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Em busca da prosa perdida

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Impresso no Brasil, agosto de 2013 
Copyright© 2013 Antonio Fernando Borges 
Os direitos desta edição pertencem a 
É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda. 
Caixa Postal 45321 - Cep 04010-970 - São Paulo - SP 
Telefax (5511) 5572-5363 
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Editor 
Edson Manoel de Oliveira Filho 
Gerente editorial 
Sonnini Ruiz 
Produção editorial 
Liliana Cruz 
Preparação 
Mareia Benjamim 
Revisão 
Bel Ribeiro 
Capa e projeto grqfico 
:;fli.n!i'a :fm;pa.fpávef :/!Jílifíoteca 
Mauricio Nisi Gonçalves / Estúdio É 
DiaJtramação 
André Cavalcante Gimenez / Estúdio É 
Pré-impressão e impressão 
Gráfica Mundial 
Reservados todos os direitos desta obra. 
Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, 
seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de 
reprodução, sem permissão expressa do editor. 
EM 
BUSCA 
DA 
PROSA 
PERDIDA 
FUNDAMENTOS E POSSIBILIDADES DA ARTE DA ESCRITA 
ANTONIO 
FERNANDO 
BORCiES 
Á memória 
de minha avó materna, 
Maria Elisa D. Siqueira, 
que me iniciou na paixão 
de ler e escrever 
A 
José Enrique Barreiro, 
que me convenceu a escrever 
este livro. 
Prosa é arquitetura. 
Não é decoração de interiores. 
Ernest Hemingway 
Mas a linguagem também 
é o poder de cantar em coro, 
de encenar uma tragédia, 
de promulgar leis, 
de compor versos, 
de rezar em agradecimento . . . 
Eugen Rosenstock-Huessy 
SUMÁRIO 
Introdução 
Escrever, essa aventura humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 
ARRUMANDO A BAGAGEM . . . 
As três dimensões da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 
SINTAXE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 
As palavras combinadas 
SEMÂNTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 
O sentido de realidade 
HARMONIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 
Uma agradável sensa�·ão de beleza 
Os processos de composição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 
NARRAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . �9 
A vida cm movimento 
DISSERTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 
Por falar cm ideias 
DESCRIÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 
A aparência das coisas e pessoas 
DIÁLOGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 
Conversando por escrito 
Ferramentas essenciais 
FRASE, PERÍODO E PARÁGRAFO . . . . . . . . . . . . . . . ...lO 
Unidades mínimas, possibilidades máximas 
ESTRUTURA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 
As ideias e as formas 
Instrumentos complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 
VOZ E TOM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 
Uma questão de identidade e de atitude 
TEMPERATURA .............................. 61 
ESTILO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . <d 
Espalhar borboletas ou ac1..·rtar na mosca 
UMA PAUSA PARA REFLEXÃO . . . 
Os "idiomas" da linguagem humana . . . . . . . . . . . . . . . 69 
FORMAL x INf-ORMAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7() 
Um.1 origem mais nobre 
ORAL x ESCRITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 
A palavra com e sem defesa 
ESCOLHENDO O PERCURSO .. . 
Gêneros e Formatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 
NÃO FICÇÃO: ENSAIO. ARTIG<) . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 
Em nome da verdade (e da lógica) 
rlCÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 
História, tempo e personagens 
COMEÇANDO A VIAGEM ... 
Traduzir ideias em palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 
TÉCNICAS E MÉTODOS - 1 .................... 1 10 
Vencendo o medo: do oral ao escrito 
TÉCNICAS E MÉTODOS - 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 
() processo das perguntas 
Grandes exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 
Sugestões de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 
Palavras finais 
Escrever, um verbo transitivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 
INTRODUÇÃO 
ESCREVER, 
ESSA AVENTURA HUMA NA 
Escrever é traduzir ideias em palavras . Escrever bem é 
conseguir traduzir essas ideias nas palavras mais exatas, verda­
deiras e belas possíveis . 
Eis aí uma boa definição da chamada Arte da Escrita. 
Talvez, até seja breve demais - mas ninguém poderá acusá-la 
de ser simples. Afinal, ela postula um vínculo entre ideias e 
palavras, duas das entidades mais complexas do mundo - sem 
falar que atributos como exatidão, verdade e beleza também 
nos conduziriam, desde já, por caminhos de complexidade 
sem-fim, que escapam aos limites deste livro. 
Fiquemos, então, com a definição inicial da boa escrita: 
a melhor tradução de ideias em palavras. Ainda assim, a comple­
xidade persiste - decorrente, desta vez, da natureza diferente 
das duas linguagens: enquanto o pensamento (a matriz das 
ideias) é múltiplo, circular, simultâneo - como, por exemplo, 
a pintura, a música e a matemática -, a escrita é necessa­
riamente linear e sucessiva. Nessa diferença essencial reside 
talvez a maior dificuldade da Arte da Escrita. 
Nem todos pensam assim. O chamado determinismo 
linguístico (a ideia de que o pensamento está sempre limita­
do às categorias e estruturas permitidas pela língua) encon­
tra defensores teóricos em várias partes do mundo, como os 
linguistas norte-americanos Edward Sapir e Benjamin Lee 
Whorf, o filósofo alemão Ludwig Wittgenstein e o psicana­
lista francês Jacques Lacan. Todos eles acreditam que as dife­
renças entre as línguas se refletem nas ideias de seus falantes. 
Esquecem-se de explicar que, se fosse assim, só os russos 
compreenderiam e admirariam Dostoiévski, e que a grande­
za de Shakespeare estaria para sempre vetada a leitores que 
desconhecessem o idioma inglês. Mais até: além de negarem 
as virtudes da tradução (uma prática eficiente e consagrada) , 
todos esses pensadores parecem ignorar o gênio não verbal do 
homem, e sua grandeza expressa através de outras linguagens 
- como a pintura, a música e a matemática. 
A discussão é fértil, mas este livro tem objetivos bem 
mais práticos. Sem ser exclusivamente prescritivo, pretende 
tratar sobretudo de como traduzir a simultaneidade e multi­
plicidade do pensamento na linearidade sucessiva da escrita. 
Esta vai ser aqui a nossa grande aventura. 
Diferente de um manual, este livro quer ser, antes de 
tudo, um convite à aventura da escrita. Diferente também da 
maioria dos guias práticos de redação, não concentra sua 
visão da linguagem na função exclusiva de "informar algo 
a alguém" - a chamada comunicação. Por entender que a 
- 12 -
E M B U S C A DA P R O S A P E R D I D A 
aventura humana constitui muito mais do que meramen­
te comunicar-se, este livro vai abordar sobretudo o potencial 
criador da linguagem, seu compromisso com a expressão da 
exatidão, da verdade e da beleza, como postularam tantos 
grandes filósofos, de Platão a Leibniz, ou, ainda, como defi­
niu o filósofo contemporâneo alemão Eugen Rosenstock­
-Huessy, infelizmente pouco lido entre nós: 
A linguagem também é o poder de cantar em coro, 
de encenar uma tragédia, de promulgar leis, de 
compor versos, de rezar em agradecimento, de fazer 
um juramento, de confessar pecados, de fazer uma 
reclamação, de escrever uma biografia, de redigir um 
relatório, de resolver um problema algébrico, de batizar 
uma criança, de assinar um contrato de casamento, de 
encomendar a Deus a alma do pai de alguém. 1 
Acima de tudo, é essa capacidade que nos diferencia, por 
exemplo, das formigas, rouxinóis, chimpanzés e de tantosou­
tros animais que também têm seus códigos de comunicação. 
Na verdade, o compromisso humano com a palavra é bem 
mais elevado - o que só aumenta nossa responsabilidade na 
hora de escrever. 
Deus o livre, leitor, de conversas-fiadas e introduções 
sem-fim. Vale acrescentar apenas que, numa época de tantas 
1 Eugen Rosenstock-Huessy, A Origem da Linguagem. Rio de Janeiro, Editora 
Record, 2002. 
- IJ -
I NT R O D U ÇÃ O 
investidas na irracionalidade, no desprezo pelas normas e nos 
coletivismos, este livro aposta na inteligência, no uso culto da 
língua e no esforço individual de aprender - uma tarefa que 
pressupõe disciplina, paciência e uma boa dose de humildade. 
Esta é a aventura (humana e individual) a que este livro 
convida. 
Bem-vindo a bordo! 
- 1 4 -
E M B U S C A DA P RO S A P E R D I D A 
� -
AS TRES DIMENSOES DA 
LINGUAGEM 
Um texto - salvo os piores - não é um aglomerado de 
palavras, frases e parágrafos, mas uma unidade no sentido aris­
totélico, ou seja, um corpo integrado, com começo, meio e 
fim. Essa unidade formal e de propósitos - que dá a quem lê 
uma profunda impressão de integridade, acabamento e per­
feição - deriva de sua obediência a três princípios intrínsecos 
e inseparáveis, que representam para o texto o que as três 
dimensões representam para qualquer corpo: 
• a sintaxe, ou a maneira como as palavras se relacionam 
entre si, dentro do texto; 
• a semântica, ou o significado (a mensagem ou o conteú­
do) que essas palavras ajudam a formar; e 
• a harmonia, ou o modo equilibrado, elegante e atraente 
com que se faz tudo isso. 
