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Aury Lopes Jr - A crise do Inquérito Policial

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Doutrina
A Crise do Inquérito Policial: Breve Análise dos Sistemas de Investigação
Preliminar no Processo Penal
AURY CELSO L. LOPES JR.
Doutor em Direito Processual pela Universidad Complutense de Madrid e
Professor de Direito Processual Penal da Fundação Universidade Federal do Rio Grande.
 
I  ­  Introdução;II  ­  Análise  dos  sistemas  de  investigação  preliminar;A)
Considerações  prévias;a)  Problema  terminológico;b)  Caracteres  determinantes:
instrumentalidade  e  autonomia;c)  Fundamento  da  existência  da  investigação
preliminar;B) Órgão encarregado: investigação policial, juiz instrutor ou promotor
investigador;a)  Investigação  preliminar  policial;b)  Instrução  preliminar  judicial  ­
juiz instrutor;c) Investigação preliminar a cargo do MP: "promotor investigador";C)
Objeto  e  grau  de  cognição  da  investigação  preliminar;D)  Forma  dos  atos  da
investigação  preliminar;III  ­  Contornos  de  um  sistema  "ideal"  de  investigação
preliminar para o processo penal brasileiro;A)  Investigação preliminar a cargo do
MP e a figura do juiz de garantias;B) Determinar a situação do sujeito passivo;C) A
necessidade de uma instrução efetivamente sumária e a pena de inutilizzabilità;D)
Forma dos atos;IV ­ Conclusões.
I ­ INTRODUÇÃO
A  investigação  preliminar  é  uma  peça  fundamental  para  o  processo
penal. No Brasil, provavelmente por culpa das deficiências do sistema adotado
(o  famigerado  inquérito  policial),  tem  sido  relegada  a  um  segundo  plano.
Inobstante  os  problemas  que  possa  ter,  a  fase  pré­processual  (inquérito,
sumário,  diligências  prévias,  investigação,  etc.)  é  absolutamente
imprescindível,  pois  um  processo  penal  sem  a  investigação  preliminar  é  um
processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados
da  instrumentalidade  garantista.  1  Não  se  deve  julgar  de  imediato,
principalmente  em um modelo  como o  nosso,  que não  contempla  uma  "fase
intermediária"  contraditória.  Em primeiro  lugar,  deve­se  preparar,  investigar  e
reunir elementos que  justifiquem o processo ou o não­processo. É um grave
equívoco  que  primeiro  se  acuse,  para  depois  investigar  e  ao  final  julgar.  O
processo penal encerra um conjunto de  "penas processuais" que  fazem com
que o ponto nevrálgico seja saber se deve ou não acusar.
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40   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
Atualmente existe um consenso: o IP está em crise. Os juízes apontam
para a demora e a pouca confiabilidade do material produzido pela polícia, que
não  serve  como  elemento  de  prova  na  fase  processual.  Os  promotores
reclamam da falta de coordenação entre a investigação e as necessidades de
quem, em  juízo, vai acusar. O  inquérito demora excessivamente e nos casos
mais  complexos, é  incompleto,  necessitando novas diligências,  com evidente
prejuízo à celeridade e à eficácia da persecução. Por outro lado, os advogados
insurgem­se,  com  muita  propriedade,  da  forma  inquisitiva  como  a  polícia
comanda as  investigações,  negando um mínimo de  contraditório  e  direito  de
defesa, ainda que assegurados no art. 5º, LV da CF, mas desconhecidos em
muitas  delegacias  brasileiras.  No  meio  policial,  ainda  domina  o  equivocado
entendimento  de que a CF é  que deve  ser  interpretada  restritivamente,  para
adaptar­se ao modelo previsto no CPP  (de 1941), e não ao contrário,  com o
CPP adaptando­se à nova ordem constitucional.
Em torno ao tema, proliferam trabalhos jurídicos. Inobstante a qualidade
de  muitos  desses  artigos,  todos  pecam  em  um  mesmo  aspecto:  foram
pontuais, limitados a analisar apenas o sujeito, ou seja, se o MP deve ou não
ser  a  autoridade  encarregada  do  IP.  Por  questão  de  simetria,  2  o  problema
jurídico­processual é mais bem analisado quando decomposto em três partes.
No processo, o trinômio sujeito, objeto e atospermite estudar o fenômeno em
toda sua dimensão. Por  isso, entendemos que carece a doutrina atual de um
enfoque que observe o problema na sua  totalidade e que analise a  instrução
de forma sistemática, não só a partir do sujeito, mas também e principalmente
sob o ponto de vista do objeto e dos atos.
Pretendendo contribuir para o preenchimento dessa lacuna, oferecemos
o  presente  trabalho,  ainda  que  de  forma  resumida  por  questões  óbvias.  A
exposição começará analisando os sistemas de  instrução preliminar no plano
teórico­abstrato para, a partir dessas breves considerações, chamar a atenção
para determinados aspectos e sugerir um modelo ideal para o processo penal
brasileiro.
II ­ ANÁLISE DOS SISTEMAS DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
A) Considerações prévias
a) Problema terminológico
Para  definir  essa  atividade  prévia  ao  processo,  com  uma  clara
conotação  instrumental,  os  legisladores  adotam  diversos  nomes  jurídicos.
Assim,  denomina­se  IP  no  Brasil;  sumario, diligencias  previas  ou  instrucción
complementaria  em  Espanha,  indagine  preliminare  na  Itália;  inquérito
preliminar  em  Portugal;  vorverfahrem  e  ermittlungsverfahren  na  Alemanha;
l'enquete preliminaire e  l'instruction na França; procedimiento preparatorio  no
CPP Modelo para Ibero­América, apenas para citar alguns exemplos.
Ao pretender  fazer uma análise sistemática,  impõe­se, por questão de
método  e  rigor  científico,  a  adoção  de  um  termo  que  seja  suficientemente
amplo para abranger a diversidade de sistemas existentes. A expressão que
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nos parece mais adequada é a de  instrução preliminar. O primeiro vocábulo ­
instrução  ­ alude ao fundamento e à natureza da atividade desenvolvida. Faz
referência  ao  conjunto  de  conhecimentos  adquiridos  no  sentido  jurídico  de
atividade  de  cognição  e  reflete  a  existência  de  uma  concatenação  de  atos
logicamente  organizados,  um  procedimento.  Para  uma  análise  de  sistemas
abstratos é melhor utilizar o termo  instrução do que  investigação, não só pela
maior  abrangência  do  primeiro  (pois  pode  referir­se  tanto  a  uma  atividade
judicial  ­  juiz  instrutor  ­  como  também  a  uma  sumária  investigação  policial),
mas  também,  porque  seria  uma  incoerência  lógica  falar  em  investigação
preliminar quando não existe uma investigação definitiva.
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O  termo  de  instruir  vem  do  latim  instruere,  que  significa  ensinar,
informar.  Por  isso,  ao  vocábulo  instrução  deve­se  acrescentar  o  preliminar,
para  distinguir  da  instrução  realizada  também na  fase  processual  ­  instrução
definitiva ­ e apontar para o caráter prévio com que é levada a cabo. Preliminar
vem do latim ­ prefixo pre  (antes) e  liminaris  (umbral da porta) ­ expressando
claramente que essa instrução vem antes da porta, antes do processo penal.
Sem  embargo,  no  Brasil  é  tradicional  o  emprego  de  investigação
criminal. A doutrina brasileira prefere utilizar investigação, reservando instrução
para  a  fase  processual.  A  nosso  juízo,  o  termo  instrução  pode  ser  utilizado
desde  que  acompanhado  do  adjetivo  preliminar,  evitando  assim  qualquer
confusão  com  a  instrução  definitiva  realizada  na  fase  processual.  Contudo,
vencidos  pela  tradição  brasileira,  tivemos  que  adotar  a  designação  de
investigação  preliminar.  Por  tudo  isso,  em  definitivo,  utilizaremos
indistintamente as expressões  investigação/instrução preliminar,  atendendo  a
natureza do inquérito policial e a terminologia adotada no Brasil.
Chamaremos  de  investigação/instrução  preliminar  "o  conjunto  de
atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de
uma notícia­crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação
ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de
um fato aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou o não­
processo."
b) Caracteres determinantes: instrumentalidade e autonomia
A  autonomia  vem  dada  pela  natureza  dos  atos  levados  a  cabo  na
instrução  preliminar,  bem  distintos  daqueles  praticados  no  processo  penal,
principalmente  no que  se  refere  a  natureza da  intervenção dos  sujeitos  (não
existem  partes),  ao  objeto  (notícia­crime  e  não  a  pretensão  acusatória)  e  à
forma  dos  atos  (predomínio  da  escritura  e  do  segredo).  Em  definitivo,  a
autonomia  está  no  fato  de  que  o  procedimento  pré­processual  pode  não
originar  um  processo  penal  (casos  de  arquivamento  prévio  ao  exercício  da
pretensão acusatória), e naqueles em que o processo penal pode nascer e se
desenvolver  sem  a  prévia  instrução  (sistemas  de  instrução  preliminar
facultativa, como no modelo brasileiro).
Ao seu lado, a instrumentalidade fundamenta porque a instrução existe.
