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AULA 6 - O EMBASAMENTO TEÓRICO


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PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL II
O EMBASAMENTO TEÓRICO
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Olá!
Ao final desta aula, você será capaz de:
1. Compreender a importância da “teoria”, como algo que não está distante da prática;
2. apresentar um panorama geral de algumas etapas da evolução do espírito científico;
3. destacar os aspectos peculiares a um embasamento teórico em ciências humanas e sociais.
1 Projeto
Nas aulas anteriores, cuidamos de etapas preparatórias, que são importantes na preparação do projeto, mas que
ainda não representam um pleno exercício de reflexão sobre o tema escolhido. A partir de agora, cuidaremos de
providências importantes para que o trabalho se enriqueça também no sentido de adquirir maior
aprofundamento.
Para tanto, cuidaremos de preparar o terreno para que você tenha elementos suficiente para dar conta das
tarefas a cumprir.
Assim, buscar fundamentação teórica para seus pontos de vista é uma etapa; coletar dados para a pesquisa é
outra. A seguir, virão outros passos: confrontar dados, analisar informações oriundas de diferentes fontes,
formular hipóteses. Tudo isso será importante para tornar a reflexão mais consistente, deixando o seu trabalho
mais rico em conteúdo.
Nesta aula, cuidaremos de um momento decisivo: o embasamento teórico, que consiste em apontar qual método
de pesquisa será adotado no trabalho, ou quais métodos, supondo o caso de uma pesquisa complexa o bastante
para ser subdividida em etapas distintas.
Também será o momento de apontar que autores e obras são os mais importantes como fontes de informação ou
de fundamentos de argumentação para a construção do seu trabalho.
Antes, porém, uma visão panorâmica da história da ciência será importante, a fim de debatermos o conceito de
“teoria” e quais são as relações que ela tem com a “prática”. Essa pequena introdução é importante, em nossa
aula, pois nos permitirá desfazer equívocos e delimitar com mais clareza conceitos que são importantes para o
exercício da pesquisa científica.
2 Um Discurso sobre o Método
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O esforço pessoal de reflexão crítica é uma tarefa básica na formação do estudante. Talvez seja o mais importante
em todo o processo de elaboração da pesquisa. Você tem plena capacidade de dar conta desta tarefa. Todos nós
temos. Ninguém nasceu sabendo e, por outro lado, ninguém é incapaz de aprender. Sim, estamos falando de uma
habilidade que todos podem desenvolver a partir do momento que se dispõe a trabalhar com afinco para atingir
seus objetivos.
Um dos passos importantes é aprender com quem já pensou sobre o seu tema antes de você. Afinal, nenhum de
nós é um gênio ou nasceu em uma ilha deserta. Todo conhecimento que já adquirimos, ao longo de nossa vida,
resulta do aprendizado que fizemos com quem já sabia. O mesmo ocorrerá agora.
Não se pode desenvolver a habilidade de reflexão sobre qualquer tema sem ter respaldo em conceitos que já
tenham sido pensados sobre autores que vieram antes, muitos deles dedicando toda uma vida à pesquisa. A eles
coube a iniciativa de propor explicações gerais, que poderiam, e muitas ainda hoje podem, oferecer respostas aos
questionamentos que levantamos.
Damos o nome de “teorias” a essas explicações gerais, cuja presença em nosso trabalho é indispensável. Um
trabalho que se proponha a refletir sobre qualquer tema precisa ter o suporte em teorias, ou seja, precisa de um
embasamento teórico. Não se trata de um amontoado de noções que só estejam ao alcance de poucos, mas um
conjunto de saberes a que qualquer estudante universitário pode e deve ter acesso, dele se aproveitando para
aprimorar a sua pesquisa, por meio de questionamentos, hipóteses, e também pela chance de chegar a novas
respostas para tais questionamentos.
O objetivo de nossa aula é falar sobre a origem dos métodos da ciência, desmistificar o preconceito que existe no
senso comum com relação à teoria, questionar a noção de que teoria e prática se contrapõem, mostrar que o
embasamento teórica nasce de uma sistemática visita a textos importantes em nossa área do conhecimento e,
por fim, salientar que as teorias devem ser usadas para que possamos elaborar as nossas hipóteses de trabalho,
etapa fundamental na condução da pesquisa.
