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Trombofilias Hereditárias e Adquiridas

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Júlia Figueirêdo – PERDA DE SANGUE 
TROMBOFILIAS: 
Consideram-se como trombofilias os 
distúrbios do processo de hemostasia que 
levam à formação exagerada ou 
diminuição da degradação de coágulos. 
Virchow postulou a primeira teoria para 
explanar a origem da trombose, 
desencadeada por lesões do endotélio 
vascular, estase sanguínea e 
hipercoagulabilidade. 
Atualmente, sabe-se que apenas os dois 
últimos fatores estão intimamente ligados 
ao tromboembolismo venoso, formado 
pelo acúmulo de eritrócitos e fibrina. 
 
 
As alterações da coagulação podem ter 
origem hereditária, com mutações que 
desequilibram a proporção de fatores 
trombóticos e trombolíticos naturais, 
adquirida ou mista. 
TROMBOFILIAS HEREDITÁRIAS: 
As trombofilias hereditárias podem dividir-
se em apresentações com perda de função, 
suprimindo genes codificadores de proteínas 
anticoagulantes, ou com ganho de função 
para a expressão de fatores de coagulação. 
Nesse primeiro grupo há maior 
tendência para eventos trombóticos 
na juventude, podendo haver 
recorrência e relação com 
antecedentes familiares. 
 
Principais características das trombofilias 
hereditárias 
A investigação familiar para trombofilias irá 
depender do grau de gravidade desse 
distúrbio, pois em quadros que não 
implicariam em mudanças profiláticas do 
estilo de vida, o rastreamento pode ser 
dispensado. 
 
O rastreamento pode ser considerado quando o 
indivíduo será submetido a situações de risco para 
TEV, mas passa a ser recomendado quando implica 
no uso profilático de anticoagulantes a longo prazo 
(mais comum em mulheres) 
De modo geral, essas condições também 
podem ser desenvolvidas ao longo da 
vida em portadores de doença hepática ou 
de síndrome nefrótica, condições que 
afetam a produção ou o armazenamento dos 
anticoagulantes endógenos. 
 
Fluxograma para investigação de trombofilias 
DEFICIÊNCIA DE ANTITROMBINA: 
A antitrombina (AT), proteína plasmática de 
síntese hepática, é responsável por formar 
complexos com a trombina (fator IIa) e o 
Distúrbios plaquetários levam à trombose 
arterial, não sendo contemplados pela 
denominação “trombofilia”. 
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fator Xa, evitando assim a conversão de 
fibrinogênio em fibrina. 
A atividade dessa proteína é 
intensificada com a presença de 
heparina (fármaco) ou sulfato de 
heparana (naturalmente no endotélio), 
podendo ser diminuída pelo 
estrogênio. 
 
Atividade da antitrombina em situações de 
hemostasia normal 
A depleção dessa substância tem caráter 
autossômico dominante, e apresenta o 
maior risco para TEV dentre as trombofilias 
hereditárias (1% ao ano), ainda que sua 
prevalência seja < 2% nesse grupo. 
Várias mutações podem levar a esse quadro, 
porém a maioria se enquadra em dois tipos 
de alterações distintas, consolidando 
classificações para essa deficiência: 
 Tipo I: é a forma mais comum, em que 
ocorre um distúrbio quantitativo, ou 
seja, há redução na concentração de 
AT e, consequentemente, de sua 
atividade; 
 Tipo II: marcada por distúrbio 
qualitativo decorrente de proteínas 
alteradas (prejuízo funcional), mesmo 
que o volume da AT no plasma seja 
normal. 
Esse tipo de comprometimento pode 
se dar no sítio reativo da 
antitrombina (IIRS), sítio ligador de 
heparina (IIHBS), uma combinação de 
ambos ou por efeito pleiotrópico 
(IIPE). 
 
 
Nesses pacientes, o desenvolvimento de 
TEV geralmente não ocorre antes da 2ª 
década de vida, porém, após os 50 anos, 
metade dos portadores irá manifestar 
algum evento do tipo. 
A terapia de anticoagulação com 
heparina pode necessitar de doses 
maiores para que sejam atingidos os 
intervalos terapêuticos do TTPa e 
RNI. 
A suspeita clínica para deficiência de 
antitrombina pode se dar a partir de: 
 Antecedentes familiares; 
 Alteração do TTPa após administração 
de heparina (alarga pouco ou não 
muda). 
 