Como um texto também é um corpo (no sentido aristo­
télico) , essas dimensões são igualmente inseparáveis - cada 
- 1 7 -
A R R U M A N D O A B A G A G E M . . . 
uma delas corresponde a um dos três aspectos que os filó­
sofos consideram indispensáveis a tudo que existe: exatidão 
(sintaxe) , verdade (semântica) e beleza (harmonia) . 
A separação a seguir é, portanto, didática - apenas para 
que você, leitor, possa voltar a reuni-los de maneira cons­
ciente e com pleno domínio de seu uso. 
SINTAXE 
As palavras combinadas 
Sintaxe é a dimensão do texto que determina as relações 
estruturais entre os elementos de uma frase, período ou pa­
rágrafo. Trocando em miúdos: ela constitui o conjunto de 
princípios e regras que comandam a disposição e as combi­
nações das palavras entre si dentro de um texto. Esses prin­
cípios são regidos pela gramática de cada idioma, e podem 
ser de três tipos (não vire a página, as definições são bastante 
simples) : colocação, regência e concordância. 
Sintaxe da colocação, como o próprio nome sugere, é 
aquela que regula a distribuição das palavras em cada período 
ou frase. Essa ordem pode ser direta ou indireta. 
Direta é, por exemplo, a sequência formada por Sujeito + 
Verbo+ Predicado (e seus complementos) . Eis um exemplo: 
O mais grave de todos os equívocos do Iluminismo foi 
o de esconder a nudez da mais antiga violência contra o 
- 18 -
E M B U S C A DA P R OSA P E R D I D A 
indivíduo (a transformação da sociedade) sob o manto 
transparente de sua novidade. 
Veja agora o mesmo período escrito em ordem indireta: 
De todos os equívocos do Iluminismo, o mais grave foi 
o de esconder sob o manto transparente de sua novidade 
a nudez da mais antiga violência contra o indivíduo: a 
transformação da sociedade. 
Já a chamada sintaxe da regência é aquela que governa a 
estrutura interna de uma frase ou período, estabelecendo a 
hierarquia (ou grau de importância e destaque) entre seus 
termos. Se você, leitor, não está lembrado, permita-me re­
passar rapidamente que toda frase, período ou parágrafo se 
organiza segundo dois processos universais: a coordenação (ou 
justaposição de termos ou orações) e a subordinação (ou cor­
relação entre termos ou orações) . 
Na coordenação, escreve-se por paralelismo; na subordi­
nação, por hierarquia (com uma oração principal e outras su­
bordinadas a ela) . Veja um exemplo de período organizado 
por coordenação: 
Não fui ao cinema, preferi ficar em casa. 
As duas orações são independentes e poderiam vir sepa­
radas por ponto. 
- 19 -
A R RU M A N D O A B A G A G E M . . . 
Compare com esse exemplo semelhante, mas estrutura­
do por subordinação : 
Não fui ao cinema porque estava chovendo muito. 
Veja como a oração subordinada causal ("porque estava 
chovendo") explica e delimita o sentido da oração principal 
("Não fui ao cinema") . 
Da combinação dos dois tipos, nascem a clareza e a exa­
tidão de cada período e, por decorrência, de todo o texto. 
Por fim, a sintaxe da concordância é aquela que estabelece 
que alguns termos da frase ou período devem se adaptar a 
(concordar com) os princípios gramaticais de outros, mais 
fortes ou determinantes. A concordância pode ser nominal 
(gênero e número) ou verbal (número e pessoa) . Trocando em 
miúdos: masculino/feminino, singular/plural, etc. 
Tudo isso quer dizer apenas que o praticante da Arte 
da Escrita deve saber, a cada período ou parágrafo do texto, 
como distribuir, hierarquizar e concordar as palavras de acor­
do com a norma gramatical. Este é o melhor caminho para 
garantir a clareza e a exatidão do texto. Mantido o eixo es­
sencial do texto, nem a complexidade de sua construção sin­
tática nem a densidade de suas ideias serão empecilhos para 
sua plena compreensão. 
Para entender melhor, observe os seguintes exemplos 
negativos (adaptados, acredite, de textos reais) : 
- 20 -
E M B U S C A D A P R O S A P E R D I D A 
Nascido durante a Segunda Guerra Mundial, os romances 
do escritor francês X refletem a angústia e incertez a 
daquele período. (O período começa falando do romancista 
como sujeito, mas logo o eixo do sujeito se desloca para os 
romances - talvez não fique confuso, mas é errado e deselegante.) 
Ficou prejudicada a confiança na biografia escrita pelo 
professor Y, baseada num testemunho anônimo, amigo 
aliás do romântico Bernardo Guimarães. (A confiança no 
texto também .fica prejudicada: a sintaxe confusa não deixa 
claro quem é qfinal o amigo do romântico: o professor ou o 
testemunho anônimo?) 
O s responsáveis pela crise administrativa, há quem diga 
que dois estão no próprio Governo. (Alguém localizou o 
sujeito da frase?) 
Estas são apenas as linhas gerais. O resto - ou melhor, 
o essencial - o leitor vai encontrar em uma boa gramática, 
que a esta altura do aprendizado deverá se tornar um de seus 
livros de cabeceira. 
SEMÂNTICA 
O sentido de realidade 
O significado das palavras, e por extensão o de uma fra­
se, período ou parágrafo, é o objeto da dimensão semântica de 
um texto. Trata-se, em suma, das conexões entre as ideias, as 
palavras e a realidade - em miúdos, do compromisso com a 
verdade, indispensável a quem escreve. 
- 2 1 -
A R R U M A N D O A BA G A G E M . . . 
À primeira vista, pode parecer o aspecto mais simples 
da questão: todo mundo, ao menos em princípio, julgando­
-se no "pleno exercício de suas faculdades mentais", imagina 
que sabe exatamente o sentido daquilo que lê ou escreve. 
Infelizmente, nem sempre isso acontece: a toda hora, esbar­
ramos com tautologias, contradições e erros elementares de 
informação. 
Observe mais uma vez os exemplos negativos (adapta­
dos, também, de textos reais) : 
O eixo do livro gira em torno da história .. . (Nem dá 
vontade de ler o restante do período: um eixo, por defi.nição não 
gira em torno de nada. Muito pelo contrário.0 
Às vezes, um acontecimento imprevisto pode nos 
surpreender . . . (O autor do texto, de um anúncio de seguros, 
talvez não tenha reparado que só as coisas previsíveis não 
surpreendem nunca ... ) 
Em sua adaptação de Hamlet, o diretor introduziu 
alguns textos de Dante Alighieri, contemporâneo de 
Shakespeare . . . (Contemporâneo é, por defi.nição, quem vive 
na mesma época de outra pessoa, enquanto quase 300 anos 
separam Dante de Shakespeare.)Além de um indiscutível compromisso moral de todo 
indivíduo, a busca pela verdade dos fatos é indispensável a 
qualquer texto - de uma simples notícia jornalística ao mais 
complexo ensaio demonstrativo de alguma tese. Mesmo na 
- 22 -
E M BU S C A D A P RO S A P E R D I D A 
ficção, na qual muitos acham (erroneamente) que "tudo é 
permitido", a coerência e a verossimilhança são decisivas: 
um personagem não pode ser ao mesmo tempo gordo e 
esguio, nem obstinado e preguiçoso - e, salvo nas piores 
histórias sobrenaturais , não pode aparecer em cena depois 
de ter sido assassinado páginas antes (a não ser, claro, em 
flashback) , nem sofrer as consequências de um ato ainda não 
praticado por outrem. 
Livros de cabeceira recomendáveis, no caso: bons dicio­
nários e um manual elementar de Lógica. 
HARMONIA 
Uma agradável sensação de beleza 
Escrever bem não se limita a uma estrutura clara e corre­
ta (sintaxe) e a um sentido definido e verdadeiro (semântica) . 
Elegância e beleza também são fundamentais. Quem cuida 
dessas qualidades extras é a harmonia - a terceira dimensão 
do texto. 
No dicionário, harmonia significa a combinação de ele­
mentos diferentes e individualizados que se interligam para 
produzir uma agradável sensação de beleza. Mas o outro sen­
tido do vocábulo - ausência de conflitos, paz, concórdia -
também não é alheio ao nosso interesse. Afinal, não é isso 
também o que se espera de um texto: que seus elementos 
(palavras, frases, ideias) convivam sem conflitos? 
- 23 -
ARRU M A N D O A BA G A G E M . . . 
Os cuidados com a harmonia do texto ajudam a evitar 
alguns vícios terríveis: as indesejáveis rimas internas (lembre­
-se: prosa não é poesia) , o ritmo canhestro e os abomináveis 
cacófatos.Veja estes exemplos (negativos) : 
Escrever não é uma tarefa fácil. (Afrase, exata e verdadeira, 
perde-se pela repetição inesperada de sílabas ... ) 
Ah, o alto heroísmo, com fagulhas ainda nas unhas e o 
corpo ainda meio úmido. (Mesmo abstraindo o mau gosto 
da imagem, tente ler em voz alta: é difícil ... ) 
A flutuação da inflação impede a estabilização da moeda. 