O processo penal  é um meio para  chegar à  satisfação da pretensão  jurídica
acusatória, que permitirá ao Estado aplicar a pena e tornar efetivo o poder de
punir. A instrução preliminar não tem como fundamento a pena e tampouco a
satisfação  de  uma pretensão  jurídica. Não  faz  ­  em  sentido  próprio  ­  justiça,
senão que tem como objetivo imediato garantir a eficácia do funcionamento da
justiça.
Por isso, trata­se de uma instrumentalidade qualificada, pois a instrução
preliminar  está  a  serviço  do  instrumento­processo.  Nesse  sentido,  pode­se
perfeitamente  aplicar  a  magistral  doutrina  de  CALAMANDREI  3  de  que
estamos  ante  uma  instrumentalidade  eventual  e  qualificada,  por  assim  dizer,
elevada ao quadrado. É eventual porque predomina nos sistemas modernos o
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caráter facultativo da instrução. É de segundo grau porque não é um fim em si
mesma, mas um instrumento a serviço do instrumento­processo.
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Considerando  que  a  instrução  preliminar  serve  ­  lato  sensu  ­  ao
processo,  entendemos  que  seu  objetivo  estará  cumprido  tanto  quando  se
produzir a acusação, como também quando não se produzir (non procedere).
c) Fundamento da existência da investigação preliminar
O  fundamento  da  existência  do  processo  penal  é  a  instrumentalidade
garantista  e  desse  marco  a  instrução  preliminar  não  se  pode  afastar.
CARNELUTTI  4  defende  que  a  "...encuesta  preliminar  no  se  hace  para  la
comprobación  del  delito  sino  solamente  para  excluir  una  acusación
aventurada".  Explica  o  autor  que  para  evitar  equívocos  a  função  do
procedimento preliminar não deve ser entendida no sentido de uma preparação
ao  procedimento  definitivo,  mas  ao  contrário,  no  sentido  de  um  obstáculo  a
superar antes de poder abrir o processo penal.
Também colocando em relevo a finalidade de proteção, LEONE 5 afirma
que a instrução preliminar tem duas finalidades:
­ assegurar a máxima genuinidade das provas;
­ evitar que o imputado inocente seja submetido ao processo, que com
sua  publicidade  (ainda  que  se  conclua  favoravelmente  a  ele)  constitui  uma
causa de grave descrédito e humilhação.
Preocupado com o caráter utilitarista, MANZINI 6 afirma que a instrução
preliminar  deve  recolher  e  selecionar  o  material  que  deverá  servir  para  o
processo, eliminando  tudo que  resulte  "embarazoso, superfluo o  inatendible".
Basicamente, a  instrução preliminar deve evitar os debates  inúteis e preparar
um material selecionado para os debates necessários.
Partindo  dessas  diferentes  doutrinas  e  considerando  a
instrumentalidade  garantista,  entendemos  que  das  funções  de  averiguar  e
comprovar  a  notícia­crime,  justificar  o  processo  ou  o  não­processo  e
proporcionar uma resposta estatal imediata ao delito cometido, pode­se extrair
as três razões que fundamentam a instrução preliminar:a) Buscar o fato oculto: esclarecendo em grau de probabilidade a autoria
e a materialidade.
b) Salvaguardar a sociedade: ao assegurar a paz e a tranqüilidade social
pela certeza de que  todas as condutas possivelmente delitivas serão objeto de
investigação.  Essa  garantia  de  que  não  existirá  impunidade  manifesta­se
também através da imediata atividade persecutória estatal.
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c) Evitar acusações infundadas: é a função de filtro processual, evitando
que acusações sem um mínimo de verossimilhança prosperem. Além de evitar
para  o  Estado  um  custo  desnecessário,  é  especialmente  importante  para  o
sujeito passivo, pois  impede que se produza  toda gama de penas processuais
(como a estigmatização social, o stato di prolungata ansia, etc.).
B) Órgão encarregado: investigação policial, juiz instrutor ou
promotor investigador
A  instrução preliminar está nas mãos do Estado, que poderá  realizá­la
através  da  Polícia  Judiciária,  de  um  Juiz  Instrutor  ou  do  MP  (promotor
investigador). Qualquer dos três órgãos encarregados apresentam vantagens e
inconvenientes,  que  devem  ser  sopesados  segundo  as  variáveis  próprias  de
cada Estado,  isto é, segundo os aspectos estruturais e de política  interna de
um país. A  construção de um modelo  ideal,  necessariamente,  deve partir  do
reconhecimento das vantagens e inconvenientes de cada um dos sistemas.
a) Investigação preliminar policial
É o modelo adotado pelo direito brasileiro, que atribui à polícia a tarefa
de investigar e averiguar os fatos constantes na notícia­crime. Essa atribuição
é normativa 7 e a autoridade policial atua como verdadeiro titular da instrução
preliminar. No modelo agora analisado, a polícia não é um mero auxiliar, senão
o titular, com autonomia para decidir sobre as formas e os meios empregados
na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação
funcional em relação aos juízes e promotores.
É um sistema arcaico e totalmente superado, cuja ineficiência é patente.
Excepcionalmente,  em  países  como  Inglaterra,  atendendo  às  especiais
características sociais, políticas e de estrutura  judicial, esse sistema pode ser
considerado  como  satisfatório.  Obviamente  não  é  o  caso  do  Brasil.  São
"vantagens" da instrução policial:
a) A abrangente presença e atuação policial, que  lhe permite atuar em
qualquer  rincão do país, dos grandes centros aos povoados mais  isolados. Tal
caráter  confere  à  polícia,  principalmente  em  países  de  grandes  dimensões
territoriais, uma nota de eficácia da perseguição, pois a polícia está em todos os
lugares e sua atividade é mais ampla e penetrante que a dos juízes de instrução
ou  promotores.  Esse  foi  o  principal  argumento  dos  legisladores  brasileiros  de
1941  ­  Exposição  de  Motivos  do  CPP  ­  para  justificar  a  manutenção  do  IP.
Segundo  eles,  a  realidade  brasileira  da  época  e  as  grandes  dimensões
territoriais  impossibilitariam  que  o  juiz  de  instrução  pudesse  atuar  de  forma
rápida  e  eficaz  nos mais  remotos  povoados,  a  grandes  distâncias  dos  centros
urbanos, que exigiam "vários dias de viagem".
b) A polícia está mais próxima ao povo, está em todos os lugares, e por
isso dispõe de meios mais rápidos e eficazes para conduzir a investigação.
c) Partindo de um enfoque puramente econômico, o sistema de instrução
preliminar policial é muito mais barato para o Estado. Com o salário de um juiz
ou promotor, o Estado pode manter quase uma equipe policial inteira.
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44   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
d) Por fim, para o governo, a instrução policial é mais vantajosa, porque o
Poder Executivo dispõe totalmente do poder de mando e desmando, sem que se
precise explicar o alcance negativo desse fato para a sociedade.
Como "argumentos contrários", entre muitos outros, apontamos:
a) A  polícia  é  o  símbolo mais  visível  do  sistema  formal  de  controle  da
criminalidade, e, em regra, representa a first­line enforcer8 da norma penal. Por
isso, dispõe de uma "discricionariedade de  fato" para selecionar as condutas a
serem perseguidas. Esse espaço de atuação está muitas vezes na zona cinza,
no sutil limite entre o lícito e o ilícito. Em definitivo, não se deve atribuir à polícia
ainda  mais  poderes  (como  a  titularidade  da  instrução),  mas  sim  exercer  um
maior controle por parte dos juízes, tribunais e membros do MP. A polícia deve
ser um órgão auxiliar e não o titular da instrução preliminar, pois quanto maior é
o controle real dos Tribunais e do MP sobre a atividade policial, menor é essa
discricionariedade, e o inverso também é verdadeiro.
b) A eficácia da atuação policial está associada a grupos diferenciais, isto
é, mostra­se mais ativa quando atua contra determinados escalões da sociedade
(obviamente  os  inferiores)  e  distribui  impunidade  em  relação  à  classe  mais
elevada.  Também  a  subcultura  policial  possui  seus  próprios  modelos
preconcebidos:  estereótipo  de  criminosos  potenciais  e  prováveis;  vítimas  com
maior  ou menor  verossimilitude;  delitos  que  "podem"  ou  não  ser  esclarecidos,
etc. O tratamento do imputado é diferenciado, e conforme ele se encaixe ou não
no perfil prefixado, o tratamento policial será mais brando e negligente ou mais
rigoroso.  Essa  última  situação  é  constantemente  noticiada,  em  que  a  polícia,
frente ao "perfil de autor ideal" daquela modalidade de delito, atua com excessivo
rigor e  inclusive age ilicitamente, para alcançar todos os meios de  incriminação
(muitas  vezes  inexistentes).  Assim  são  cometidas  as  maiores  barbáries,
refletindo­se nas elevadas cifras da injustiça da atuação policial.
c)  A  polícia  está  muito  mais  suscetível  de  contaminação  política
(especialmente os mandos e desmandos de quem ocupa o governo) e de sofrer
a pressão dos meios de comunicação. Isso leva a dois graves inconvenientes: a
possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição política e as graves
injustiças  que  comete  no  afã  de  resolver  rapidamente  os  casos  com  maior
repercussão nos meios de comunicação.
d) O  baixo  nível  cultural  e  econômico  de  seus  agentes  faz  com  que  a
polícia  seja  um  órgão  facilmente  pressionável  pela  imprensa,  por  políticos  e
pelas  camadas  mais  elevadas  da  sociedade.  Também  é  responsável  pelo
embrutecimento da polícia e o completo desprezo dos direitos fundamentais do
suspeito,  que  de  antemão  já  é  considerado  como  culpado  pela  subcultura
policial. Por fim, a credibilidade de sua atuação é constantemente colocada em
dúvida pelas denúncias de corrupção e de abuso de autoridade.