3 Importância da Reflexão Teórica para o Nascimento da 
Ciência
Todo o pensamento científico moderno teve seu início a partir do trabalho dos pioneiros, como Copérnico e
Galileu, que estiveram entre os primeiros europeus a submeter os conhecimentos a um exame pautado pela
análise racional. Mas a sistematização de um método foi estudada pela primeira vez pelo matemático francês
René Descartes (1596 – 1650), num ensaio intitulado .Discurso sobre o Método
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Neste livro, ele esboçou uma teoria que ainda é importante para pesquisadores de todas as áreas, mesmo que
não responda a todas as nossas dúvidas. Afinal, teorias sempre são incompletas, por ser resultado do trabalho de
seres humanos.
Mas, vamos ao que se pode tirar de proveitoso do método cartesiano. Dentre os princípios propostos no Discurso
, destacamos dois, para exame.sobre o Método
São, por assim dizer, os dois fundamentos de sua contribuição para os estudiosos de todas as épocas:
A- chegar à verdade através da dúvida;
B- decompor o problema em pequenas partes, com o intuito de examinar mais de perto cada um de seus
aspectos.
Veja, então, que a teoria do método, em Descartes, tem nas hipóteses um de seus principais fundamentos.
Chegar à verdade através da dúvida
Um dos pontos mais importantes, talvez até a principal contribuição que deu o autor para o progresso da ciência.
Decompor o problema em pequenas partes, com o intuito de examinar mais de perto
cada um de seus aspectos
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A utilidade da subdivisão do problema em pequenas partes trata-se de algo que pode ser adotado ou não,
dependendo do tipo de trabalho que temos em vista. É preciso levar em conta a complexidade do problema e
avaliar se valerá a pena seguir à risca o processo de subdivisão.
É importante ter em mente que seguir um método é muito importante, mas tendo sempre em vista os nossos
próprios objetivos. Assim como Descartes, vários outros importantes pioneiros das ciências vieram do campo
das exatas. Não pensaram critérios específicos para se lidar com as questões que envolviam o ser humano, a
sociedade, a linguagem.
Quanto a nós, especialistas em Serviço Social, estamos comprometidos com outra realidade: fazemos ciência,
sim, mas de outra modalidade, ciência humana, social e ainda temos a linguagem como objeto de estudo. Por esse
motivo, toda a tradicional metodologia científica só será útil se for adaptada às nossas finalidades.
Uma das consequências disso é que alguns procedimentos típicos de outras ciências se tornam inviáveis. Já
estivemos, em outra aula, comentando a respeito de “objetividade”. Bem, nas ciências humanas é impossível ser
totalmente objetivo, ou pelo menos, não do modo como o são outros cientistas. Isso se dá pelo simples fato de
que vivemos, quase sempre, nas sociedades em que se verifica a presença do nosso objeto de estudo. Estamos
incluídos no grupo sobre o qual se estuda. Estamos submetendo à análise grupos sociais dos quais fazemos
parte. Como resultado, temos que ter consciência de que, para nós, a objetividade é relativa. Porém, não a deixe
de lado. Não se esqueça das enormes vantagens que um olhar objetivo proporciona ao pesquisador.
Por esse motivo é que certos procedimentos desenvolvidos por cientistas eminentes do passado não se
enquadram ao que procuramos. O fato de usarmos uma metodologia científica não nos compromete com todas
as etapas observadas para pesquisas em outras disciplinas.
3.1 Para que isso fique ainda mais claro, considere outro exemplo:
Em um estudo sobre o preconceito sofrido por imigrantes nordestinos vindos do campo para as cidades,
podemos assumir uma postura de quem está de fora? Neste ponto, talvez possa até ocorrer a alguns alunos, que
não tenham origem nordestina, algum pensamento do tipo: “Bem, eu não estou diretamenteenvolvido nesta
problemática, então posso olhar para ela de modo objetivo”. Ledo engano...
