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Autora: Profa. Andrea Ferian Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Primeiros Socorros Professora conteudista: Andrea Ferian Graduada em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo (1995). Possui mestrado (2016) em Ciências Morfofuncionais pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e aprimoramento (1997) em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Atualmente é professora adjunta da Universidade Paulista (UNIP), ministrando aulas nos cursos de Fisioterapia e Educação Física. Ministra aulas nos cursos de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá (Reabilitação de Lesões e Doenças Musculoesqueléticas) e da FMU (Lesões e Doenças Musculoesqueléticas: Prevenção e Condicionamento Físico). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F356p Ferian, Andrea. Primeiros Socorros / Andrea Ferian. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 124 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Avaliação. 2. Urgência e Emergência 3. Traumas. I. Título. CDU 616-083.98 U504.37 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Giovanna Oliveira Ricardo Duarte Sumário Primeiros Socorros APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 INTRODUÇÃO AOS PRIMEIROS SOCORROS.............................................................................................9 1.1 Sistema de emergências médicas e aspectos legais e éticos no atendimento de emergências ............................................................................................................9 1.2 Conhecimento e avaliação dos sinais vitais .............................................................................. 12 1.2.1 Avaliação da temperatura corporal ................................................................................................. 12 1.2.2 Avaliação da frequência respiratória .............................................................................................. 15 1.2.3 Avaliação da pressão arterial ............................................................................................................. 16 1.2.4 Avaliação da frequência cardíaca .................................................................................................... 17 1.3 Protocolos para atendimento de emergências ........................................................................ 19 1.3.1 Avaliação inicial da cena ..................................................................................................................... 19 1.3.2 Avaliação da vítima ................................................................................................................................ 20 2 EMERGÊNCIAS CARDÍACAS E VASCULARES ........................................................................................ 23 2.1 Parada cardiorrespiratória (PCR) e ressuscitação cardiopulmonar (RCP) ...................... 23 2.1.1 SBV para adultos ..................................................................................................................................... 24 2.1.2 RCP ............................................................................................................................................................... 25 2.1.3 SBV para crianças ................................................................................................................................... 28 2.1.4 Parada respiratória ................................................................................................................................. 29 2.2 Infarto agudo do miocárdio (IAM) ................................................................................................ 29 2.3 Acidente vascular encefálico (AVE) ............................................................................................... 32 2.4 Hemorragias ........................................................................................................................................... 34 2.4.1 Hemorragias internas ............................................................................................................................ 34 2.4.2 Hemorragias externas ........................................................................................................................... 36 2.4.3 Epistaxe (sangramento nasal) ............................................................................................................ 37 2.5 Estados de choque ............................................................................................................................... 38 3 OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS POR CORPO ESTRANHO (OVACE) ................................................ 41 3.1 Sequência de desobstrução de vias aéreas para adultos ..................................................... 41 3.2 Sequência de desobstrução de vias aéreas para crianças.................................................... 43 4 URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS CLÍNICAS ................................................................................................ 44 4.1 Emergências hipertensivas ............................................................................................................... 44 4.2 Emergências diabéticas ...................................................................................................................... 45 4.2.1 Hipoglicemia ou coma insulínico ..................................................................................................... 46 4.2.2 Cetoacidose e coma diabético ........................................................................................................... 48 4.3 Problemas relacionados à temperatura....................................................................................... 49 4.3.1 Intermação ................................................................................................................................................ 49 4.3.2 Hipotermia ................................................................................................................................................. 51 4.4 Convulsões .............................................................................................................................................. 52 Unidade II 5 INTOXICAÇÕES E ENVENENAMENTOS .................................................................................................... 59 5.1 Intoxicação alimentar .........................................................................................................................59 5.2 Intoxicação medicamentosa ............................................................................................................ 60 5.3 Intoxicação por substâncias químicas ......................................................................................... 61 5.4 Procedimentos em mordidas e picadas de animais peçonhentos.................................... 63 6 QUEIMADURAS, CHOQUES ELÉTRICOS E AFOGAMENTOS .............................................................. 71 6.1 Queimaduras .......................................................................................................................................... 71 6.2 Choques elétricos ................................................................................................................................. 77 6.3 Afogamentos .......................................................................................................................................... 79 7 TRAUMAS ........................................................................................................................................................... 84 7.1 Atendimento à vítima de trauma .................................................................................................. 84 7.2 Trauma de crânio .................................................................................................................................. 85 7.3 Trauma de tórax .................................................................................................................................... 86 7.4 Trauma abdominal ............................................................................................................................... 88 7.5 Lesões musculoesqueléticas ............................................................................................................. 89 7.5.1 Entorses....................................................................................................................................................... 90 7.5.2 Luxações ..................................................................................................................................................... 91 7.5.3 Fraturas ....................................................................................................................................................... 92 7.6 Imobilizações .......................................................................................................................................... 94 7.7 Transporte adequado da vítima ...................................................................................................... 95 7.7.1 Transporte com um socorrista ........................................................................................................... 