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Interfaces em Tempo de Passagem Hildeliza Boechat Cabral Dulce Helena Pontes-Ribeiro Juçara Gonçalves Lima Bedim Hildeliza Boechat Cabral Dulce Helena Pontes-Ribeiro Juçara Gonçalves Lim a Bedim COVID-19 Organizadoras Organizadoras MULTICULTURAL Interfaces em Tem po de Passagem COVID-19 MULTICULTURAL brasilmulticultural.org facebook.com/ibramep editora@brasilmulticultural.org MULTICULTURAL “Vive-se um período sombrio. Tem sido frequente a presença de um adjetivo associado ao termo pandemia, como se o significado da palavra em si não fosse suficientemente duro: lê-se com frequência a associação de vocábulos como “inimaginável”, “catastrófica” e “apocalíptica”. De fato, o último evento comparável, a gripe espanhola, ocorreu há cerca de 100 anos, em outra geração, portanto, com impressionantes 50 milhões de óbitos em avaliações conservadoras. A iniciativa dos autores em abordar tema tão atual e sensível como o da pandemia de COVID-19 é louvável e muito bem-vinda. O leitor en- contrará um livro pensado com evidente função de auxílio não apenas ao público leigo, mas também ao especialista, num texto de fácil compreen- são e leitura fluente, além de repleto de referências para aprofundamento sobre o assunto. A obra foi organizada em capítulos que contextualizam a COVID-19 associadamente a diversas conjunturas específicas, em caminho transdisciplinar, através de diversas ciências como a Medicina, a Literatura, o Direito, a História e a Política. Pela transdisciplinaridade os organiza- dores não instituem uma temática de forma rígida, mas dispõem em um modelo que se permite livre ao leitor. A título de esclarecimento intro- dutório foram selecionados tópicos que são a seguir comentados, não necessariamente na ordem em que surgem na obra”. Dr. Fabiano Bianchi Doutorando em Bioética (FMUP) Mestre em Ensino (UFF) Especialista em Cardiologia e em Terapia Intensiva (AMB) Graduado em Medicina (UFRJ) Coordenador do Internato do curso de Medicina da Unig Itaperuna Coordenador da UTI cardiológica do Hospital São José do Avaí O Grupo de Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana (Gepbidh) tem por objeto estudos interdisciplinares visando, sobretudo, a fomentar a pes- quisa acadêmica, oportunizando ao estudante da graduação e da pós-gra- duação o desenvolvimento do gosto pela pesquisa científica e o aguçado espírito de busca por respostas que o levarão a sucessivas reflexões. O Grupo procura estimular a acui- dade na investigação e desenvolver habilidades incentivadoras do traba- lho em equipe, promovendo a inter- disciplinaridade entre saberes que já não podem ser estudados como áreas estanques, além de despertar para a complementaridade dos futuros pro- fissionais, primando pela humaniza- ção das relações e pelo atendimento cauteloso e solidário pelo profissional. O Grupo, coordenado por Hildeli- za Boechat Cabral, é constituído por profissionais do Ensino universitário e da pós-graduação (da Unig e de ou- tras Instituições de Ensino Superior) de diversos cursos e variadas forma- ções, estudantes e egressos de várias IES, todos motivados a desenvolve- rem pesquisas científicas a partir da academia, promovendo a inter- mul- ti- e transdisciplinaridade. As ideias apresentadas nesta obra emergiram da premência de aceitar o desafio de pesquisar, es- crever e publicar textos sobre o fla- gelo que surpreende a humanidade com a devastação e as profundas mudanças que a COVID-19 tem causado. Textos resultantes de uma diversidade de olhares certamente contribuem para uma visão multir- referencial, que cumpre a função de estimular a discussão em torno de um tema que atrai a atenção de pesquisadores de todo o mundo. Sabendo-se que cada leitor se torna intérprete e crítico do que absorve de cada obra, contamos com sua preciosa avaliação. Convidamos, portanto, à leitura! Autores e Organizadores Capa_Covid-19 - Interfaces em tempo de passagem.indd 1Capa_Covid-19 - Interfaces em tempo de passagem.indd 1 15/06/2021 09:25:1215/06/2021 09:25:12 MULTICULTURAL Hildeliza Boechat Cabral Dulce Helena Pontes-Ribeiro Juçara Gonçalves Lima Bedim Organizadoras Interfaces em Tempo de Passagem COVID-19 Copyright © 2021 Brasil Multicultural Editora. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem a expressa autorização dos autores e/ou organizadores. Editor científico Décio Nascimento Guimarães Editora adjunta Gisele Pessin Coordenadoria técnica Gisele Pessin Fernanda Castro Manhães Design Carolina Caldas Foto de capa: Carolina Caldas Gestão administrativa Ana Laura dos Santos Silva Bibliotecária Juliana Farias Motta – CRB 7/5880 Revisão Dulce Helena Pontes-Ribeiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C873 COVID-19: interfaces em tempo de passagem / Organizadores: Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral, Dulce Helena Pontes-Ribeiro, Juçara Gonçalves Lima Bedim. –- Campos dos Goytacazes (RJ): Brasil Multicultural, 2021. 192 p. ISBN: 978-65-88977-10-1 1. COVID-19 – Doença. 2. COVID-19 – Doença – Aspecto psicológico. 3. Covid-19 – Aspecto econômico. I. Pontes-Ribeiro, Dulce Helena. II. Bedim, Juçara Gonçalves Lima. III. Título: interfaces em tempo de passagem CDD 362 Instituto Brasil Multicultural de Educação e Pesquisa - IBRAMEP Av. Alberto Torres, 371 - Sala 1101 - Centro - Campos dos Goytacazes - RJ 28035-581 - Tel: (22) 2030-7746 www.brasilmulticultural.org www.encontrografia.com contato@brasilmulticultural.com.brMULTICULTURAL COMITÊ CIENTÍFICO/EDITORIAL Prof. Dr. Antonio Hernández Fernández – UNIVERSIDAD DE JAÉN (ESPANHA) Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza – UENF (BRASIL) Prof. Dr. Casimiro M. Marques Balsa – UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA (PORTUGAL) Prof. Dr. Cássius Guimarães Chai – MPMA (BRASIL) Prof. Dr. Daniel González – UNIVERSIDAD DE GRANADA – (ESPANHA) Prof. Dr. Douglas Christian Ferrari de Melo – UFES (BRASIL) Prof. Dr. Eduardo Shimoda – UCAM (BRASIL) Profª. Drª. Emilene Coco dos Santos – IFES (BRASIL) Profª. Drª. Fabiana Alvarenga Rangel – UFES (BRASIL) Prof. Dr. Fabrício Moraes de Almeida – UNIR (BRASIL) Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho – UFSC (BRASIL) Prof. Dr. Francisco Elias Simão Merçon – FAFIA (BRASIL) Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes – UFRPE (BRASIL) Prof. Dr. Javier Vergara Núñez – UNIVERSIDAD DE PLAYA ANCHA (CHILE) Prof. Dr. José Antonio Torres González – UNIVERSIDAD DE JAÉN (ESPANHA) Prof. Dr. José Pereira da Silva – UERJ (BRASIL) Profª. Drª. Magda Bahia Schlee – UERJ (BRASIL) Profª. Drª. Margareth Vetis Zaganelli – UFES (BRASIL) Profª. Drª. Martha Vergara Fregoso – UNIVERSIDAD DE GUADALAJARA (MÉXICO) Profª. Drª. Patricia Teles Alvaro – IFRJ (BRASIL) Profª. Drª. Rita de Cássia Barbosa Paiva Magalhães – UFRN (BRASIL) Prof. Dr. Rogério Drago – UFES (BRASIL) Profª. Drª. Shirlena Campos de Souza Amaral – UENF (BRASIL) Prof. Dr. Wilson Madeira Filho – UFF (BRASIL) 6 7 SUMÁRIO Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1 O idoso no isolamento social e os riscos de depressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 Dulce Helena Pontes-Ribeiro 2 Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 Tânia Gregório 3 Impactos do ensino remoto na relação de ensino-aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39 Dulce Helena Pontes-Ribeiro Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral Poliana da Silva Carvalho 4 Irrefutabilidadedo direito à saúde no sistema prisional brasileiro durante a pandemia da Covid-19: uma análise da resolução 62 do CNJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52 Alice de Souza Tinoco Dias Viviane Carneiro Lacerda Meleep Ari Gonçalves Neto 5 Aborto: Bioética e direito em tempos de Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .62 Diane de Carvalho Machado Thiago Assed Tinoco de Bragança 8 6 Isolamento social, depressão e tendência suicida em decorrência da pandemia Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Juliana da Conceição Sampaio Lóss Lyssa Portal da Silva Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral 7 Exposições físicas, psicológicas e emocionais dos profissionais de saúde frente ao coronavírus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .85 Vanessa do Amaral Tinoco Caroline Ferreira dos Santos Juçara Gonçalves Lima Bedim 8 A pandemia da Covid-19 e as alterações no sono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .98 Luciano Neves Reis Elenize de Oliveira Silva Neves Juliana da Conceição Sampaio Lóss 9 O papel e a relevância da atenção primária à saúde (APS) no enfrentamento à Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .111 Laís Soliño Francisco de Abreu Dantas Laryssa Oliveira da Silva Santana Juçara Gonçalves Lima Bedim 10 Responsabilidade civil do médico por tratamento off-label na Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . 122 Marcelo Marianelli Lóss Juliana da Conceição Sampaio Lóss Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral 11 O aumento da violência doméstica durante o isolamento social e a necessidade de proteção aos direitos da mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 Inessa Trocilo Rodrigues Azevedo Viviane Bastos Machado Lina Nacif Lacerda de Oliveira 9 12 Desconstruindo os padrões da figura "casa": uma prisão em momento de pandemia de Covid-19 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 Ana Carolina de Oliveira Lyrio Ari Gonçalves Neto Shirlena Campos de Souza Amaral 13 A política externa do governo Bolsonaro face à crise sanitária mundial do novo coronavírus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 Andrik Barbosa Risso Willian da Silva Pontes 14 A Covid-19 no contexto das pandemias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 Diane de Carvalho Machado Thiago Assed Tinoco de Bragança 15 A Covid-19 e a mistanásia no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178 Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral Moyana Mariano Robles-Lessa Alinne Arquette Leite Novais Sobre as organizadoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190 11 PREFÁCIO Não bastassem os diversos desafios pelos quais passa a humanidade no contexto das atuais mudanças sociais e demográficas, da crise econômica e das impactantes alterações tecnológicas no cotidiano individual e global, levando ao surgimento de novos dilemas geopolíticos e incertezas como ja- mais percebidas tão claramente, a sociedade encontra-se diante do enfren- tamento adicional de uma grave pandemia. Vive-se um período sombrio. Tem sido frequente a presença de um adjetivo associado ao termo pande- mia, como se o significado da palavra em si não fosse suficientemente duro: lê-se com frequência a associação de vocábulos como “inimaginável”, “ca- tastrófica” e “apocalíptica”. De fato, o último evento comparável, a gripe espanhola, ocorreu há cerca de 100 anos, em outra geração, portanto, com impressionantes 50 milhões de óbitos em avaliações conservadoras. A iniciativa dos autores em abordar tema tão atual e sensível como o da pandemia de Covid19 é louvável e muito bem-vinda. O leitor encontrará um livro pensado com evidente função de auxílio não apenas ao público leigo, mas também ao especialista, num texto de fácil compreensão e leitura fluen- te, além de repleto de referências para aprofundamento sobre o assunto. A obra foi organizada em capítulos que contextualizam a Covid19 associa- damente a diversas conjunturas específicas, em caminho transdisciplinar, através de diversas ciências como a Medicina, a Literatura, o Direito, a His- tória e a Política. Pela transdisciplinaridade as organizadoras não instituem uma temática de forma rígida, mas dispõem em um modelo que se permite livre ao leitor. A título de esclarecimento introdutório foram selecionados tópicos que são a seguir comentados, não necessariamente na ordem em que surgem na obra. 12 As implicações da Covid19 sobre a população idosa são delineadas numa escrita sensível e, ao mesmo tempo, precisa, evidenciando o acelera- do efeito do isolamento como fator colaborador para a depressão no idoso. Fornecem-se, ainda, possíveis meios para se minimizarem os efeitos da qua- rentena em tais indivíduos. Enriquecem o texto algumas referências poéti- cas quanto ao processo de envelhecimento, além da alusão à influência da cultura ocidental sobre a percepção societal da terceira idade. Na esteira das consequências da pandemia sobre a saúde mental, seus efeitos sobre a tendência ao suicídio são analisados com exposição de poten- ciais medidas para mitigação do seu impacto, tanto individual quanto cole- tivamente. Ainda em menção direta aos efeitos sobre a saúde do indivíduo, o atual período de elevado estresse emocional também tem atuado sobre o sono, gerando piora da sua qualidade e aumento do uso de sedativos e ansio- líticos. Os autores não poupam esforços para uma busca de estratégias não farmacológicas para a normalização do sono, como terapias cognitivo-com- portamentais, mindfulness e atividades físicas. É dedicada especial atenção ao profissional de saúde, quase inexora- velmente envolvido no contexto da atual pandemia. Através de uma apre- sentação sóbria do cenário pandêmico global, bem como através da análise detalhada do impacto psicológico da doença sobre estes profissionais, são sugeridos e justificados investimentos em tecnologia da informação, acolhi- mento, treinamento e capacitação, com objetivo de reduzir os processos de sobrecarga de trabalho e estresse pessoal e profissional. Temas sensíveis como o abortamento e a violência doméstica não são ignorados. O tema abortamento é tratado à luz da Bioética e do Direito, trazendo aspectos relativos à limitação de recursos para a saúde da mulher durante os esforços de luta contra a pandemia e suas implicações para uma população já previamente marcada pela precariedade na atenção à saúde. Dados reais que confirmam a paralela epidemia de aumento dos casos de violência doméstica chamam atenção, em especial, para a necessidade de uma abordagem pragmática e imediata de ação efetiva do poder público.O Direito à saúde no sistema prisional é abordado numa análise crítica quanto aos limitados efeitos práticos de resoluções e medidas legais observa- dos neste período, ainda que bem intencionadas. A situação de sobrecarga 13 de longa data do sistema prisional se mostra decisiva no relativo insucesso obtido na mitigação dos efeitos da pandemia nesta coletividade em especial. Após breve histórico sobre a Medicina de Família e Comunidade, uma análise detalhada do papel da Atenção Básica à Saúde no contexto de uma pandemia é apresentada. Ressalta-se o papel da Covid19 como fator causa- dor de agudização na perene crise da e na saúde pública brasileira. O foco na abordagem comunitária é central, evidenciando meios através dos quais a atenção primária pode reduzir a disseminação do vírus e minimizar os efeitos socioeconômicos da doença, sempre com foco no trabalho multiprofissional. Enfim, a contextualização da pandemia de Covid19 frente às principais pandemias já enfrentadas pela humanidade nos últimos séculos é tema de outro interessante capítulo, em que ficam claros os pontos em comum e os mecanismos de conhecimento que podem ser utilizados no enfrentamento desta nova doença. Sobressaem em todo o livro a escolha amorosa dos temas e a generosa disponibilidade dos autores dedicados ao delicado trabalho empreendido em tempos de pandemia. Ressalte-se a instabilidade do assunto motivador, com milhares de publicações recentes tornando a escrita necessariamente sensí- vel e responsável. À acurácia acadêmica do texto associam-se referências no final de cada capítulo que servem de guia para aprofundamento e para o julgamento do leitor. Trata-se de contribuição apaixonada, embora técnica e científica, eminentemente tempestiva. Àquele leitor que segue em busca de auxílio em tempos sombrios, encontra aqui uma base de reflexão sobre o grande desafio que se impõe à humanidade neste começo de milênio. Por fim, esta seleção de artigos não evidencia como objetivo esgotar o tema, que se mostra amplo e intrinsecamente polêmico, em especial quan- to aos dilemas, valores e princípios éticos. Serve bravamente, entretanto, de guia e inspiração para novas discussões e fonte de novas formas de com- preensão para o crescimento individual e da coletividade. Dr. Fabiano Bianchi. Doutorando em Bioética (FMUP) Mestre em Ensino (UFF) Especialista em Cardiologia e em Terapia Intensiva (AMB) Graduado em Medicina (UFRJ) Coordenador do Internato do curso de medicina da Unig Itaperuna. Coordenador da UTI cardiológica do Hospital São José do Avaí. 14 APRESENTAÇÃO Finda o ano de 2019 sob as comemorações do despontar de um novo ano que chega permeado por expectativas de novas possibilidades e metas traçadas. Contudo, os sonhos e os desejos projetados para 2020 tornam-se impossibilitados pela notícia de um vírus oriundo da longínqua China que avança em território nacional: o coronavírus – com potencial fatal, de con- tágio rápido, temerário, que foge ao controle social e apavora a humanidade. A Covid-19, causada pelo coronavírus, aflige o mundo por sua carac- terística invasiva, seu ritmo de progressão célere e de difícil controle. No mundo hodierno, marcado pelos avanços da Ciência e da Tecnologia, a pers- pectiva é a de que o homem tenha controle sobre sua segurança social, so- bre as doenças. Todavia, o caos decorrente da Covid-19 prorrompe e expõe nossas incertezas e vulnerabilidades. Faz-se necessária uma pausa; o mundo entra em recesso! Lamentavelmente, o medo da contaminação, de ter a renda alterada, o temor de perder entes queridos, a imposição ao isolamento social, entre outros fatores, interferem, devastam e mudam substancialmente o estilo de vida dos indivíduos. Que transformações serão geradas a partir da percep- ção das experiências vividas nesta passagem desolada? O alastramento da doença Covid-19 move a humanidade a repensar as relações humanas e, por conseguinte, a reconstituir seus relacionamentos, suas crenças, seus valores. Nesse contexto, a coletânea de textos que compõe a presente obra con- templa esse processo de reflexão sobre o novo delineamento imposto pela Covid-19 e, possivelmente, o desabrochar de uma nova sociedade. Traz à 15 baila algumas