Pois não se pode ignorar o fato de que os estudantes universitários, como pertencentes ao seleto grupo dos que
atingem um certo padrão de renda, podem se incluir entre os felizardos que o bom Deus livrou do martírio da
miséria. Porém, não se esqueça de que viver em sociedade é conviver, de modo incessante, com pessoas de todos
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os tipos, precisar da colaboração deles. Afinal, são os filhos deste subproletariado que costumam engraxar os
sapatos da elite nas esquinas do centro da Capital, ou seja, não estamos de fora da problemática vivida por
segmentos da sociedade com os quais julgamos não conviver tão de perto.
Diante do exposto, fica muito claro que alguns dos aspectos da metodologia das ciências exatas e naturais nos
servem, outros não.
Isso precisa ficar muito claro, pois os estudantes que buscarem o assunto na Internet correrão o sério risco de
achar material sobre metodologia que não seja exatamente adequado para o uso em nossas disciplinas.
Nossa análise crítica acerca de questões que afligem à própria sociedade em que vivemos será sempre uma
forma comprometida de tratar do assunto. Não há chance alguma de que um estudioso da linguagem seja neutro.
Isso vale para qualquer campo, dentro do amplo espectro formado pelas ciências sociais, mas é particularmente
importante para o Serviço Social, que faz do atendimento às necessidades básicas da população sua razão maior
de existir.
4 Teorias e Métodos em Ciências Sociais
O desenvolvimento de ciências especialmente dedicadas ao estudo das sociedades começou bem mais tarde –
somente no século XIX. Por trás dessa iniciativa, estava a tentativa de tentar compreender melhor um mundo em
transformação. As Revoluções Industrial e Francesa provocaram mudanças significativas na vida em sociedade,
com o abandono de modos de pensar e agir pautados em antigas tradições.
Assim, o nascimento das ciências sociais está vinculado à consolidação do capitalismo moderno. Este novo modo
de organização da vida social criou nos pensadores o interesse em investigar o comportamento das sociedades,
assim como o interesse dos governantes em entender os mecanismos pelos quais poderiam aperfeiçoar seu
controle sobre a atuação dos diferentes agentes de mudança social, como sindicatos, partidos políticos ou grupos
de pressão.
Podemos, então, dizer que o advento do estudo científico das sociedades se associa tanto a interesses práticos
quanto ao exercício da curiosidade científica propriamente dita.
No começo, sem ainda contar com um corpo teórico próprio, as ciências sociais foram buscar embasamento nas
ciências da natureza, que já vinham de um desenvolvimento anterior. Foi um passo importante, em uma época
em que ainda se buscavam os melhores caminhos para se compreender as forças que atuam e influenciam o
comportamento dos grupos sociais. Porém, as limitações eram nítidas.
Por isso, a primeira escola teórica das ciências sociais, o positivismo, foi fortemente influenciada pelo
determinismo que imperava na biologia. Durante algum tempo, tentou-se compreender o funcionamento de uma
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sociedade, como se ela fosse um organismo, o que implicava em esperar um funcionamento harmônico de todos
os seus “órgãos”, para que essa sociedade fosse saudável.
Somente com o tempo se verificou a necessidade de se trabalhar as ciências sociais com base em procedimentos
mais específicos. A mera identificação do estudo da sociedade ao estudo da natureza, que leva à busca de leis
sociais análogas às leis da Física, não dá conta da complexidade da vida social. Entre outros fatores, temos a
evidência de que a sociedade humana cria e transforma o mundo ao seu redor segundo princípios bem
diferentes dos fenômenos naturais. Assim, por exemplo, estudar o impacto das tempestades é uma tarefa que
depende da observação de fatores que são iguais em todo o mundo.
Já estudar as leis que regem o casamento é algo que nos obriga a levar em conta muitos fatores, como época,
lugar e cultura. Tudo porque o casamento é uma realidade do mundo das ciências sociais, não pode ser estudado
da mesma forma em todo o mundo.