(A rima impede que se leia a frase com prazer. .. ) 
A harmonia determina como se devem combinar os elemen­
tos sonoros de uma língua (fonemas, aliterações, rimas e ritmo, por 
exemplo) para que o texto soe agradável e desperte em quem lê a 
desejada impressão de beleza. Ela constitui, em suma, o chamado 
ajuste fino da frase - e talvez seja, das três, a dimensão textual que 
exige mais atenção e empenho do praticante da Arte da Escrita. 
Para isso, é recomendável que se tenha, não um, mas diversos "li­
vros de cabeceira". 1 
1 Há uma lista com boas sugestões de leitura no final deste livro. 
- 24 -
E M BU S C A D A P R O S A P E R D I D A 
EXERCÍCIO: 
Na real idade "impura" dos textos, todas as dimensões (sintaxe, 
semântica e harmonia) estão sempre presentes, mas em diferentes 
graus. Quase sempre, a ênfase recai sobre uma delas. Anal ise os 
trechos abaixo e n umere de acordo com o caso exemplar: 
1. Ênfase na riqueza e sofisticação estruturais (d imensão sin­
tática). 
2. Ênfase na exatidão da mensagem e do sentido (dimensão 
semântica). 
3. Ênfase na musical idade e na beleza (dimensão harmônica). 
4. Busca de equi líbrio entre as três dimensões. 
Textos exemplares 
( ) Rubem Braga, Fim de Semana na Fazenda 
Onde vivia a andorinha, no tempo em que não havia casas? Ela 
é amiga da casa do homem. Arquiteto, meu amigo a rquiteto, nenhu­
ma casa é funcional se não tiver lugar para a andorinha fazer seu 
ninho. Mas é na casa da fazenda que a andorinha está à vontade. 
Melhor do que nessas casas imensas dos coronéis e dos velhos ba­
rões, elas só se dão mesmo nas grandes casas de Deus, as velhas 
igrejas escuras e úmidas que elas povoam de vida e de inquietação. 
Nenhuma outra ave do céu é mais catól ica. 
( ) Joaquim Nabuco, Minha Formação 
Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças, 
repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária 
da criatura ( ... ); e, no entanto, hoje que ela está extinta, experimento 
- 25 -
ARRUMAND O A BAGAGEM . . . 
uma singular nostalgia ( ... ): a saudade do escravo. ( . .. ) A escravidão 
permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Bra­
sil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; 
seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do 
país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião 
natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; 
insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágri­
mas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem 
causa, sua felicidade sem dia seguinte ... É ela o suspiro indefinível 
que exalam ao luar as nossas noites do norte. Quanto a mim, ( ... ) ela 
envolveu-me como uma carícia muda toda a minha infância; aspirei-a 
da dedicação de velhos servidores que me reputavam o herdeiro pre­
suntivo do pequeno domínio de que faziam parte. 
( ) Machado de Assis, O Ideal do Crítico 
Exercer a crítica afigura-se a alguns que é uma fácil tarefa , 
como a outros parece igualmente fácil a tarefa do legislador; mas, 
para a representação literária, como para a representação política, 
é preciso ter a lguma coisa mais que um simples desejo de falar à 
multidão. Infel izmente é a opinião contrária que domina, e a crítica, 
desamparada pelos esclarecidos, é exercida pelos i ncompetentes. 
São óbvias as consequências de uma tal situação. As musas, 
privadas de um farol seguro, correm o risco de naufragar nos ma­
res sempre desconhecidos da publ icidade. O erro produzirá o erro; 
amortecidos os nobres estímulos, abatidas as legítimas ambições, 
só um tribunal será acatado, e esse, se é o mais numeroso, é tam­
bém o menos decisivo. 
( ) Olavo de Carvalho, A Natureza Invisível 
Para a tradição cristã, reforçada na Idade Média pelo enxerto 
a ristotél ico, a posição que um homem ocu pe na sociedade é um 
- 26 -
E M BU S C A D A P RO S A P E R D I D A 
acidente que em nada afeta a sua essência universal humana, 
igual à de todos os outros membros da espécie. Rico ou pobre, 
leigo ou clérigo, senhor ou escravo, o animal racional tem os dons, 
os limites e as responsabi l idades do humano. A igualdade dos ci­
dadãos perante a lei não é senão a formulação moderna e jurídica 
dessa evidência que a Igreja só a duras penas conseguiu impor a 
culturas xenófobas, profundamente imbuídas da fa lsa impressão 
de uma d iferença natural , essencia l , i rredutível entre seus mem­
bros e os das comunidades em torno, impressão que, em muitas 
delas, se traduzia na inexistência de um termo comum para desig­
nar a uns e outros. 
- 27 -
ARRUMANDO A BAGAGEM . .. 
OS PROCESSOS 
DE COMPOSIÇÃO 
O primeiro passo para escrever textos que expressem 
a verdade com clareza, exatidão e elegância é submeter as 
palavras (ou, como se verá mais adiante, as frases, períodos 
e parágrafos) às condições de existência incontornáveis do 
mundo real (onde acontece a experiência humana) . Esses 
parâmetros, ou delimitadores, são : o tempo, o espaço e o 
número - nome genérico para qualidades como extensão 
e quantidade. 2 
No mundo real, este em que os homens vivem, tudo 
está submetido à circunstância de existir dentro de um es­
paço determinado, durante um período definido de tempo, 
com uma extensão ou quantidade específica. Traduzir ideias 
em palavras - em suma, escrever - é também se submeter 
a esses parâmetros. E as ferramentas adequadas para isso são 
os quatro processos de composição: narração, dissertação, des­
crição e diálogo. 
2 Cf. Olavo de Carvalho em Os Gêneros Literários. Rio de Janeiro, Stella Caymmi Edi ­
tora, 1992. 
- 28 -
E M B USC A D A P ROSA P E R D I D A 
Trata-se dos quatro pilares fundamentais que sustentam 
quase todo o resto dessa tecnologia de ponta chamada escri­ta. E, como bons pilares, só podem existir e atuar em conjun­
to orgânico e inseparável. Do contrário, o texto pode acabar 
ficando "capenga". 
NARRAÇÃO 
A vida em movimento 
A apresentação verbal de um fato, incidente ou aconte­
cimento atende pelo nome de narração. É um processo que 
pressupõe movimento e transformação : uma viagem, uma 
batalha ou um encontro amoroso são exemplos de fatos di­
nâmicos cujo registro em palavras é feito pela narração. Isso 
equivale a dizer que o processo narrativo expressa a dimen­
são temporal do mundo sensível - ou seja, o tempo é seu 
fator estrutural mais importante. Daí o papel fundamental (e 
a presença marcante) dos verbos nas narrações. 
Veja o exemplo (por sinal, bastante movimentado) , ex­
traído de uma crônica de Rubem Braga: 
A terra tremeu com força e em vários pontos o mar 
arremeteu contra ela, avançando duzentos, trezentos 
metros, espatifando barcos contra o cais e bramindo com 
estrondo. O povo saiu para as praças e passou a noite ao 
relento; algumas construções desabaram, mas o único 
homem que morreu foi de susto. (Terremoto) 
- 29 -
A R R U M A N D O A B A G A G E M . . . 
E ainda este outro, saltando das páginas dos jornais: 
Foi numa festa recente em casa de amigos: discutia-se 
a escalada da pornografia na Internet, e a urgência de 
se estabelecer "políticas públicas de controle". Quando, 
por questão de princípio, manifestei-me totalmente 
contrário a uma absurda interferência do Estado 
em assunto de âmbito particular, impacientaram-se 
comigo. "A liberdade'', alguém comentou a meu lado, 
"também necessita de regulamentação e vigilância". 
E então, pior ainda, quando ousei argumentar que não 
é justo que todas as pessoas de bem sejam vigiadas por 
conta de "um punhado de tarados", não foram poucos 
os que me perguntaram, com vago desdém: "Mas o 
que você quer dizer com pessoas de bem? Por favor, 
seja mais . . . científico!" 
(Antonio Fernando Borges, em O Globo) 
Cabe lembrar, mais uma vez, que na realidade "impura" 
dos textos dificilmente um processo aparece sozinho, isolado 
dos demais. A narração pura pode acontecer em alguns pará­
grafos específicos, que até funcionam muito bem para ilus­
trar sua definição. Mas, no corpo de um texto, quase todos 
os processos costumam aparecer misturados, em diferentes 
graus de combinação. 
Veja, por exemplo, o trecho inicial do romance Vidas Secas: 
Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas 
manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia 
- 30 -
E M BU S C A DA P R O S A P E R D I D A 
inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente, 
andavam pouco, mas como haviam repousado bastante 
na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. 
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem 
dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados 
da caatinga rala. 
Repare como a narração do deslocamento dos retirantes, 
em busca de melhores condições de vida, acontece simul­
taneamente à descrição da paisagem árida do sertão. E não 
se trata de um recurso excepcional, ou uma ousadia, de um 
mestre das letras como Graciliano: todo texto será mais rico 
e dinâmico na medida em que sua composição articule dois 
ou mais dos processos de composição. 