Em indivíduos saudáveis (verde) o uso de heparina 
intensifica a ação da AP, aumentando o TTPa, o que 
pacientes com essa deficiência (vermelho) 
O diagnóstico é confirmado a partir do 
fenótipo da antitrombina, realizado tanto 
por mecanismo imunológico (detecção 
antigênica, pouco útil na deficiência de tipo 
II) ou funcional, que determina a atividade 
proteica na presença de substratos e 
heparina (VR > 80%). 
Sua realização deve aguardar 3 
meses do último episódio de TEV. 
DEFICIÊNCIA DAS PROTEÍNAS C E S: 
A proteína C (PC) é um composto produzido 
pelo fígado e dependente de vitamina K. A 
ligação entre a trombina e a 
Normalmente a elevação da concentração 
de AT não causa repercussões clínicas. 
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trombomodulina, na superfície das células 
endoteliais, é responsável por ativá-la, 
suprimindo a ação coagulante da primeira 
proteína. 
Ocorre também a formação de 
complexos inativos com outros 
inibidores de serinoproteases, como a 
alfa-2-macroglobulina e o próprio 
inibidor da PC. 
Na presença da proteína S (PS), a PC 
ativada limita a produção de trombina ao 
degradar os fatores Va e VIIIa. A própria PS 
também possui atividade anticoagulante, 
interagindo com o complexo 
protrombinase e inibindo o fator Xa a 
partir do TFPI-alfa. 
Em resposta a esse processo, há 
acúmulo circulatório dos fatores V 
e VII de coagulação. 
 
 
 
Assim como na deficiência de antitrombina, 
há duas categorias para a depleção dessas 
proteínas, a tipo 1, quantitativa (baixa 
síntese) e a tipo 2, de caráter qualitativo 
(menor funcionamento). 
Ambos os quadros apresentam 
padrão autossômico dominante, 
tendo incidência de TEV variando 
entre 0,5% a 1,65% ao ano. 
Pacientes com concentrações 
indetectáveis de proteína C apresentam 
manifestações mais graves, com diversas 
complicações já ao nascimento (ex.: 
púrpura neonatal fulminante). 
 
A púrpura neonatal fulminante pode causar a 
gangrena e necrose dos locais afetados 
Recomenda-se a investigação clínica para 
distúrbios das proteínas C e S para os 
pacientes que apresentam: 
 Histórico familiar sugestivo, 
especialmente se: 
o 1º episódio de TEV antes dos 50 
anos; 
o Recorrência de eventos 
tromboembólicos. 
 Desenvolvimento de TEV em locais 
menos comuns (ex.: veia porta, 
mesentérica ou cerebral). 
A confirmação dessas deficiências 
novamente recai sobre a análise fenotípica 
das proteínas. 
Para a PC, esse processo contempla 
o método coagulométrico (avaliação 
do TTPa), mais usado, e o método 
cromogênico (ativação proteica por 
mediadores sintéticos, como veneno 
de cobra). 
Na avaliação da PS, ainda que a 
avaliação funcional seja o método de 
escolha, a quantificação do 
antígeno proteico é a forma mais 
específica, não sofrendo interferência 
de outros fatores. 
 
 
 
Mulheres com idade < 45 anos, gestantes 
ou que utilizam contraceptivos orais 
possuem menores concentrações de PS. 
Como a varfarina reduz os níveis de PC e 
OS no sangue, é importante que a terapia 
anticoagulante seja suspensa de 2 a 4 
semanas antes do exame. 
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FATOR V DE LEIDEN: 
O fator V, produzido pelo fígado, pode tanto 
ser encontrado em sua forma livre, 
circulando pelo plasma, como nos grânulos 
alfa das plaquetas, secretado durante o 
processo de coagulação. 
A ativação desse composto é dependente 
da clivagem de ligações pela trombina e 
pelo fator Xa, criando com esse último uma 
importante relação, que permite uma 
elevação abrupta na conversão de 
protrombina. 
Quando ocorrem interações com a PC, a 
ação procoagulante desse fator é 
gradualmente inativada. Novamente o FV 
age como cofator proteico induzindo a 
diminuição da atividade do fator VIIIa. 
 
Inserção do fator V e de suas relações no processo 
de coagulação (retângulo) 
Uma mutação importante, que troca 
guanina por adenina nos genes do FV, é 
responsável pelo surgimento do fator V de 
Leiden.Nessas condições, há menor 
resposta anticoagulante à APC, resultando 
na geração prolongada de trombina (a 
inativação é mais lenta). 
 
