumento da produção de espécies reativas de oxigênio local; • Além de causar lesões na membrana e na mitocôndria, os radicais livres do oxigênio aceleram o declínio do óxido nítrico, reduzindo sua atividade vasodilatadora; → Com hiperlipidemia crônica, as lipoproteínas se acumulam dentro da íntima, onde elas podem se agregar ou ser oxidadas por radicais livres produzidos por células inflamatórias; • A LDL modificada é acumulada por macrófagos através de vários receptores scavengers ou depuradores; • Como as lipoproteínas modificadas não podem ser completamente degradadas, a ingestão crônica leva à formação de macrófagos cheios de lipídios, chamados de células espumosas; • As lipoproteínas modificadas não só são tóxicas para as células endoteliais, células musculares lisas e macrófagos, como também sua ligação e captação estimulam ainda a liberação de fatores de crescimento, citocinas e quimiocinas, criando círculos viciosos de recrutamento e ativação de monócitos. Inflamação A inflamação crônica contribui com o início e a progressão das lesões ateroscleróticas; Acredita-se que a inflamação seja desencadeada pelo acúmulo de cristais de colesterol e ácidos graxos livres em macrófagos e outras células; → Essas células percebem a presença de materiais anormais através de receptores citosólicos imunológicos inatos, que são componentes do inflamassomo; A ativação do inflamassomo resultante leva à produção da citocina pró-inflamatória IL-1, que serve para recrutar leucócitos, incluindo monócitos; → Linfócitos T também são ativados; O resultado final da ativação dos macrófagos e das células T é a produção local de citocinas e quimiocinas que recrutam e ativam mais células inflamatórias; Os macrófagos ativados produzem espécies reativas de oxigênio que aumentam a oxidação da LDL e elaboram fatores de crescimento que estimulam a proliferação de células musculares lisas; As células T ativadas nas lesões da íntima em crescimento elaboram citocinas inflamatórias, por exemplo, o interferon-y, que pode, por sua vez, estimular os macrófagos, bem como as células endoteliais e as células musculares lisas; Esses leucócitos e as células da parede vascular liberam fatores de crescimento que promovem a proliferação de células musculares lisas e a síntese de proteínas da matriz extracelular. Proliferação muscular lisa e síntese de matriz A proliferação de células musculares lisas na íntima e a deposição de matriz extracelular convertem a estria gordurosa em ateroma maduro e contribuem para o crescimento progressivo das lesões ateroscleróticas; Alice Bastos Vários fatores de crescimento estão implicados na proliferação de células musculares lisas, incluindo o fator de crescimento derivado de plaquetas, fator de crescimento do fibroblasto e fator transformante do crescimento-alfa; Esses fatores também estimulam as células musculares lisas e sintetizam a matriz extracelular (principalmente colágeno), que estabiliza as placas ateroscleróticas; Em contraste, as células inflamatórias ativadas em ateromas podem aumentar a degradação de componentes de matriz extracelular, resultando em placas instáveis. Complicações As principais consequências da aterosclerose são: → Infarto do miocárdio (ataque cardíaco); → Infarto cerebral (acidente vascular cerebral); → Aneurismas da aorta; → Doença vascular periférica (gangrena dos membros inferiores); Estenose aterosclerótica Em pequenas artérias, as placas ateroscleróticas podem ocluir gradualmente a luz, comprometendo o fluxo sanguíneo e causando lesão isquêmica; No estágio inicial da estenose, o remodelamento da camada vascular tende a manter o tamanho da luz; No entanto, há limites do grau de remodelamento e, por fim, o ateroma em expansão oclui a luz a um ponto em que há comprometimento do fluxo sanguíneo; A estenose crítica é o estágio em que a oclusão é severa o suficiente para produzir isquemia tecidual; → Na circulação coronariana, isto acontece tipicamente quando a oclusão produz uma diminuição de 70% na área de secção transversal da luz; • Com este grau de estenose, pode-se desenvolver dor no peito por esforço (angina estável); Algumas consequências da estenose com restrição de refluxo são: → Oclusão mesentérica e isquemia intestinal; → Morte súbita cardíaca; → Doença cardíaca isquêmica crônica; → Encefalopatia isquêmica; → Claudicação intermitente (perfusão diminuída nas extremidades); Os