A narração é o principal processo utilizado pela ficção 
(seja romance, novela ou conto) , e de seu bom uso dependerá 
o interesse de quem lê. Constitui também o elemento-chave 
das reportagens jornalísticas e dos relatórios de viagem. (Pois o 
que é a essência do jornalismo, se não a reconstituição verbal 
de fatos ocorridos?) 
DISSERTAÇÃO 
Por falar em ideias 
Se escrever é traduzir ideias em palavras, a dissertação 
constitui a escrita por excelência - talvez seu processo mais 
nobre. Ela é, mais do que tudo, a exposição verbal de ideias, 
- 3 1 -
A R RU M A N D O A BA G AGE M . . . 
conceitos, opiniões ou argumentos. De uma nova descoberta 
científica até a opinião sobre um espetáculo, filme ou simples 
jogo de futebol, tudo é matéria para um texto dissertativo -
ou expositivo, como também é chamado. 
Diferentemente da narração (na qual predomina a ordem 
cronológica) , o processo dissertativo ou expositivo é de natu­
reza espacial, na medida em que pressupõe a simultaneidade de 
uma hierarquia lógica. Moldada segundo a ordem lógica, a dis­
sertação constitui uma espécie de suspensão da ordem crono­
lógica no texto. Daí se poder dizer, sem problemas, numa frase: 
"De Sócrates aos filósofos modernos . .. ". Num texto narrativo, 
a passagem representaria um salto de cerca de 2.500 anos! 
Veja o seguinte trecho, de Joaquim Nabuco : 
A abolição teria sido uma obra de outro alcance 
moral, se tivesse sido feita do altar, pregada do púlpito, 
prosseguida de geração em geração pelo clero e pelos 
educadores da consciência. Infelizmente, o espírito 
revolucionário teve que executar em poucos anos uma 
tarefa que havia sido desprezada durante um século. 
Uma grande reforma social, para ser agradável a Deus, 
exige que a alma do próprio operário seja purificada em 
primeiro lugar. São essas as primícias que Ele disputa e 
que lhe pertencem. (Em Minha Formação) 
E, não custa nada repetir: a dissertação também costuma 
aparecer, em muitos textos, combinada à narração e/ ou à 
descrição - e, algumas vezes, ao diálogo. 
- 32 -
E M BU S C A DA P R O S A P E R D IDA 
O longo trecho a seguir é um ótimo exemplo disso : 
Um dos costumes temíveis que a cultura norte­
americana transmitiu ao mundo é a crença literal em 
certas metáforas científicas que, entrando na linguagem 
corrente, acabam por deformar a percepção da realidade 
e perverter todas as relações humanas. Arrastadas pela 
credibilidade aparente dos termos, as pessoas adquirem 
novos padrões de julgamento que, reputados capazes 
de lhes dar a correta medida do mundo, na verdade as 
instalam num reino de fantasias e de puro nonsense. 
Comecei a pensar nisso quando, em Bloomington, 
Indiana, vendo que eu tomava minha segunda xícara de 
café sucessiva na intenção de adoçar o paladar para um 
charuto, um cidadão local observou que meu organismo 
se afeiçoara a determinada quantidade de cafeína,já não 
podendo viver sem ela. 
- Um momento, respondi . - Quem toma cafeína é 
americano. Eu tomo é café. 
- E que diferença faz? 
- A diferença é que, se a cafeína como tal servisse de 
antepasto ao charuto, eu poderia tomar chá, que às vezes a 
tem em quantidades maiores. No entanto abomino chá. 
- Isso é subjetivo, protestou o meu interlocutor. -
Bioquimicamente, café e chá são a mesma coisa. 
(Olavo de Carvalho, Chá, Café e Abstrações) 
Menos comum na ficção como processo principal (a não 
ser, por exemplo, nos romances naturalistas do século XIX 
- 3 3 -
A R R U M A N D O A B AGA G E M . . . 
ou no realismo socialista do século XX - mas isso é outra 
história . . . ) , a dissertação predomina na ensaística filosófica, 
nos editoriais e artigos jornalísticos, em monografias e teses uni­
versitárias, nas cartas em geral, nas crônicas literárias e espor­
tivas e, enfim, nas petições jurídicas . 
DESCRIÇÃO 
A aparência das coisas e pessoas 
Chamamos de descrição, num texto, à enumeração ou 
apresentação verbal das características essenciais ou contin­
gentes dos seres e coisas - sejam pessoas, objetos ou lugares. 
Segundo uma definição clássica do crítico francês Gérard 
Genette, a descrição pressupõe a imobilidade (quer dizer, a 
ausência de movimentos) daquilo que é descrito, "em sua ex­
clusiva existência espacial, fora de qualquer acontecimento e 
até de qualquer dimensão temporal" .3 De fato, na descrição 
predomina a dimensão ontológica do número - na medida em 
que ela dá conta da extensão e da quantidade dos seres e coisas. 
As palavras (ou classes gramaticais) mais usadas são os substan.:.. 
tivas e adjetivos - além dos verbos, sobretudo os de ligação. 
Veja, por exemplo, a descrição de uma casa camponesa 
que GracilianoRamos faz em uma reportagem de seu livro 
Viventes das Alagoas: 
3 Gérard Genette, "Fronteiras da Narrativa". ln: Análise Estrutural da Narrativa. Petró­
polis, Editora Vozes, 1974. 
- 34 -
EM BUSCA DA PROSA PERDIDA 
Baixa, de taipa, cheia de esconderijos, lúgubre. O teto, 
chato, acaçapado, quase sem declive, é negro; é negro 
o chão sem ladrilho, de terra batida, esburacado e 
sujo; negras as paredes sem reboco, com o barro que 
as reveste a rachar-se, deixando ver aqui e ali o frágil 
madeiramento que serve de carcaça. 
Eis como Machado descreve a Capitu adolescente em 
Dom Casmurro: 
Catorze anos, alta, forte e cheia, apertada em 
um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos 
grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas 
uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas 
costas . Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e 
comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. 
Mas é importante não levar a definição muito ao pé da 
letra, pois a descrição dificilmente será usada assim, em estado 
puro, dentro de um texto - a não ser num trecho específico. 
Veja, uma vez mais, o início de Vidas Secas: 
Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas 
manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia 
inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente, 
andavam pouco, mas como haviam repousado bastante 
na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. 
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem 
dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados 
da caatinga rala. 
- 35 -
A R R U M A N D O A B AGAGE M . . . 
Aqui, descrição e narração convivem no mesmo parágrafo 
- e, em alguns casos, no mesmo período. 
Hoje, o uso mais corrente da descrição é em reporta­
gens, relatórios e em outros textos não ficcionais em que 
seja imprescindível registrar, para a finalidade do texto, os 
aspectos mais marcantes de alguma coisa ou de alguém. Mas 
o processo também já foi muito usado na ficção, para marcar 
um determinado cenário, ou a entrada em cena de algum 
personagem relevante - principalmente em épocas anterio­
res à difusão da fotografia, do cinema e das artes visuais. 
DIÁLOGO 
Conversando por escrito 
A fala é inerente ao ser humano, e a primeira forma de 
comunicação entre os homens é a comunicação oral, quer dizer, 
a conversa. Como você verá mais adiante, na história, e mes­
mo na vida de cada pessoa, a forma oral antecede a escrita. 
Ao registro desta prática tão essencial dá-se o nome de diálogo. 
Transcrição das palavras de uma ou mais pessoas ou per­
sonagens (que podemos chamar aqui de falantes) , o diálogo 
está presente tanto na ficção quanto na reportagem, nas en­
trevistas de jornais e revistas - enfim, é a própria conversa 
reproduzida por escrito, sempre que isso se fizer necessário. 
São três os tipos de diálogos possíveis: direto, indireto e 
monólogo interior. 
- 36 -
E M B U S C A D A P R O S A P E R D IDA 
O diálogo direto registra da maneira mais literal possível a 
fala (real ou fictícia, conforme a natureza do texto) de um ou 
mais falantes, reproduzindo ou criando suas palavras supos­
tamente fiéis. Em geral, o diálogo direto é representado por 
sinais gráficos que os diferenciem dos outros parágrafos do 
texto - predominantemente, aspas e travessões. 
Veja o exemplo, extraído do trecho inicial do romance A 
Mão e a Luva, de Machado de Assis: 
- Mas que pretendes fazer agora? 
- Morrer. 
- Morrer? Que ideia! Deixa-te disso, Estêvão. Não se 
morre por tão pouco ... 
- Morre-se. Quem não padece estas dores não as pode 
avaliar. ( ... ) 
O diálogo indireto acontece quando o autor apresenta as 
palavras do falante (personagem ou pessoa real) de uma for­
ma resumida, incorporando-as ao corpo do texto. 
O exemplo também é de Machado de Assis (do conto 
"Missa do Galo") : 
Depois, referiu uma história de sonhos, e afirmou-me 
que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se 
eu os tinha. 
Finalmente, o monólogo interior apresenta a fala de um 
personagem como se ela estivesse ocorrendo dentro da 
- 37 -
A R R U M A N D O A IJA G AGE M . . . 
cabeça do falante - que, de certa forma, estaria conversando 
consigo mesmo. 