constatações sobre o tema em debate e as contingências acar- retadas à população mundial. De fato, a história da humanidade tem sido perpassada por eventos dramáticos, e este se constitui mais um em que o homem luta por sua sobrevivência. Por conseguinte, emerge a instância de conceituar pandemia, para melhor entendimento das circunstâncias oca- sionadas pela Covid-19 e apresentar vários pontos condizentes já ocorridos anteriormente na história. De fato, a crise que se defronta, no arroubo da pandemia, constitui-se um momento pertinente para análise e reflexão em torno do fenômeno que devasta os continentes de modo ímpar. Sob tal premissa, as ideias aqui apre- sentadas emergiram da premência de aceitar o desafio de escrever e publicar alguns textos sobre o flagelo que surpreende a humanidade com a devasta- ção e as profundas mudanças que tem causado. Textos esses resultantes de uma diversidade de olhares, o que contribui para a abordagem multirrefe- rencial em que consiste esta obra que cumpre a função de estimular a dis- cussão em torno de um tema que tem atraído a atenção de pesquisadores de todo o mundo. Nessa perspectiva, a escolha dos capítulos norteou-se em três eixos te- máticos: “Saúde/Saúde Pública”, enfocando o papel dos serviços fornecidos pela Atenção Primária à Saúde à população e a necessidade de os Sistemas de Saúde se organizarem para impedir e reduzir o risco de expansão da epi- demia; preocupação com a saúde física e psicoemocional dos trabalhadores da saúde; alterações do sono na pandemia; direito à saúde no setor prisio- nal. Outro eixo se refere às complicações e consequências do “isolamento social”, gerando “depressão”, que se concentram na categoria dos idosos com comorbidades (hipertensão e cardiopatia); questões relacionadas com a violência doméstica ou, ainda, tendência suicida. Um terceiro eixo surge, voltado para a área do “Direito” e da “Bioética”, tratando de assuntos como a relação da Covid-19 com a Mistanásia (morte indigna da população vul- nerada), a política externa e a crise sanitária mundial no cenário do novo coronavírus e a questão do aborto. Todas essas contribuições – sérias e produtivas – apontam vivências in- vasivas provocadas por esta pandemia e a implicação de estudiosos a qual se traduz na busca de transformar a angústia originada pela Covid-19, de alguma forma, em algo que tenha valor para a sociedade. 16 Pode-se conceber que o fio condutor que une este conjunto de textos constitui a busca incessante que move pesquisadores a contribuir para o debate que sustenta e permeia uma problemática de interesse mundial, até mesmo no recôndito do Noroeste Fluminense... As organizadoras 17 1 O IDOSO NO ISOLAMENTO SOCIAL E OS RISCOS DE DEPRESSÃO Dulce Helena Pontes-Ribeiro1 Sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada. Rugas, dentes, calva. Uma aceitação maior de tudo, e o medo de novas descobertas (Carlos Drummond de Andrade). São grandes as transformações do sujeito na terceira idade. Doenças (físicas e mentais), aposentadoria, isolamento, solidão, perda de entes que- ridos, limitação da independência e da autonomia. Em tempos normais, a carga de contratempos que afeta o idoso é pesada mais do que muitos po- dem suportar. Em tempos de pandemia, como a da Covid-19, cujos idosos se encaixam no grupo de alto risco de contágio e agravamento e em face de afastamento social mandatário, a situação se torna, em grande parte, terri- velmente avassaladora. Até que ponto o isolamento social do idoso determinado por autorida- des médicas e governamentais contribui para o surgimento ou agravamento da depressão? – eis aí a questão que move a reflexão da autora deste capítu- lo, que se inserena categoria dos idosos, com comorbidade (hipertensa e car- diopata); portanto, faz parte do grupo de risco e pode falar estando dentro 1. Doutora em Língua Portuguesa. Mestra em Educação. Especialista em Língua Portu- guesa e em Semiótica Discursiva. Graduada em Letras. Professora do Ensino Superior. Revisora de textos científicos, acadêmicos, TCC, livros, etc. E-mail: dulcehpontes@ gmail.com 18 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem do problema e, paradoxalmente, também fora dele, pois teve, neste período de isolamento, a oportunidade de conviver 80 dias com um dos filhos, nora e neto por habitar um ambiente espaçoso, tranquilo, rodeado de plantas, distante do centro da cidade, ou seja, um confinamento privilegiado. Estar fora do problema também significou estar por dentro das informações em tempo real do cenário de horror: guerra ao coronavírus. Morte aos milhões pelo mundo (o Brasil computa milhares!), famílias dizimadas, idosos sem poder abraçar, beijar, tocar as pessoas. Impaciência, melancolia, solidão, desespero, desemprego, fome, depressão e morte. Em face desse emaranhado, o objetivo deste capítulo consiste em dire- cionar a atenção sobre o momento de vulnerabilidade de grande parte de idosos (que, por forças maiores, está isolada e propensa a um quadro depres- sivo), insinuando sobre algumas possibilidades de minimizar o problema. Para esse fim, a redação deste texto, num primeiro momento, reflete sobre o envelhecimento, algumas vezes remetendo-se a poetas, ao mesmo tempo em que apresenta algumas distinções entre termos que se confundem: en- velhecimento/velhice, idoso e terceira idade; depois, ela incide sobre o iso- lamento involuntário estabelecido por questões sanitárias nestes tempos de Covid-19; por fim, aponta para o aumento de riscos de depressão no idoso na situação de quarentena. Ciclo subsequente à vida adulta do homem O processo de envelhecimento se inicia já na concepção do indivíduo e prossegue nas fases subsequentes de seu desenvolvimento concluindo o ciclo com a morte, donde se depreende que toda essa mobilização se trata de um curso natural da vida caracterizado por um organismo que vai se alterando (envelhecendo mesmo) com o tempo. O mais natural a deduzir é: quem não morre cedo envelhece. É óbvio. Mas é difícil aceitar a velhice. Os poetas que o digam. No poema Recordo ainda, de Mário Quintana, poeticamente há uma re- cordação da bela infância, mas que virara cinza quando veio um vento de- sesperança. A vida passou, mas o poeta insiste: Eu quero os meus brinquedos novamente! Essa expressão metaforiza o que o idoso quer: sua juventude de volta. Cecília Meireles, no poema Retrato, é outra voz a procurar a sua juven- 19 1. O idoso no isolamento social e os riscos de depressão tude perdida em algum espelho, pois hoje seu rosto é triste e magro, olhos vazios, lábios amargos, mãos sem força, coração que nem se mostra – uma mudança certeira, fácil simples, mas Eu não dei por essa mudança. Há uma saudade dilacerante de procurar o que ficou para traz e a impossibilidade de não poder resgatar mais nada. Vale ainda lembrar Drummond em Versos à boca da noite, cuja primeira estrofe está na epígrafe deste texto e que aqui se repete: Sinto que o tempo sobre mim abate / sua mão pesada. Rugas, dentes, calva. / Uma aceitação maior de tudo, e o medo de novas descobertas. É assaz pesado o tempo sobre seus ombros, a aceitação dos problemas inerentes ao envelheci- mento e o medo do que ainda há de vir. Se por um lado, há quem concebe a velhice pela dura realidade, como ciclo derradeiro da vida, quase sempre acompanhado de decréscimos irre- versíveis nos diversos domínios (sociais, culturais, psicomotores, mentais); por outro lado, há os que a consideram como o coroamento de uma vida vivida, prenhe de experiências e sabedoria. E, mais uma vez a recorrência aos poetas, que, em poucas palavras, dizem mais que um tomo da ciência. Assim se traz Adélia Prado que, de modo resignado, aceita a vida, a velhi- ce e a morte. No poema Resumo, que provavelmente quer dizer “enfim”, ela poetiza: Gerou os filhos, os netos, / Deu à casa o ar de sua graça / E vai morrer de câncer. / O modo como pousa a cabeça para um retrato / É o da que, afinal, aceitou ser dispensável / Espera, sem uivos, a campa, a tampa, a inscrição: / 1906 – 1970 / SAUDADE DOS SEUS, LEONORA. Em outras palavras: Leonora (sabe-se lá quem? provavelmente uma pessoa próxima) fez o que tinha que fazer, adoe- ceu, está na hora de morrer, pois já não é mais indispensável como o fora na juventude. A morte vem serena, estoica. Por sua vez, a poetisa Cora Cora- lina, perto dos 100 anos de idade, em entrevista, dissera poetizando sobre a velhice: procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes. Enfim, as formas de encarar a velhice diferem de pessoa para pessoa, de cultura para cultura. É de bom senso conceber o envelhecimento como uma ideação social que gera vários modos distintos de compreensão do mesmo fenômeno. Na cultura ocidental contemporânea dominada por uma mídia enaltecedora do viçoso e belo, tudo que é velho precisa ser imediatamente substituído pelo novo; então, é muito comum atrelar a velhice a estereótipos, 20 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem depreciação e preconceitos, infundindo sobremaneira a carga de provação e desalento no idoso. Criado na França de 1962, o termo idoso passa a caracterizar o sujeito acima de 60 anos; veio para substituir as