Assim é para o casamento, como também para tudo, tais como as leis de trânsito, as normas de conduta durante
uma cerimônia fúnebre, a maneira de se comportar numa entrevista de emprego etc.
Todas estas coisas são variáveis que podem confundir o pesquisador desavisado.
Um excelente exemplo é a situação na qual se encontraria um pesquisador estrangeiro que viesse ao Brasil
pesquisar o comportamento de nossos motoristas e notasse, surpreso, que em nossas grandes cidades os carros
não param em sinais de trânsito durante a madrugada.
Supondo que nosso visitante venha da Suécia, tendo como universo de referência uma realidade totalmente
diversa da nossa, analisemos suas conclusões... Dependendo do nível de informação que ele tiver sobre as
condições de vida nas metrópoles brasileiras, ele pode chegar a conclusões muito diferentes.
Caso não tenha uma quantidade de dados suficientes sobre a nossa realidade, poderá aventar a hipótese de que,
durante a noite, somente as pessoas inabilitadas é dirigem. O despreparo o levará a levantar uma suposição
obviamente absurda. Estando mais bem informado, poderá ele concluir que existe uma relação entre a infração
de trânsito e a insegurança durante os horários em que há menos policiamento nas ruas.
Vemos que é necessário levar em conta o maior grau de relativismo no que diz respeito aos fatos sociais. Bem, se
tudo depende de uma série de fatores, fica claro que ninguém pode ter uma noção clara sobre nenhum
acontecimento da sociedade, seja o casamento, as leis de trânsito, os mitos de colheitas, ou qualquer outra, sem
conhecer a fundo a sociedade em que está sendo feito esse estudo.
Eis aí um importante ponto de partida. O que há para ser feito, a seguir, é buscar a maior quantidade possível de
informação sobre o assunto em pauta. Na análise dos acontecimentos sociais, é preciso considerar como válidas
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fontes de informação imprevistas. Se, por exemplo, você se propõe a estudar o desafio enfrentado pelos
imigrantes de países africanos que têm migrado para o Brasil, não pode deixar de fora o estudo de aspectos
básicos da cultura do povo que estiver no foco de sua atenção.
Para o caso de sua delimitação levar a uma fixação no caso dos angolanos, estude um pouco da história e da
cultura deste país, A busca de informações o levará a autores especializados nos mais diferentes aspectos da
cultura, sociedade, história e literatura deste país. De todos estes, pode haver informações importantes a colher.
Mas, principalmente, esteja atento ao modo de agir e pensar deste povo. Você não poderá, em nenhum momento,
pretender que eles, tendo chegado ao Brasil, passem imediatamente a agir e pensar como nós. Não faria o menor
sentido. Seria ilógico pretender isso. O simples fato de os angolanos falarem a mesma língua que nós é apenas
um aspecto. Importante, mas não o suficiente para garantir que o imigrante venha a se adaptar entre nós.
5 A Contribuição da Dialética
Já vimos que a identificação das ciências sociais com as ciências da natureza gerava nítida limitação para o
horizonte de análise do pesquisador. Agora, vamos abordar a questão sobre outro ângulo, de modo a aprofundar
a reflexão sobre o tema. As sociedades capitalistas industriais geravam muita desigualdade social. O que levava
os diferentes segmentos sociais, as classes, a ter interesses diferentes, que poderiam, muito bem, estar em
situação de conflito. A interpretação orgânica do positivismo tendia a considerar qualquer comportamento que
contrariasse a vontade dominante como sendo “patológico”.
Achava-se que as condições objetivas do meio eram suficientes para explicar os fatos sociais. Assim, por
exemplo, a disposição para o trabalho era determinada pelo clima. Em países quentes, a produtividade seria
inevitavelmente menor. Ou entãocolocava-se o aspecto do determinismo racial, destacando-se a superioridade
“natural” dos brancos, que se provava na “prática”.
Sabendo que as principais potências econômicas e políticas do mundo no século XIX eram países de maioria
brancos, situados em regiões temperadas ou frias do mundo, percebe-se que estas explicações estavam
condicionadas a outra ordem de fatores, os ideológicos. Eram explicações teóricas que interessavam ao
etnocentrismo dos grandes impérios coloniais, como o britânico e o francês.