Veja o exemplo abaixo, para entender melhor (de Clari­
ce Lispector, em Perto do Coração Selvagem): 
Deus meu, eu vos espero, Deus vinde a mim, Deus 
brotai no meu peito, eu não sou nada e a desgraça cai 
sobre minha cabeça e eu só sei usar palavras e as palavras 
são mentirosas e eu continuo a sofrer, afinal o fio sobre a 
parede escura, Deus vinde a mim e não tenho alegria e 
minha vida é escura como a noite sem estrelas ( ... ). 
Presente em muitos textos em prosa (ficcionais ou não) , 
combinado aos outros processos de composição, o diálogo 
encontra sua utilização mais plena e completa nas peças de 
teatro e nos roteiros para o cinema. 
- 38 -
EM llU S C A DA PRO S A PERDI D A 
EXERCÍCIO: 
Escreva pequenos textos (de uma a duas páginas) a partir das 
seguintes sugestões: 
Narração: 
• Narre dois acontecimentos ou incidentes diferentes que pos­
sam ser concluídos com a seguinte frase: "O povo sa iu para 
as praças e passou a noite ao relento". 
Dissertação: 
• Escolha um tema que você considere polêmico e escreva 
um texto dissertativo desenvolvendo uma opin ião formada 
sobre ele (favorável ou contrária). 
• Em seguida, desenvolva o mesmo tema com a argumentação 
contrária à do exercício acima (se criticou, defenda, e vice-versa). 
Descrição: 
• Descreva um objeto cotidiano, sem dizer seu nome nem 
anunciar para que serve. 
• Descreva um jardim (públ ico ou particu lar) como se estives­
se sendo visto por um homem que acaba de ficar viúvo. Em 
momento algum comente expl icitamente a viuvez: a penas 
transmita este sentimento. 
Diálogo: 
• Escreva em l inguagem simples o diálogo direto ocorrido du­
rante o encontro de dois amigos que não se veem há muitos 
anos. Um deles vai revelar um segredo inesperado ao outro. 
Imagine as justificativas do primeiro e a surpresa do outro. 
• Em seguida, transforme o texto produzido acima num diálo­
go indireto. 
- 39 -
A R RU M A N D O A BA GA G E M . . . 
FERRAMENTAS ESSENCIAIS 
Submeter as palavras aos parâmetros de tempo e espaço 
(e número) mediante as técnicas da narração, da dissertação, 
da descrição e do diálogo requer o suporte concreto de al­
gumas ferramentas essenciais: a frase e o período, que são as 
unidades mínimas da Arte da Escrita. 
A combinação de frases e períodos constitui o parágrcifo 
- um elemento-chave do texto -, e um conjunto bem arti­
culado de parágrafos constitui a estrutura, quer dizer, a orde­
nação dinâmica de seus componentes . 
FRASE, PERÍODO E PARÁGRAFO 
Unidades mínimas, possibilidades máximas 
Pode-se dizer que a frase é o elemento mínimo de um tex­
to, no sentido que interessa aos limites deste livro. Há outros 
elementos ainda menores (a palavra, os radicais e os fonemas) , 
mas que são matéria de estudos de outras disciplinas, como a 
linguística e a gramática. 
- 40 -
E M B USCA DA P R O S A P E R D I D A 
Dá-se o nome de frase a todo enunciado que disponha 
de conteúdo suficiente para formar um sentido completo, 
por ínfimo e simples que seja. Nesse sentido, pode-se chamar 
de frase desde conjuntos complexos de palavras, como a cé­
lebre frase do dr. Samuel Johnson, famoso dicionarista inglês 
do século XVIII: 
O patriotismo é o último refúgio dos velhacos. 
Até informações mais banais e cotidianas : 
O carteiro chegou. 
ou: 
Chove. 
ou, ainda: 
Fogo! 
Muitas vezes, a frase se confunde com o período - que é 
o segundo elemento mínimo do texto. Isso acontece no caso 
do período simples, que contém uma única oração, limitada 
pelo ponto. Mas o período também pode ser formado por 
duas ou mais orações (integradas por coordenação ou subor­
dinação, como já se viu) , sendo então chamado de composto. 
A combinação de frases e períodos constitui o parágra­
fo - o elementoou subunidade mais importante da Arte da 
Escrita. De extensão variável, o parágrafo se caracteriza por 
desenvolver uma mesma ideia ou núcleo (ou ideia-núcleo, 
- 41 -
ARRU M A N D O A BA GAGE M . . . 
como também a chamam), em torno da qual se aglutinam 
outras ideias, secundárias, ligadas a ela pela estrutura do texto. 
Como toda definição, esta peca por ser breve ou simplificada 
demais. Portanto, para mais detalhes, leitor, aconselho mais 
uma vez o recurso a uma boa gramática, apetrecho indispen­
sável nesta aventura da Arte da Escrita. 
Em geral, o parágrafo vem visualmente delimitado no 
corpo de um texto por um pequeno afastamento da margem 
esquerda, logo na primeira linha. Mas sua principal caracte­
rística é de natureza lógica: o que efetivamente distingue um 
parágrafo dos outros, dentro de uma mesma obra, é o fato de 
desenvolver uma ideia unitária. Nesse sentido, a divisão em 
parágrafos não existe apenas para tornar um texto visual­
mente mais leve (ou "arejado", como também se diz) . Acima 
de tudo, serve para separar e ao mesmo tempo articular as 
ideias principais e secundárias da maneira mais conveniente 
- ou seja, com o máximo de exatidão, clareza e elegância. Por 
isso seu tamanho não é fixo, na medida em que está necessa­
riamente ligado à complexidade e profundidade das ideias ali 
desenvolvidas. Veja os exemplos : 
Penumbra. Escritório. Homem, com as mãos à cabeça, 
fuma e pensa na vida. Alto-falante. 
(Carlos Drummond de Andrade, em A Bolsa & a Vida) 
Mais do que qualquer texto-monumento, Monteiro 
Lobato (1882-1948) nos legou um tipo intelectual. No 
- 42 -
E M B USCA D A P R O S A PE R D I D A 
homem de ação audaz e imaginoso, mas invariavelmente 
fracassado, no homem de letras antibeletrístico, o que 
hoje mais admiramos não se esgota no contista eficiente, 
porém menor de Urupês a Negrinha, que narrava à 
Maupassant escrevendo num estilo entre Camilo e Eça; 
nem mesmo no editor pioneiro, ou no diretor da Revista 
do Brasil na fase em que ela foi, na judiciosa apreciação 
de Alexandre Eulálio, a mais importante das nossas 
revistas de cultura. Na forma, Lobato ficou sobretudo 
como articulista e narrador para crianças; no fundo, 
como um dos nossos maiores publicistas. Segundo o 
Aurélio, "publicista" é o escritor político, mas também "a 
pessoa que escreve para o público sobre assuntos vários". 
É exatamente nesse último sentido que Lobato se 
avantaja nas nossas letras; e a conceituação compreende, 
em última análise, a sua notabilíssima literatura infantil, 
cuja maior originalidade está em ser quase toda 
permeada do ânimo de debate sobre temas públicos, 
contemporâneos ou históricos. 
Qosé Guilherme Merquior, em O Elixir do Apocalipse) 
Tamanho, como se vê, é adequação - não uma simples 
questão de quantidade. 
O mais importante, no caso de elementos-chave como 
a frase, o período e o parágrafo, é compreender que neles 
começam o sentido, a ordem e a beleza de um texto. Uma 
frase, um período ou um parágrafo confusos, ou fora de 
lugar, acabam comprometendo todo o corpo do texto. Mas 
isso não significa que eles sejam entraves ou obstáculos a 
serem superados por quem se aventura na Arte da Escrita. 
- 43 -
A R RU M A N D O A B AGAGE M . . . 
Ao contrário: é apenas para você saber por onde começar a 
caprichar. Do bom uso desses elementos mínimos, nascem 
as possibilidades máximas do texto. 
ESTRUTURA 
As ideias e as formas 
A unidade de um texto - esse conjunto articulado de 
parágrafos - é demarcada por sua extensão, mas sobretudo 
por sua estrutura, quer dizer, a ordenação dinâmica de seus 
componentes . 
Segundo Aristóteles (um mestre a quem se deve as de­
finições mais essenciais da arte da escrita) , essa estrutura 
é a mesma de todos os corpos que ocupam o universo: 
um conjunto formado por começo, meio e fim. Para garantir 
a plena clareza e o entendimento total deste ponto, nada 
melhor do que recorrer às definições do próprio filósofo 
grego, em sua Poética: começo é aquilo que necessariamente 
não é antecedido por nada, mas que pede ou produz, por 
natureza, um desdobramento; fim, ao contrário, é aquilo 
que, por natureza, é antecedido por alguma coisa (da qual 
decorre) , mas que necessariamente não é seguido por mais 
nada; meio, por sua vez, é aquilo que necessariamente segue 
e é seguido de outras coisas . 4 
4 Aristóteles, Poética Clássica. São Paulo, Editora Cultrix, 1990. 
- 44 -
EM BU S C A DA PRO S A PERDIDA 
Um texto bem escrito - quer dizer, bem estruturado 
- não deve então começar ou terminar num ponto qual­
quer do assunto que aborda. Necessariamente, ele tem que 
dispor de começo, meio e fim - ou, numa terminologia 
mais contemporânea, precisa estar organizado em termos 
de introdução, desenvolvimento e conclusão. Para transmitirem 
a indispensável impressão de verdade, clareza e elegância, a 
introdução, o desenvolvimento e a conclusão de um bom 
texto devem se expressar através de parágrafos bem defini­
dos e, sobretudo, logicamente bem encadeados. Mais até : 
como unidade elementar (ou subunidade) , dentro da uni­
dade maior do texto, também é necessário que o próprio 
parágrafo se organize nesses termos. 