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   45
 
A  discricionariedade  de  fato  da  polícia  é  uma  realidade  que  viola
completamente  qualquer  ideal  de  igualdade  jurídica.  Como  apontam
FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, 9 ela possui algumas variáveis:
a) Gravidade do delito ­ a discricionariedade da polícia varia conforme a
gravidade do delito, de modo que a eficácia aumenta nos delitos graves. Mas o
próprio conceito de gravidade varia conforme o grau cultural e as circunstâncias
sociais do agente policial. Por  isso, a escala de gravidade do policial de  rua é
diferente da  realizada pelo  juiz ou promotor. Também existe uma  tendência de
valorar mais os delitos de impacto social imediato em detrimento dos delitos sem
vítima  concreta  ou  afastados  da  sua  realidade,  como  podem  ser  osdelitos
econômicos (white­collar).
b) A  atitude  do  denunciante10  ­  a  polícia  evita  de  forma  sistemática  a
perseguição de delitos contra a vontade expressa da vítima (ainda que públicos
e  incondicionados)  solucionando  de  forma  unilateral  entre  as  partes  materiais
(principalmente em delitos contra o patrimônio ou de pequena gravidade).
c) Distância  social  da polícia  ­  pode ocorrer um distanciamento entre a
realidade social da polícia e a subcultura onde se produz o delito. Dessa forma,
quanto  maior  é  o  nível  profissional  e  burocrático  da  polícia,  maior  será  a
dificuldade de averiguar os delitos cometidos nas favelas. No sentido inverso, os
agentes de uma delegacia no meio de um bairro pobre  tendem a absorver os
critérios  e  as  tendências  subculturais  do  meio.  Nos  dois  casos  é  patente  o
prejuízo do princípio da legalidade.
d) Atitude do suspeito  ­  o ponto nevrálgico da atuação policial  não é a
razão, mas  sim o  poder. Por  isso,  a  polícia  tende  a  ser mais  compreensiva  e
menos  rigorosa  com  os  suspeitos  que  exibem  humildade,  postura  servil  e
respeito à "autoridade". No sentido inverso, o tratamento será duro para os que
adotem  uma  atitude  contrária  e,  principalmente,  apresentem  uma  postura
desafiante, independente de sua culpabilidade ou inocência. O fato de pretender
exercer um determinado direito ­ como o de defesa ­ muitas vezes é interpretado
como um desafio ao poder e à autoridade, ocasionando graves prejuízos para o
suspeito.
e) Relação  com  os  Juízes,  Tribunais  e  o  MP  ­  entre  a  polícia  e  os
membros da Magistratura e do MP existe um contraste  substancial  no que  se
refere à situação econômica, cultural e, principalmente, concepção do Direito e
da  própria  sociedade.  Os  membros  da  polícia  em  geral  pertencem  e/ou  são
provenientes dos estratos mais baixos da sociedade e revelam um grande apego
ao  positivismo  e  à  rigidez  da  norma  (que  lhes  convém),  identificando­se
facilmente com movimentos como o law and order e o chamado Estado­Policial
(em  contraste  com  o  Estado  de  Direito).  Como  conseqüência,  tendem  a  ser
menos  respeitosos  com  os  direitos  fundamentais  do  imputado  e  a  censurar  a
postura  dos  Tribunais  como  excessivamente  benevolente  com  os  que  eles
consideram  "delinqüentes".  A  presunção  de  inocência  é  uma  fantasia  retórica,
vista  como  uma  demagógica  criação  política  e,  por  isso,  é  totalmente
menosprezada  pelos  policiais.  Os  juízes  e  promotores  são  vistos  como
burocratas, que não compreendem a "justiça de rua" e acabam por desmoralizar
em  juízo  o  trabalho  policial.  Isso,  além  de  criar  um  descompasso  entre
autoridades que deveriam caminhar num mesmo sentido, pode acabar gerando
animosidades e graves prejuízos para o esclarecimento do  fato. Em definitivo,
essa  falta  de  entrosamento  só  pode  gerar  uma  coisa:  elevar  os  índices  de
criminal case mortality e as cifras da injustiça.
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46   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
f)  Interiorização  das  normas  legais  ­  a  polícia  assimila  as  normas  de
forma completamente diferente dos juízes e promotores e isso influi no grau e na
forma do intervencionismo policial. A grande maioria das normas constitucionais
de proteção ou garantia do sujeito passivo são interpretadas no meio policial de
forma  restritiva, numa atitude de  resistência aos avanços democráticos da CF.
Interpretar as normas constitucionais de forma a adaptá­las ao CPP, restringindo
com  isso  a  esfera  de  proteção,  e  não  ao  contrário  como  deve  ser,  é  uma
realidade  constante  nas  delegacias  de  todo  país.  Em  nome  do  poder,
habitualmente a polícia nega efetividade às garantias constitucionais. Ademais,
nas comunidades afastadas dos centros de produção legislativa, a polícia tende
a adaptar a norma ao perfil da pequena comunidade, ainda que não seja essa a
melhor interpretação ou aplicação.
g)  Poder  relativo  do  infrator  ­  não  existem  dúvidas  de  que  o  status
econômico  e  social  do  suspeito  influi  definitivamente  na  atividade  policial,  até
porque  a  polícia  é muito mais  suscetível  de  pressões  políticas  e  econômicas.
Existe uma "distribuição diferenciada da imunidade" e também um diferente grau
de  respeito  pela  imagem,  privacidade,  integridade  e  direitos  fundamentais  do
imputado.  A  polícia  normalmente  desenvolve  suas  atividades  junto  a  uma
determinada classe da população (por suposto a mais baixa) e isso faz com que
existam  os  "clientes  preferenciais"  sobre  os  quais  ela  exerce  seu  poder  e  faz
valer sua autoridade com máxima severidade. Em sentido  inverso,  frente a um
indivíduo de uma classe sociocultural elevada, a atuação policial poderá ir para
um  dos  dois  perigosos  extremos:  a  conivência  ou  o  arbítrio.  No  último  caso,
frente  a  uma  posição  de  superioridade  (social  e  econômica),  liberdade  de
atuação e falta de servilismo, o policial pode submeter o indivíduo a toda classe
de cerimônia degradante, excessivo rigor e arbítrio.
Toda essa gama de problemas que possui  a  instrução policial  leva ao
necessário  descrédito  probatório  do  material  recolhido  e  à  necessidade  de
completa repetição em juízo. Pior ainda, não cumpre com sua função principal:
aclarar em grau de probabilidade a notícia­crime para fundamentar o processo
ou o não­processo. Como relação ao nosso inquérito policial, pode­se afirmar,
ademais de todas as críticas anteriormente feitas, que:
­ Não serve para o MP, pois ao ser  levado a cabo por uma autoridade
diversa  daquela  que  irá  exercer  a  ação  penal,  não  atende  a  suas
necessidades.  Além  disso,  é  patente  o  descompasso  na  relação  promotor­
policial.
RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   47
 
­ Não serve para a defesa, pois a polícia nega qualquer possibilidade de
o sujeito passivo participar da investigação e solicitar diligências de descargo.
Também,  em  regra  geral,  a  autoridade  policial  nega  arbitrariamente  o
contraditório  e  o  direito  de  defesa  (ainda  que  em grau mínimo  e  previsto  na
Constituição).
­ Não serve para o juiz, porque a própria forma de atuar da polícia não
permite dar maior credibilidade ao material recolhido.
Por isso, entendemos que existe uma crise da instrução policial, e mais
concretamente, do nosso IP, exigindo uma imediata revisão de sua estrutura e
titularidade.  Para  isso,  contribuirá  a  análise  dos  modelos  de  instrução
preliminar a cargo do juiz e do promotor, como se verá a continuação.
b) Instrução preliminar judicial ­ juiz instrutor
O  juiz  instrutor  é  o  principal  protagonista  nesse  modelo  de  instrução
preliminar  e  detém  todos  os  poderes  necessários  para  levar  a  cabo  toda  a
investigação que buscará aportar os elementos necessários para o processo
ou o não­processo. Ao contrário do que pensam alguns defensores do modelo,
nesse sistema a prova não é apenas produzida na presença do  juiz  instrutor,
senão que é colhida e produzida por ele mesmo. O juiz de instrução obra como
um  verdadeiro  investigador,  atuando  de  ofício  e  sem  estar  submetido  ou
vinculado  a  petições  do  MP  ou  da  defesa,  que  são  meros  colaboradores.
Caberá a ele decidir sobre a utilidade das diligências solicitadas para os fins da
investigação, denegando as que, a seu juízo, forem desnecessárias. Para levar
a cabo essa atividade de investigação, é imprescindível que à sua disposição
esteja a polícia judiciária, totalmente dependente no aspecto funcional.
Cumpre  destacar  que  nos  delitos  públicos,  o  juiz  de  instrução  poderá
atuar de ofício ­  inclusive para adotar medidas cautelares pessoais ou reais ­
ainda que contra a vontade do MP. Dessa forma, o instrutor poderá investigarmesmo  que  o  titular  da  futura  ação  penal  entenda  que  não  existem motivos
razoáveis para isso.