formas pejorativas velho/velhote, palavras associadas à exclusão, descrédito e até mesmo desrespeito. Logo então, o Brasil acampou o termo em documentos oficiais como uma catego- ria social. Em 2002, o idoso é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a pessoa com ou mais de 60 anos; porém, em países em desenvolvi- mento essa idade sobe para 65 (SANTOS; SANTOS, 2017, p. 19). Com tal nomenclatura (idoso), reduz-se em parte o estereótipo do termo velho, impri- mindo um ar de respeitabilidade àquele que no decurso de sua existência ocupou sua função na sociedade. Nesse sentido, o reconhecimento do idoso não se restringirá ao estado de seu organismo, mas abrangerá o transcurso de sua vida social nos domínios trabalho, família, dentre outros; portanto, essa terminologia agrega valores à pessoa inserida nessa faixa etária. Terceira idade é uma expressão criada pelo francês Huet para enquadrar pessoas entre 50 e 77 anos de idade – uma divisão estabelecida pela geria- tria. Essa proposta se deu em razão de a associação “necessidades dos ido- sos” passar a ter a mesma conotação valorativa deletéria de “problemas dos velhos” – é o que informa Herdy (2020, p. 246). Depreende-se, então, que as pessoas nessa faixa etária tratadas pela referida expressão (terceira ida- de) são hauridas/circundadas de uma pretensa juventude; são avançadas na idade cronológica, mas jovens no modo de ser e de pensar, envolvem-se “em atividades sociais, culturais e esportivas”. Dos vieses ora expostos se infere que a substituição dos referidos termos talvez não passem de eufemismos para se referenciar uma inexorável verda- de: a velhice com o peso da certeza de proximidade com a morte física, o adeus derradeiro, uma luta contra o real algoz – o tempo, responsável por metamorfosear o novo no velho, com o prenúncio do fim. Para quem não se preparou para essa etapa da vida dói querer segurar o tempo que se esvai no cadenciado de suas oscilações tatuando no corpo e na alma marcas com implacável força. Curiosamente, o modo como a sociedade vai imprimindo sentido a ter- mos e lhes conferindo valores em relação às diferentes acepções de referen- ciar pessoas que percorrem uma linha do tempo mais estendida não muda 21 1. O idoso no isolamento social e os riscos de depressão a condição essencialdo sujeito que, nessa fase, geralmente é acometido de muitos reveses, e um deles, de relevo para esta reflexão, é o isolamento que muitos enfrentam numa sociedade em que os mais novos saem para traba- lhar (ou mesmo para se divertir) não dando a devida atenção a velhos/ido- sos/da terceira idade. Isolamento social Uma complexa rede de fatores pode provocar o isolamento social do idoso. Uma delas, muito frequente, é quando ele se vê fadigado pelo menor esforço que faz em decorrência de doenças físicas e mentais, que vão che- gando ou se agravando com a idade, retardo psicomotor (lentidão na fala e nos movimentos do corpo) – o que pode resultar em desinteresse de realizar certas atividades que já lhe foram motivo de prazer. Essas condições podem isolá-lo do convívio com outras pessoas ainda com vigor, mesmo próximas. A situação se agrava quando acompanhada de negligência doméstica e mes- mo abandono de familiares e amigos. E em tempos de pandemia decorrente da Covid-19, como fica esse iso- lamento do idoso? Eis aí o ponto de grande monta desta reflexão, centrada em um enorme quantitativo de idosos estabelecidos em casas de repouso, muitos dos quais ali largados e esquecidos pela família ou (na menos ente- diante das situações) idosos que foram forçados à interrupção abrupta de suas atividades sociais (e até mesmo laborais) para se trancafiarem em casa, distantes fisicamente da interação social. Em verdade, o distanciamento (e não o abandono) dos portadores do coronavírus é uma medida de prevenção da doença nessa faixa etária na qual as chances de mortalidade são maiores; mais que prevenção conota respeito, consideração, carinho, amor. O momento impõe a urgência de reconfiguração de relação com o tra- balho, com a própria casa e de comportamentos, uma sobrecarga de afaze- res e cuidados inusitados com a higiene. Nada de beijos, abraços, contato físico. Em vez disso, está o primar pela higiene constante, desenvolvimen- to do hábito de lavagem das mãos e uso de álcool em gel, uso de máscaras quando em momentos de contato com o outro, cuidados ambientais, emo- cionais e uma alimentação adequada para a manutenção da saúde na res- posta imunológica à Covid-19 e demais doenças. A luta deve ser de todos 22 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem em seguir as recomendações médicas da quarentena com vista à interrup- ção do ciclo de contaminação do coronavírus. E, em relação à saúde mental, é de extrema importância possibilitar ao idoso o contato (obviamente virtual) com entes queridos o que, por certo, será motivo de alegria e abrandamento da solidão e da ansiedade. Atual- mente, um dos grandes fatores de ansiedade é a abundância de informações veiculadas principalmente pelas mídias televisivas e midiáticas; portanto, convém evitar essa avalanche de informações neste período crítico de iso- lamento forçado, em que se tem de enfrentar a pandemia do coronavírus e a pandemia do pânico, do medo excessivo desta sociedade. Conhecendo-se mais o idoso, suas preferências devem ser consideradas para o desenvolvi- mento de atividades que acarretem relaxamento e bem-estar. Consoante Nunes et al. (2000, p. 46), é oportuno “estimular pensamen- tos positivos e lembranças de momentos de prazer em sua vida”; importa deixá-lo ocupado em atividades de leitura, audiência musical, organização de pertences pessoais e fotografias, assistência a programas televisivos e fil- mes (selecionados especificamente para o seu bem-estar), participação de grupos em redes sociais por meio de celulares com videochamadas, e-mails, mensagens pela rede (se possível, navegar no ciberespaço). Se gosta de escre- ver, é conveniente estimulá-lo à escrita de diário (até mesmo de poesia, tro- vas) de modo a expressar sentimentos. Já a outros convém desenhar, pintar, jogar cartas, fazer palavras cruzadas, cuidar dos cabelos e das unhas (cuidar da barba, caso seja homem), orar. A ociosidade gera mais ansiedade e tristeza. A mente ocupada e, se possível, o físico também dificultam a instauração de doenças. Tratar o fator emocional e fornecer informações e apoio ao idoso significa, além do respeito, inseri-lo na vida que segue; na medida possível, é preciso incluí- -lo em atividades diárias que lhe ocupem o tempo e a mente, que o levem a sentir-se útil. Enfim, realizar exercícios simples de respiração, exercitar o corpo considerando suas possibilidades e tornar o lazer uma forma de procedimento terapêutico. Como a fase do envelhecimento é complicada, permeada de fragili- dades e vulnerabilidades, Nunes et al. (2000, p. 47) arrolam uma série de possíveis reações do idoso decorrentes de um distanciamento forçado: ansiedade, medo, preocupação, angústia, solidão, frustração, zanga, de- 23 1. O idoso no isolamento social e os riscos de depressão sesperança, desejo de consumir álcool, desejo de consumir medicamentos para auxiliar na redução das reações percebidas, alterações dos hábitos do sono, alterações de apetite (falta ou excesso). Tais transtornos, situações de alto estresse, na idade mais avançada e no impacto da pressão do isola- mento são indicadores da busca por um suporte psicossocial, pois prenun- ciam um quadro depressivo. Depressão como consequência A chegada da pandemia no Brasil vem somar-se às grandes incertezas no cenário econômico, social e político – défices historicamente acumula- dos. Um momento de extrema perplexidade e indefinições não apenas sobre o futuro, mas sobre o hoje. A potencialidade de infecção e mortalidade de uma doença que de lá do outro lado do mundo, da China, impõe à socieda- de uma difícil travessia comandada pelo medo e pelos governos em suas ins- tâncias municipal, estadual e federal (numa desarmonia fenomenal). “Fique em casa” é o mantra repetido indefinidamente pelas redes sociais, inclusive por celebridades, intencionadas a infiltrá-lo no pensamento da população brasileira como elemento catalisador da sua atitude de distanciamento so- cial. É fácil ficar em casa, quando se mora em um local amplo, com jardim, pomar, piscina e com os serviçais no cumprimento de seu dever. É irônico, senão sarcástico demais, determinar “fique em casa” à gran- de parte a população brasileira que sequer tem uma moradia decente para cuidar de sua higiene, onde sequer há espaços para se circular dentro de casa, sequer há o que comer, sequer há água potável. Muitos são moradores de barracos, cubículos construídos ao lado de esgotos a céu aberto onde amontoam pessoas, ambientes fétidos, sem o menor respeito à dignidade humana. Outra parcela da sociedade estabelecida em condições dignas (até antes da chegada da pandemia) vivencia a economia colapsar e ser ela vi- timada pelo desemprego. A rotina de muitas pessoas ficou extremamente limitada, isenta de espaços de convivência, sem perspectiva de um depois, podendo desenvolver sintomas de ansiedade e tristeza, os quais, se não tra- tados, podem se agravar e chegar à depressão e, na pior das consequências, culminar no suicídio. 