97 7.7.2 Transporte com dois socorristas .....................................................................................................100 7.7.3 Transporte com três socorristas ......................................................................................................102 7.8 Tipos de ferimentos ...........................................................................................................................104 7.8.1 Feridas fechadas – contusão ............................................................................................................104 7.8.2 Feridas abertas .......................................................................................................................................104 8 EMERGÊNCIAS OBSTÉTRICAS ...................................................................................................................105 8.1 O bebê e a anatomia da gestação ...............................................................................................106 8.2 Etapas do trabalho de parto ..........................................................................................................106 8.2.1 Primeira fase: dilatação ......................................................................................................................106 8.2.2 Segunda fase: coroação e parto .....................................................................................................107 8.2.3 Terceira fase: dequitação ...................................................................................................................107 8.3 Como transportar uma mulher em trabalho de parto ........................................................107 8.4 Auxiliando o parto .............................................................................................................................108 8.5 Cuidando do cordão umbilical ......................................................................................................110 8.6 Cuidando do bebê ..............................................................................................................................110 7 APRESENTAÇÃO Acidentes e emergências médicas podem acontecer a qualquer hora e em qualquer lugar: em casa, nas ruas, no trabalho e nas escolas. Quedas, queimaduras, ataques cardíacos, choques elétricos, convulsões e intoxicações são alguns exemplos de emergências. São sempre eventos inesperados, que podem gerar pânico e falta de ação nas pessoas ao redor. Saber identificar o problema e agir com presteza é fundamental para salvar a vida de uma pessoa. Os primeiros socorros referem-se aos cuidados iniciais prestados à vítima no local do evento até que ocorra a chegada de um socorro profissional. Nesses minutos de espera, muita coisa pode acontecer, e uma pessoa treinada em primeiros socorros pode manter a vítima viva até o atendimento médico adequado, assim como pode evitar outras lesões ou o agravamento das já existentes. Este livro-texto foi desenvolvido para que o estudante da área da saúde familiarize-se com as emergências e urgências mais frequentes, suas causas, sinais e sintomas, assim como com os protocolos específicos para os cuidados iniciais. O conteúdo procura ir além de um manual de primeiros socorros para leigos. O objetivo é aprofundar o estudo de determinadas condições, abordando aspectos como fisiologia, fisiopatologia e quadro clínico, o que possibilitará a construção de um saber mais consistente. Por fim, o profissional da saúde, independente de sua área de atuação, tem a importante missão de ser um multiplicador de conhecimentos, devendo difundir, sempre que possível, os conhecimentos dos primeiros socorros na sua comunidade e meio onde está inserido. Essas informações podem salvar vidas! INTRODUÇÃO Nesta disciplina conheceremos como é estruturado o sistema de atendimento às urgências e emergências no Brasil e os princípios básicos dos primeiros socorros, que incluem a avaliação da cena e da vítima. Após esse panorama geral, abordaremos de forma específica as principais emergências, começando pela parada cardiorrespiratória. Essa condição merece destaque, pois pode estar presente em uma considerável variedade de situações emergenciais, como o choque elétrico e a hipotermia, por exemplo. Assim, serão estudados os procedimentos da ressuscitação cardiorrespiratória, segundo as diretrizes da American Heart Association. Serão temas também as emergências cardiovasculares, o acidente vascular encefálico, o infarto agudo do miocárdio, as hemorragias e os estados de choque. O ponto de estudo seguinte será a obstrução de vias aéreas, durante o qual aprenderemos os procedimentos para socorrer vítimas de engasgos segundo a faixa etária. Encerraremos a unidade tratando de algumas emergências clínicas frequentes, como as crises hipertensivas, as descompensações diabéticas, os distúrbios relacionados à temperatura (hipertermia e hipotermia) e as convulsões. Na sequência, estudaremos os primeiros socorros para os quadros de intoxicação, tanto de natureza alimentar como medicamentosa, química ou causada por picadas de animais peçonhentos. 8Serão apresentados também os principais procedimentos para as vítimas de queimaduras, choque elétrico e afogamentos. Prosseguindo nosso percurso, falaremos do tema trauma, com relação ao qual serão abordados tópicos desde a avaliação da vítima de trauma até seu transporte, imobilização de segmentos corporais e cuidados específicos. Finalmente, encerraremos a disciplina estudando como auxiliar uma gestante em trabalho de parto iminente quando não há tempo ou possibilidade de transportá-la para um centro especializado. 9 PRIMEIROS SOCORROS Unidade I 1 INTRODUÇÃO AOS PRIMEIROS SOCORROS 1.1 Sistema de emergências médicas e aspectos legais e éticos no atendimento de emergências Urgências e emergências são frequentemente confundidas. No entanto, fazem referência a situações distintas. Segundo a Resolução n. 1.451/95 (BRASIL, 1995), o Conselho Federal de Medicina (CFM) define urgência como “a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata”, e emergência como “a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de morte ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, o tratamento médico imediato”. De maneira mais simplificada, emergências são agravos nos quais não há tempo para aguardar uma intervenção; o atendimento deve ser imediato devido ao risco de vida. São exemplos de emergências a parada cardiorrespiratória, o infarto agudo do miocárdio e o AVE. Já as urgências, apesar de constituírem-se em condições muitas vezes graves, não possuem um caráter tão imediatista, não há risco de morte iminente. São exemplos de urgências: cólica renal, luxações, fraturas e dor abdominal moderada. Atendimento pré-hospitalar (APH) é todo atendimento prestado em situações de urgência e emergência no ambiente extra-hospitalar, ou seja, fora do hospital. No Brasil, normalmente, os atendimentos pré-hospitalares são realizados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que pode ser acionado pelo número 192. O Samu foi criado na França em 1986 e posteriormente copiado por outros países, devido ao sucesso do seu modelo. No Brasil, foi implementado em 2003 através de um acordo bilateral assinado entre o país e a França por solicitação do Ministério da Saúde. No modelo francês, as viaturas de suporte avançado têm obrigatoriamente a presença de um médico, diferentemente do modelo americano, no qual as atividades de resgate são exercidas por profissionais paramédicos (profissão que não existe no Brasil). O Samu faz parte da Política Nacional de Apoio às Urgências, sendo previsto em todo o território nacional. As equipes do Samu são compostas por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e condutores que são também socorristas. A participação de cada um desses profissionais nos atendimentos está condicionada à gravidade do caso: após coletar os dados sobre a vítima e sua localização, os técnicos do atendimento telefônico da Central de Regulação de Urgência encaminham essas informações para o médico regulador, que avalia os sintomas relatados e define se é necessário enviar uma ambulância e que tipo de equipe será enviada. Os veículos levam equipamentos que vão desde UTIs até suporte básico 10 Unidade I para casos simples. Fazem parte da frota também helicópteros, motocicletas e lanchas. O atendimento ocorre no local onde a vítima se encontra, seja em sua residência, no trabalho ou em via pública. Figura 1 – Viatura do Samu O Samu é um serviço 24 horas e, segundo o Ministério da Saúde, deve ser acionado nas seguintes situações: • problemas cardiorrespiratórios; • intoxicação exógena e envenenamento; • queimaduras graves; • maus-tratos; • trabalhos de parto nos quais haja risco de morte da mãe ou do feto; • tentativas de suicídio; • crises hipertensivas e dores no peito de aparecimento súbito; • acidentes/traumas com vítimas; • afogamentos; • choque elétrico; • acidentes com produtos perigosos; • suspeita de infarto ou AVC, cujos sintomas mais comuns são alteração súbita na fala, perda de força em um lado do corpo e desvio da comissura labial; • agressão por arma de fogo ou arma branca; • soterramento, desabamento; 11 PRIMEIROS SOCORROS • crises convulsivas; • transferência inter-hospitalar de doentes graves; • outras situações consideradas de urgência ou emergência, com risco de morte, sequela ou sofrimento intenso. Após o atendimento pela equipe do Samu, o paciente será encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou, em casos de maior complexidade, para o hospital (politraumas, infarto, acidente vascular cerebral, entre outros). Outros grupos de profissionais podem também exercer o APH, como bombeiros e policiais (federais, civis, militares e guardas municipais). O telefone da central dos bombeiros é 193. Os primeiros socorros não devem ser confundidos com o atendimento pré-hospitalar, que é realizado pela ambulância e pelos profissionais do resgate (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, bombeiros etc.). Os primeiros socorros são ações executadas por pessoas treinadas ou orientadas pelo médico regulador da Central de Regulação de Urgência (pelo telefone 192), e sua finalidade é manter a vítima viva e evitar agravos até a chegada da ambulância ou até o transporte da vítima para um hospital, quando isso é possível. Para o Código Penal Brasileiro, todo indivíduo tem dever de ajudar um acidentado ou chamar o serviço especializado para atendê-lo. A omissão de socorro constitui crime previsto no artigo 135 (BRASIL, 1940): Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único- A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. Essa assistência, portanto, engloba desde chamar o serviço especializado (ambulância, Samu, bombeiro) até o ato de iniciar os primeiros socorros. Ao pedir ajuda, a pessoa deve tentar passar o máximo de informações, como localização da vítima (endereço, ponto de referência), idade aproximada, impressão inicial e, em caso de trauma, tipo de acidente e número de vítimas. Aqui chegamos a um ponto muito importante: para a aplicação dos primeiros socorros, deve-se ter um conhecimento mínimo sobre o tema, bem como informações básicas de como proceder diante dos diversos tipos de emergência que podem ocorrer. 