Assim, as sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam evoluir em direção a níveis de
maior complexidade e progresso na escala da evolução social, até atingir o "topo": a sociedade industrial
europeia. Deve-se compreender nisso uma manifestação de etnocentrismo, que hoje já está superada, mas
marcou profundamente a vida dos povos conquistados, inclusive o Brasil.
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A um importante pensador social da época, Karl Marx, chamava a atenção o fato de que todas as explicações que
as ciências sociais encontravam combinavam com os interesses dos grupos dominantes da sociedade, ou com as
potências dominantes, no xadrez político do mundo. Ele identificou a artimanha ideológica por trás dessas
teorias e se propôs a elaborar outras, que atendessem aos interesses dos trabalhadores e dos segmentos sociais
desfavorecidos. A partir daí, realiza um esforço de desenvolver novos parâmetros de análise. Suas conclusões
são expostas em várias obras importantes, de tal forma que o marxismo, até hoje, constitui um importante corpo
teórico, que contribui para as reflexões sobre os estudos sociais, em geral.
Nas teorias sociais marxistas, destacam-se os estudos sobre a luta de classes, o trabalho alienado à análise das
condições de vida das classes trabalhadoras, a importância da ideologia, entre muitos outros aspectos que
podem contribuir para uma análise do mundo em que vivemos. Essas contribuições fornecem subsídios para
muitas reflexões interessantes sobre as condições sociais em que se vive até hoje, uma vez que a sociedade
capitalista, que emergiu da Revolução Industrial, ainda nos domina.
Mas talvez a maior contribuição de Marx tenha se dado no terreno da metodologia, pois foi ele o principal
responsável pela introdução da dialética no universo das teorias explicativas do comportamento das sociedades.
Trata-se de uma maneira diferente de pensar os fenômenos, sem buscar apenas uma explicação para cada
questionamento. Pelo contrário, o raciocínio dialético trabalha com a contraposição de respostas diversas para
cada questionamento. O importante era não ter pressa de se chegar às soluções, mas aproveitar ao máximo o
debate entre as diferentes respostas para cada problema.
Assim, por exemplo, se examinamos a História do Brasil, sob um prisma dialético, podemos dizer que o final da
escravidão foi um grande avanço, pois representou o fim de um regime econômico e político no qual as pessoas
eram tratadas como objetos, não tendo identidade própria. Por outro lado, devido ao fim da escravidão, muitos
libertos mudaram-se para as grandes cidades, sem ter nenhuma habilitação para profissões urbanas, sem
nenhum tipo de treinamento para trabalhar em indústrias ou comércio. Só sabiam mesmo trabalhar na lavoura.
Como resultado, muitos ficaram desempregados e se tornaram pedintes.
Diante disso, vem a questão: o final da escravidão foi bom ou ruim para o país? Claro que a resposta não pode ser
apenas um sim ou um não. Tudo vai depender do ponto de vista que você adota para sua resposta. Afinal, há
argumentos fortes para os dois lados.
Tecnicamente, podemos dizer que a primeira resposta é a tese (o fim da escravidão libertou muita gente da
condição de objeto, sem direito a uma identidade pessoal, sem direito à cidadania), e a segunda resposta é a
antítese (o fim da escravidão gerou desemprego nas grandes cidades, uma vez que os libertos não tinham
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treinamento para exercer as profissões urbanas). Diante dessas duas respostas, a única solução é chegar a uma
síntese, que resulta da combinação e também da superação das duas respostas anteriores. Claro que não há uma
só síntese possível. Tudo dependerá do ponto de vista defendido pelo pesquisador. Ele pode responder assim:
Apesar do avanço representado pelo reconhecimento da condição de pessoa, de alguém dotado de
identidade pessoal, dado ao ex-escravo, a libertação representou um retrocesso, na medida em que
não resolveu o problema dos antigos escravos e criou uma situação de desequilíbrio social nas
cidades.