24 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem A despeito de necessário, o isolamento social é um regulamento inter- veniente na rotina do idoso que pode resultar em riscos graves para o sur- gimento da depressão, a qual, por sua vez, afeta fisicamente o organismo. O necessário confinamento aumenta as reações da solidão, tem um custo altíssimo na saúde mental do idoso revelado em seu comportamento: não querer tomar banho, trocar de roupa, escovar os dentes... precipitações que apontam para um quadro de depressão. Idosos, em perfeita idoneidade mental e alinhados com os acontecimen- tos globais, ao contato diário com noticiários midiáticos sobre a situação do mundo e mais especificamente do Brasil, ficam fragilizados com a crise re- sultante da pandemia e desprovida perspectiva de reversão em curto prazo. Podem faltar insumos indispensáveis à manutenção da vida: medicamentos, alimentos,água – uma crise sem precedentes, num país cuja economia já capengava, e que não há porvir, apenas o agouro do desemprego e da fome. Estar, em sã consciência, a par desta realidade é um pivô que pode desenca- dear a depressão nos idosos. No idoso a depressão se torna mais complicada devido às doenças que surgem com o avançar dos anos. Junto ao risco de contaminação do cora- navírus que impõe uma quarentena de prazo, no momento, indefinido para acabar (em especial para os acima de 60 anos, os incluídos no grupo de risco da Covid-19), a questão econômica tem sido mais um agravante para o de- sencadeamento de uma crise maior para idosos que têm essa consciência. O impacto dessa sobrecarga pode gerar perda de energia para o exercício das atividades diárias e deixá-los vulneráveis à depressão, numa fase suscetível à degeneração cerebral, e mais agravante ainda para aqueles que carregam a carga genética da depressão. Um dos pesquisadores da doença de Alzheimer, Dr. Robert S. Wilson, afirma que a solidão pode deixar as pessoas “mais vulneráveis a sofrerem de efeitos destrutivos de neuropatologias relacionadas à idade”. O médico neurocientista da Universidade Stony Brook (estado de Nova Iorque), Dr. Turhan Canli, diz que “A solidão pode ser um bom causador do declínio cognitivo acelerado” e ainda concebe que “a ideia do sentimento de depres- são faz com que as pessoas deixem de se cuidar, o que causa má alimenta- ção, falta de sono e ansiedade” (ROSA, 2020). 25 1. O idoso no isolamento social e os riscos de depressão Enfim, o confinamento pode deixar mais sequelas que a própria Co- vid-19: a pandemia da depressão. Pesa o distanciamento do toque humano. Nesse sentido, vale lembrar: o homem é um ser social. Uma conjugação de fatores sociais, emocionais e biológicos (aposentadoria, baixa renda, con- finamento, perda cognitiva, morte de pessoas próximas, intenso desânimo físico) demanda uma atenção maior de familiares, amigos e profissionais da saúde. Torna-se mais cruel ainda a negligência para com os idosos nes- te momento de Covid-19. A impossibilidade de relações sociais “ao vivo e a cores”, um grande fator de proteção de sua saúde, requer um esforço para demonstrar que isolamento não é abandono. Não se quer dizer com isso que se deva tratar o idoso como uma crian- ça. Essa infantilização pode ferir sua autoestima. Ouvi-lo com paciência demonstra atenção, cuidado, conforto. Seus desejos e opiniões precisam ser expressos e tomados como importantes para injetar um ar de leveza a esta situação que requer uma atenção especial a quaisquer sintomas de uma de- pressão. Uma intervenção preventiva e adequada é o melhor caminho. Considerações finais O empenho em discernir as construções sociais envelhecimento/velhi- ce, idoso e terceira idade, empregadas para se referir a pessoas acima de 60 anos de idade, fez-nos perceber ser impossível categorizá-los, uma vez que se trata de processos em constantes alterações e concepções, mas, de qual- quer forma, deu para trazer alguma luz ao que se propôs. Tudo são palavras, nada mais que palavras. Quanto poder têm as palavras (!), até mesmo para ludibriar o próprio idioma com eufemismos para a velhice como a melhor idade, por exemplo, ou ainda o termo idoso, em vez de velho e assim ter sensa- ção de que se está prolongando a juventude. Mas, nestes tempos de pandemia decorrente da Covid-19, o poder das palavras cedeu lugar para o poder do coronavírus de se estabelecer no orga- nismo humano como persona non grata e, muito pior, como quem veio para vencer, obrigando reordenação na vida social das pessoas do Planeta. O isolamento se tornou um ultimato frente ao horror da morte acontecendo a milhões de pessoas, atacando principalmente os mais fragilizados: pessoas com comorbidades e idosos. Estes, ao chegarem à fase de viver em paz, com 26 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem sua aposentadoria, os anos que lhes restam, se veem na imposição de isola- mento social – uma condição fácil de desencadeamento de depressão. Como vivemos num mundo de palavras, o novo normal (expressão uti- lizada em 2009, decorrente da crise econômica mundial geradora de uma ruptura de exponencial significância) reaparece com poder impactante de impor a todos adaptação ao modus vivendis doravante, “garantindo” a segu- rança e a sobrevivência populacional. Referências HERDY, Janes Santos. Envelhecimento: aposentadoria e velhice–fases da vida. GIGAPP Estudios Working Papers, v. 7, n. 150-1t65, p. 242-260, 2020. NUNES, Vilani Medeiros de Araújo Nunes et al. COVID-19 e o cuidado de ido- sos: recomendações para instituições de longa permanência. 66p. Natal/RN: EDUFRN, 2020. ROSA, Natalie. Isolamento social: cientistas estudam os efeitos da solidão no cor- po e cérebro. Canaltech, 2020. Disponível em: <encurtador.com.br/dfACU>. Acesso em 22 jun. 2020. SANTOS, Edileuza Brito dos; SANTOS, Wildesca Leite. O idoso provedor fami- liar no Município de Estância-SE. 62p. Centro De Ciências Sociais e Aplicadas Departamento de Serviço Social. Universidade Federal de Sergipe. São Cristó- vão/SE, 2017. 27 2 EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA PELA COVID-19 Tânia Gregório1 The right to safe, quality, inclusive and equitable educa- tion does not end in times of emergency (Unicef, 2020). Considerações iniciais O ano de 2020 iniciou-se com inúmeras expectativas, das quais se des- tacam: XXXII Olimpíadas de Verão (a serem realizadas em Tóquio), a saída do Reino Unido da União Europeia (processo apelidado de Brexit), início da vigência oficial do Acordo de Paris (firmado em 2015 e aprova- do por 195 países, cujo compromisso acordado centra no desenvolvimento sustentável e na redução de emissões de gases que elevam a temperatura global do planeta), a COP26 (Conferência do Clima da ONU), eleições presidenciais nos Estados Unidos da América, o que inclusive afeta defini- ções do Acordo de Paris. No entanto, o ano de 2020 iniciou-se com dois acontecimentos que dei- xaram o mundo em alerta: já em seus primeiros dias, a ameaça de haver um conflito bélico entre os Estados Unidos e o Irã, cujas consequências se- riam imprevisíveis, e a declaração, em março, pela Organização Mundial de 1. Mestre e Doutora em Educação (ProPEd-UERJ); membro do Grupo de Estudos e Pes- quisas Episteme, coordenado pela Profª Drª Siomara Borba; contato: taniaccgregorio@ gmail.com. 28 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem Saúde (OMS), da pandemia pelo novo coronavírus Sars-CoV-2, cuja doença decorrente é nomeada Coronavirus Disease ou Covid-19. Este último even- to, iniciado a partir de uma epidemia ocorrida na cidade de Wuhan, locali- zada na província de Hubei na China, ao final de 2019, transformou-se em protagonista das ações mundiais ao atingir fortemente não só a saúde pú- blica, mas, também, a economia mundial, as relações sociais e levando ao cancelamento ou ao adiamento de diferentes eventos nacionais e internacio- nais. Ainda em curso, a pandemia pela Covid-19 talvez venha a ser o evento mais extremo do século XXI e vem demonstrando, até então, os desafios, e mesmo o despreparo inicial, de alguns países no enfrentamento dessa si- tuação calamitosa, desvelando fragilidades na estrutura organizacional não apenas no que tange à saúde coletiva como também em outros setores da sociedade, principalmente a economia. Nesse sentido, as relações vida e trabalho têm estado em evidência, prin- cipalmente pelo fato de que ambos são basilares para a sobrevivência huma- na. No percurso da pandemia, as medidas iniciais baseadas em orientações epidemiológicas seguiram o sentido de implantação de distanciamento so- cial e rigorosa atenção à higiene pessoal, com o objetivo de impedir o fluxo acelerado de contaminação e, por consequência, o colapso dos serviços de atendimento de saúde em unidades hospitalares. No Brasil, a chegada da Covid-19 pôs à prova tanto a estrutura da vi- gilância sanitária quantoa estrutura do sistema econômico. E a necessida- de de distanciamento social, como medida profilática de combate à rápida disseminação do vírus, revelou tanto a fragilidade nessas duas estruturas quanto desvelou o abismo perpetrado pela desigualdade social no país. Ao lado do contingente de desempregados, desalentados e trabalhadores na in- formalidade, foi preciso um movimento de novas aprendizagens no mundo do trabalho para se adaptar e mesmo sobreviver a esse novo cenário. A educação como integrante desse sistema não poderia ficar alheia a essa conjuntura, principalmente por ser ela responsável pelo atendimento de parcela significativa da população nacional. Nesse sentido, pretende-se apre- sentar, neste capítulo, questões que envolvam os desafios e as perspectivas da e na educação diante desta nova realidade; destacando, entretanto, os obje- tivos de aprendizagem e a questão do trabalho docente, como cernes para se pensar os debates que têm sido postos com relação à educação e à pandemia. 