Em síntese, o juiz de instrução é o titular da instrução preliminar e cabe
a  ele  receber  direta  ou  indiretamente  a  notícia­crime,  buscar  as  fontes  de
informação e investigar os fatos apontados. Dirigirá de perto a atividade policial
e  atuará  pessoalmente,  indo  ao  local  do  delito,  determinando  as  perícias
necessárias, interrogando os suspeitos, ouvindo a vítima e testemunhas, etc.
Antes de apontar as vantagens e inconvenientes desse sistema, cumpre
destacar o grave problema que representa essa figura do juiz­investigador para
a  imparcialidade.  Atualmente,  na maior  parte  dos  países  em  que  é  adotado
esse sistema existe uma presunção absoluta de parcialidade do  instrutor, de
modo  que  "o  juiz  que  instrui  jamais  poderá  julgar"  a  causa.  Os  diversos
prejulgamentos que ele efetua no curso da instrução levam à prevenção como
causa de exclusão de sua competência para julgar o futuro processo.
Principais "vantagens" do sistema judicial de instrução preliminar:
a) A  imparcialidade e  independência do  juiz  instrutor é uma garantia de
que  a  instrução  preliminar  não  servirá  ­  por  exemplo  ­  como  instrumento  de
perseguição política por parte do Poder Executivo.
b) O fato de ser a investigação conduzida por um órgão suprapartes.
48   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
c)  Maior  efetividade  da  investigação  e  qualidade  (credibilidade)  do
material recolhido.
d) O produto final poderá servir  tanto para a acusação como também à
defesa, pois advém de um órgão imparcial e preocupado em aclarar o fato, tanto
buscando as provas de cargo como também as de descargo.
e)  Garantia  de  que  o  juiz  que  instrui  não  julga  e  a  observância  do
princípio de nullum iudicium sine accusatione.
f)  Na  investigação  é  necessário  adotar  medidas  que  limitam  direitos
fundamentais  (cautelares,  busca  e  apreensão,  etc.)  e  que  por  essa  razão
necessitam  que  sejam  adotadas  por  um  órgão  com  poder  jurisdicional.  Logo,
nada melhor que seja o próprio titular da instrução dotado desse poder.
Alguns dos graves "inconvenientes" que apresenta o juiz de instrução:
a) É um modelo superado e intimamente relacionado à figura histórica do
juiz inquisidor, pois sua estrutura outorga a uma mesma pessoa as tarefas de (ex
officio) investigar, proceder à imputação formal (o que representa uma acusação
lato  sensu)  e  inclusive  defender.  Isso  levou  a  uma  crisis  de  la  instrucción
preparatoria y del juez instructor, 11 pois esse modelo é apontado como o mais
grave impedimento à plena consolidação do sistema acusatório.
b) O grave inconveniente que representa o fato de uma mesma pessoa
decidir  sobre  a  necessidade  de  um  ato  de  investigação  e  valorar  a  sua
legalidade.  12  Nesse  sentido,  a  Exposição  de  Motivos  do  Código  Processual
Modelo para  Ibero­América aponta que  "não é  suscetível  de  ser  pensado que
uma mesma pessoa  se  transforme em um  investigador  eficiente e,  ao mesmo
tempo, em um guardião zeloso da segurança individual; o bom inquisidor mata o
bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor".
c) Transforma o processo penal (lato sensu) em uma luta desigual entre
o  inquirido,  o  juiz­inquisidor,  o  promotor  e  a  polícia  judiciária.  Essa  patologia
judicial 13 acaba por criar uma grave situação de desamparo, pois se o juiz é o
investigador, quem atuará como garante?
d)  Por  vício  inerente  ao  sistema,  a  instrução  judicial  tende  a  se
transformar  em  plenária,  comprometendo  seriamente  a  celeridade  que  deve
nortear a fase pré­processual.
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   49
 
e) Representa uma gravíssima contradição 14 lógica, pois o juiz investiga
para o promotor acusar, e o pior, muitas vezes contra ou em desacordo com as
convicções  do  titular  da  futura  ação  penal.  Em  definitivo,  se  a  instrução
preliminar  é  uma  atividade  preparatória  que  deve  servir,  basicamente,  para
formar a opinio delicti do acusador público, deve estar a cargo dele e não de um
juiz, que não pode e não deve acusar.
f) Gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar, com inegável
prejuízo para o processo penal.
g)  Por  fim,  outro  grave  problema  da  instrução  judicial  está  no  fato  de
converter  a  instrução  preliminar  em  uma  fase  geradora  de  provas,  algo
absolutamente inaceitável frente ao seu caráter inquisitivo. A maior credibilidade
que normalmente geram os atos do juiz instrutor pode levar a que a prova não
seja  produzida  no  processo,  mas  meramente  ratificada.  O  resultado  final  é  a
monstruosidade  jurídica  de  valorar  na  sentença  elementos  recolhidos  em  um
procedimento  preliminar  em  que  predomina  o  segredo  e  a  ausência  de
contraditório e defesa. Não se pode olvidar que a instrução preliminar serve para
aclarar o fato em grau de probabilidade, e está dirigida a justificar o processo ou
o não­processo, jamais para amparar um juízo condenatório.
c) Investigação preliminar a cargo do Ministério Público: "promotor
investigador"
Atualmente,  existe  uma  tendência  de  outorgar  ao  MP  a  direção  da
instrução  preliminar,  de modo  a  criar  a  figura  do  promotor  investigador,  que
poderá  obrar  pessoalmente  e/ou  por  meio  da  Polícia  Judiciária
(necessariamente subordinada a ele).
A  instrução  preliminar  a  cargo  do  MP  tem  sido  adotada  nos  países
europeus  como  um  substituto  ao  modelo  de  instrução  judicial  anteriormente
analisado. Nesse sentido, a  reforma alemã de 1974 suprimiu a  figura do  juiz
instrutor  para  dar  lugar  ao  promotor  investigador.  A  partir  de  então,  outros
países,  com  maior  ou  menor  intensidade,  foram  realizando  modificações
legislativas nessa mesma direção, como sucedeu, v.g.,  na  Itália  (1988)  e em
Portugal (1987 e novamente em 1995).
Na  Espanha,  a  Lei  Orgânica  (LO)  7/88,  que  instituiu  o  procedimento
abreviado,  deu  os  primeiros  passos  nessa  direção,  ao  outorgar  ao  fiscal
maiores poderes na  instrução preliminar. Sem embargo, é  fundamental  frisar,
ao  contrário  do  que  afirma  equivocadamente  alguma  doutrina  brasileira mal­
informada,  "na  Espanha  ainda  vigora  o  sistema  de  juiz  instrutor",  pois  as
alterações  legislativas,  ao mesmo  tempo  em que  atribuíam mais  poderes  ao
promotor, não romperam com a tradição da instrução judicial. O que existe na
atualidade é que o promotor até pode  iniciar  e praticar  atos de  investigação,
mas  a  partir  do  momento  em  que  o  juiz  de  instrução  passar  a  atuar,  ele
automaticamente assume o mando 15  total da  instrução preliminar, devendo o
fiscal remeter para ele todas as informações obtidas e cessar sua intervenção.
Apesar  de  existir  uma  tendência  de  implementar  os  poderes  da  Fiscalia,  a
figura do juez de instrucción não foi abandonada.
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50   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
Nesse  modelo  de  instrução,  o  promotor  é  o  diretor  da  investigação,
cabendo­lhe receber a notícia­crime diretamente ou indiretamente (através da
polícia) e investigar os fatos nela constantes. Para isso, poderá dispor e dirigir
a  atividade da Polícia  Judiciária  (dependência  funcional),  de modo que  tanto
poderá praticar por si mesmo as diligências, como determinar que as realize a
polícia segundo os critérios que ele (promotor) determinou.Assim formará sua
convicção  e  decidirá  entre  formular  a  acusação  ou  solicitar  o  arquivamento
(visto como não­processo em sentido lato). Em regra (e assim é aconselhável
que  seja),  dependerá  de  autorização  judicial  para  realizar  determinadas
medidas  limitativas  de  direitos  fundamentais,  como  podem  ser  as  medidas
cautelares,  entradas  em  domicílios,  intervenções  telefônicas,  etc.  Caberá  ao
juiz da  instrução  (que não se confunde com a anterior  figura do  juiz instrutor)
decidir  sobre  essas  medidas.  Esse  juiz  atua  como  um  verdadeiro  órgão
suprapartes,  pois  não  investiga,  senão  que  intervém quando  solicitado  como
um controlador da legalidade (e não da conveniência) dos atos de investigação
levados  a  cabo  pelo  promotor.  A  essa  figura  denominamos  juiz  garante  da
instrução preliminar.
Para seus defensores, o sistema de promotor  investigador surge como
uma  salvação ante  a  crise  e  a  superação do modelo  de  juiz  instrutor. Como
"principais vantagens" da instrução preliminar a cargo do MP, destacamos:
a)  Representa  uma  aproximação  à  estrutura  dialética  do  processo,
apesar  de  algumas  naturais  limitações  da  publicidade  e  do  contraditório  (que
seriam inerentes à própria natureza da instrução preliminar).
b)  Essa  instrução  preliminar  do  acusador  é  uma  imposição  do  sistema
acusatório,  pois  mantém  o  juiz  longe  da  investigação  e  garante  a  sua
imparcialidade 16 (ao juiz cabe julgar e não investigar). Com isso, cumpre­se com
os  postulados  garantistas  do  nullum  iudicium  sine  accusatione  e  ne  procedat
iudex  ex  officio.  Em  última  análise,  o  sistema  fortalece  a  figura  do  juiz,  cuja
atividade  na  instrução  fica  reservada  a  julgar  (decidindo  sobre  as  medidas
restritivas e a admissão da própria acusação).
c) A imparcialidade do MP leva à crença de que a investigação buscará
aclarar o fato a partir de critérios de justiça, de modo que o promotor agirá para
esclarecer a notícia­crime resolvendo justa e legalmente se deve acusar ou não.