Comparação entre a ação do fator V normal e de sua 
versão com mutação 
Quando comparados à população geral, 
portadores dessa mutação apresentam 
risco de trombose venosa profunda 5 
vezes maior, porém o TEP aparece menos 
frequentemente (formação de trombos 
estáveis e aderentes). 
Epidemiologicamente, é a forma de 
hipercoagulabilidade hereditária mais 
comum dentre indivíduos 
caucasianos (2 a 15%). 
Essa condição implica em “estado 
trombofílico leve” em relação às 
deficiências de fatores anticoagulantes, 
havendo menor recorrência dos episódios 
de trombose. 
Assim como as demais trombofilias 
hereditárias, suspeita-se do diagnóstico 
em indivíduos com antecedentes familiares 
compatíveis e eventos trombóticos de 
repetição, principalmente na juventude. 
O diagnóstico laboratorial usa como 
métodos: 
 Teste de resistência a APC: baseia-se 
na avaliação do TTPa antes e após a 
inserção de proteína C ativada (em 
portadores da mutação esses valores 
diminuem ou não se alteram); 
Apesar de ter elevada sensibilidade, 
essa análise pode ser afetada por 
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diversos fatores, como a gestação, 
além de ser positiva na presença de 
outros distúrbios de coagulação. 
 Amplificação do DNA: permite a 
identificação exata do sítio com a troca 
de nucleotídeos, sendo o exame padrão-
ouro para o quadro. 
PROTROMBINA MUTANTE: 
A substituição de uma guanina por 
adenina na região 3’ não traduzida do gene 
da protrombina (fator II) é responsável pela 
diminuição da resposta à APC, 
perpetuando a formação de coágulos. 
A estimativa para a ocorrência dessa 
mutação é de 1 a 6% da população, 
sendo mais frequente em 
caucasianos. 
 
Representação da ação da protrombina normal 
(esq.), reagente à PC, e da sua contraparte mutada, 
menos responsiva para a anticoagulação (dir.) 
De forma geral, portadores heterozigóticos 
possuem baixo risco trombótico, podendo 
não apresentar episódios precoces (antes 
dos 50 anos). 
A única forma para consolidar o diagnóstico 
dessa condição é a amplificação do 
material genético do fator II, buscando pelo 
segmento mutado (G20210A). 
TROMBOFILIAS ADQUIRIDAS: 
O desenvolvimento de eventos 
tromboembólicos ao longo da vida está 
associado a uma série de fatores de risco 
adquiridos, destacando-se a síndrome do 
anticorpo antifosfolipídeo (SAF). 
Mesmo com esse predomínio, outras 
causas, como a síndrome nefrótica, 
neoplasias e a gestação também 
podem estar associadas. 
 
Principais indutores de trombofilias adquiridas 
SÍNDROME DO ANTICORPO ANTIFOSFOLIPÍDEO: 
A SAF tem como principal característica a 
ocorrência de episódios trombóticos 
recorrentes, como trombose, 
trombocitopenia e abortamentos, em 
pacientes com presença de anticorpos 
antifosfolipídeos (AAF). 
Os AAF consistem em imunoglobulinas de 
diversas classes capazes de se ligar a 
complexos de proteínas plasmáticas a 
partir de fosfolipídeos da membrana celular. 
Os alvos mais comuns são a β2-
glicoproteína I (β2GPI) e a 
protrombina (fator II), porém diversas 
outras substâncias podem ser 
afetadas. 
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Fisiopatologia da formação de trombos na SAF 
Todas as faixas etárias podem ser afetadas 
pela SAF, e suas manifestações clínicas 
são diversas, com comprometimento arterial 
(oclusão vascular em vísceras e membros) e 
venoso, representado principalmente pela 
TVP. 
Outras apresentações clínicas 
envolvem a trombocitopenia 
(mediada imunologicamente), 
distúrbios de valvas cardíacas e o 
livedo reticular. 
Normalmente, o padrão de recorrência 
segue o mesmo terreno de origem (ex.: 
paciente com quadro de trombose venosa 
terá novos episódios venosos). 
Em sua “forma catastrófica”, marcada por 
insuficiência renal, AVCi, IAM, necrose de 
pele e coagulação intravascular 
disseminada, a SAF pode levar à doença 
oclusiva vascular súbita, potencialmente 
fatal. 
Em gestantes, as complicações mais usuais 
são abortamentos de repetição (critério 
diagnóstico, mesmo sem trombose prévia), 
pré-eclâmpsia, restrição de crescimento 
intrauterino e coreia gestacional. 
 