12 Unidade I Alguns conhecimentos simples podem diminuir o sofrimento, evitar complicações e salvar uma vida. Se a pessoa não se sentir segura ou não tiver condições emocionais de prestar socorro direto à vítima, deve procurar alguém que a auxilie e acionar o resgate. Conhecer os primeiros socorros é tão importante que em outubro de 2018 foi criada a Lei n. 13.722, que torna obrigatória a capacitação em noções básicas de primeiros socorros de professores e funcionários de estabelecimentos de ensino públicos e privados de educação básica e de estabelecimentos de recreação infantil. Essa lei foi batizada como Lei Lucas, para homenagear o menino Lucas Begalli Zamora, de 10 anos, que em 2017 veio a óbito devido a um engasgo ocorrido durante um passeio escolar. O texto da lei define que os cursos de primeiros socorros sejam ofertados anualmente, tanto para capacitação quanto para reciclagem dos profissionais já capacitados. O objetivo do treinamento é possibilitar que os professores consigam agir em situações emergenciais enquanto a assistência médica especializada não for proporcionada (SENADO FEDERAL, 2018). 1.2 Conhecimento e avaliação dos sinais vitais Sinais vitais são aqueles que indicam a existência de vida. Através deles podemos ter conhecimento sobre o estado geral de uma pessoa. São eles: • temperatura; • pulso (frequênciacardíaca – FC); • respiração (frequência respiratória – FR); • pressão arterial (PA). Verificados em intervalos regulares, podem auxiliar a determinar se as condições do paciente estão melhorando, piorando, ou permanecem iguais (BERGERON et al., 2007). 1.2.1 Avaliação da temperatura corporal Termorregulação A temperatura central média do corpo humano, isto é, dos tecidos profundos, situa-se entre 36,7 °C e 37 °C, e permanece quase constante, com mínimas variações de 0,6 °C (GUYTON; HALL, 2002). Por isso, diz-se que o ser humano é homeotérmico, isto é, mantém a temperatura corporal relativamente constante apesar das variações do meio. Em contraste, a temperatura cutânea pode aumentar e diminuir de acordo com as variações da temperatura ambiental. De forma geral, a temperatura corporal é controlada pelo equilíbrio entre produção e perda de calor. A produção de calor pelo corpo humano, denominada termogênese, ocorre através da atividade metabólica celular geral, com grande contribuição da atividade muscular. A pele, os tecidos subcutâneos 13 PRIMEIROS SOCORROS e principalmente a gordura atuam como um isolante térmico do organismo, constituindo um meio eficaz para manter a temperatura interna normal (GUYTON; HALL, 2002). Esse calor produzido no organismo pelos órgãos e tecidos profundos (sobretudo fígado, cérebro e coração) é transferido para a pele através da circulação sanguínea, para então ser perdido para o ar e o meio ambiente. A condução de calor pelo sangue até a pele é controlada pelo grau de vasoconstrição das arteríolas e das anastomoses arteriovenosas. Quando há excesso de calor necessitando ser dissipado, ocorre vasodilatação e, ao contrário, quando o calor precisa ser conservado, há vasoconstrição. Esse mecanismo é regulado pelo sistema nervoso simpático, em resposta a variações na temperatura corporal interna e alterações na temperatura ambiente. A perda de calor da pele para o meio ambiente, por sua vez, ocorre através de irradiação, condução, convecção e evaporação. A irradiação é a perda de calor sob a forma de raios térmicos infravermelhos (ondas eletromagnéticas) e não é necessário que haja contato entre os corpos para haver transferência de calor. O corpo humano irradia raios térmicos em todas as direções e também recebe irradiações de outros objetos, como, por exemplo, as paredes dos cômodos de ambientes onde estivermos. O corpo absorve energia térmica radiante quando está mais frio em relação ao ambiente ou aos objetos que o rodeiam. Um exemplo é a transferência de calor por irradiação de uma lareira para o corpo. Se a temperatura do corpo for maior do que a do meio ambiente, haverá maior quantidade de calor irradiada do corpo do que em direção a ele. A condução refere-se à troca de calor por transferência direta (através de contato) entre moléculas (líquido, sólido ou gás). Um exemplo de transferência de calor por condução é deitar sobre uma pedra fria. A convecção é caracterizada pela troca de calor diante da permuta de ar (ou água) rente ao corpo. Nessa forma de transferência de calor, o ar em contato com a pele recebe calor e imediatamente é substituído por novo ar não aquecido, que continua o processo, como durante uma situação de vento. Quanto maior a velocidade do vento, maior a convecção e maior o efeito do resfriamento. Geralmente a convecção é um mecanismo de perda de calor e não de ganho. A evaporação consiste na perda de calor através da transpiração e é o principal modo de dissipação térmica durante o exercício (80%). À medida que aumenta a temperatura corporal interna, aumenta a produção de suor. Quando o suor chega à pele, passa da forma líquida à gasosa: o calor é perdido nesse processo. Mesmo quando o corpo não está suando, a água ainda evapora, insensivelmente, a partir da pele e dos pulmões (as membranas das mucosas do sistema respiratório liberam cerca de 300 ml de líquido vaporizado por dia). Isso determina uma perda contínua de calor, de 12 a 16 calorias por hora (KENNEY; WILMORE; COSTILL, 2013). 14 Unidade I Enquanto a temperatura da pele é maior do que a do meio ambiente, há perda de calor por irradiação e condução. Entretanto, quando a temperatura do meio ambiente fica maior do que a da pele, o corpo, ao invés de perder calor, recebe-o, por irradiação e condução. Nessas situações, a única forma de o corpo livrar-se do calor é por evaporação. Assim, a evaporação é o principal meio de defesa fisiológico para o controle do superaquecimento corporal em situações de altas temperaturas ambientais e durante o exercício físico. Nessas condições, qualquer fator capaz de impedir a evaporação adequada (como roupas inadequadas) pode acarretar a elevação da temperatura corporal interna. Os seres humanos só conseguem tolerar temperaturas internas abaixo de 35 ºC ou acima de 41 ºC por breves períodos. Para que a temperatura interna seja mantida dentro desses limites, o corpo humano desenvolveu respostas fisiológicas bastante eficazes ao calor e ao frio. A estrutura capaz de detectar alterações na temperatura corporal e desencadear essas respostas é o núcleo pré-óptico do hipotálamo anterior (NPOHA), que funciona como um sensor térmico. Essa estrutura contém grande número de neurônios sensíveis ao calor e ao frio. Além disso, termorreceptores de outras partes do corpo, como os da pele, das vísceras e de grandes vasos, também enviam informações (aferências) ao NPOHA e ao córtex, contribuindo para a termorregulação. Quando o NPOHA é aquecido, a resposta compensatória consiste em vasodilatação periférica (para aumentar a transferência de calor para a pele e da pele para o meio) e aumento da sudorese através da ativação das glândulas sudoríparas exócrinas. Essa reação destina-se a fazer o corpo perder calor e voltar à sua temperatura normal. Quando a temperatura interna cai, imediatamente são acionados reflexos para aumentar a produção e conservação de calor: vasoconstrição periférica, inibição do processo de sudorese, aumento do metabolismo basal e tremores. Os tremores, ou calafrios, são ciclos rápidos e involuntários de contração e relaxamento dos músculos esqueléticos, e podem aumentar de quatro a cinco vezes a taxa de produção de calor do corpo em repouso. Algumas situações podem causar anormalidades no controle da temperatura corporal, como a febre, que é uma elevação da temperatura corporal central acima dos níveis habituais. Algumas substâncias tóxicas podem afetar os centros termorreguladores, como proteínas e toxinas liberadas pelas membranas celulares bacterianas. As substâncias que produzem esse efeito são denominadas pirogênios. Os fármacos que reduzem o nível de febre são chamados antipiréticos. Outra condição que provoca a elevação prolongada da temperatura é a compressão do hipotálamo por tumor cerebral (GUYTON; HALL, 2002). Como medir a temperatura • Oral: temperatura média varia de 36,2 ºC a 37 ºC. O termômetro deve ficar por cerca de três minutos sob a língua, com o paciente sentado ou deitado. Não se verifica a temperatura oral em vítimas inconscientes, após extração dentária ou inflamação na cavidade oral (porque a temperatura 15 PRIMEIROS SOCORROS pode estar alterada localmente sem necessariamente representar febre) e em crianças depois de ingerirem líquidos (frios ou quentes). • Axilar: temperatura média varia de 36 ºC a 36,8 ºC. A via axilar é a mais sujeita a fatores externos. O termômetro deve ser mantido sob a axila seca por cinco minutos, com o acidentado sentado ou deitado. Não se verifica temperatura em vítimas de queimaduras no tórax, com processos inflamatórios na axila ou fratura dos membros superiores. • Retal: temperatura média varia de 36,4 ºC a 37 ºC. O termômetro deverá ser lavado, seco e lubrificado com vaselina e mantido dentro do reto por três minutos com o acidentado em decúbito lateral, com a flexão de um membro inferior sobre o outro. A verificação da temperatura retal é a mais precisa e a que menos sofre influência de fatoresexternos, porém a menos prática para aferição, pois expõe o paciente e necessita de vaselina. 