Inclusive  deverá  diligenciar  para  obter  também  eventuais  elementos  de
descargo,  que  favoreçam  a  defesa.  17  Na  síntese  de  GUARNIERI,  18  o  MP
constituye una figura que si bien tiene el cuerpo de parte, ofrece el alma de juez.
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   51
 
d)  A  própria  natureza  da  instrução  preliminar,  como  atividade
preparatória ao exercício da ação penal, deve, necessariamente, estar a cargo
do titular da ação penal. Por isso, deve ser uma atividade administrativa dirigida
por e para o MP, sendo ilógico que o juiz (ou a polícia em descompasso com o
MP) investigue para o promotor acusar. Em resumo, melhor acusa quem por si
mesmo investiga.
e) Como atividade destinada a  formar um  juízo sobre o processo ou o
não­processo,  a  instrução  preliminar  a  cargo  do  MP  tende  a  ser,
verdadeiramente,  uma  cognição  sumária.  Com  isso,  também  se  evita  que  os
atos  de  investigação  sejam  considerados  como  atos  de  prova  e,  por
conseqüência, valorados na sentença.
f)  A  impossibilidade  de  que  o MP  adote medidas  restritivas  de  direitos
fundamentais  distribui  melhor  o  poder  (antes  concentrado  nas  mãos  do  juiz
instrutor)  e  permite  criar  a  figura  do  juiz  garante  da  instrução,  como  instância
judicial de controle da legalidade dos atos de investigação. Em suma, representa
uma melhor  distribuição  do  poder,  e  com  isso  beneficia  a  situação  jurídica  do
sujeito  passivo  e  evita  o  autoritarismo  típico  da  estrutura  inquisitiva  do  juiz
instrutor.
Como "argumentos contrários" a esse sistema de instrução preliminar:
a)  Historicamente,  o  modelo  está  associado  ao  utilitarismo  judicial,  o
combate da criminalidade a qualquer custo, pretendendo o Estado  justificar os
fins com o uso abusivo dos meios. Nesse sentido, a reforma processual levada a
cabo na Alemanha em 1974 19 foi produto da pressa do legislador em combater
o  terrorismo do grupo Baader­Meinhof. O que  importava era dar armas para a
acusação, aumentando a eficácia da instrução quanto ao fim punitivo pretendido,
ainda  que  com  claros  prejuízos  para  o  sujeito  passivo.  No mesmo  sentido,  a
Itália do pós­guerra estava completamente assolada pela corrupção dos órgãos
públicos, a máfia e o crime organizado. A reforma realizada em 1988 pretendia,
de uma vez por todas, mudar esse panorama a qualquer custo. E os frutos não
tardaram.  Já  em  1992,  quando  o  promotor  ANTONIO  DI  PIETRO  começa  a
investigar  um  "caso  de menor  importância"  culmina  por  colocar  em  relevo  um
escândalo  de  corrupção  política  sem  precedentes  (tangentópolis).  A  partir  de
então, a operazione mani pulite ­ inicialmente levada a cabo por sete promotores
de Milão e posteriormente por uma ampla equipe ­ processa em menos de um
ano a seis ministros e mais de uma centena de parlamentares e os dirigentes
das mais  importantes empresas da  Itália. Em 1997,  esse número é elevado a
cinco mil pessoas, os interrogatórios passam de vinte mil e as cartas rogatórias a
outros países superam as quinhentas. 20 São números elevados e preocupantes,
não só pelo nível de criminalidade que representam, mas principalmente porque
por  trás  deles  está  uma  elevada  cifra  da  injustiça  (pessoas  inocentes
injustamente  submetidas  ao  processo). O  que  parece  ser  a supremacia  da  lei
reflete  na  realidade  o  império  do  MP.  As  cifras  indicam  não  só  uma  suposta
eficácia  da  perseguição,  mas  também  reais  e  elevadas  cifras  dos  casos  de
abuso de autoridade, perseguição política, desnecessária estigmatização e todo
tipo de prepotência. Em síntese, é um modelo  típico de utilitarismo  judicial, de
um Estado de Polícia e não de um Estado de Direito.
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52   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
b)  Levada  ao  extremo,  a  transferência  de  poderes  faz  com  que  o  juiz
instrutor  deixe  de  ser  o  temível,  e  passa  a  sê­lo  o  promotor,  gerando  a  não
menos criticável inquisição do próprio acusador. 21
c) O argumento da imparcialidade do MP é uma frágil construção técnica
facilmente criticável, pois é contrário à lógica pretender a imparcialidade de uma
parte.  Provavelmente  o  maior  crítico  foi  CARNELUTTI,  22  que  frisava  a
impossibilidade da "quadratura do círculo: Não é como reduzir um círculo a um
quadrado, construir uma parte imparcial?" Para o autor, o MP é um juiz que se
faz parte, mas ao  invés de ser uma parte que sobe, é um  juiz que baixa. Em
outra  passagem,  CARNELUTTI  23  explica  que  se  o  MP  exercita
verdadeiramente  a  função  de  acusador,  querer  fazer  dele  um  órgão  imparcial
não  representa  no  processo mais  que  "una  inútil  y  hasta  molesta  duplicidad".
Além  disso,  o  MP  é  uma  parte  fabricada  para  cumprir  com  os  requisitos  do
sistema acusatório, para ser o contraditor natural do imputado. Só assim nasce o
conflito  do  qual  brota  a  luz  da  verdade  para  o  juiz.  Logo,  a  pretendida
imparcialidade do MP vai de encontro à necessidade natural de sua existência.
Como  golpe  derradeiro,  J.  GOLDSCHMIDT  24  explica  que  essa  exigência  de
imparcialidade dirigida a uma parte acusadora "cae en el mismo error psicológico
que ha desacreditado el proceso  inquisitivo". A pergunta que surge é: em que
difere  a  inquisição  do  promotor  daquela  realizada  pelo  juiz  instrutor?  Que
"mecanismos"  subjetivosde  proteção  tem  o  promotor  e  de  que  carece  o  juiz
instrutor? Em síntese, o argumento da  imparcialidade de uma parte acusadora
não se sustenta.
d)  Somente  um  MP  institucionalmente  calcado  na  independência  em
relação ao Poder Executivo e sem que exista hierarquia funcional  interna pode
ser  o  titular  da  instrução  preliminar,  sob  pena  de  contaminar  politicamente  o
processo penal com os mandos e desmandos do governo. E isso nos leva a um
questionamento:  se  para  atribuir  a  instrução  ao  MP  é  necessário  dotá­lo  das
garantias de um autêntico juiz, por que não encarregar logo a um juiz instrutor?
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   53
 
e) Na prática, o promotor atua de forma parcial e não vê mais que uma
direção. Como afirma GUARNIERI, 25 por sua própria  índole, o promotor está
inclinado a acumular  tão­somente provas contra o  imputado. Ao  transformar a
instrução preliminar numa via de mão única, está­se acentuando a desigualdade
das  futuras partes,  com graves prejuízos para o  sujeito  passivo. É  convertê­la
em uma simples e unilateral preparação da acusação, uma atividade minimalista
e reprovável, com inequívocos prejuízos para a defesa.
f)  Por  fim,  cumpre  destacar  que  o  fato  de  atribuir  normativamente  a
instrução preliminar ao MP não significa que ela será efetivamente levada a cabo
pelo  parquet  (eterna  luta  entre  normatividade  e  efetividade).  Como  foi
constatado  em  um  estudo  realizado  pelo  Instituto Max­Planck  de  Freiburg  em
1978, 26 nos países cuja  instrução preliminar está nas mãos do MP ­ como na
Alemanha  ­  na  grande  maioria  dos  casos  ela  realmente  havia  sido  realizada
inteiramente  pela  Polícia  Judiciária,  sem  qualquer  intervenção  do  MP.  O
promotor  só  toma  conhecimento  depois  que  as  atuações  policiais  já  estão
conclusas,  e  como  já  está  acabado  o  trabalho  ­  caráter  inibitório  ­  ele  não
investiga e se conforma com o material apresentado. Como aponta ARMENTA
DEU, 27 constitui uma prática habitual que a investigação recaia exclusivamente
sobre  a  polícia,  limitando­se  o  MP  a  uma  mera  revisão  formal  posterior.  Em
definitivo,  representa  uma  volta  ao  famigerado  sistema de  instrução  preliminar
policial.
C) Objeto e grau de cognição da investigação preliminar
O objeto 28 da  instrução preliminar não é o seu fim, mas sim a matéria
sobre a qual  recai o complexo de elementos que a  integram,  isto é, os  fatos
narrados na notitia criminis ou obtidos ex officio29 pelos órgãos de investigação
estatal.