Um bom texto deve começar por uma introdução bem 
delineada, desdobrar-se num desenvolvimento rico em in­
formações e argumentos e desembocar numa conclusão sa­
tisfatória, ou seja, que não frustre as expectativas, deixando 
uma sensação de vaguidão ou incompletude. No caso do 
parágrafo, sua introdução é a própria ideia-núcleo - e, se ele 
for o parágrafo introdutório, esta deve corresponder neces­
sariamente à ideia principal do texto. Ela pode ter as mais 
variadas formas e tamanhos, mas alguns estudiosos do assun­
to (entre eles, o professor Othon Moacyr Garcia5) destacam 
uma série de modelos constantes, a que a maioria dos autores 
5 Othon Moacyr Garcia, Comunicação em Prosa Moderna. Rio de Janeiro, Editora 
FGV, 2002. 
- 45 -
A R RU M A N D O A B AGAGE M . . . 
costuma recorrer para dar forma a suas ideias - agindo assim 
por hábito adquirido ou pelas necessidades lógicas da escrita. 
Eis os padrões mais recorrentes de parágrafos, que po­
dem servir de modelo, sobretudo para iniciar um texto : 
• Declaração: o mais comum de todos, é aquele em que 
o autor afirma (ou nega) alguma coisa, para depois 
apresentar seus fundamentos. Veja o exemplo : 
A literatura americana teve o púlpito por berço. Durante 
mais de um século a civilização a nascer nos Estados 
Unidos externou-se pela voz dos pregadores à sombra 
dos modestos campanários construídos nos primeiros 
tempos. Os pilgrim fathers, que se refugiaram na Nova 
Inglaterra fugindo da perseguição religiosa, foram na 
maioria homens de valor. Na terra que seria da liberdade 
mostraram, porém, intolerância igual à dos seus inimigos 
no Velho Mundo. As regras de conduta e doutrina 
por eles impostas a seus rebanhos-colônias foram de 
inflexível rigidez. 
(Carolina Nabuco, em Retrato dos Estados Unidos à Luz 
da sua Literatura) 
• Definição: semelhante ao anterior, é apenas mais ex­
plicitamente didático - muito comum nos textos em 
que a dissertação seja o processo de composição do­
minante. Exemplo : 
De todas as formas várias, as mais cultivadas atuahnente 
no Brasil são o romance e a poesia lírica; a mais apreciada 
- 46 -
E M B U S C A D A PRO S A P E R D I D A 
é o romance, como, aliás, acontece em toda a parte, creio 
eu. São fáceis de perceber as causas desta preferência da 
opinião, e por isso não me demoro em apontá-las. Não se 
fazem aqui (falo sempre genericamente) livros de filosofia, 
de linguística, de crítica histórica, de alta política, e outros 
assim, que em países alheios acham fácil acolhimento 
e boa extração; raras são aqui essas obras e escasso o 
mercado delas. O romance pode-se dizer que domina 
quase exclusivamente. 
(Machado de Assis, em Crítica literária) 
• Alusão histórica:é o início que traz a narração de um 
fato histórico, lenda ou simples episódio (fictício ou 
real) de que o autor lança mão para desencadear a ex­
posição de determinada ideia . Veja: 
Era uma vez dois caçadores perdidos numa floresta.já sem 
munição, quando surgiu um leão. Enquanto um deles 
começava a correr, o outro tirou da mochila um par de tênis 
especial e começou a calçá-lo, cahnamente. O que corria 
parou, espantado, e alertou: "Não adianta, o leão corre mais 
que você". Ao que o outro respondeu: "Não preciso correr 
mais que o leão. Só preciso correr mais que você". 
(Merval Pereira, em artigo para O Globo) 
• Interrogação: aquele em que o autor começa aberta­
mente por uma pergunta, cujas respostas em geral 
constituem o desenvolvimento e a conclusão, do pa­
rágrafo ou de todo o texto. Como abaixo : 
- 47 -
A R R U M A N D O A B AGA GE M . . . 
Qual é o romance mais representativo do Brasil? Para 
responder adequadamente a essa pergunta é preciso, 
antes de tudo, descobrir qual é a região ou grupo 
humano mais representativo de meu país, e não creio 
que se possa chegar a uma escolha definida sem injustiça. 
Tem-se dito que o verdadeiro romance brasileiro seria o 
que fosse capaz de abranger toda a paisagem geográfica e 
humana nacional, da costa atlântica aos sertões de Mato 
Grosso e das coxilhas do Rio Grande do Sul à selva 
amazônica. Ainda não temos um romance tão ambicioso; 
e se o tivéssemos não penso que pudesse ser muito bom, 
pois a enorme extensão prejudicaria sua profundidade, e 
um livro assim seria decerto mais geográfico e pitoresco 
do que humano e sociologicamente significativo. 
(Erico Verissimo, em Breve História da Literatura Brasileira) 
• Protelação (ou Suspense): é uma técnica bastante efi­
ciente que procura aguçar a curiosidade do leitor 
mediante a omissão (na verdade, um adiamento ou 
protelação) de informações importantes que só serão 
apresentadas no desenvolvimento do parágrafo ou do 
texto. Veja este exemplo: 
No fragor dos anos 1930, enquanto a bel/e époque 
brasileira entrava em agonia, houve um escritor que fez 
da crônica uma forma amena, porém nada superficial, 
de ensaio crítico. Naquele curto espaço de prosa leve, 
fundado por Machado de Assis, reanimado por João do 
Rio e trazido ao modernismo por Menotti dei Picchia, 
Genolino Amado praticava uma crítica da cultura tanto 
- 48 -
E M BU S C A DA P RO S A P E R D I D A 
mais penetrante quanto menos pretensiosa. Os títulos de 
alguns dos volumes que enfeixaram essas páginas - Vozes 
do Mundo, um Olhar sobre a Vida - dizem tudo: trata-se de 
ensaios quase conversados, singularmente descontraídos, 
sem nenhum cacoete coloquial. 
(José Guilherme Merquior, em O Elixir do Apocalipse) 
Esses modelos (e outros que existam) não devem ser en­
carados como uma camisa de força para a Arte da Escrita. 
Ao contrário: trata-se de possibilidades a que a maioria das 
pessoas recorre, por razões ontológicas, na hora de escrever. 
Mas a experiência e a criatividade também contam, e sempre 
abrem novas opções. Nesse sentido, não são poucas as "ex­
ceções" que você vai encontrar pela frente, na leitura (e na 
criação) de textos concretos. 
Tudo isso vale também para o desenvolvimento e a con­
clusão, que não podem fugir a uma série de parâmetros de 
ordem sintática, semântica e harmônica - mas que tam­
bém deixam muitas margens para o talento e a personali­
dade de cada um. 
Eis, no essencial, alguns modelos mais comuns de estru­
turação do desenvolvimento de um parágrafo ou texto: 
• Enumeração (com ou sem descrição de detalhes) : trata­
-se; sem dúvida, do tipo mais comum de desenvolvi­
mento, muito usado no jornalismo e nas modalidades 
mais simples de texto dissertativo, consistindo na 
- 49 -
A R R U M A N D O A BAGA G E M . . . 
apresentação encadeada de informações factuais, sem 
maiores raciocínios. 
• Exemplificação: também enumerativo, como o anterior, 
diferencia-se daquele por não recorrer a informações 
genéricas, mas a casos concretos e explícitos que ilus­
trem a proposição inicial. 
• Confronto: consiste em estabelecer contrastes, oposições, 
paralelos ou analogias entre ideias ou pontos de vista. 
• Argumentação lógica: o mais complexo de todos os mo­
delos, consiste no recurso àquilo que Aristóteles cha­
mou, em sua famosa Retórica, de "processo artístico" 
(que não se refere ao que hoje se entende como arte 
ou ficção) : trata-se das chamadas provas por persuasão, 
ou convencimento, isto é, uma demonstração baseada 
não em fatos, mas em argumentos que obedeçam ao 
usual método dedutivo de raciocínio, partindo do ge­
neralizante para o específico. 6 
E a conclusão? Também chamada às vezes de epílogo, ela 
representa o encerramento (com uma espécie de "chave 
de ouro") do parágrafo ou do texto. Deve ser suficiente­
mente clara e completa para não surpreender negativa­
mente, com uma interrupção brusca ou inesperada - se 
6 Cf. Aristóteles, Retórica. Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1998. 
- 50 -
E M B USCA D A P R OSA P E R D I D A 
bem que deixar um assunto em suspenso também pode 
ser uma forma de concluir. 
Existem também alguns modelos recorrentes para se es­
truturar a conclusão - desde que sejam vistos apenas como 
referência, e não como uma camisa de força ou receita de bolo: 
• Retomada da tese: faz-se um resumo (uma visão geral) 
do assunto tratado ao longo do texto, acrescentando­
-se em seguida elementos novos e, aí sim, estrutural­
mente conclusivos. 