1.2.2 Avaliação da frequência respiratória A frequência respiratória (FR) de uma pessoa é a quantidade de respirações que ela faz em um minuto. Uma respiração consiste em um ciclo completo de inspiração e expiração. A respiração é controlada pelo sistema nervoso central (SNC), mais especificamente pelo centro respiratório, que é um grupamento de neurônios localizados bilateralmente na ponte e bulbo. Por meio dos movimentos respiratórios, ocorre a entrada e saída do ar nos pulmões, o que permite as trocas gasosas essenciais para a manutenção da vida: o oxigênio inalado passa dos alvéolos pulmonares para dentro dos capilares sanguíneos (através dos quais chegará a todos os tecidos e células do corpo) e o dióxido de carbono, por sua vez, sai dos capilares em direção aos alvéolos, de onde será expelido para o meio ambiente através da expiração. Esse mecanismo de troca gasosa nos pulmões recebe o nome de hematose. Qualquer fator que interrompa esse processo pode colocar em risco a vida. A obstrução das vias aéreas por vômitos, secreções, corpo estranho ou edema pode impedir a ventilação adequada e causar asfixia, com possível evolução para parada cardiorrespiratória. Alguns fatores, como superdosagem de narcóticos, certos anestésicos e edema cerebral secundário a um traumatismo craniano, podem deprimir ou até mesmo inativar o centro respiratório no sistema nervoso central. Nesses casos também pode haver uma parada respiratória, mesmo que as vias aéreas estejam livres. Como avaliar a respiração Para verificar a FR de uma pessoa basta observar os movimentos do tórax e contar o número de respirações (ciclos completos) em um minuto ou contar o número de respirações por 30 segundos e multiplicar por dois. Quando não é possível contar os movimentos respiratórios pela observação do tórax, deve-se colocar delicadamente a mão sobre a região torácica (lembrando que essa técnica não deve ser realizada no caso de ferimentos nessa área) 16 Unidade I No adulto, a FR normal varia de 12 a 20 respirações por minuto. Nos bebês, a FR é mais elevada, variando entre 30 e 50 respirações por minuto. Nas crianças, varia de 20 a 30. Além da frequência, devem-se observar as características da respiração, como ritmo (regular ou irregular), profundidade (normal, superficial ou profunda), presença de ruídos (roncos, chiados) e facilidade para respirar (se os movimentos são forçados, difíceis ou dolorosos). Quando o paciente está consciente, deve-se perguntar se tem alguma dificuldade ou dor para respirar. Um paciente com a respiração forçada tem uma condição grave (BERGERON et al., 2007). Existem alguns termos usados na área médica que designam o tipo de alteração na frequência e no padrão respiratório: • Eupneia: FR normal, respiração sem dificuldades. • Taquipneia: FR elevada. • Bradipneia: FR diminuída, respiração lenta. • Apneia: ausência de respiração. • Dispneia: angústia e sofrimento associados à incapacidade de ventilar. “Falta de ar”. 1.2.3 Avaliação da pressão arterial Pressão arterial (PA) é a pressão exercida pelo sangue dentro dos vasos sanguíneos. Quando o ventrículo esquerdo se contrai, o sangue que estava nessa cavidade é impulsionado através das artérias para todas as partes do corpo. Essa contração ventricular esquerda é chamada de sístole e a pressão gerada nos vasos é chamada de pressão sistólica. A força contrátil do coração obviamente afeta a pressão sistólica, porém outros fatores interferem de forma importante, como a resistência e elasticidade das artérias, o volume sanguíneo (quanto menos sangue, menos pressão) e a viscosidade do sangue. Na velhice, por exemplo, ocorre um endurecimento gradual das paredes das artérias, o que pode ocasionar a elevação da pressão sistólica. Após a contração, o ventrículo esquerdo relaxa e volta a se encher de sangue. Essa fase de relaxamento é chamada de diástole e a pressão nas artérias cai, sendo denominada pressão diastólica. Sendo assim, a medida da pressão arterial sempre compreende dois valores: a pressão sistólica (popularmente chamada de “máxima”) e a diastólica (popularmente chamada de “mínima”). A pressão é medida em milímetros de mercúrio (mmHg) e muda muito de indivíduo para indivíduo. Em linhas gerais, pressões acima de 140/90 mmHg são consideradas altas, e inferiores a 90/60 mmHg são consideradas baixas, podendo, inclusive, indicar algum problema mais sério, como o choque hipovolêmico, que será explicado mais adiante neste livro. 17 PRIMEIROS SOCORROS Muitos indivíduos apresentam uma elevação temporária na pressão arterial em situações de emergência devido a ansiedade, medo e estresse. Por isso, é necessária mais de uma leitura para confirmar a pressão arterial. Como medir a pressão arterial Para medir a pressão arterial é necessário um esfigmomanômetro. Normalmente a técnica usada é a da auscultação, e para isso também é necessário um estetoscópio. Antes de começar, é importante lembrar de algumas informações importantes: • O paciente pode estar sentado ou deitado, mas o braço deve estar no mesmo nível do coração. • Deve-se envolver a parte superior do braço com o manguito, um pouco acima da prega do cotovelo, de forma firme, mas não apertada (o examinador deve ser capaz de deslizar o dedo sob a borda inferior do manguito). • Para saber “quanto” inflar, é adequado antes fazer um pequeno teste: colocar os dedos no pulso radial do paciente (no punho do mesmo lado do manguito) e, conforme se infla, notar o momento em que não se percebe mais o pulso; o recomendado é continuar insuflando mais 30 mmHg além desse ponto, no momento de medir a PA. Depois de ter dado atenção às questões mencionadas, pode-se passar ao procedimento: • Uma vez determinado o valor até o qual se inflará o manguito, usando os dedos, localizar o pulso da artéria braquial que fica acima da prega do cotovelo, ligeiramente medializada; posicionar, então, o diafragma do estetoscópio sobre o pulso. O próximo passo é fechar a válvula e inflar o manguito até o valor predeterminado. • Abrir a válvula lentamente para que a pressão do aparelho seja liberada. • Escutar cuidadosamente: o primeiro estalido audível representa a pressão sistólica. • Continuar esvaziando o manguito. Os sons vão se enfraquecendo. O último estalido audível representa a pressão diastólica. É importante registrar, além da PA, o horário, a posição do paciente e o braço utilizado. 1.2.4 Avaliação da frequência cardíaca O pulso é a onda de distensão de uma artéria causada pela passagem do sangue bombeado pelo coração. Essa onda é perceptível pela palpação de uma artéria e se repete com regularidade. Ao avaliar o pulso, conseguimos determinar a frequência cardíaca (FC), isto é, o número de batimentos cardíacos por minuto. 18 Unidade I A frequência cardíaca de um adulto normal em repouso pode variar de 60 a 100 batimentos por minuto. Quanto mais condicionada a pessoa, menor sua frequência cardíaca de repouso. Atletas, por exemplo, podem apresentar FC de repouso ao redor de 50 batimentos por minuto. Frequências acima de 100 bpm são consideradas rápidas (taquicardia) e frequências abaixo de 60 bpm são consideradas lentas (bradicardia). Recém-nascidos têm um pulso entre 120 e 160 bpm. Crianças até 5 anos têm pulso entre 80 e 140 bpm e de 5 a 12 anos de 70 a 110 bpm (BERGERON et al., 2007). A verificação do pulso não se resume a medir sua frequência: deve-se também analisar a força (forte ou fraco) e o ritmo (regular ou irregular). Através do pulso, é possível avaliar se a circulação e o funcionamento do coração estão normais ou não. Um pulso rápido e forte pode indicar, por exemplo, medo, hipertensão, febre ou exercícios intensos; um pulso rápido e fraco pode indicar choque, hemorragia e falência do sistema circulatório. A ausência de pulso indica parada cardíaca (BERGERON et al., 2007). Como avaliar o pulso A mensuração do pulso éfeita preferencialmente no pulso carotídeo, localizado na parte anterior do pescoço. A medida do pulso radial, localizado no punho, deve ser complementar. A ausência do pulso radial pode indicar queda da pressão arterial ou lesão do membro com interrupção do fluxo sanguíneo para o braço. A presença do pulso carotídeo e a ausência do pulso radial podem indicar estado de choque, tema abordado mais adiante. Para avaliar o pulso, é preciso utilizar os dedos indicador, médio e anular, fazendo uma leve pressão. A pressão forte pode interromper o fluxo e impossibilitar a medida. Não utilize o polegar, porque você corre o risco de sentir seu próprio pulso, e não o do paciente. Uma vez localizado o pulso, avalie a frequência: o procedimento é contar os batimentos cardíacos por 60 segundos, ou