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Identidade Cultural do Gaúcho

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ANÁLISE ANTROPOLÓGIA
Porto Alegre
 
 Para falarmos de identidade cultural do Gaúcho, precisamos observar a heterogeneidade de sua população. Foi possível identificar que a população do estado é, em grande parte, formada por descendentes de portugueses, alemães, italianos, africanos e indígenas e em pequena parte por espanhóis, poloneses e franceses, dentre outros imigrantes. Primeiramente habitado por indígenas, com destaque para os Guarani, Pampeanos e Gês (Kaigang) (Moure, 1994), a história do estado foi marcada por movimentos migratórios, o configurou como um território de múltiplas etnias que hoje configuram o povo gaúcho.
 Levando em conta esta realidade a cultura e o gene indígena, vararam séculos e se fazem presente nos gaúchos de hoje. Chiripá, jacuí, amendoim, faixa na cabeça, ibicuí, bota garrão de potro, ibirapuitã, paçoca de pinhão, pilão, abóbora, tupanciretã, laço de couro, vacacaí, cozido com mandioca, boitatá, rancho de pau a pique barreado, grito de sapucai, fogo de chão, jaguar, milho assado, guri, taquarí, boleadeiras, pampa, pala, palheiro, churrasco, chimarrão, tatu, chácara, herói e mito Sepé Tiaraju. Tudo isto é gaúcho, tudo isto e muito mais é legado indígena.
 Plantio, criação de animais, trabalhos domésticos e a indústria caseira formaram as primeiras relações de produção desenvolvendo a economia local. A vida gaúcha é marcada nos primórdios pela criação bovina. Os primeiros colonos gaúchos viviam em uma sociedade seminômade baseada na pecuária. Mais tarde, com o estabelecimento das fazendas de gado, acabaram por se estabelecer em grandes estâncias espalhadas pelos pampas. A alimentação era quase toda extraída da propriedade, lavoura e de animais – as diversas maneiras de assar partes especiais do animal apuraram o gosto do churrasco. Como bebida, começou bem cedo o largo uso do MATE. O chimarrão começou com os índios que o serviam com água fria, foi logo adaptado pelos espanhóis na substituição por água quente, como temos até os dias atuais. Foi também o principal veículo dos remédios com propriedades genéricas de certas ervas (chás) descobertas ou reveladas pelos índios e negros. Toda a medicina do gaúcho cabia na sua cuia (Xavier, 1969).
 Podemos dizer que existe um dialeto do português falado no Rio Grande do Sul e alguns locais do Paraná e Santa Catarina. Esta linguagem é influenciada pelo espanhol, pela colonização com uma pitada do guarani e outras línguas indígenas que possuem algumas diferenças do português padrão,
 A influência espanhola se fez sentir no Rio Grande do Sul, desde a sua formação. Pode-se mesmo falar que, sem a participação espanhola, a pecuária - que seria a base da economia gaúcha durante o século XIX e início do XX - não existiria com a importância que tem. Mas não é só isso: no linguajar da fronteira, nas influências culturais, países de língua hispânica desempenharam um importante papel no nosso século.
Não poderia ser de outra forma. Afinal, o Rio Grande representou a principal zona de contato - e conflito - com os vizinhos espanhóis. Atualmente, metade de nossos limites territoriais se encontra com nações de origem hispânica: ao sul está o Uruguai, ao oeste a Argentina. No século XVII todo o atual estado estava em mãos espanholas. No século seguinte os portugueses conquistaram algumas áreas, e boa parte do território gaúcho voltou a ficar em mãos espanholas - suas tropas invadiram o sul do estado, ocupando a cidade de Rio Grande por 13 anos. Já no início do século XIX a situação foi inversa: foi o Brasil que ocupou a área do Uruguai, incorporando-o ao seu território. 
 Além da economia, também em termos culturais a influência espanhola se fez presente, em especial na zona da Campanha. Ali, vivendo situações parecidas e com atividades econômicas idênticas, os gaúchos dos dois lados desenvolveram vestimentas extremamente semelhantes. 
 Da mesma forma, o falar, a musicalidade, as danças, sofreram e sofrem grande influência da cultura espanhola. A proximidade trouxe influências linguísticas, com vários termos se “acastelhanando”, houve, também, na arte: a poesia campeira, com seus poemas gaúchos é comum aos três países do Cone Sul. A mais típica representação do Rio Grande do Sul é o “fandango” 
estilo musical proveniente da Espanha, sendo que sua dança é derivada do flamenco. As principais características dessa dança gaúcha são os seus movimentos considerados frenéticos pela agilidade e velocidade com que são executados. A milonga, outro ritmo espanhol é o resultado de um som mestiço, em um ritmo menos sensual. Quanto a gastronomia é bastante parecida: a carne é a base alimentar de todo o pampa. A cozinha espanhola é composta por muitos pratos picantes e saborosos. A riqueza e a variedade de sua comida é impressionante. Sendo Espanha a porta de entrada de produtos originários da América, sua culinária não poderia passar sem batata, tomate, pimenta e feijão.