Delimitado o objeto,  cumpre verificar o nível ou grau de conhecimento
do  objeto  que  se  pretende  obter  com  a  instrução  preliminar.  Para  isso,
devemos  levar  em  consideração  seu  caráter  instrumental  e  preparatório
relacionado  ao  processo  penal,  isto  é,  que  a  instrução  não  é  um  fim  em  si
mesma. Ademais, existe uma íntima relação entre o nível de conhecimento que
se busca e a natureza dos atos que devem ser praticados para alcançar esse
conhecimento.  Outra  importante  relação  está  entre  o  grau  da  cognição  e  a
natureza do juízo que se pretende: juízo de verossimilhança ou de certeza.
Assim, classificamos a instrução preliminar em:
a) Plenária: é aquela que se produz nos sistemas em que o conteúdo da
fase  processual  não  é  outro  que  o  mero  controle  do  material  recolhido  na
instrução preliminar,  pois  é  nesta  última que  se  esgota  totalmente  a  coleta  da
prova. Nesse sistema, a instrução preliminar não prepara o processo penal, mas
objetivamente  prepara  a  sentença,  e  o  processo  existe  exclusivamente  para
impor a sanção penal. Dessa forma, a fase pré­processual acaba por converter­
se no verdadeiro juízo, com o gravame de que, em regra, não são observados o
contraditório e as garantias fundamentais do sujeito passivo. É um retrocesso ao
sistema  inquisitivo. Nesse modelo,  a  instrução  tem como objeto uma cognição
total, plena, que pretende um juízo de segurança e não de verossimilhança. Em
síntese, transforma a instrução não em um meio, mas sim um fim em si mesma.
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b) Sumária: 30 a summaria  cognitio  significa uma  limitação na atividade
instrutória, que deve responder a uma indagine limitata o superficiale. 31 O nível
de conhecimento é limitado, pois se busca um juízo de verossimilhança e não de
certeza.  Posteriormente,  no  processo,  a  cognição  será  plena,  suprindo  as
limitações  da  atividade  anterior.  Esse  juízo  de  verossimilitude  é  provisional,
podendo ser alterado pelo posterior processo plenário.  Inclusive, na expressão
de  CALAMANDREI,  o  procedimento  sumário  è  dunque  un  provvedimento
provvisorio che aspira a diventar definitivo. Ela está limitada ao imprescindível, 32
já  que  reserva  para  o  processo  propriamente  dito  a  investigação  dos  dados
complementares,  assim  como  a  sua  verificação,  proporcionando  ao  julgador  o
convencimento quanto à exatidão e certeza dos mesmos.
Interessa­nos  a  "instrução  sumária",  mais  de  acordo  com  os  fins  da
instrução  preliminar  e  com  os  postulados  do  moderno  processo  penal.  A
sumariedade implica uma limitação, que poderá operar no plano qualitativo ou
quantitativo, ou ainda em ambos.
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   55
 
A  limitação  qualitativa  pode  se  operar  em  dois  planos  (vertical  e/ou
horizontal). 33 No processo penal, entendemos que no plano horizontal está o
campo  probatório,  ou  seja,  os  dados  acerca  da  situação  fática  descrita  na
notícia­crime  e  sobre  os  quais  irá  recair  a  atividade  de  averiguação  e
comprovação. Uma limitação dessa natureza impede o instrutor (juiz, promotor
ou polícia) de analisar a  fundo a notícia­crime, de comprovar de  forma plena
todos  os  elementos  necessários  para  emitir  um  juízo  de  certeza  sobre  a
materialidade  e  a  autoria.  No  plano  vertical  está  o  direito,  visto  como  os
elementos jurídicos referentes à existência formal do crime (tipicidade, ilicitude
e  culpabilidade).  Logo,  a  limitação  qualitativa  significa  que  o  instrutor  está
limitado  a  comprovar  a  verossimilhança  do  fato,  isto  é,  a  probabilidade  do
fumus commissi delicti. A antítese dessa cognição seria, no plano horizontal, a
certeza sobre o fato, e no plano vertical, a certeza sobre a tipicidade, ilicitude e
culpabilidade.
Em  definitivo,  significa  que  a  instrução  preliminar  está  limitada  à
atividade  mínima,  34  de  comprovação  e  averiguação  da  materialidade  e  da
autoria, necessária para justificar o exercício ou o não exercício da ação penal,
isto é, para decidir sobre o processo ou o não­processo.
A limitaçãoquantitativa está refletida na adoção de um critério temporal,
isto é, impor uma limitação temporal para a duração 35 da instrução preliminar.
Não  se  trata  propriamente  de  sumariedade  mas  sim  de  celeridade,  e  a
limitação  da  cognição  resulta  da  restrição  temporal  e  não  das  técnicas  de
sumarização horizontal e vertical. É uma forma de evitar que as investigações
sejam  eternas  ou  se  prolonguem  excessivamente  no  tempo.  Todavia,  como
critério único, é imperfeito.
O sistema misto36 surge como o mais adequado, pois limita a instrução
preliminar  em  dois  aspectos:  grau  da  cognitio  (sumariedade)  e  tempo  de
duração da  atividade. É,  em síntese,  o  resultante  da  aplicação  concomitante
dos dois métodos anteriormente analisados.
D) Forma dos atos da investigação preliminar
Em Direito Processual, os atos devem ser analisados segundo o lugar, o
tempo  e  a  forma.  Na  instrução  preliminar,  o  lugar  e  o  tempo  não  oferecem
maiores problemas. O ponto nevrálgico está na forma e nela nos centraremos.
A instrução poderá ser obrigatória ou facultativa, segundo condicione o
exercício  da  ação  penal  a  sua  prévia  existência  ou  não.  Também é  possível
conceber um sistema misto, em que a instrução preliminar seja obrigatória para
os delitos graves e facultativa para os de menor potencial lesivo.
A  produção  dos  atos  de  investigação  poderá  ser  levada  a  cabo
oralmente ou por escrito. Como explica J. GOLDSCHMIDT, 37 a oralidade deve
ser vista como o princípio de que la resolución judicial puede basarse sólo en
material  procesal  proferido  oralmente,  e mantém uma  íntima  relação  com as
formas  de  publicidade/segredo  e  imediação/mediação.  O  contraste  está  na
forma escrita, em que a decisão se baseia na matéria reduzida por escrito nos
autos.  A  instrução  preliminar  está  dirigida  a  uma  decisão:  o  juízo  de  pré­
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admissibilidade  da  acusação,  isto  é,  o  momento  em  que  o  juiz  decide  se
recebe ou não a ação penal com base nos elementos recolhidos na instrução
preliminar.  Por  suposto,  uma  instrução  verdadeiramente  oral  só  pode  existir
nos sistemas em que exista uma fase intermediária contraditória.
A  instrução preliminar  poderá  ser  ainda dominada pela publicidade ou
pelo segredo dos atos. No plano doutrinal, explica ARAGONESES ALONSO, 38
propugna­se  por  um  sistema  misto,  em  que  sejam  secretas  as  primeiras
investigações  ou  nos  delitos  graves,  e  nos  demais  casos  deve  prevalecer  a
publicidade  (principalmente  a  interna).  Ainda,  deverá  ser  observado  se  o
segredo é  interno ou externo,  total ou parcial. Destacamos que o  tema, além
de crucial, é muito amplo e desborda os estritos limites do presente artigo, de
modo  que  nos  limitaremos  apenas  a  citar,  sem  analisar  as  vantagens  e  os
inconvenientes do segredo.
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56   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
Sumamente  importante  é  definir  claramente  a  eficácia  probatória  dos
atos da instrução preliminar. Para isso, o sistema pode considerar a atividade
desenvolvida  na  instrução  preliminar  como  atos  de  prova  ou  atos  de
investigação.  Os  primeiros,  apesar  de  produzidos  na  fase  pré­processual,
integram os autos do processo e podem servir para o convencimento do juiz na
sentença  (juízo  de  certeza).  Em  síntese,  podem  amparar  um  juízo
condenatório  ou  absolutório  sem  necessidade  de  repetição  em  juízo.
Infelizmente,  na  prática,  sob  o  argumento  de  que  foram  "cotejados  com  as
demais provas" os atos do nosso  inquérito acabam por converter­se em atos
de prova, pois costumeiramente são valorados na sentença. É um grave erro.
Outros sistemas atribuem ao material recolhido na instrução preliminar o
valor  de meros  atos  de  investigação,  limitando  sua  eficácia  aos  limites  da
instrução. Dessa  forma,  os  atos  de  investigação  servem apenas para  formar
um juízo de probabilidade (e não de certeza) sobre a acusação e por isso não
estão  dirigidos  à  sentença.  Por  isso,  consideramos  que  sua  função  é
endoprocedimental,  39  no  sentido  de  que  esses  atos  têm  eficácia  interna,
somente  servindo  para  amparar  as  decisões  interlocutórias  tomadas  nessa
fase (como medidas cautelares, busca e apreensão, etc.) e a decisão sobre a
admissibilidade da acusação.
Ainda no que se refere à eficácia probatória, destacamos a importância
da produção antecipada da prova, como um instrumento processual destinado
a  disciplinar  a  reprodução  ante  a  impossibilidade  de  repetição  dos  atos.
Infelizmente,  o  instrumento  está  parcamente  disciplinado  no  processo  penal
brasileiro (art. 225 do CPP) e exige uma urgente reformulação.