por 30 segundos e depois multiplicar o valor obtido por dois (o resultado será a frequência cardíaca, ou seja, o número de batimentos do coração em um minuto). Durante a contagem, avalie também força e ritmo. Figura 2 – Avaliação do pulso radial e carotídeo 19 PRIMEIROS SOCORROS 1.3 Protocolos para atendimento de emergências 1.3.1 Avaliação inicial da cena Essa é a primeira etapa na prestação dos primeiros socorros, seja em uma emergência clínica ou traumática. A avaliação da cena é fundamental para garantir a segurança do socorrista e da vítima. Muitas vezes a vítima precisará esperar até haver segurança suficiente para a prestação do socorro; caso contrário, o próprio socorrista, seja ele profissional ou leigo, poderá tornar-se uma vítima. Algumas considerações de segurança devem incluir: • exposição a fluidos corporais; • exposição a produtos químicos; • fogo; • locais com risco de explosões e desmoronamentos; • linhas de energia derrubadas; • enchentes; • tráfego; • condições climáticas adversas; • presença de assaltantes ou criminosos; • multidões. Zelar pela própria segurança é a primeira responsabilidade do socorrista. Se a situação oferecer perigo fora da capacitação de quem está prestando socorro, como no caso de incêndios, deve-se aguardar ajuda especializada, como a dos bombeiros. Só retire o acidentado do local do acidente se esse local apresentar risco de vida para ele ou para o socorrista. Finalmente, após certificar-se de que o local está seguro, o socorrista pode aproximar-se e cuidar do paciente. Deve-se tentar obter o máximo de informações sobre o ocorrido e procurar a colaboração de outras pessoas, dando ordens breves e claras. Além disso, muitas situações expõem a pessoa que está prestando socorro a doenças infecciosas, seja pelo contato com o sangue (como hepatite e HIV) ou por tosse, espirro ou saliva (como tuberculose e meningite). Para proteger-se desses microrganismos, devem-se usar sempre os equipamentos de proteção individual (EPIs), tais como luvas, máscara, protetor ocular e aventais. 20 Unidade I As luvas de procedimento podem ser de látex ou nitrílicas. As nitrílicas apresentam a vantagem de serem mais resistentes, além de não serem alergênicas como as de látex. É recomendado colocar dois pares de luvas em locais onde possa haver cacos de vidro e pedaços de metal, como nos acidentes automobilísticos. As luvas internas podem proporcionar uma barreira de proteção mesmo quando as luvas externas forem danificadas. Ao finalizar qualquer prestação de socorro, devem-se lavar bem as mãos, que é um dos procedimentos mais importantes para o controle de infecções. As máscaras do tipo cirúrgico evitam o contato com respingos de sangue e outros líquidos corporais. Os óculos protegem as membranas oculares, que podem absorver líquidos e ser uma porta de entrada para infecções. Os aventais protegem a roupa e a pele em situações de sangramento, como trauma e parto. Como é impossível reconhecer o paciente portador de doença infecciosa apenas olhando-o, é fundamental a utilização dos EPIs, especialmente as luvas, durante o contato com qualquer paciente, principalmente aqueles que apresentam sangramento. 1.3.2 Avaliação da vítima Depois de assegurar-se da segurança da cena, é possível aproximar-se da vítima para prestar assistência. A avaliação é a segunda etapa na prestação dos primeiros socorros. Uma boa avaliação do paciente permite estabelecer condutas adequadas. Estabeleça comunicação e assuma o controle As pessoas vítimas de trauma ou mal súbito geralmente se encontram amedrontadas, ansiosas, confusas ou em choque. Aproxime-se da vítima, pergunte seu nome e apresente-se: “Meu nome é _______, gostaria de ajudá-lo. Tudo bem?”. Com esse contato inicial, você obtém o consentimento dela. Nesse momento, se houver necessidade, solicite ajuda das pessoas ao redor (ligue para o resgate, chame a família da vítima). Tente manter a voz calma e tranquila, chame a vítima pelo nome e passe confiança. Avaliação primária A principal meta da avaliação primária é procurar problemas que coloquem a vida em risco: verificar circulação, vias aéreas, respiração e hemorragias. Pergunte “Você está bem?”. A resposta deixará explícito o estado das vias aéreas, o nível de consciência e o mecanismo da lesão. Se a vítima responder, mesmo que de forma confusa, significa que ela está consciente e, portanto, não está em parada cardiorrespiratória. No caso de vítima consciente: • Pergunte “Onde dói?” para identificar possíveis segmentos com lesão. 21 PRIMEIROS SOCORROS • Enquanto conversa com ela, faça uma avaliação visual para verificar cianose (pele azulada por falta de oxigênio), palidez, hematomas, suor. • Verifique o pulso radial: marque a frequência cardíaca e sinta a força do pulso. • Se a vítima tiver pulso, continue a avaliação procurando por sangramentos. Lembre-se de sempre estar com luvas de proteção, se possível. Se houver hemorragia, tente controlá-la imediatamente. • Verifique a possibilidade de dano ao sistema nervoso central, prossiga com o exame neurológico (se não houver indícios de lesão nervosa, dê atenção à queixa principal). • Verifique a responsividade (lesões no sistema nervoso resultam em nível alterado de consciência e responsividade): − Alerta: os olhos da vítima estão abertos e ela consegue responder de forma clara e precisa. − Reação a estímulo verbal: a vítima parece sonolenta, mas fica alerta quando se fala com ela. − Reação à dor: a vítima parece adormecida e não responde aos estímulos verbais, mas esboça reação corporal quando é beliscada. − Não responsiva: a vítima parece estar adormecida e não responde quando é chamada. • Avalie os sinais vitais: pulso, respiração e cor e temperatura relativa da pele. No caso de vítima inconsciente: • Pergunte à vítima “Você está bem?”. Se ela parecer inconsciente e não responder, considere sempre a pior hipótese: ela pode estar em parada cardiorrespiratória. • Verifique então o pulso carotídeo por 10 segundos, enquanto observa a expansão do tórax. Se não houver pulso, chame o resgate ou peça para alguém chamar. Inicie imediatamente os procedimentos de ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Prossiga com a RCP até o paciente responder ou até o resgate chegar. • Se houver pulso, prossiga com a avaliação das vias aéreas e respiração: faça a manobra de desobstrução das vias aéreas e, se suspeitar de lesão cervical, faça a manobra modificada da mandíbula; verifique a expansão do tórax e procure sentir a respiração. • Se não houver respiração, a pessoa pode estar em parada respiratória: inicie as ventilações boca a boca. Prossiga com as ventilações até que a vítima volte a respirar espontaneamente ou que o resgate chegue. 22 Unidade I • Se a vítima estiver respirando normalmente, procure por sangramentos e hemorragias. Se encontrar, controle-os através de técnicas de compressão direta (compressão manual da região que está sangrando com gaze ou pano limpo, até o sangramento cessar – lembrando que para fazê-lo é importante a utilização de luvas de proteção). • Prossiga para a avaliação secundária. Observação A American Heart Association (AHA) denominavao protocolo de avaliação primária de ABC da vida: A-airway (vias aéreas), B-breathing (respiração), C-circulation (circulação). Iniciava-se a avaliação primeiro pela respiração e, se o paciente estivesse em parada respiratória, ministravam-se duas ventilações de resgate e então prosseguia-se com a avaliação do pulso. Porém, a última diretriz da AHA para o protocolo de atendimento às paradas cardiorrespiratórias e ressuscitação cardiopulmonar determina que agora a ordem de prioridade é: CAB, ou seja, devemos iniciar a avaliação pelo pulso para verificar função cardíaca e, se o paciente estiver em parada cardiorrespiratória, devemos começar a ressuscitação pelas compressões torácicas, e não pelas ventilações. Avaliação secundária Só deve ser iniciada depois que as condições fatais forem controladas ou descartadas e os sinais vitais registrados. Nessa etapa, faz-se uma observação mais atenta e detalhada da vítima, verificando-se cada segmento corporal, procurando inchaços, depressões, deformidades, sangramentos e outras alterações: • Crânio e pescoço: procure por depressões ósseas ou sangramentos, avalie pulso carotídeo, sensibilidade e dor na região do pescoço. • Tórax: verifique cortes e ferimentos, anormalidades respiratórias, dor nas costelas. • Abdômen: procure por ferimentos, faça a palpação e verifique a presença de rigidez ou dor. • Região pélvica: com as mãos, verifique sensibilidade ou dor e pulso femoral. • Costas: corra a mão por toda a coluna (sem mover a vítima), verificando sensibilidade, dor, deformidade. A presença de dor em algum ponto das costas pode indicar fratura de coluna. • Membros inferiores e depois superiores: observe alinhamento, inchaço, protusões ou depressões; verifique força e sensibilidade em todos os membros. 