29 2. Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 Trabalho em tempos de pandemia pela Sars-Covid19 Segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados diariamente no Pai- nel Coronavírus (2020), até a conclusão deste capítulo, a Covid-19 já conta- minou mais de quatro milhões e provocou mais de 125 mil óbitos no Brasil, não havendo ainda perspectiva de desaceleração e início de redução dos ín- dices dessa situação epidemiológica no país. Esse fato por si gera situação de incerteza, posto não haver perspectiva segura de tempo para o fim deste processo e retomada das atividades o mais próximo possível da normalida- de anterior. E neste cenário, desde o início das medidas protetivas e de com- bate adotadas, o mercado de trabalho foi fortemente afetado, resultando no fechamento de diversas atividades econômicas e impactando diretamente nos postos de trabalho. Esta situação pode ser comprovada baseando-se nos dados do Institu- to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que foram apurados pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua) e divulgados pela Agência IBGE de Notícias (BRASIL, IBGE, 2020). As informações apontam o panorama do Brasil ao final do primeiro semestre de 2020: dos 211 milhões de habitantes, 81,8 milhões de pessoas estão ocupadas, ou seja, inseridas no mercado de trabalho e destes, neste momento de pandemia, 71 milhões encontram-se em exercício e 10,8 mi- lhões estão afastados do trabalho – dos que estão em exercício, 8,9 milhões estão em trabalho remoto ou home office e dos que estão afastados, 8,3 mi- lhões estão nessa situação em função das medidas de distanciamento so- cial. Também chama a atenção nos dados divulgados pelo IBGE os 11,5 milhões de pessoas desocupadas, ou seja, fora do mercado de trabalho, em situação de desemprego. Não se pode atribuir à pandemia pela Covid-19 o índice de desempre- go divulgado pelo IBGE, posto que o país se encontra em situação de crise econômica desde o último trimestre de 2008, quando eclodiu a crise finan- ceira internacional. No entanto, os impactos da pandemia na economia do país tendem a agravar a situação, devendo essa situação ser considerada sob a perspectiva de que “o trabalho [é] condição básica e fundamental de toda a vida humana” (ENGELS, 1876) e garantia para transformação social. Os limites de oferta e o desemprego contribuirão para acentuar as desigualdades sociais. 30 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem Trabalho docente em tempos de pandemia pela Covid-19 Especificamente com relação ao trabalho docente no Brasil, essa é a pro- fissão mais numerosa do país, com 2.212.018 de professores na Educação Básica (BRASIL, INEP, 2020) e 384.474 na Educação Superior (BRASIL, INEP, 2019). Além disso, a situação do professor enquanto trabalhador dis- tingue da situação de outros trabalhadores, pois a muitos dessa categoria “são reconhecidos como trabalhadores com direitos trabalhistas protegidos pelo Estado” (ELACQUA et.al., 2018, p. 12), cujas carreiras caracterizam- -se pela estabilidade no emprego e as estruturas salariais assentam-se em re- gras específicas, como salário-base e promoções que se baseiam em critérios vinculados ao tempo de serviço e à formação e jornada de trabalho. No Brasil, segundo o Censo da Educação Básica (BRASIL, INEP, 2020), são 180.610 escolas (da Educação Infantil ao Ensino Médio) e segun- do o Censo da Educação Superior/2018 (BRASIL, INEP, 2019), são 2.537 instituições, entre universidades, centros universitários, faculdades e ins- titutos de educação tecnológica. São mantidas e gerenciadas pelo Estado 77,7% das escolas da Educação Básica e 11,8% das Instituições de Educação Superior. Com a crise econômica agravada pela pandemia, os professores do sistema de ensino público não estarão sujeitos ao desemprego, situação que fragiliza os que atuam em escolas do sistema privado de ensino. No entanto, ambos os sistemas de ensino serão atingidos pelo agravamento da crise eco- nômica, afetando diretamente o trabalhador professor: no sistema privado, a redução da população escolar provocada pela crise econômica familiar; no sistema público, a redução da disponibilidade de recursos da União dos Estados e dos Municípios, podendo vir a afetar tanto o calendário de paga- mento quanto o funcionamento dos estabelecimentos de ensino e, conse- quentemente, as condições de trabalho. O trabalho docente diante da situação de emergência sanitária vivida pelo Brasil e pelo mundo foi completamente afetado e reestruturado, posto que em função das medidas de distanciamento social as aulas presenciais fo- ram suspensas dando lugar à adoção da modalidade de ensino remoto – ou por estratégias de educação a distância ou por aulas remotas realizadas em plataformas das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Essa modalidade de ensino é considerada como caráter emergencial e provisório, uma vez que a legislação que disciplina a educação nacional, 31 2. Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 Lei n. 9.394/96 (LDB/96), em seu artigo 1º §1º, considera apenas “educação escolar a que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino em instituições próprias” (BRASIL, 1996). Nesse sentido, nem essa forma de realização do trabalho docente e nem o home office instituído para algumas categorias profissionais durante a pandemia podem ser considerados na ca- tegoria de teletrabalho, conforme expresso pela Lei n. 13.467/2017, nos arti- gos 75-A a 75-E (BRASIL, 2017). Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 A emergência sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 afetou significativamente a educação mundial e a brasileira, exigindo o fecha- mento das instituições escolares de todos os níveis de ensino, impactando um contingente de mais de 1,5 bilhão de alunos, ou seja, mais de 90% em todo o mundo (UNESCO, 2020) e tornando imperioso reorganizar as ati- vidades escolares. No Brasil, as primeiras orientações e medidas adotadas partiram dos Estados e municípios, inicialmente por decretação da suspensão das aulas e posteriormente com a orientação para implantação de atividades por aten- dimento remoto, em alguns casos com estratégias da educação a distância e em outros com aulas remotas online e por transmissão televisiva. Escolas da rede privada de ensino e algumas da rede pública conseguiram organizar-se rapidamente para ofertar o ensino remoto; no entanto, a maioria da popula- ção escolar ficou por longo tempo sem qualquer orientação. Todavia, à medida que o país se adaptava à emergência sanitária e sem previsibilidade de tempo para seu fim, orientações legais emanadas do Mi- nistério da Educação (MEC) e do Conselho Nacional de Educação (CNE) respaldaram e subsidiaram as medidas adotadas pelas Unidades da Fede- ração em seus respectivos sistemas e redes de ensino, porém sem descon- siderar o princípio de autonomia previsto no artigo 18 da Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, CF/88 (BRASIL, 1988) e no artigo 8º, §2º, da LDB/96 (BRASIL, 1996). Dentre as orientações legais advindas do poder central, da União, tem- se a Nota de Esclarecimento do CNE, de 18/03/2020 (BRASIL, MEC/ CNE, 2020a) elucidando aos sistemas e às redes de ensino quanto à gestão 32 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem do calendário escolar e à organização, realização ou de reposição das ativi- dades acadêmicas e escolares, ressaltando que a utilização da modalidade de educação a distância (EaD) como alternativa de organização pedagógica poderia ser adotada pela Educação Superior, mas na Educação Básica ape- nas com a autorização dos sistemas de ensinos federal, estaduais, munici- pais e distrital. No caso da Educação Superior, essa medida foi ratificada pelas Portarias n. 343 e 345, respectivamente de 17 e 19/03/2020 (BRA- SIL, MEC, 2020a e 2020b); Medida Provisória 934, de 1/4/2020 (BRASIL, 2020), que estabelece normas excepcionais sobre o cumprimento do ano le- tivo em todos os níveis de ensino, dispensando, em caráter excepcional, o cumprimento dos dias letivos e ressaltando a obrigatoriedade do cumpri- mento da carga horária mínima, conforme determinam os artigos 24, inciso I, e 31, inciso II, da LDB/96; o Parecer CNE/CP n. 05/2020, de 28/04/2020 (BRASIL, MEC/CNE, 2020b), que orienta a reorganização do calendário