 Já dos portugueses, as marcas que os imigrantes produziram impregnaram o imaginário cultural e estão presentes também na organização econômica de muitas comunidades gaúchas. Das inúmeras contribuições, destacam-se: casas de modelo de porta e janela; oratório, cama de tábua, arca, baú, escova de piaçava, bordados, guardanapos de papel recortado. Nos transportes, a utilização de carretas, carroças e embarcações. Na indumentária, registram-se uso de chale, tamanco e saias rodadas. Também são conhecidos os causos sobre mitos (lobisomem, bruxa, mula-sem-cabeça); crendices e superstições e cantigas de roda. Introduziram as festas de Nossa Senhora dos Navegantes, Corpus Christi, Divino Espírito Santo e Juninas. A maioria dos ritos tradicionais do Estado procede da pátria portuguesa.    Na bagagem dos colonizadores e imigrantes portugueses vieram uma das maiores contribuições culturais, as danças e festas folclóricas: Chimarrita, pau-de-fita; quadrilha, as festas juninas, de São João, São Pedro e Santo Antônio e as cantorias do espírito santo, conhecidas em todo o país e bastante difundida pelos gaúchos e incorporadas a cultura brasileira.
 Os negros, assim como as outras etnias, não foi diferente, tiveram um papel de alta relevância na formação do povo gaúcho. Sabemos que na época 
da escravidão, não era permitido que os africanos praticassem a sua religião e eles eram obrigados a seguir o cristianismo. Como forma de escapar da imposição da Igreja Católica, eles passaram a usar altar com imagens de santos católicos e, por baixo, cultuar os orixás.  Daí surgiu a fusão das duas práticas religiosas, com reinterpretação de seus elementos, na qual cada santo católico representa um orixá. Essa prática chamada de sincretismo é observada apenas no Candomblé do Brasil, enquanto na África não existe essa fusão. Para preservar a herança cultural da religião, foi criada a Lei Federal 6292, de 15 de dezembro de 1975, que tornou o Candomblé patrimônio imaterial.
 Na música a cultura africana contribuiu com os ritmos que são a base de boa parte da música popular brasileira. Gêneros musicais coloniais de influência africana, como o lundu, terminaram dando origem à base rítmica do maxixe, samba, choro, bossa-nova e outros gêneros musicais atuais.
 A capoeira expressão cultural dos descendentes de escravos africanos, é uma dança de luta, ritualizada e estilizada, que tem sua própria música. É uma das expressões características da dança e das artes marciais brasileiras.
 O Carnaval, inicialmente, foi influenciado pelos europeus e logo teve uma adaptação africana, com o uso de máscaras e fantasias, tornando-se o festejo mais popular do país, sendo fortemente influenciado pelo samba, ritmo já citado anteriormente como de origem africana.
 Na época da escravidão, o quimbundo era a língua mais falada nas regiões Norte e Sul do país e conseguimos observar que a maior parte das palavras que enriquecem o vocabulário brasileirovem do quimbundo. São tantas as palavras que nem temos ideia da contribuição africana na cultura brasileira. Algumas palavras de origem Banta: Bagunça, batucar, beleléu, biboca, cachaça, cachimbo caçula cafofo entre tantas outras.
 Na culinária negra, nenhuma receita se iguala em popularidade à feijoada. Originada das senzalas, era feita das sobras de carnes que os senhores de engenhos não comiam. Enquanto as partes mais nobres iam para a mesa dos seus donos, aos escravos restavam as orelhas, pés e outras partes dos porcos, que misturadas com feijão preto e cozidas em um grande caldeirão, deram origem a um dos pratos mais saborosos e degustados da culinária nacional (PORTAL BRASIL).
 Além disto, muitos povos africanos tinham técnicas mais avançadas do que os lusos, tais como a metalurgia e a siderurgia. Trabalhavam o cobre e o estanho, trazendo esse conhecimento também ao Brasil. Os lusos vieram a conhecer a enxada de ferro com os ganenses e nigerianos (FONSECA, 2009).
 A cultura regionalista gaúcha caracteriza-se por uma busca constante da manutenção de suas raízes, de manter a sua identidade por que a dificuldade aumenta nos tempos globalizados que vivemos. Mas, o primeiro resgate da imagem do gaúcho começou com João Cezimbra Jacques, militar e historiador que publicou livros sobre os costumes do Rio Grande no final do século XIX. Em 1898, fundou o Grêmio Gaúcho. O que seria uma ideia de manter acesa a chama do tradicionalismo.
O historiador da UFRGS Cesar Augusto Barcellos Guazzelli, diz que o Grêmio fundado por João Cezimbra era mais ou menos um projeto embrionário do que viria a se tornar um século depois os Centros de Tradições Gaúchas ou CTGs.
“Era um embrião de CTG, era uma ideia de criar um lugar onde se comemorassem tradições, onde se recuperassem tradições”, explica Guazzelli.
 Depois de 1945, foi preciso sacudir o Rio Grande do Sul para que o seu povo passasse a cultuar suas tradições, por que muitas influências estava surgindo dos EUA. Foi quando um grupo de estudantes resolveu criar o Departamento Cultural do Colégio Júlio de Castilhos e que foi se desenvolvendo até fundar o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, que foi batizado de "35 CTG". Convém lembrar alguns nomes desses jovens (principais) Paixão Cortês e Barbosa Lessa.
 Deu tão certo o culto às tradições que passou a ser alvo de atenções, primeiro das cidades gaúchas, do RS e depois atravessando fronteiras. A ideia cresceu e fez surgir o Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG que passou a congregar todas as entidades tradicionalistas. O que antes poderia ser uma vergonha usar, passou a não ser mais. A bombacha, o lenço no pescoço, branco ou vermelho, as camisetas coloridas, já se integraram na vida do dia-a-dia da juventude. 
 