23 PRIMEIROS SOCORROS 2 EMERGÊNCIAS CARDÍACAS E VASCULARES 2.1 Parada cardiorrespiratória (PCR) e ressuscitação cardiopulmonar (RCP) As doenças cardiovasculares representam a principal causa de mortes no Brasil e no mundo. A falta de reconhecimento dos sinais e sintomas de um ataque cardíaco atrasa o atendimento das vítimas e leva a um grande número de óbitos no ambiente extra-hospitalar (PERGOLA; ARAUJO, 2009). O coração bombeia o sangue através dos pulmões, nos quais ocorre um processo denominado hematose: as moléculas de oxigênio presentes no ar que está nos alvéolos migram para os capilares sanguíneos, enquanto o dióxido de carbono faz o caminho inverso. O sangue oxigenado retorna então ao coração, de onde será bombeado para todos os órgãos e tecidos corporais. Quando o coração para, a circulação sanguínea para, e a pessoa torna-se rapidamente inconsciente. Sem fluxo sanguíneo, o coração e o cérebro logo começam a sofrer danos devido à falta de oxigênio. Para prevenir ou diminuir esse dano, diante de uma vítima de PCR, deve-se agir rapidamente e de forma confiante. Com o objetivo de auxiliar nessa tarefa, a AHA desenvolveu um sistema de socorro inicial denominado suporte básico de vida (SBV). Esse sistema consiste em uma sequência predeterminada de ações que visam minimizar os prejuízos da parada cardíaca até que a causa do problema possa ser corrigida. Não se deve tentar transportar uma pessoa em parada cardiorrespiratória ao hospital. O SBV preconiza o acionamento do socorro, a avaliação rápida do paciente, as manobras de RCP e o uso do desfibrilador externo automático. De tempos em tempos, a American Heart Association revê as diretrizes recomendadas e muitas vezes implementa algumas mudanças no protocolo, com base em pesquisas e evidências na área da ressuscitação. O objetivo é sempre aprimorar as técnicas de resgate e aumentar o índice de sobrevivência. Não é necessário ser da área médica para aplicar o SBV; qualquer pessoa pode fazê-lo, desde que esteja devidamente capacitada e informada. Existem alguns centros e hospitais que oferecem treinamento em SBV, normalmente com duração de um dia. A aplicação precoce do SBV aumenta as chances de sobrevivência até que o atendimento médico seja possível. Como a fibrilação ventricular (desorganização da atividade elétrica dos ventrículos) é uma causa comum de parada cardíaca, o sistema SBV prevê o uso de desfibrilador. Esse aparelho é capaz de detectar a fibrilação e outros tipos de disritmias e aplica um choque elétrico na parede do tórax. Com isso, essa atividade elétrica desordenada cessa e o coração consegue retomar seu ritmo normal. No SBV, o desfibrilador utilizado é o desfibrilador externo automático (DEA), que é um aparelho de fácil utilização e autoexplicativo. O DEA é conectado ao paciente através de adesivos, que irão automaticamente detectar o problema, verificar a necessidade do choque e administrar a eletricidade adequada, sem precisar de qualquer intervenção ou conhecimento técnico e médico do operador. 24 Unidade I De acordo com a determinação do Congresso Nacional através do Projeto de Lei 4.050/2004 (BRASIL, 2004), o DEA é um equipamento obrigatório em locais com aglomeração e circulação de pessoas que seja igual ou superior a 2 mil por dia, como estações de metrô, aeroportos, estádios, shoppings, supermercados, clubes e hotéis. Em transportes com capacidade superior a 100 passageiros, como metrô, trens, aeronaves e embarcações, o DEA também é obrigatório. Figura 3 – Desfibrilador externo automático (DEA) Figura 4 – Posicionamento das pás do DEA 2.1.1 SBV para adultos As etapas do SBV para adultos são as seguintes: Primeiro se garante a segurança: • Se a pessoa estiver em uma área de tráfego, mova-a para fora. • Se a pessoa estiver em uma cena que envolva água (piscina, poça etc.), mova-a para fora da água e seque-a. 25 PRIMEIROS SOCORROS • Esteja certo de que a situação não oferece risco a você. Verifique, então, a resposta: • Sacuda a pessoa pelo ombro e pergunte em voz alta “Você está bem?”. • Cheque se a pessoa está respirando: olhe o tórax de cinco a 10 segundos a fim de garantir que ele está em movimento (respiração agonizante ou ofegante é inefetiva e não conta como respiração). Chame o serviço médico de emergência: • Grite por ajuda para alguém próximo e encarregue a pessoa de acionar o serviço médico e obter um DEA. • Se estiver sozinho, telefone para o serviço de emergência enquanto checa o pulso e a respiração (a American Heart Association enfatiza que os telefones celulares estão disponíveis em qualquer lugar hoje em dia, e a maioria deles vem equipada com alto-falantes [viva-voz]; assim é possível pedir ajuda sem deixar a pessoa). O próximo passo é checar o pulso: verifique o pulso de cinco a 10 segundos; se não senti-lo em 10 segundos, inicie a RCP com as compressões torácicas. Por fim, se não houver pulso, a última etapa é a da desfibrilação. Assim que o desfibrilador estiver disponível, fixe os adesivos ao tórax da vítima e siga as instruções do aparelho, aplicando o choque se necessário. Inicie a RCP imediatamente após cada choque, começando com as compressões. 2.1.2 RCP O SBV baseia-se na premissa de que as compressões torácicas de alta qualidade são a chave para o sucesso da RCP. Antes de 2015, começava-se a RCP pelas vias aéreas e respiração, e só depois iniciavam-se as compressões torácicas. No entanto, pesquisas mostraram que principiar a RCP pelas compressões melhora o desfecho da vítima de PCR, e por isso a American Heart Association alterou as diretrizes para as etapas da RCP. São elas: • Passo 1: cheque o pulso carotídeo no pescoço. Não perca tempo tentando sentir o pulso, não use mais do que 10 segundos para isso; se não houver pulso ou se você não tiver certeza de sentir o pulso, inicie a RCP com 30 compressões torácicas e duas respirações. • Passo 2: utilize o “calcanhar” da mão na extremidade inferior do esterno, bem no meio do tórax. • Passo 3: posicione sua outra mão por cima da primeira, entrelaçando os dedos. 26 Unidade I • Passo 4: mantenha os braços retos (cotovelos esticados) e pressione para baixo; manter os braços retos ajuda na força dascompressões, pois o socorrista usa o peso de seu corpo para imprimir a força. As compressões devem ter profundidade de 5 cm e frequência de 100 a 120 compressões por minuto (as quais devem ser contadas em voz alta). Assegure-se de que o tórax retorne à sua posição normal entre uma compressão e outra (se a força exercida na compressão não cessa entre uma repetição e outra, o coração não consegue se encher de sangue e assim a ressuscitação é menos efetiva). Movimento ascendenteMovimento descendente 5 cm Figura 5 – Compressões torácicas Após 30 compressões, pare de pressionar, abra as vias aéreas e faça duas ventilações da seguinte forma: coloque suas mãos na testa da pessoa e incline a cabeça dela para trás enquanto levanta o queixo usando os dedos médio e indicador sob a mandíbula. Não faça essa manobra (inclinação da cabeça/elevação do queixo) se você suspeitar que possa ter havido um traumatismo no pescoço; nesse caso, use a manobra de puxar a mandíbula. Para fazê-la, segure a mandíbula com as duas mãos e tracione-a para cima. Se os lábios estiverem fechados, abra o lábio inferior usando o polegar. Faça uma ventilação observando a elevação do tórax e repita uma segunda vez (cada ventilação deve levar um segundo). Retome as compressões torácicas, alternando 30 compressões com duas ventilações com a maior agilidade possível – para minimizar a interrupção das compressões. Observação Eletricidade e água, quando combinadas, podem ser letais. Assegure-se de que a pessoa não está molhada (seque-a) nem próxima à água antes de usar o DEA. Se a pessoa tem marca-passo, você verá um volume no tórax; nesse caso, posicione os adesivos do DEA o mais próximo possível da posição recomendada sem colocá-los sobre o marca-passo. 27 PRIMEIROS SOCORROS Se as compressões forem muito lentas (menos de 100 compressões por minuto), muito “rasas” ou se forem interrompidas com frequência, a chance de sobrevivência da vítima diminui. Por isso, é importante treinar a técnica e praticá-la, fazendo cursos de reciclagem de tempos em tempos. No caso de haver dois socorristas, a primeira tarefa do segundo é ligar para a emergência e providenciar um DEA, enquanto o primeiro inicia as compressões torácicas. Quando o DEA chegar, o segundo socorrista prepara e aplica o DEA. Após isso a RCP deve ser reiniciada. Um socorrista fica responsável pelas compressões e o outro pelas ventilações. Os papéis devem ser trocados a cada cinco ciclos de compressões e ventilações, pois o procedimento é bastante cansativo (um ciclo consiste em 30 compressões e duas ventilações). Essa troca deve ser feita de forma ágil e rápida, para que as compressões sejam interrompidas o mínimo possível. As ventilações podem ser realizadas de três formas: máscaras faciais, ambus e, se estes não estiverem disponíveis, ventilação boca a boca. Para ventilar com eficiência, é fundamental realizar a manobra de abertura de vias aéreas (inclinação da cabeça/elevação do queixo), porque, quando a pessoa está inconsciente, há um relaxamento da língua que obstrui as vias aéreas. É necessário também interromper as compressões durante as ventilações (não é possível insuflar com eficiência o pulmão com pressão torácica simultânea). Além disso, deve-se conferir se há uma boa vedação da máscara no rosto, no caso de máscara facial ou ambu. No caso de manobra boca a boca, deve-se fechar o nariz da vítima com uma das mãos e atentar para uma boa vedação, para que não haja escape de ar. Nos bebês, é necessário cobrir com a boca o nariz e a boca da criança e ventilar as duas aberturas. A) B) Figura 6 - A) Vias aéreas abertas; B) Vias aéreas obstruídas A B C D Figura 7 – Desobstrução das vias aéreas 28 Unidade I Saiba mais Assista ao vídeo instrucional de compressões torácicas (hands-only) no site da American Heart Association: AMERICAN HEART ASSOCIATION. Hands-only CPR. 2019. Disponível em: https://international.heart.org/en/hands-only-cpr. Acesso em: 4 nov. 2019. Caso o socorrista não tenha treinamento em ventilação, pode permanecer efetuando apenas as compressões torácicas, o que a American Heart Association denomina hands-only, ou seja, “apenas as mãos” (apenas as compressões). Lembrete Executar as ações certas de forma rápida e confiante pode fazer a diferença entre viver e morrer para uma pessoa que está sofrendo um ataque cardíaco. 