escolar visando o atendimento dos objetivos de aprendizagem previstos nos currículos acadêmicos e escolares, e o cômputo das atividades escolares não presenciais para cumprimento da carga horária mínima; e, por fim, a Nota de Esclarecimento do CNE, de 20/05/2020 (BRASIL, MEC/CNE, 2020c) exclusiva para a Educação Superior, esclarecendo as possibilidades de de- senvolvimento de atividades acadêmicas mediadas pelas TDIC. As questões principais que se colocam para a educação nacional diante dessa situação emergencial e excepcional referem-se às condições da condu- ção da reorganização e oferta das atividades acadêmicas e escolares e, tam- bém, o atendimento a um dos princípios da educação, quiçá o fundamental, expresso no artigo 3º, inciso IX, da LDB/96: “a garantia do padrão de quali- dade”, requerida pela sociedade contemporânea como basilar na educação. Contudo, é fato a desigualdade social no país, como também é fato a dualidade histórica na educação nacional. A adoção em caráter excepcio- nal da educação escolar não presencial tornou nítidas ambas as situações: as condições de acesso às TDIC e mesmo à televisão ainda são um desafio e a disparidade entre o sistema público e o privado de ensino ainda não se redu- ziu. Com efeito, embora a pandemia tenha democratizado as dificuldades estruturais em todo o sistema brasileiro de ensino, as respostas e as ações ao enfretamento dessa situação tiveram proporções distintas, trazendo a públi- co as limitações e as diferenças nas oportunidades de aprendizagem de qua- lidade do alunado, em todos os níveis de ensino. 33 2. Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 As medidas adotadas para possibilitar o cumprimento dos currículos acadêmico e escolar, em um regime especial de ensino, centraram em am- bientes virtuais de aprendizagem mediadas pelas TDIC e atividades não presenciais mediadas ou não pelas tecnologias de comunicação. Nesse senti- do, os ambientes de aprendizagem deslocaram-se para a realidade do aluna- do e os instrumentos variaram entre aparelhos de televisão, computadores, tablets e smartphones, e o ordenamento das atividades pedagógicas remotas demandaram desafios de adaptação para as redes de ensino, as escolas, as famílias, os professores e os alunos. E a educação nacional não estava preparada para essa situação. A co- meçar pelos professores cuja precariedade na formação (CERICATO, 2016) interfere na qualidade do ensino e da educação oferecida aos alunos, e asso- ciada à precariedade das condições de trabalho que neutralizam suas ações. Os desafios não foram poucos: um deles foi a implantação do ensino remoto mediado pelas TDIC. Cruz e Monteiro (2020, p. 109) relatam a necessida- de de desenvolvimento de competências profissionais para o uso das TDIC no ensino, revelando que nem todos dominam esses recursos e nem os uti- lizam como ferramentas pedagógicas. Diante da necessidade de adaptação das práticas pedagógicas a essa situação emergencial, coube aos sistemas de ensino, público e privado, a capacitação e a orientação de todo o corpo do- cente, o que pode vir a se tornar, se contínua após a pandemia, uma inova- ção satisfatória para a educação nacional. Por sua vez, a implantação do ensino remoto desvelou a exclusão di- gital no país: muitos alunos, especialmente do ensino público em todos os níveis, não dispõem de recursos tecnológicos de comunicação para acesso e participação nessa modalidade emergencial de educação a distância, falta experiência no uso desses recursos para aprendizagem e limitações de co- nectividade. Nesse sentido, as desigualdades entre as redes de ensino e suas escolas em atender, acompanhar e orientar remotamente a aprendizagem dos alunos têm sido enorme desafio. A estratégia adotada, a fim de atender os alunos com impossibilidade de acesso às plataformas digitais e mesmo às transmissões por canais de tele- visão, foi uma espécie de delivery de atividades pedagógicas não presenciais, preparadas pelos professores e distribuídas pelas escolas, conforme metodo- logia de educação a distância. A questão que se coloca com essa estratégia é 34 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem se o retorno dessas atividades e sua posterior devolutiva pelo professor têm proporcionado feedback satisfatório aos objetivos de aprendizagem. De modo geral, com o ensino remoto a educação nacional tem conta- do com o desempenho dos professores, o apoio dos responsáveis e, prin- cipalmente, com a motivação e as habilidades dos alunos em dedicar-se a sua aprendizagem de forma autônoma, o que constituiria resposta positiva às medidas adotadas para assegurar o direito à educação e alcançar os ob- jetivos de aprendizagem. Esse certamente tem sido o maior desafio, pois a crise de aprendizagem que historicamente afeta a educação nacional as- sim como os índices de abandono escolar podem ser fortemente reforçados pela pandemia. Portanto, para além da preocupação com o cumprimento do calendário escolar 2020, cuja implementação se estenderá podendo comprometer os anos letivos de 2021 e 2022, conforme salienta o Parecer CNE/CP n. 5/2020 (BRASIL, MEC/CNE, 2020b), o retorno às atividades presenciais tem sido foco de atenção, mesmo considerando as condições da atual crise sanitária. No Brasil não é novidade a interrupção emergencial do calendário escolar; no entanto, essa medida sempre foi adotada em face de questões pontuais e territoriais, não em nível nacional. O que torna o retorno preocupante são as condições adversas dos estabelecimentos de ensino e a necessidade de ob- servância das normas sanitárias de controle da disseminação da Covid-19. Muitas questões advêm a respeito do retorno acadêmico e escolar: es- tariam os estabelecimentos de ensino, públicos e privados – de todos os níveis de ensino – em condições de adotar e oferecer os cuidados básicos com higiene pessoal e de higienização do ambiente? Teriam os estabeleci- mentos escolares condições físicas de promover o adequado distanciamen- to social dos alunos tanto nas salas de aula quanto nos espaços externos? A comunidade escolar – professores, alunos e funcionários – seriam aten- didos considerando os riscos de contaminação? O escalonamento por tur- no é viável? A divisão das turmas para atendimento presencial e remoto é possível? Ampliar a jornada diária é possível? Essas e outras questões têm sido aventadas diante da necessidade de planejamento do retorno das ati- vidades da educação institucionalizada. Diante de uma interrupção abrupta, por período prolongado e permea-do de incertezas, como esta situação de pandemia, um retorno não planeja- 35 2. Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 do, e desconsiderando todas as possibilidades, não deixa de ser preocupante para a sociedade. De acordo com os dados do censo da educação brasilei- ra, serão 51.320.181 estudantes da Educação Básica (47.874.246) e da Su- perior (3.445.935) (BRASIL, INEP, 2019 e 2020) retornando às atividades acadêmicas e escolares, cujas consequências sanitárias são imprevisíveis, em função da falta de testagem em massa e de vacina aprovada. A imprevi- sibilidade tanto referente ao tempo prolongado de suspensão das atividades educacionais quanto ao retorno carece de literatura acadêmica que possa respaldar tomadas de decisão. A situação atual difere dos estudos realizados, principalmente fora do Brasil, acerca das interrupções nas atividades acadêmicas e escolares e de- nominados Summer Learning Loss ou Summer Slide (OLIVEIRA; GOMES; BARCELLOS, 2020, p. 557). Além disso, os resultados desses estudos ain- da são ambíguos com relação aos efeitos das interrupções do calendário escolar. Como também não são conclusivos estudos realizados acerca das estratégias de retomada das atividades após o período de interrupção, pro- longado ou não. Nesse sentido, os impactos sobre os itinerários acadêmico e escolar e, principalmente, sobre a aprendizagem são incertos, mesmo já ha- vendo a perspectiva de interferência substancial pelos próximos anos. Considerações finais O que se tem como prospectiva até o momento é a expectativa de que após a pandemia prosseguirá, diuturnamente, a crise econômica já instala- da no país, porém agravada em enormes proporções pela pandemia e ele- vando os índices de desigualdade social. Aventam-se à educação crises de outra ordem: os impactos na aprendizagem e a possibilidade de desistência de estudantes em função das adversas situações tanto educacionais quanto econômicas. Somente nos próximos anos poderão ser avaliados os impactos da pandemia no país, especialmente os causados à educação. A respeito do retorno às atividades da educação será preciso planejar e tomar decisões baseadas em estudos científicos, pois ainda não estão des- cartadas as hipóteses de outras ondas de contaminação pós-pandemia. Não é possível desconsiderar que o contingente populacional da educação tem 36 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem potencial imprevisível de disseminação do vírus podendo desestabilizar o sistema de saúde. Além disso, ao planejar e orientar o retorno devem ser consideradas questões cognitivas e emocionais pelo prolongado período de