III ­ CONTORNOS DE UM SISTEMA "IDEAL" DE INVESTIGAÇÃO
PRELIMINAR PARA O PROCESSO PENAL BRASILEIRO
O  sistema  policial  é  nosso  velho  conhecido,  e  por  isso  mesmo  não
precisa  de  nenhuma  apresentação:  é  unânime  o  rechaço.  A  pouca
credibilidade e eficácia, aliada ao  fato de que não agrada a ninguém (nem a
quem vai acusar, muitos menos à defesa e tampouco a quem vai julgar) exige
uma imediata reformulação. A discussão deve centrar­se entre os outros dois
possíveis titulares: juiz de instrução ou promotor investigador.
A  primeira  figura  ­  juiz  de  instrução  ­  é  histórica  e  vem  sendo
paulatinamente  substituída,  por  estar  completamente  superada.  A  evolução
das  idéias  liberais  vai  minguando  os  poderes  do  temível  juiz  inquisidor  até
privar­lhe  de  todo  poder  de  iniciativa  (nemo  iudex  sine  actore).  O  problema
começa quando esses poderes são retirados do juiz e outorgados ao promotor,
deixando o juiz instrutor de ser o temível, ao mesmo tempo em que o passa a
ser o promotor. Ao final, sucede que o promotor acaba convertendo­se em juiz
de instrução.
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   57
 
Explica ARAGONESES ALONSO 40 que "el sistema de instrucción por el
fiscal,  que parece más ortodoxo con el acusatorio, oculta, en definitiva,  si  se
refuerzan sus poderes, un  'sistema  inquisitorial'. Si,  por el  contrario, no se  le
conceden  facultades  al  fiscal,  la  instrucción  puede  ser  ineficaz".  A  solução
está, uma vez mais, em "encontrar um equilíbrio na distribuição de poderes".
A  conclusão  é:  "não  se  resolve  o  problema  só  substituindo  o  juiz
instrutor (ou a polícia) pelo promotor  investigador, pois em última análise  isso
preservaria  as  deficiências  da  instrução  preliminar"  (valoração  probatória,
contraditório  e  defesa  mitigados,  segredo  interno,  ausência  de  efetiva
sumariedade, etc.). Além disso, é fundamental alcançar o equilíbrio de poderes
através  de  uma  clara  definição  da  figura  do  "juiz  garante  da  instrução
preliminar".  Por  tudo  isso,  em  continuação  desenharemos  uma  sugestão  de
modelo ideal a partir dos três elementos básicos: sujeito, objeto e atos.
A) Investigação preliminar a cargo do Ministério Público e a
figura do juiz garante ou juiz de garantias
Apesar  das  críticas  que  gera  a  instrução  a  cargo  do MP,  entendemos
que  é  o  sistema  que  menos  defeitos  apresenta,  ou  ao  menos  aquele  cujos
defeitos são mais facilmente resolvidos ou tolerados.
A investigação preliminar está ­ basicamente­ dirigida a decidir sobre o
processo ou o não­processo, e por isso deve ser uma atividade administrativa
a cargo do titular da ação penal. Ninguém melhor do que ele para preparar o
exercício da futura acusação. É uma incongruência lógica que o juiz investigue
para  o  promotor  acusar.  Se  o  MP  é  o  titular  constitucional  da  ação  penal
pública  ­  atividade­fim  ­  obviamente  deve  ter  ao  seu  alcance  os  meios
necessários  para  lograr  com  mais  efetividade  esse  fim,  de  modo  que  a
investigação  preliminar,  como atividade  instrumental  e  de meio,  deverá  estar
ao seu mando.
Atribuir ao MP o comando da investigação preliminar é a melhor solução
para o processo penal brasileiro, principalmente se  levarmos em conta que o
MP no Brasil é independente, gozando das mesmas garantias da Magistratura.
Possui poderes  tanto no plano constitucional  (art. 129 da CB), como também
no orgânico (especialmente nos arts. 7º e 8º da Lei nº 75/93 e art. 26 da Lei nº
8.625/93), para participar da investigação ou realizar seu próprio procedimento
administrativo pré­processual.
Sem embargo, é imprescindível que a polícia judiciária esteja a serviço
do MP, com clara subordinação funcional (ainda que não orgânica). O "controle
externo da atividade policial" está timidamente disciplinado pela LC nº 75/93 e
não corresponde ao esperado e muito menos ao necessário. Continua faltando
um dispositivo que diga de forma clara que "o MP exercerá o controle externo
da  atividade  policial,  dando  instruções  gerais  e  específicas  para  a  melhor
condução do IP", as quais estarão vinculados os agentes da polícia judiciária.
As "instruções gerais" correspondem às grandes linhas da instrução preliminar,
de forma genérica e abstrata, conforme os critérios de política criminal traçados
pela  instituição.  Um  dos  maiores  problemas  que  enfrenta  o  MP  para
acompanhar o IP é a falta de informação, mais especificamente, o fato de não
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canalizar  a  notícia­crime.  Através  das  instruções  gerais,  o  MP  poderia,  por
exemplo, determinar que todos os BO relacionados com determinados tipos de
delito  ­  crime organizado, homicídio, etc.  ­  fossem  imediatamente enviados à
promotoria  correspondente,  para  que  definisse  a  linha  de  investigação  ou
simplesmente tivesse ab initio plena ciência da investigação. No segundo caso,
o MP se reservaria o poder de intervir diretamente em um caso concreto, isto
é, dando instruções específicas sobre como deverá ser realizado o IP naquele
caso, atendendo a suas especiais circunstâncias.
58   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
Isso  não  significa  que  todos  os  fatos  devam  ser  ­  obrigatoriamente  ­
noticiados direto ao MP e tampouco que o promotor deva ficar 24 horas por dia
na delegacia. Nada disso. Caberá ao MP definir instrumentos para um controle
periódico de tudo que chegar ao conhecimento da polícia, estabelecendo quais
delitos  ­  por  sua  gravidade  ou  complexidade  ­  devam  ser  imediatamente
levados ao seu conhecimento, para que ab initio controle toda a investigação.
Nesses delitos graves, a presença do promotor será  imprescindível e se  fará
notar  pela  sua  constante  intervenção  e  estrito  controle  da  atividade  policial.
Nos  demais  casos,  o  promotor  poderá  definir  uma  espécie  de  procedimento
padrão,  estabelecendo  que  investigações  devem  ser  realizadas  e  de  que
forma,  assim  como  que  diligências  não  poderão  ser  realizadas  sem  a  sua
presença.  Em  linhas  gerais,  assim  atua  o  promotor  nos  sistemas  em  que  a
investigação  preliminar  está  a  cargo  do  MP.  Em  suma,  entendemos  que  a
figura  do promotor  investigador  é  a  mais  adequada  para  a  nossa  realidade,
exigindo­se  apenas  uma  melhor  definição  do  que  se  entende  por  controle
externo  da  atividade  policial,  para  permitir  ao MP  dar  as  instruções  gerais  e
específicas  necessárias  para  o  satisfatório  desenvolvimento  da  instrução
preliminar.
Mas então, com isso estaria resolvido o problema, bastando com o MP
41 assumir o mando da investigação? A resposta é não.
Com  igual  importância  que  atribuir  (ou  meramente  reconhecer)  a
titularidade  do  MP,  está  definir  os  contornos  da  figura  do  juiz  garante  da
instrução  preliminar,  ou,  como  preferem  os  italianos,  giudice  per  le  indagini
preliminari.
O juiz garante não investiga e tampouco julga no processo, até porque a
prevenção  deve  excluir  a  competência  por  claríssimo  comprometimento  da
imparcialidade (nisso reside um dos grandes equívocos do nosso sistema). Ao
livrar­se  da  função  de  instruir  (alheia  à  sua  natureza),  o  juiz  garante  da
instrução  ou  juiz  de  garantias  concreta  sua  superioridade  como  órgão
suprapartes, fortalecendo no plano funcional e institucional a própria figura de
julgador.
Esse juiz da instrução (e não de instrução) será quem, mediante prévia
invocação  do MP,  decidirá  sobre  todas  as medidas  e  atos  que  impliquem  a
restrição dos direitos fundamentais do sujeito passivo, isto é, decidirá sobre as
medidas cautelares de natureza pessoal ou real, colherá a prova no incidente
de  produção  antecipada,  autorizará  a  busca  e  apreensão,  a  intervenção
telefônica,  etc.  Também,  mediante  invocação  da  defesa,  decidirá  sobre  a
legalidade dos atos de investigação levados a cabo pelo MP. É um verdadeiro
"controlador  da  legalidade  dos  atos  praticados  pelo  promotor  na  instrução
preliminar".
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   59
 
O  promotor  investiga  por  si  mesmo  ou  através  da  polícia,  ouvindo
testemunhas  (e  até  mesmo  interrogando  o  sujeito  passivo,  desde  que
observadas  as  garantias  da  defesa  técnica  e  pessoal),  determinando  a
realização  de  perícias,  etc.,  mas  não  pode  determinar,  por  exemplo,  uma
prisão  preventiva.  Esse  tipo  de  restrição  de  direitos  fundamentais  somente
pode partir de um órgão jurisdicional que decidirá mediante prévia invocação.