2.1.3 SBV para crianças Os passos são muito parecidos aos dos adultos. Considere fazer as compressões mesmo se o pulso estiver presente, mas em uma frequência inferior a 60 batimentos por minuto (esse valor é considerado muito baixo para crianças). Faça as compressões torácicas com um braço para crianças de 1 a 8 anos em uma frequência de 100 compressões/minuto. Utilize dois dedos para massagens em bebês (0-1 ano). Caso existam dois socorristas, faça 15 compressões alternadas com duas respirações. Figura 8 – Compressões torácicas em bebês 29 PRIMEIROS SOCORROS 2.1.4 Parada respiratória Se o paciente está em parada respiratória apenas, deve ser continuamente ventilado, na seguinte frequência: • Adultos: uma ventilação a cada período de cinco a seis segundos (10 a 12 ventilações por minuto). • Crianças: uma ventilação a cada período de dois a cinco segundos (12 a 20 ventilações por minuto). 2.2 Infarto agudo do miocárdio (IAM) As doenças cardiovasculares, incluindo o infarto agudo do miocárdio (IAM), representam um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo, apresentando altas taxas de incidência e mortalidade. A taxa de mortalidade brasileira para esse grupo de doenças encontra-se entre as maiores do mundo. Essa realidade pode ser explicada tanto pela mudança da estrutura etária da população, que está envelhecendo cada vez mais, quanto pelo aumento da exposição aos fatores de risco associados às doenças do aparelho circulatório, como o sedentarismo, o aumento do consumo de carnes e gorduras, a redução do consumo de frutas e verduras, o consumo de bebidas alcoólicas, o tabagismo e o aumento da prevalência de obesidade, além das desigualdades socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde (SANTOS et al., 2018). O coração é um músculo cuja função é bombear o sangue através do corpo, garantindo a perfusão e oxigenação de todas as células de diferentes tecidos. No entanto, ele próprio, como um órgão vivo composto por células, também necessita de oxigenação. Quem garante a perfusão (irrigação) das células cardíacas (os cardiomiócitos) são as artérias coronárias e seus ramos. Existem duas artérias coronárias, a direita e a esquerda, que são ramificações da aorta ascendente, logo depois que esta emerge do ventrículo esquerdo. A artéria coronária direita irriga o átrio e o ventrículo direito, os nós sinoatrial e atrioventricular, o septo interatrial, parte do átrio esquerdo, o terço póstero-inferior do septo IV e uma pequena porção do ventrículo esquerdo. A região irrigada pela artéria coronária esquerda e seus ramos corresponde à maior parte do átrio esquerdo e do ventrículo esquerdo, o septo IV, o feixe atrioventricular e seus ramos (SIERVULI et al., 2014). Quando, por algum motivo, ocorre obstrução dessas artérias, o suprimento sanguíneo cardíaco fica comprometido, levando os cardiomiócitos a sofrerem uma isquemia. Essa redução do fluxo sanguíneo provoca sensação de dor no peito, mandíbula, ombro esquerdo e braço esquerdo e é chamada de angina peitoral. Frequentemente, os leigos confundem os sintomas mais discretos com indigestão. Se a obstrução for severa, pode causar um IAM, também chamado de ataque cardíaco, e acarretar morte de parte das células musculares do coração. Outros sintomas incluem sensação de esmagamento do peito (os pacientes referem-se a isso como a sensação de “um elefante sentado no peito”), náusea, sudorese, falta de ar, palidez e sensação de desmaio (RIZZO, 2012). Se o quadro for revertido com 30 Unidade I rapidez, é possível evitar danos permanentes. No entanto, se a falta de oxigênio persistirpor um período mais longo, pode levar o indivíduo à morte. O estreitamento de uma artéria coronariana está associado na grande maioria dos casos à doença aterosclerótica (aterosclerose), na qual placas de gordura se acumulam nas paredes arteriais. Esse acúmulo causa diminuição do lúmen (calibre interno) das artérias, prejudicando o fluxo sanguíneo. As paredes das artérias afetadas podem perder a elasticidade e enrijecer. A região da placa de ateroma (gordura) é rugosa e áspera e pode sofrer uma ruptura ou erosão, desencadeando uma agregação plaquetária com formação de coágulo sanguíneo (trombo), que oclui completamente a artéria afetada. Túnica externa Túnica média Túnica íntima A. coronária direita A. marginal direita Ramo interventricular anterior Ramo interventricular posterior Ramo circunflexo A. coronária esquerda Lúmen A. coronária normal Vista anterior A) B) Placa fibrosa Figura 9 – A) Fases da aterosclerose; B) Locais de oclusão das artérias coronárias, em ordem de frequência A aterosclerose pode ser evitada por mudanças comportamentais como: evitar dietas gordurosas, não fumar, controlar o peso e praticar exercícios. A pressão arterial elevada também é um risco para o desenvolvimento de aterosclerose. 31 PRIMEIROS SOCORROS Algumas das principais complicações do IAM são a fibrilação ventricular (FV), o edema pulmonar e o choque cardiogênico, que podem levar à morte. É fundamental que os profissionais de saúde reconheçam pacientes com possível IAM, para iniciar a avaliação, a triagem adequada e o tratamento com a maior presteza possível. O que fazer? Muitas condições diversas podem falsamente sugerir um ataque cardíaco, como indigestão, estresse, ansiedade ou dor musculoesquelética (neurite intercostal e inflamações no ombro esquerdo, por exemplo). Não devemos tentar realizar o diagnóstico, pois para isso é necessária abordagem médica mais aprofundada e realização de alguns exames, como o eletrocardiograma (ECG). Portanto, se um paciente apresenta dor precordial (dor no peito), devemos admitir que ele pode estar tendo um IAM. Atenção aos sinais que podem indicar IAM: • Dor e pressão no peito e dor na parte superior do abdômen (que pode ser confundida com indigestão). • Com a progressão do quadro, a dor pode irradiar para o braço e o ombro, geralmente do lado esquerdo; em alguns casos, pode estender-se para pescoço, mandíbula e dentes. • Pode acontecer de uma vítima de IAM não sentir dor no peito, apenas na mandíbula, no pescoço ou no braço. • Outros sintomas incluem: desconforto respiratório, náusea, sudorese intensa e fraqueza. Se o paciente apresentar os sinais listados e estiver consciente: • Acione o resgate ou encaminhe a pessoa para um hospital com urgência. • Mantenha o paciente calmo e em repouso, não permita que ele se mova. • Ministre duas aspirinas infantis sublinguais (um fármaco trombolítico aumenta muito as chances de sobrevivência). • No caso de aguardar o resgate ou ambulância, cheque se há um DEA disponível e facilmente acessível, para caso de piora do quadro. • Prossiga com a avaliação dos sinais vitais. Se o paciente estiver inconsciente, chame socorro médico e institua SBV: cheque o pulso e, em caso de PCR, inicie RCP. 32 Unidade I Lembrete O infarto agudo do miocárdio pode ser confundido com uma indigestão ou com dor musculoesquelética (dor cervical, na mandíbula, no ombro esquerdo ou no membro superior esquerdo). Atente para esses sinais e sempre considere a possibilidade de um infarto agudo do miocárdio. Transporte a vítima para um hospital, pois o atraso no atendimento médico pode ser fatal. 2.3 Acidente vascular encefálico (AVE) O AVE é definido classicamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um déficit neurológico geralmente focal, de instalação súbita ou com rápida evolução, de origem vascular, com duração maior do que 24 horas e que pode conduzir à morte. Popularmente é denominado “derrame” (apesar de esse ser um termo inadequado). Em palavras mais simples, o AVE acontece quando vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, provocando a paralisia da área cerebral que ficou sem circulação sanguínea (BRASIL, 2013). Os acidentes vasculares podem ser divididos em isquêmicos e hemorrágicos. Algumas estatísticas atribuem ao acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI) de 80% a 85% dos casos, e ao acidente vascular encefálico hemorrágico (AVEH) de 15% a 20% dos casos (MARTINS et al., 2010). No AVEI ocorre obstrução de um vaso. As principais causas estão relacionadas à trombose de grandes vasos, que pode ocorrer na doença aterosclerótica (deposição de placas de gordura dentro das artérias). Os pacientes mais susceptíveis a esse tipo de AVE são os hipertensos, diabéticos, tabagistas e aqueles com dislipidemia (elevação do colesterol e triglicerídeos sanguíneos). No entanto, em poucos casos, pode haver obstrução de um vaso sem presença de aterosclerose, como nas ocorrências de embolia, ou seja, o trombo formou-se em outro local e caminhou pela circulação até uma artéria cerebral (como exemplo temos os êmbolos formados por arritmias cardíacas). O tecido cerebral que deixou de receber suprimento sanguíneo entra em isquemia e as células daquela região morrem. Já no AVEH ocorre ruptura na parede da artéria, com extravasamento de sangue. Após a hemorragia, ocorre edema em torno da lesão, organização de coágulo e compressão dos tecidos adjacentes. A hipertensão arterial é a causa mais comum de AVEH. Outras causas de hemorragia incluem malformações vasculares, aneurismas, distúrbios de coagulação, sangramento de tumores cerebrais (MARTINS et al., 2010). AVE é a segunda causa de morte em todo o mundo, excedida apenas por doença cardíaca (CHAVES, 2000). 