suspensão das aulas e distanciamento e/ou isolamento social, pela perda de familiares e pelas incertezas que ainda permeiam a doença e a pandemia. Deve estar cla- ro para as comunidades acadêmica e escolar de que não se trata de retorno ao antigo cenário, mas a uma nova realidade, que exigirá novas posturas e comprometimento, especialmente sociais e sanitários. Pedagogicamente, na Educação Superior, a autonomia será muito mais requerida e os impactos podem vir a ser minimizados mais rapidamente, em razão de já gozar de autonomia na flexibilização de sua proposta curri- cular e também pelo perfil de sua clientela. A Educação Básica, cujos obje- tivos de aprendizagem para serem alcançados satisfatoriamente dependem da mediação pedagógica pelo professor, especialmente na Educação Infan- til e no Ensino Fundamental, poderá adotar estratégias que capacitem os professores à operacionalização de práticas pedagógicas que resultem em respostas eficazes. Uma revisão das competências previstas na Base Nacio- nal Comum Curricular (BNCC) será necessária para definir prioridades dos conteúdos curriculares. Investir em atividades de leitura, em ensino estru- turado, em transposição didática e usar, na medida do possível, os recursos tecnológicos podem trazer resultados satisfatórios a curto e a médio prazos. E, fundamentalmente, envolver a família neste novo processo de ensino, cujo tempo de duração ainda é indefinido. Enfim, os desafios estão postos. E, concordando com a Unicef, na epí- grafe que abre este capítulo, o direito a uma educação segura, de qualidade, inclusiva e equitativa não termina em tempos de emergência. Nesse senti- do, será preciso que a educação faça uma leitura pedagógica deste momen- to de transforma-ações pelos quais está passando em tempos de pandemia e aprenda com tudo isso para que os erros e os acertos possam redefinir os rumos da educação nacional. 37 2. Educação em tempos de pandemia pela Covid-19 Referências BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: <https://cutt.ly/ rfRr31N>. Acesso em: 28 jul. 2020. BRASIL. Instituto Brasileiro de Pesquisas e Estatísticas: Agência de notícias. Dis- ponível em: <https://cutt.ly/Hd2bZrk>. Acesso em: 29 jul. 2020. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior 2018: notas estatísticas. Brasília-DF, Inep, 2019. Disponível em: <https://cutt.ly/ufqCrjp>. Acesso em: 17 ago. 2020. BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei- ra (Inep). Sinopse estatística da Educação Básica. [online]. Brasília-DF: Inep, 2020. Disponível em: <https://cutt.ly/ZfqCa5E>. Acesso em: 17 ago. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília-DF: Presidência da República, [2020]. Disponí- vel em: <encurtador.com.br/lNRS7>. Acesso em: 28 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 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Acesso em: 09 set. 2020. 39 3 IMPACTOS DO ENSINO REMOTO NA RELAÇÃO DE ENSINO-APRENDIZAGEM Dulce Helena Pontes-Ribeiro1 Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat Cabral2 Poliana da Silva Carvalho3 Que tempo é este? De ensino remoto Professor de chinelo Em power-point e foto Autorias em flagelo (CABRAL, 2020, p. 39). Considerações iniciais Com a chegada do novo coronavírus SARS-COV-2 ao Brasil, a reali- dade se transformou. As pessoas, tomadas pelo medo de contágio pela Co- vid-19, passaram a adotar nova rotina e hábitos sérios como higienização 1. Doutora em Língua Portuguesa. Mestra em Educação. Especialista em Língua Portu- guesa e em Semiótica Discursiva. Graduada em Letras. Professora do Ensino Supe- rior. Revisora de textos científicos, acadêmicos, TCC, livros, etc. E-mail: dulcehpontes@ gmail.com 2. Pós-doutoranda em Direito. Doutora e Mestra em Cognição e Linguagem. Professora dos Cursos de Direito e Medicina. Coordenada do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana (Gepbidh). 3. Mestra em Cognição e Linguagem. Especialista em Estudos de Língua Portuguesa e Li- teratura Brasileira. Licenciada em Letras (Português e Espanhol). Professora de Línguas Portuguesa e Espanhola no Instituto Federal do Espírito Santo, campus Ibatiba. 40 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem das mãos, distanciamento social, exercício profissional em home office e obviamente as aulas passaram a ser ministradas de forma remota, mediadas pelas mídias. Instalou-se, assim, o novo normal, que passou a pautar o com- portamento dos brasileiros por palavras de ordem para se evitar o contágio pelo vírus, consubstanciados em alguns slogans tais como: “fica em casa”, “vamos evitar contágio”, “vamos evitar aglomeração”, “use máscara”, “vai passar”. Passou a ser um imperativo a adoção dessas medidas de conduta em face do risco de contaminação por um vírus letal e ainda desconhecido. Instaura-se uma realidade completamente nova, ainda insondável, a ser des- cortinada e cujos reflexos são ainda imprevisíveis. Neste contexto, as famílias estabelecem novos modus vivendi, as pessoas passam a evitar o contato e os resultados do confinamento começam a in- comodar, pois o isolamento contínuo e sem saber por quanto tempo produz nos seres humanos sentimentos de insegurança, ansiedade e medo. A dinâ- mica da família se altera, transformando-se também as relações de trabalho, que passam a ser realizadas de forma remota. Todas essas transformações acarretam um impacto sobre o estudante e o professor que, acostumados ao contato físico, à presença e à troca de olha- res, veem-se numa situação completamente atípica em que as câmeras se tornam a única forma de se vislumbrar um ser humano diferente daqueles que habitam sob o mesmo teto. Então, o professor, adaptando-se às novas tendências, a fim de atender às necessidades impostas pelo momento, pas- sa a se comportar, com a máxima resiliência, conforme a nova realidade: ministrar suas aulas em espaços tecnológicos criados em sua própria casa (que agora se torna multiuso, tamanhas as demandas da família), trabalhan- do sob o indiscreto foco da câmera (que lhe rouba a privacidade e a possi- bilidade de se colocar mais à vontade em relação aos estudantes) e ainda é obrigado a compartilhar seu material que até então não era disponibilizado de forma tão invasiva. Todos esses comportamentos adotados emergem em resposta à nova realidade das aulas remotas. Enfim, a mudança do mundo em decorrência da pandemia reverberou na educação, transformando-a repentinamente e gerando polaridade entre os afetados: 2020 é um ano perdido ou 2020 está sendo o ano da virada pro- motora de um ensino essencialmente híbrido que reflete a própria sociedade imersa nas tecnologias digitais? 41 3. Impactos do ensino remoto na relação de ensino-aprendizagem A família se reinventa durante o distanciamento social Tempos difíceis... dias de pandemia. A rotina transmuda-se de forma brusca, repentina. Todos os hábitos reformulados: a partir de março de 2020 se instalou o novo normal baseado em evitar o contato físico, higienizar cons- tantemente as mãos e trabalhar em home office. Com todas essas novidades impostas pela situação, os lares se transformaram a fim de se amoldarem às novas demandas e a casa se tornou um ambiente aberto à filmagem e as famílias com a privacidade ameaçada ante a exposição às câmeras de seus membros trabalhando em casa. Todas as atividades passaram a ser praticadas no âmbito da residência: trabalho, lazer (que neste momento se restringe a entretenimentos que a internet oferece e a filmes e seriados), as atividades religiosas mediadas ou não pela internet (já que as igrejas também ficaram impedidas de aglome- rar), as atividades físicas (indispensáveis à preservação da saúde mental) e ainda as atividades laborais de todos os tipos, que passaram a ser desenvol- vidas remotamente. Nessa linha de mudanças, as pessoas que compõem as famílias se viram altamente isoladas, encerradas em seu próprio mundo, as redes sociais assumiram um papel importante no que tange ao conso- lo e os posts contendo palavras de encorajamento passaram a ter um valor quase imprescindível. Cada membro da família se encerrou nos seus próprios aposentos, mer- gulhado em seu notebook, tablet ou smartphone, sem se dar conta de que a realidade ao redor se torna cada dia mais frenética e as pessoas mais tensas. Cada um desenvolvendo suas próprias atividades laborais ao mesmo tempo, disputando espaços antes vazios pela ausência de todos no ambiente fami- liar (que comumente só era ocupado à noite), com a privacidade prejudicada e pessoas cada dia mais impacientes. A dinâmica da família af lora uma tendência atual que é o isolamen- to, com certo egoísmo e exacerbado individualismo, gerando jovens que não aceitam invasão de privacidade, mas que agora dividem um espaço comum com pessoas de diferentes faixas etárias, uma vez que a casa se transformou em palco das mais diversas formas de atividades. “Duran- te períodos de isolamento, o mal-estar psicológico fragiliza a capacidade de adaptação e reação ao confinamento” (SUS, 2020), inaugurando ou 42 COVID-19: Interfaces em tempo de passagem potencializando problemas diversos “nos níveis
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