Neste caso, você terá deixado prevalecer a noção de que a libertação dos escravos trouxe problemas para as
grandes cidades, tendo aumentado a tensão social. Sempre é bem útil terminar um parágrafo como este,
construído de modo dialético, com o ponto de vista com o qual você concorda. Desta forma, a construção do texto
pode inverter a perspectiva, de tal modo a deixar prevalecer o ponto de vista diametralmente oposto:
Mesmo tendo provocado um considerável aumento na tensão social nas cidades, por conta do
desemprego, a libertação dos escravos foi de suma importância para que os libertos garantissem
seus direitos enquanto cidadãos, a começar pela garantia ao reconhecimento de sua identidade como
pessoas.
Se você considerar, ainda, que a libertação dos escravos não foi útil apenas para os libertos, por conta do
reconhecimento de sua condição de pessoas, mas também dos próprios senhores, pois a produtividade do
trabalho escravo era muito inferior à do trabalho assalariado, veja quantas novas possibilidades de construção
podem surgir de uma análise detida deste problema.
Para que uma reflexão sobre um tema como este consiga progredir, é indispensável que você busque
embasamento teórico, ou seja, busque autores que tenham construído uma sólida análise acerca do problema.
Desta forma, você precisa sempre se apoiar na estrada aberta por outros autores. Já dissemos que a pesquisa
científica é trabalho coletivo. Esta verdade é ainda mais decisiva no que diz respeito às ciências sociais. Por isso,
terminaremos nossa aula com algumas colocações sobre a questão do levantamento bibliográfico, ou seja, sobre
os cuidados que se deve ter na busca de informações em livros e outras fontes de informação.
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6 Alguns Cuidados no Levantamento Bibliográfico
De tudo o que dissemos, ficou claro que a chave da construção de um bom embasamento teórico está na leitura.
Assim, a pesquisa bibliográfica é uma etapa indispensável em qualquer trabalho de reflexão crítica que esteja se
realizando.
Comece buscando os autores que tratam exatamente do tema que você pesquisa. Em seguida, busque um
suporte ainda maior em autores que tratam de aspectos correlatos.
Assim, no exemplo da chegada de migrantes africanos ao Brasil nos tempos de hoje, busque na Internet se já
existem pesquisas acadêmicas que tratam do assunto.
Em seguida, para enriquecer sua compreensão sobre o modo como vivem e pensam as pessoas que você está
estudando, busque informações adicionais sobre a cultura, a história e a literatura deste povo.
Para tanto, será preciso fazer um levantamento não exatamente no Google aberto, mas numa subdivisão deste, o
“Google Acadêmico”, ou “Google Scholar”, que te trará um leque de respostas menor e mais direcionado para o
que você deseja encontrar.
Reúna informações e opiniões em vários autores. Nunca se contente com apenas um ou dois. Se houver
contraposição de ideias entre eles, não tenha pressa de escolher. Leia com calma e lembre-se de que a dialética
pode ser um instrumento valioso de aproveitamento das colocações de todos eles, não somente de um.
Disso resultará um embasamento teórico muito mais rico do que ficaria caso houvesse uma escolha prévia.
Partindo do pressuposto de que você delimitou seu tema por já possuir algum conhecimento prévio sobre ele,
não terá muitas dificuldades em lidar com o material bibliográfico que seja relevante para a sua pesquisa.
Veja algumas orientações iniciaissobre como lidar com o material de origem não gráfica.
6.1 Orientações Iniciais Sobre Como Lidar Com A Bibliografia
A primeira observação que faremos visa chamar a atenção para o fato de como lidar com o material que não é de
origem gráfica, ou seja, que não é impresso. Muitas vezes, lidamos com informação que nem é escrita. É o que
acontece com o material de origem fonográfica, videográfica ou até mesmo anotações de aula, por exemplo.
Agora, dependendo de que tipo de pesquisa você escolheu fazer, vai depender mais ainda de material não escrito.