• Perspectiva: apresentam-se cautelosamente possíveis so­
luções para as questões expostas no desenvolvimento, 
buscando prováveis resultados ("É preciso . . . "; "É im-
, 
. d' 1 " "E ' . ") presem 1ve . . . ; necessano. . . . 
• Oração coordenada conclusiva: Pode-se, enfim, iniciar a con­
clusão com uma conjunção coordenativa conclusiva 
(logo, portanto, por isso, por conseguinte, então . . . ) , apresen­
tando, em seguida, soluções para as questões expostas no 
desenvolvimento. 
À primeira vista, tudo isso pode parecer um tanto me­
cânico ou simplista. Mas nunca é demais ressaltar que só 
a prática regular (com a capacitação criativa daí decor­
rente) irá tornando invisíveis e, no fim das contas, incons­
cientes ou quase automáticos todos esses procedimentos. 
Aos poucos, o aspirante à arte da boa escrita começará a 
- 5 1 -
A R RU M A N D O A BAG A G E M . . . 
assumi-los como naturais, já sem prestar uma atenção tão 
explícita a cada passo. 
Desde já, é bom lembrar que, para a arte da boa escrita, 
as melhores estruturas adotadas são sempre aquelas que me­
nos apareçam, tornando-se praticamente invisíveis à leitura. 
Por isso, talvez fosse preferível definir estrutura não como 
esqueleto (que está apenas oculto, por baixo da carne e da 
aparência) , mas como alma: uma coisa que existe e se faz 
presente sem ser vista. 
- 5 2 -
E M B U S C A DA PRO S A P ER D I D A 
EXERCÍCIO: 
Escolha um tema livre (de preferência, algum que você domine 
bem) e, depois de del imitar a ideia-núcleo, escreva cinco introdu­
ções para um pequeno artigo, a partir dos modelos de parágrafos 
abaixo: 
• Declaração. 
• Definição. 
• Alusão histórica. 
• Interrogação. 
• Protelação, ou suspense. 
Escreva o desenvolvimento do texto proposto acima, a partir 
dos modelos abaixo: 
• Enumeração. 
• Exemplificação. 
• Confronto. 
• Argumentação lógica. 
Escreva, por fim, a conclusão do texto. 
- 53 -
A R R UMAN D O A B A G A GEM . . . 
INSTRUMENTOS 
COMPLEMENTARES 
A coesão e a harmonia dos parágrafos, dentro da estru­
tura do texto, dependem do bom uso dos seguintes instru­
mentos: a voz, que define quem está escrevendo; o tom, que 
estabelece uma postura ou atitude; e a temperatura, que de­
termina o grau de discrição ou veemência da voz e do tom. 
Juntos, estes três elementos constroem o que se costuma 
chamar de ponto de vista - que não é apenas uma opção estra­tégica para o melhor rendimento de um texto, mas, sobretudo, 
a assinatura individual de seu autor. Tudo isso vai constituir o 
chamado estilo, que é a soma ou combinação desses elementos­
-chave, mas que significa principalmente a adequação dos re­
cursos do escritor às suas necessidades intelectuais e expressivas. 
VOZ E TOM 
Uma questão de identidade e de atitude 
Numa época que tende para a massificação e o anoni­
mato, como a nossa, a Arte da Escrita continua sendo uma 
- 54 -
E M B U S C A D A P R O S A P ER D I D A 
espécie de santuário ou reserva intelectual onde o indivíduo 
ainda pode exercer seus traços distintivos pessoais e intrans­
feríveis . E uma das maneiras de que dispõe para isso é deter­
minar a voz de seu texto, ou seja, a pessoa verbal em que ele 
pretende se expressar. 
As vozes (ou pessoas verbais) mais utilizadas na escrita 
são a primeira e a terceira, flexionadas no singular ou no plural 
segundo as preferências ou necessidades de quem escreve. 
Em geral, essa escolha é determinada pelo gênero do texto: 
na ficção narrativa, por exemplo, é comum o uso da primeira 
pessoa do singular, que dá à obra uma dicção mais pessoal 
e intimista; já nos artigos ensaísticos ou acadêmicos, o cha­
mado "plural majestático" (nós) costuma ser empregado em 
nome de uma atitude mais discreta do método dissertativo; 
e assim por diante. Como sempre, nada disso representa uma 
regra fixa, mas apenas um leque de possibilidades. 
A primeira pessoa do singular é a mais adequada para a 
narração de um testemunho ou experiência pessoal , mas 
também para a exposição de ideias claras e consolidadas. 
Às vezes, denota certa vaidade ou senso de autorreferência, 
mas quase sempre é uma demonstração de honestidade e 
coragem de quem escreve. Em seu mais amplo espectro, 
pode ser usada tanto num romance intimista quanto num 
artigo polêmico. 
Veja, por exemplo, no gênero narrativo, este trecho de 
Dom Casmurro, o clássico de Machado de Assis: 
- 55 -
A R R U M A N D O A B AGAGE M . . . 
Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles 
também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais 
veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. 
Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros 
enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e 
o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão 
e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos 
livros, para que me dissessem o que havia nos textos 
roídos por eles . 
E este outro, no gênero dissertativo, de Gustavo Corção, 
em A Descoberta do Outro: 
Não quero fazer aqui, mais uma vez, o processo já 
volumoso da técnica, nem mostrar o conflito entre o 
homem e a máquina. Pretendo mostrar um aspecto da 
mentalidade técnica e tentar um inventário de seus riscos. 
Repare como nos dois textos, para além de todas as suas 
diferenças, predomina uma mesma dicção subjetiva, marcada­
mente autoral. 
Ao ser flexionada no plural, a voz na primeira pessoa se 
pretende um pouco mais objetiva - embora isso possa ser uma 
impressão enganosa, na medida em que a objetividade não é 
uma simples questão numérica. O próprio pronome (nós) não 
pressupõe necessariamente a presença de mais de um autor: 
muitas vezes, expressa no máximo uma postura acanhada, ou 
então um convite à inclusão do leitor no assunto em questão. 
- 56 -
EM B U S C A DA P R O S A P E R D I DA 
No trecho a seguir, fica evidente o esforço de sustenta­
ção de uma dicção objetiva (o autor, apesar de único, oculta­
-se sob uma voz plural) : 
Primeiramente, afirmaríamos que existem as mais 
diferenciadas percepções do pluralismo, dentro do 
horizonte apresentado pela prática e pela filosofia políticas. 
(Augusto Zimmermann, Os Princípios do Pluralismo 
Federativo) 
Nos editoriais jornalísticos ou em manifestos estéticos e 
políticos, a opção pela primeira pessoa do plural parece aten­
der a outro objetivo explícito : falar, efetivamente, em nome 
de uma coletividade - daí a natureza geralmente anônima 
desses escritos. Veja o exemplo, extraído do manifesto mo­
dernista Nhengaçu Verde Amarelo, de 1 929: 
Aceitamos todas as instituições conversadoras, pois é 
dentro delas mesmas que faremos a inevitável renovação 
do Brasil, como o fez, através de quatro séculos, a alma 
de nossa gente, através de todas as expressões históricas. 
Já a terceira pessoa (singular ou plural) está presente nos 
textos que se empenham em transmitir uma dicção priorita­
riamente objetiva, seja em textos narrativos ou dissertativos, 
em ficção ou não ficção. 
Na ficção, pode-se destacar como exemplo a literatura 
realista (e naturalista) contemporânea, bastante influenciada 
- 57 -
ARRU M A N D O A B AGAGE M . . . 
pela "objetividade" das ciências e das linguagens v1sua1s, 
como o cinema e a fotografia. Veja este trecho, extraído mais 
uma vez de Vidas Secas, de Graciliano Ramos: 
A família estava reunida em torno do fogo, Fabiano 
sentado no pilão caído, sinhá Vitória de pernas cruzadas, 
as coxas servindo de travesseiros aos filhos. A cachorra 
Baleia, com o traseiro no chão e o resto do corpo 
levantado, olhava as brasas que se cobriam de cinzas 
Estava um frio medonho, as goteiras pingavam lá fora, o 
vento sacudia os ramos das catingueiras, e o barulho do 
rio era como um trovão distante. 
No campo da não ficção, servem de exemplo as reporta­
gens jornalísticas (muitas vezes não assinadas) e as notícias do 
jornalismo diário ou semanal. Como este trecho, tirado do 
jornal Folha de S. Paulo: 
Apesar de manter o discurso segundo o qual a reforma 
da Previdência é intocável, o governo abriu negociações 
sobre aspectos essenciais na proposta que enviou ao 
Congresso e já aceita incluir, por exemplo, a paridade e 
a manutenção da aposentadoria integral para os atuais 
servidores públicos no texto do projeto. 
Com a decisão, o Governo espera neutralizar a 
resistência dos servidores públicos, especialmente a do 
Judiciário, maior e mais organizada do que esperava 
o Planalto. Além disso, dá discurso aos aliados, no 
Congresso e no meio sindical, para defesa da proposta. 