 Vale ressaltar que as tradições encontradas na cultura do Rio Grande do Sul foram produzidas em dado momento, quando se instaurou o tradicionalismo e sentiu-se a necessidade de buscar nas características do povo que formou o estado, bem como nos colonizadores, formas de relações, costumes e crenças para formar esta tradição inventada – baseada nos conceitos de Eric Hobsbawn – por pesquisadores como Paixão Côrtes e Barbosa Lessa. A partir destes pressupostos, a origem do povo gaúcho está ligada ao campo, a vida campeira – laçar, domar e marcar potro, conduzir tropa e sair para a faina diária quebrando a geada nas madrugadas de inverno. A virilidade passou a ser a qualidade mais exigida e apreciada do gaúcho, porém, em algumas regiões do estado os grandes estancieiros da época não descuidaram da educação de seus filhos homens que na maioria das vezes, eram mandados para a Europa para estudar. Aqueles que não saíam do país estudavam no Rio de Janeiro, na época ainda capital do Brasil. Estes voltavam formados, cultos, alguns doutores, mas na volta o seu lugar já estava definido pelo pai: a frente dos seus negócios – estância que podia ser de criação de animais, charqueadas ou ambas entre outras. 
 A figura do gaúcho, alimentada e enriquecida pela legenda, ia projetar-se no tempo e ganhar espaço, já agora liberta de seus caracteres primitivos, e acabaria como uma espécie de mimetismo sociológico, absorvendo na sua estrutura moral todos os rio-grandenses identificados com a terra não só por filiação histórica, mas ainda por aculturação ou adesão afetiva (Vellinho, 1969) 
 
Disponível em:<http://www.fearg.com.br/site/?n_link=etnia_espanhois>acesso setembro 2009.
Segundo Paixão Côrtes (1997), a primeira dança regional gaúcha que colheram em suas pesquisas veio da Vila de Palmares (atual município de Osório-RS). As danças, inicialmente, apenas integravam as festas regionais do Rio Grande do Sul e hoje são divulgadas e praticadas por diversos estados como a mais bela manifestação do folclore gaúcho. Tamanho é o seu alcance que existem Centros de Tradição Gaúcha (CTG) espalhados por 23 estados brasileiros além dos Estados Unidos, Paraguai e Portugal.

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