efeitos da oclusão vascular dependem do suprimento arterial e da demanda metabólica do tecido afetado. Alteração aguda da placa A erosão ou ruptura da placa é seguida prontamente por trombose vascular parcial ou completa, resultando em infarto agudo do tecido; As alterações das placas podem ser: → Ruptura/fissura: há exposição dos constituintes da placa altamente trombogênicos; → Erosão/ulceração: expõe ao sangue a membrana basal subendotelial trombogênica; → Hemorragia no ateroma: há expansão do volume; Estudos mostram que a maioria das placas que passam por ruptura abrupta e oclusão coronariana apresentou anteriormente apenas uma estenose leve a moderada da luz não importante; → Dessa forma, um grande número de adultos assintomáticos pode estar correndo risco de um evento coronariano catastrófico; As placas se rompem quando elas não podem suportar o estresse mecânico gerado pelas forças de cisalhamento vascular; Os eventos que desencadeiam as mudanças abruptas nas placas e na trombose subsequente são complexos e incluem fatores intrínsecos e elementos extrínsecos; A composição da placa é dinâmica e pode contribuir para o risco de ruptura; → As placas que contêm grandes aéreas de células espumosas, de lipídios extracelulares, e aquelas nas quais as cápsulas fibrosas são finas ou contêm poucas células musculares lisas, ou têm agrupamentos de células inflamatórias, têm mais probabilidade de ruptura, sendo denominadas “placas vulneráveis”; Alice Bastos A capa fibrosa passa por remodelamento contínuo que pode estabilizar a placa, ou de modo inverso, deixá-la mais suscetível a rupturas; O colágeno é o principal componente estrutural da capa fibrosa e é responsável por suas resistência e estabilidade mecânicas; → Assim, o equilíbrio entre a síntese e a degradação do colágeno afeta a integridade da cápsula; O colágeno na placa aterosclerótica é produzido principalmente por células musculares lisas; → Dessa forma, a perda dessas células resulta em uma cápsula menos resistente; O ciclo do colágeno é controlado pelas metaloproteinases (MMPs); → São enzimas elaboradas, em sua maior parte, por macrófagos e células musculares lisas no interior da placa ateromatosa; → Os inibidores teciduais de metaloproteinases (TIMPs), produzidos por células endoteliais, células musculares lisas e macrófagos, modulam a atividade das MMPs; A inflamação da placa resulta em um aumento da degradação do colágeno e na redução de sua síntese, desestabilizando a integridade mecânica da capa fibrosa; As influências extrínsecas às placas também contribuem para as alterações agudas; → A estimulação adrenérgica pode aumentar a pressão arterial sistêmica ou induzir vasoconstrição local, aumentando assim as tensões físicas em uma placa; → Estresse emocional também pode contribuir para a ruptura da placa; Nem todas as rupturas de placas resultam em trombosesoclusivas com consequências catastróficas. O reparo das rupturas subclínicas das placas – e a reabsorção dos trombos sobrejacentes – é um importante mecanismo de crescimento das lesões ateroscleróticas. Trombose A trombose parcial ou total sobreposta à ruptura de uma placa é um fator central nas síndromes coronarianas agudas; Em casos mais graves, a trombose pode desencadear a oclusão total dos vasos afetados; → Em outras síndromes coronarianas, a obstrução da luz pelo trombo é incompleta, podendo aumentar e diminuir com o passar do tempo; Pequenos fragmentos embólicos do trombo podem ser encontrados geralmente na circulação intramiocárdica distal ou associados com microinfartos em pacientes com aterosclerose que morreram repentinamente; A trombina e outros fatores associados à trombose são ativadores potentes das células musculares lisas e, portanto, podem contribuir para o crescimento de lesões ateroscleróticas. Vasoconstrição A vasoconstrição compromete o tamanho da luz, e por aumentar as forças mecânicas locais, pode potencializar a ruptura da placa; A vasoconstrição em sítios de ateroma pode ser estimulada por: → Agonistas adrenérgicos circulantes; → Conteúdo plaquetário localmente liberado; → Disfunção da célula endotelial com comprometimento da secreção de fatores relaxantes derivados do endotélio (óxido nítrico) relativos aos fatores de contração (endotelina); → Mediadores liberados das células inflamatórias perivasculares.
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