Critérios para diagnosticar SAF em gestantes 
É possível segmentar a SAF em primária, 
sem evidência de doenças de base, ou 
secundária, associada a quadros 
autoimunes (ex.: lúpus). 
É possível que a presença de 
anticorpos decorra de neoplasias ou 
outras infecções, sendo 
considerados hétero-imunes, ao 
contrário do que ocorre no LES. 
 
Classificações da SAF quanto à presença de 
doenças de base 
A avaliação laboratorial da SAF tem como 
ponto de partida o alongamento de provas 
de coagulação, incapaz de ser corrigido 
com a adição de plasma normal. Esse 
achado evidencia a presença do 
anticoagulante lúpico (AL). 
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Principais exames utilizados no rastreamento do AL 
Para detectar esse tipo de anticoagulante, 
diversos procedimentos podem ser usados, 
como: 
 Tempo de tromboplastina parcial 
ativado (TTPa): devido à sua 
simplicidade e automação, é a forma de 
triagem mais usada para o AL, porém 
pode ser influenciado por diversos 
fatores, mascarando o quadro; 
 Teste com veneno de víbora de 
Russell diluído (TVVRd): como essa 
substância ativa diretamente o fator X, 
sem a necessidade de outros elementos 
da cascata, apresenta maior 
especificidade para o AL, 
principalmente quando ligado à β2GPI; 
Para a detecção de anticorpos 
reagentes à protrombina, 
recomenda-se o tempo de 
coagulação com caulim (KTC). 
 Teste de inibição da tromboplastina 
(TP): corresponde a um método de 
relativa sensibilidade para a detecção 
antigênica, mas que é pouco usado em 
decorrência da não padronização dos 
reagentes. 
 
Protocolo de investigação laboratorial para anticorpo 
lúpico 
Outro mecanismo para a detecção de 
anticorpos antifosfolípides baseia-se na 
presença de anticorpo anticardiolipina 
(IgM e IgG), que age como uma espécie de 
“controle” confiável para os demais testes. 
Apenas titulações médias e altas 
são inclusas nos critérios diagnósticos 
da SAF. 
 
Critérios usados na confirmação do diagnóstico de 
SAF (deve haver ao menos um marcador clínico e 
outro laboratorial, em dois exames distintos, 
intervalados por ao menos 6 semanas) 
OUTRAS CONDIÇÕES QUE PODEM INDUZIR 
TROMBOFILIAS: 
A hemoglobinúria paroxística noturna 
(HPN) caracteriza-se por uma alteração 
clonal que induz hemólise intravascular 
(ativação do complemento), eventos 
trombóticos, pancitopenia e, claro, a perda 
de hemoglobina na urina. 
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Esse quadro é causado por mutações 
no gene PIG-A diminuindo a 
expressão de receptores de 
uroquinase e promovendo a 
hiperativacão plaquetária. 
 
Fluxograma de investigação e manejo de pacientes 
com HPN 
Doenças mieloproiferativas, por sua vez, 
promovem eventos tromboembólicos que 
precedem o diagnóstico, normalmente 
afetando as veias mesentérica, porta, cava 
inferior e os vasos cerebrais. 
Normalmente, os episódios de 
trombose resultam do aumento da 
viscosidade induzido pela elevação 
do hematócrito e do número de 
plaquetas, podendo levar à 
obstrução vascular. 
Pacientes com neoplasias, principalmente 
de pulmão, pâncreas, intestinos, estômago, 
ovário e próstata, são mais susceptíveis a 
quadros trombóticos idiopáticos, tanto em 
veias quanto artérias. Podem, inclusive, 
representar o primeiro sinal da doença. 
A gravidez e o puerpério elevam em seis 
vezes o risco de TEV, tornando-o uma 
importante causa de morte nessa 
população. Há necessidade de atenção 
ainda maior em mulheres com idade 
avançada, obesas, submetidas à cesárea 
ou com episódio anterior de trombose. 
Os mecanismos fisiopatológicos 
dessa tendência recaemna maior 
concentração de complexos pró-
coagulantes desde o 1º trimestre, 
acompanhada por menor 
responsividade fibrinolítica 
(normaliza após 4 semanas do parto).

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