Também será esse juiz garante da instrução quem, na fase intermediária
e  necessariamente  contraditória,  fará  o  juízo  de  pré­admissibilidade  da
acusação, que, uma vez admitida, dará início ao processo penal. Nesse caso,
a  acusação  será  distribuída  ao  juiz  criminal  competente  para  presidir  o
processo e ao final julgar. Destacamos que a atual posição do juiz frente ao IP
é similar ao modelo garantista aqui propugnado (pois não atua de ofício, não
investiga nem dirige a  investigação e basicamente está para decidir sobre as
medidas  restritivas  de  direitos  fundamentais),  mas  com  uma  fundamental
distinção:  o  juiz  que  de  qualquer modo  intervém na  instrução  preliminar  não
poderá atuar (instruir e julgar) na fase processual, ao contrário do modelo em
vigor.
Para não deixar dúvidas: o juiz da instrução não pode atuar no processo
penal,  porque  nesse  caso  sua  imparcialidade  estaria  comprometida.  Basta
recordar  que  no  sistema  de  juiz  instrutor,  o  que  instrui  não  julga,  não  tanto
porque  instruiu,  mas  porque  decidiu  sobre  os  incidentes  da  instrução
preliminar.
Em  síntese  e  seguindo  a  DRAGONE,  42  ao  juiz  garante  da  instrução
preliminar incumbe:
a)  Função  de  garantia  da  liberdade  pessoal  e  da  liberdade  das
comunicações.
b) Controle da duração da  instrução preliminar e dos  requisitos  formais
da ação penal exercida pelo MP (na fase intermediária contraditória).
c)  Garantia  da  formação  antecipada  da  prova  no  respectivo  incidente
probatório.
d) Função de decisão e controle do resultado da instrução preliminar na
audiência contraditória que forma a fase intermediária.
Somente  com essa  repartição  de  poderes  e  o  estabelecimento  de  um
sistema  de  controle  recíproco,  impedir­se­áa  temível  figura  do  promotor­
inquisidor,  tão  reprovável  como a seu  tempo  foi a do  juiz­inquisidor. A quase
totalidade das críticas ao sistema de promotor investigador caem por terra com
essa divisão racional de poderes. Este sistema é o que mais se aproxima a um
grau  razoável  43  de  transferência  da  estrutura  dialética  do  processo  para  a
instrução preliminar.
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60   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
B) Determinar a situação do sujeito passivo
Outro  gravíssimo  problema  do  IP  é  o  mais  completo  confusionismo
acerca da situação  jurídica do sujeito passivo. Sobre a figura do  indiciamento
pairam  inúmeras  dúvidas,  principalmente  quando  não  existe  uma  prisão
cautelar. Em nenhum momento o CPP define claramente a situação do sujeito
passivo  não  submetido  a  uma prisão  cautelar. Entre  as  inúmeras  incertezas,
questionamos:
a) A partir de que momento alguém deve ser considerado como sujeito
passivo?
b) Que circunstâncias devem concorrer para que se produza a situação
de imputado?
c) De que forma se deve formalizar essa situação?
d) Que conseqüências endoprocedimentais produz o indiciamento?
e) Que cargas assume o sujeito passivo?
f) Que direitos lhe cabem?
Enfim, reina a mais absoluta incerteza, 44 em inequívoco detrimento da
sua  situação  jurídica,  do  seu  status  libertatis  e  da  sua  própria  dignidade
pessoal. São graves os prejuízos para a defesa,  tanto pessoal como técnica.
Isso  tudo sem  falar  na aberração  jurídica de alguém ser acusado sem antes
haver  sido  formalmente  imputado.  Ou  ainda,  o  que  é  pior,  o  sujeito  passivo
comparece  ante  a  autoridade  policial  na  situação  de  testemunha  quando
deveria  fazê­lo na condição de  imputado, com todas as garantias  inerentes a
essa figura.  Isso é uma repugnante práxis policial, que, aliada à  lacuna legal,
deve ser abolida.
Em linhas gerais, devemos caminhar para uma maior eficácia do direito
de defesa e contradição contido no art. 5º, LV, da CF. Tal dispositivo, no que se
refere a sua aplicação no  inquérito policial,  tem sido objeto de  interpretações
absurdamente  restritivas.  Esse  é  um  ponto  básico  a  ser  revisto.  É  incrível  a
resistência  no  âmbito  policial  em  respeitar  os  direitos  constitucionalmente
assegurados, negando que o CPP deva adequar­se à CF e não ao contrário.
O tema é de fundamental  importância e transcendência, mas extrapola
os  estritos  limites  da  presente  exposição.  Entretanto,  como  ponto  de  partida
para disciplinar o tema, é imprescindível que:
a) Tão­logo como exista uma imputação contra uma pessoa determinada
ou elementos suficientes que permitam identificar o possível autor do delito, este
deve ser chamado a comparecer perante a autoridade encarregada da instrução
preliminar.
b)  Na  comunicação  deverá  constar  uma  síntese  da  imputação  e
esclarecer em que qualidade comparece para declarar.
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RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA   61
 
c) Deverá  ser­lhe  comunicado  do  direito  de  comparecer  acompanhado
de  advogado  ou  solicitar  a  nomeação  caso  não  tenha  condições  econômicas
para constituir.
d)  No momento  do  interrogatório,  deverá  ser­lhe  comunicado  o  direito
que  lhe  assiste  a  não  declarar,  sem  que  o  exercício  do  direito  de  silêncio
acarrete qualquer conseqüência jurídica.
e)  Deverá  a  autoridade  advertir  do  direito  que  assiste  ao  imputado  de
indicar provas e solicitar diligências.
Após ser ouvido, a autoridade policial deverá proceder ao indiciamento
caso existam suficientes indícios. É importante destacar três aspectos:
a) necessidade de que o suspeito seja ouvido tão­logo surja a imputação;
b) que sejam respeitadas certas garantias no momento do interrogatório
policial;
c)  imediatamente  após,  manifeste­se  a  autoridade  policial  sobre  o
indiciamento,  momento  em  que  o  sujeito  passivo  passa  a  participar  do
procedimento. O indiciamento deve ser um dos primeiros atos do inquérito e não
o último.
Neste sentido, citamos como exemplo o art. 118 da LECrim espanhola:
45
"Toda  pessoa  a  quem  se  impute  46  um  ato  punível  poderá  exercitar  o
direito de defesa, atuando no procedimento, qualquer que seja este, desde que
se lhe comunique sua existência, tenha sido objeto de detenção ou de qualquer
outra medida  cautelar. A  admissão  de  uma notícia­crime ou  qualquer  atuação
policial  47  ou  do  Ministério  Público,  da  qual  resulte  a  imputação  de  um  delito
contra uma pessoa ou pessoas determinadas, será levada imediatamente ao seu
conhecimento. Para exercitar o direito de defesa, 48 a pessoa interessada deverá
designar  um  defensor  e  não  o  fazendo,  deverá  ser­lhe  nomeado  um,  que  lhe
assistirá em todos os atos da instrução preliminar."
Por fim, também disciplinando a situação do sujeito passivo, merece ser
transcrito parte do art. 7º do anteprojeto de reforma do nosso CPP:
"Art.  7º Logo que  reúna os elementos suficientes, a autoridade policial,
fundamentando devidamente, procederá ao indiciamento.
§  1º  O  indiciado  será  interrogado  com  observância  das  garantias
constitucionais."
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62   RDP Nº 4 ­ Out­Nov/2000 ­ DOUTRINA
 
Apesar  de  representar  um  avanço  em  relação  ao  sistema  atual,
principalmente  ao  disciplinar  o  momento  do  nascimento  da  situação  de
indiciado, entendemos que o § 1º merece maior atenção. Seria aconselhável,
tendo em vista a  larga  tradição de desrespeito aos direitos do  indiciado pela
polícia judiciária, que constasse de forma expressa o direito à defesa técnica e
à  autodefesa  negativa  (silêncio).  Ademais,  é  importante  permitir  o  acesso
prévio do advogado aos autos do inquérito e também possibilitar que o sujeito
passivo indique provas e solicite diligências.
C) A necessidade de uma instrução efetivamente sumária e a
pena de inutilizzabilità
No que se refere ao objeto, a instrução preliminar deve ser sumária, e a
restrição  da  cognição  deve  ser  qualitativa  e  também  operar­se  no  aspecto
temporal. Por isso, a primeira limitação deve estar incluída na própria definição
legal  do  instituto,  visto  como  a  atividade  mínima  de  comprovação  e
averiguação dos fatos e da autoria. Como isso, está limitada a proporcionar o
fumus commissi delicti necessário para  formar a opinio delicti do MP  (acusar,
solicitar o arquivamento ou ainda fundamentar o pedido de medidas restritivas)
e também para justificar o processo ou o não­processo (fornecendo elementos
para a fase intermediária).
A instrução preliminar aliada a fase intermediária contraditória, funciona
como  um  verdadeiro  filtro  processual,  somente  permitindo  o  ingresso  no
mundo jurídico­processual daquelas condutas que revistam uma aparência de
delito que justifique o custo do processo.
É sabido que a efetividade deriva da normatividade, ainda que o inverso
nem sempre se produza. Por  isso, entendemos que ao atribuir­se a  instrução
ao  promotor,  se  lhe  pode  exigir  que  também  realize  investigações  sobre  os
elementos  de  descargo,  é  dizer,  a  favor  e  no  sentido  de  comprovar  a
veracidade da tese defensiva. Por isso, é aconselhável incluir esse dever, nos
mesmos moldes do existente no art. 358 do CPP italiano e no § 160 da StPO
alemã.
A  limitação

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