33 PRIMEIROS SOCORROS A apresentação clínica depende da região cerebral acometida. Os sinais mais comuns de um AVE são: • fraqueza ou repentina dormência de um lado da face (como se metade do rosto estivesse “caído”); • fraqueza ou dormência repentina no braço e/ou perna, geralmente em um lado do corpo; • dificuldade repentina para falar ou compreender (fala “enrolada”); • dificuldade repentina em caminhar, tontura, perda do equilíbrio ou da coordenação; • confusão mental repentina; • dificuldade repentina de enxergar com um ou ambos os olhos; • dor de cabeça intensa e repentina; • diminuição ou perda de consciência. Uma lesão muito grave pode causar morte súbita. Observação O AVE ocorre com maior frequência na fase adulta. Testa franzida Sobrancelha levantada Paralisia da parte inferior da face Elevação das sobrancelhas Figura 10 – Sinal de AVE 34 Unidade I O que fazer? O tratamento médico imediato do AVE pode minimizar as sequelas e evitar a morte. Graças a avanços recentes, o tratamento dos acidentes vasculares evoluiu bastante e as taxas de mortalidade diminuíram muito na última década. O plasminogênio tecidual recombinante (rtPA) é uma droga fibrinolítica que “dissolve” o coágulo nas primeiras horas do AVE, restabelecendo o fluxo sanguíneo (para casos de acidentes vasculares de origem isquêmica). Estudos mostram que o resultado é melhor se o rtPA for administrado até três horas após o início do AVE (ou até quatro horas e meia em alguns casos). Por isso, a identificação do AVE com base nos sinais descritos anteriormente constitui um dos fatores fundamentais para o sucesso do tratamento. Ao desconfiar que uma pessoa está tendo um AVE, deve-se: • levar o paciente imediatamente ao hospital ou acionar socorro médico; • controlar sinais vitais; • desconsiderar administrar qualquer coisa por via oral; • oferecer apoio emocional. Se ocorrer PCR, deve-se instituir RCP. 2.4 Hemorragias Hemorragia é a perda de sangue em virtude do rompimento dos vasos sanguíneos. Pode ocorrer devido a fatores externos ao corpo (também chamados de fatores extrínsecos), como cortes e traumas, ou internos (também denominados fatores intrínsecos), como aneurismas e pressão alta. Ovolume de sangue no corpo de um adulto é de aproximadamente seis litros. Quando ocorre hemorragia, o fluxo sanguíneo para os tecidos fica prejudicado, e as células deixam de receber nutrientes e oxigênio. Quando a hemorragia é grave, pode evoluir para um estado de choque. As hemorragias podem ser divididas em externas e internas. Nas hemorragias externas, o sangramento ocorre na superfície do corpo e o sangue é visível. Já nas internas, o sangramento ocorre dentro do corpo, no interior de um órgão ou tecido, e não é possível visualizar o sangue, por isso podem passar despercebidas. 2.4.1 Hemorragias internas Podem variar de simples hematomas a situações mais graves, com risco de morte (choque). Algumas causas de hemorragia interna são ferimentos profundos (como uma facada, por exemplo). Muitas vezes, uma ferida aberta pode mostrar apenas um pequeno sangramento 35 PRIMEIROS SOCORROS externo, no entanto, internamente, pode haver uma hemorragia profusa, devido a lesões de grandes vasos sanguíneos. Mesmo quando não há nenhum corte ou ferida externa, os órgãos internos e vasos sanguíneos podem estar rompidos ou esmagados (trauma fechado ou contuso) (BERGERON et al., 2007). Quedas, impactos no volante do automóvel, escombros com vítimas são alguns exemplos de situações nas quais isso pode ocorrer. Contusões de pescoço, tórax e abdômen merecem atenção maior quanto à possibilidade de hemorragia interna. Os órgãos abdominais que mais produzem sangramentos são o fígado e o baço. Nesse caso, o abdômen pode apresentar-se duro, não compressível e dolorido, por espasmo dos músculos abdominais. Algumas hemorragias internas podem se exteriorizar. Por exemplo, hemorragias no tórax podem produzir hemoptise, que é a eliminação de sangue proveniente do trato respiratório pela tosse. Sangramentos do esôfago, do estômago e do duodeno podem gerar hematêmese (vômito com sangue), ou melena (evacuação de sangue). A presença de hematoma pode indicar hemorragia interna, e verificar sua presença é particularmente importante no caso de pacientes inconscientes, que não podem descrever o que estão sentindo. O que fazer? Quando houver suspeita de hemorragia interna, por uma queda ou acidente, mesmo que o paciente não reclame de nada e queira dispensar ajuda, deve-se estar atento aos seguintes sinais e sintomas: pulso fraco e rápido, pele fria e pálida, hipotensão arterial, hemoptise, hematêmese, sede acentuada, confusão mental, rigidez abdominal, fraqueza. Todos esses sinais podem indicar que a situação está evoluindo para um estado de choque. Nesse caso, as condutas do socorrista serão as mesmas das do estado de choque, e visarão somente ao suporte da vida, até que a vítima seja removida para um hospital. Nesse caso, deve-se: • chamar o resgate; • monitorar os sinais vitais; • manter o paciente deitado em decúbito dorsal com os pés elevados para melhorar o retorno sanguíneo; • não oferecer alimentos ou bebidas; • manter o paciente calmo; • assim que o socorro chegar, informar sobre a possibilidade de hemorragia interna. 36 Unidade I 2.4.2 Hemorragias externas A hemorragia externa pode ser de três tipos: • Arterial: o sangramento provém de uma artéria. Apesar de ser a menos frequente (pois as artérias são mais profundas e menos susceptíveis a lesões), é a mais grave, pois uma grande quantidade de sangue pode ser perdida em pouco tempo. A velocidade do fluxo sanguíneo na artéria, devido à ação do coração, dificulta a formação de coágulo. Na hemorragia arterial, o sangue jorra pulsando, em sincronia com as batidas do coração. Geralmente a cor é vermelho-viva. • Venosa: o sangramento provém de uma veia e tem o fluxo regular, de coloração vermelho-escura ou amarronzada (pois o sangue é venoso, isto é, contém pouco oxigênio). Se a lesão pertencer a uma veia de grande calibre, a hemorragia também pode ser intensa e levar o paciente à morte. • Capilar: o sangramento é lento e a coagulação ocorre entre seis e oito minutos. A hemorragia nem sempre é visível; pode estar mascarada por roupas grossas ou pela posição da vítima. Por isso, é importante fazer uma checagem minuciosa para verificar possíveis sangramentos. Se houver sangramento, deve-se fazer uma estimativa da quantidade de sangue perdida. Um bom exercício para treinar essa habilidade é jogar meio litro de água no chão e observar as dimensões da poça formada. Em seguida, molhe uma peça de roupa com a peça e observe o quanto ela ficou ensopada (BERGERON et al., 2007). O que fazer? Antes de qualquer coisa, é importante colocar luvas de proteção para evitar riscos de contaminação, já que haverá contato com o sangue de outra pessoa. A compressão direta da ferida é o primeiro procedimento a ser tentado. O ideal é fazer a compressão com gazes ou compressas esterilizadas, mas nem sempre isso é possível. Nesse caso, deve-se usar um pano, lenço ou toalha limpos. A compressão manual direta da ferida deve ser mantida até que o sangramento pare (pode levar vários minutos). É importante não trocar as gazes encharcadas de sangue, pois isso removerá o coágulo formado na ferida e o sangramento reiniciará. As gazes limpas devem ser colocadas sobre as sujas com maior pressão manual até a resolução completa da hemorragia ou chegada ao hospital. Após o controle da hemorragia, o curativo compressivo deve ser fixado com uma bandagem (atadura ou tira de pano). Ferimentos nas extremidades podem receber enfaixamentos circulares. Sangramentos no pescoço podem receber enfaixamento circular sob a axila contralateral (BRASIL, 2014). Feito isso, deve-se controlar o pulso distal para ter certeza de que a compressão não impediu o fluxo sanguíneo do membro. 37 PRIMEIROS SOCORROS Quando o curativo compressivo (bandagem) for aplicado, também não deve ser removido se o sangramento porventura continuar. O procedimento correto é colocar mais gazes e mais pressão e continuar o processo de bandagem por cima do curativo já aplicado. Na persistência do sangramento externo de membros inferiores ou superiores, deve-se considerar o uso de torniquete. O torniquete é o último recurso para controlar hemorragias graves. Ele é usado somente quando a hemorragia está incontrolável, como no caso de uma amputação parcial do braço ou da perna. O torniquete deve ser aplicado acima da ferida, sem encostar na sua borda. Existem torniquetes fabricados para essa finalidade, mas se não se dispuser de um desses na situação de emergência, pode-se usar uma gravata, uma atadura ou um cinto largo (só não usar materiais que possam provocar cortes ou estrangulamentos, como cordas, fio de nylon etc.). Antes de aplicar o torniquete, deve-se preparar uma base de gaze dobrada ou pano dobrado. Então envolver o torniquete ao redor do membro do paciente e amarrar com um nó. O nó deve ficar em cima da gaze ou do pano. Um pedaço de madeira ou uma haste de metal deve ser inserida no nó e usada como manivela, a qual deve ser girada de forma a apertar a atadura até o sangramento cessar. O horário de aplicação do torniquete precisa ser registrado por escrito e o socorrista deve manter observação contínua sobre o membro. Idealmente, o torniquete não deve permanecer por mais de duas horas (BRASIL, 2014). Lembrete Nunca retire o curativo de um ferimento que continua sangrando. Coloque outro curativo por cima do primeiro e prossiga com a compressão. A retirada pode remover o coágulo (que é a reação do organismo para estancar a hemorragia), piorando a situação. 2.4.3 Epistaxe (sangramento nasal) As hemorragias nasais são comuns devido à grande quantidade de vasos sanguíneos no nariz, ocorrendo principalmente em idosos e crianças. Em muitos casos, a epistaxe não tem causa aparente. Pode ser ocasionada por diminuição da pressão atmosférica (locais altos, viagem de avião), contusão ou altas temperaturas. Pode acompanhar também um traumatismo craniano ou uma crise hipertensiva. 38 Unidade I O que fazer? Em caso de epistaxe, deve-se: • colocar a vítima
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