Esta é uma questão que precisa ser analisada por várias facetas. Por um lado, é preciso ter ouvidos e coração
abertos para o fato de que vivemos numa cultura audiovisual. Portanto, muita informação se veicula sem o uso
da escrita, ou mesmo contando apenas com o uso auxiliar da escrita, como acontece com as canções. Claro que
você pode acompanhar a execução da música lendo o texto da letra no encarte que vem no CD, ou mesmo
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procurando esta letra na Internet. Mas isso não diminui o fato de que uma canção é, essencialmente, texto
sonoro, cantado, concebido para que as pessoas ouçam. Neste caso, o uso do texto escrito é opcional e ele se
encontra em posição subalterna, diante da preeminência da oralidade, do canto.
Por outro lado, o acesso a todo este material informativo oriundo da cultura audiovisual requer cuidado.
Sabemos que este tipo de material é veiculado preferencialmente pela mídia. Trata-se de uma questão que se liga
à grande importância que possui a indústria cultural no capitalismo contemporâneo. O problema é a tendência
que esta possui de tratar todos os conteúdos que veicula como mercadoria destinada ao entretenimento. O caso
das canções é bem representativo. Mesmo que o texto de uma canção possua riqueza poética excepcional, não é
isso que interessa aos canais que o veiculam. O que será enfatizado será sua capacidade de entreter, divertir. E o
público tem, para com este tipo de produto cultural, uma atitude de recepção distraída, ou seja, há uma
tendência muito forte de as pessoas não prestarem atenção ao que dizem as mensagens.
Claro que, além de divertir, uma canção pode transmitir mensagens de grande valor e conter informações que
enriqueçam um trabalho de pesquisa. Afinal, quem a compõe e quem a interpreta são pessoas, e por isso vivem
inseridas num contexto social. A música, no Brasil, serve muitas vezes como veículo para que o povo exprima
suas dores e dúvidas. Não é surpresa encontrar canções que falem de temas sociais com profundidade e
acrescentem aspectos importantes para a reflexão de um pesquisador.
O caso das canções foi destacado aqui, mas não é único. O mesmo acontece com qualquer outro material
veiculado pelos meios de comunicação de massa. Até mesmo o documentário que se apresenta perante seu
público como uma tentativa muito séria de abordar um tema qualquer não está livre de ser usado como
mercadoria destinada ao entretenimento, não como um conteúdo cultural destinado ao aprendizado. Disso
resulta uma abordagem superficial e sensacionalista, quando não preconceituosa sobre temas variados. Todos
esses recursos podem ser usados. Onde estiver a informação relevante para o seu tema, aproveite. Mas não deixe
de estar alerta e tomar os devidos cuidados com o material difundido pela mídia.
O que vem na próxima aula
Na próxima aula, você vai estudar:
• Depois de noções básicas sobre o embasamento teórico, será o momento de falarmos dos diferentes 
tipos de pesquisa, destacando a importância do trabalho de pesquisa de campo, em suas diferentes 
modalidades, como estratégias de coleta de dados. A partir dessas considerações, também daremos 
algumas indicações sobre estratégias para que o estudante/pesquisador comece a pensar suas hipóteses, 
passo importante na construção do raciocínio de todo o trabalho científico.
•
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CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Tomou contato com o conceito de "teoria" livre dos preconceitos alimentados no senso comum, de tal 
sorte que perceberá o quanto não podemos viver sem teorizar;
• verificou, por meio de uma panorâmica em algumas etapas decisivas da história das ciências, que a 
investigação, o debate e a dúvida são aspectos centrais na construção do conhecimento científico;
• conheceu dialética, método que tem se revelado particularmente útil na condução de pesquisas em 
Ciências Sociais.
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	Olá!
	1 Projeto
	2 Um Discurso sobre o Método
	3 Importância da Reflexão Teórica para o Nascimento da Ciência
	3.1 Para que isso fique ainda mais claro, considere outro exemplo:
	4 Teorias e Métodos em Ciências Sociais
	5 A Contribuição da Dialética
	6 Alguns Cuidados no Levantamento Bibliográfico
	6.1 Orientações Iniciais Sobre Como Lidar Com A Bibliografia
	O que vem na próxima aula
	CONCLUSÃO