- 58 -
E M B U S C A D A P R O S A P E R D I D A 
Cabe acrescentar apenas que toda essa decantada objetivi­
dade vai depender, para ser plenamente atingida, de uma série 
de outros elementos sintáticos, semânticos e harmônicos, ca­
pazes de produzir (quando bem combinados) a impressão de 
verdade, clareza e elegância própria dos bons textos objetivos. 
Um elemento que pode contribuir para este esforço é o 
tom do texto, fator determinante para a atitude que o autor 
deseja transmitir. Tributário do variado naipe de emoções e 
intenções humanas, o tom dependerá sempre dos propósitos 
e mesmo do humor de quem escreve (sem nenhuma obri­
gação, é claro, de ser elegante ou gentil) . Veja, abaixo, uma 
pequena amostra aleatória e ligeira dessas possibilidades de 
atitude de um texto ou autor: 
agressivo - furioso - indignado - autoritário - meigo - gentil 
- suave - sério - irônico - sarcástico - didático - imparcial 
Implicações morais à parte, pode-se dizer que o tom de 
um texto resultará sempre de uma decisão, assumida ou não, 
mas que será tanto mais acertada na medida em que estiver 
em plena adequação com os objetivos do texto.Veja a seguir 
alguns exemplos . 
Primeiro, um tom indignado (e eventualmente exagerado) : 
Amigos, eis 80 milhões de brasileiros numa humilhação 
feroz. Eu diria que a vergonha de 50 foi mais amena, 
- 59 -
ARRU M A NDO A B A G A G E M . . . 
mais cordial. Naquela ocasião, não tínhamos o 
bicampeonato. Ainda não se instalara em nosso futebol 
o mito Pelé. Ah, o brasileiro de 50 era um humilde de 
babar na gravata. 
(Nelson Rodrigues, em À Sombra das Chuteiras Imortais) 
Veja como difere deste trecho suave (apesar do tema for­
te) de Carolina N abuco : 
O Brasil ficou alheio ao cataclismo europeu, esperando, 
porém, avidamente as notíciasque de lá chegavam. Não 
vinham, como viriam na Segunda Guerra, a toda hora, 
graças ao rádio. Só a imprensa, com seus telegramas, dava­
nos as linhas gerais dos combates. (Em Oito Décadas) 
É outro também (mais leve, mais irônico) o tom desta 
passagem de Carlos Heitor Cony: 
Resumindo a ópera: pode-se concluir que não há jornalismo 
literário. Há jornalismo e há literatura. Funcionam por 
meio de sinais ou símbolos, que são as palavras compostas 
por letras, mas nem todas as letras formam necessariamente 
aquilo que se compreende como literatura. Há jornalistas 
que dominam a técnica e a composição do texto. Mas são 
eles, exatamente, que se tornam cada vez melhores à medida 
que deixam de ser literários. 
(De uma palestra para estudantes) 
Longe de representar apenas um detalhe, ou um ingre­
diente secundário, o tom é um elemento fundamental para os 
- 60 -
E M B U S C A DA P R O S A P E R D I D A 
bons resultados da Arte da Escrita. Nesse sentido, correspon­
deria, por exemplo, a certos temperos em culinária, que tanto 
podem realçar quanto estragar as qualidades de um bom prato. 
Das variadas combinações de voz e tom dependerão 
também as diferentes temperaturas dos textos, como você 
vai ver a segmr. 
TEMPERATURA 
Da sutileza à ênfase 
As teorias da comunicação que estiveram muito em moda 
nas décadas de 1 960 e 1 970 deram um sentido curioso à pa­
lavra temperatura. Para o autor canadense Marshall McLuhan, 
por exemplo, uma mensagem (ou meio) seria quente ou fria 
de acordo com o teor de informação nela contido. Dentro 
desse raciocínio, um romance clássico, um poema " dificil" ou 
um texto de filosofia seriam "quentes", ao passo que o noti­
ciário de jornal ou TV (e a própria televisão) seriam exem­
plos de textos "frios" . Tratava-se, enfim, de mera questão de 
conteúdo - ou de "repertório", como então se chamava. 
Para a Arte da Escrita, no entanto, temperatura pode signi­
ficar também (ou principalmente) o maior ou menor grau de 
ênfase ou de sutileza implícita num texto, a partir das opções 
feitas pelo autor nos quesitos voz e tom. Nesse novo sentido, 
um texto do quase sempre enfático Nelson Rodrigues costuma 
ser mais quente (mesmo abordando matéria trivial) do que um 
- 61 -
ARRU M A N D O A BA G A G E M . . . 
ensaio literário do denso, mas em geral elegante e sereno, Otto 
Maria Carpeaux, um autor mais frio (ou às vezes morno - sem 
as conotações negativas que a palavra teria em outro contexto). 
Veja as diferenças entre este trecho hiperbólico de Nelson: 
Amigos, vocês se lembram da vergonha de 50! Foi 
uma humilhação pior que a de Canudos. O uruguaio 
Odbulio ganhou do nosso escrete no grito e no dedo 
na cara. Não me venham dizer que o escrete é apenas 
um time. Não. Se uma equipe entra em campo com o 
nome do Brasil e tendo por fundo musical o hino pátrio, 
é como se fosse a pátria em calções e chuteiras, a dar 
botinadas e a receber botinadas. 
(Em À Sombra das Chuteiras Imortais) 
e a suavidade do comentário de Carpeaux sobre Shakespeare: 
Macbeth é a mais rigorosamente construída das tragédias 
de Shakespeare, a que mais se aproxima do esquema 
da tragédia clássica. A unidade de tempo e lugar é 
substituída pela unidade da atmosfera - a Escócia 
nebulosa, noturna - e é impecável a unidade da ação dos 
primeiros impulsos de ambição criminosa de Macbeth 
até a sua morte heroica em desespero. Tudo de coerência 
absoluta, de efeito irresistível no palco. 
(Em As Bruxas e o Porteiro) 
Repare como o primeiro texto convida a uma partici­
pação mais emocionada, enquanto o outro se limita a sugerir 
uma reflexão lúcida e ponderada. Diferenças à parte, cada um 
- 62 -
EM B U S C A DA PRO S A P E R D I D A 
a seu modo trata de atingir objetivos específicos, em textos 
bastante diferenciados. 
Tudo (ou pelo menos o essencial) reside certamente nes­
sa adequação às intenções do autor e aos propósitos de cada 
texto. Um artigo de cunho político ou ideológico vai reque­
rer sempre um mínimo de calor (no tom e no vocabulário) 
para surtir seu efeito persuasivo. Da mesma forma, um ensaio 
filosófico ou uma oração pressupõem uma serenidade de es­
pírito, sem a qual poderão ser supérfluos ou ineficazes. 
Outro aspecto importante a ressaltar: em nenhum texto, a 
temperatura será suficiente, per se, para compensar falhas e defi­
ciências evidentes - sejam elas decorrentes de problemas de sin­
taxe, semântica ou (falta de) harmonia. Nada menos adequado, 
por exemplo, do que um ensaio ou artigo em que a veemência 
vocabular se esforça (em vão) para substituir a ausência de uma 
argumentação convincente; e nada mais medíocre do que um 
conto ou romance que recorra a emoções baratas e soluções 
fáceis, procurando a "empatia imediata", em vez de convidar à 
elevação e ao sublime, típicos da verdadeira arte. 
Mais uma vez, o bom senso e o equilíbrio é que vão 
constituir o melhor "termômetro". 
ESTILO 
Espalhar borboletas ou acertar na mosca 
O ex-presidente Juscelino Kubitschek, famoso pela sua 
oratória, costumava pedir aos redatores de seus discursos, lá 
- 63 -
A R RU M A N D O A B A C ; A G EM . . . 
pelos idos da década de 1 950: "Espalhe aí umas borboletas 
entre os parágrafos". Este gosto antigo (e tão brasileiro) pelo 
fraseado colorido e esvoaçante está na base da ideia de que 
escrever bem é lançar mão de construções sintáticas empola­
das e de um vocabulário esdrúxulo - e que essa capacidade 
de acrescentar adornos a um texto constituiria o que se cos­
tuma chamar de estilo. 
Em geral, os dicionários costumam dar o nome de estilo 
à forma característica e pessoal de expressão de cada autor, 
capaz de diferenciá-lo de todos os outros. Parecem, no en­
tanto, esquecer o "detalhe" de que dificilmente existiriam es­
tilos suficientes para atender numericamente a todos os que 
praticam a Arte da Escrita. 
Muito já se escreveu sobre esse assunto no passado 
quase sempre, para incluí-lo entre as principais ferra­
mentas da arte da escrita. O romancista francês Anatole 
France, por exemplo, costumava repetir que "o estilo tem 
três virtudes : clareza, clareza , clareza" . E o inglês Jonathan 
Swift definia estilo como a capacidade de colocar "as pa­
lavras certas no lugar exato"- o que vem reforçado pelo 
corolário de Voltaire : "Uma palavra fora de lugar estraga 
o pensamento mais bonito" . Já Machado de Assis (notável 
pela simplicidade do seu) , preferia dizer que estilo é ape­
nas o casamento entre palavras que se afinam. Em meio a 
esse mar de definições, que se estende a perder de vista, 
o comentário do escritor e professor de criação literária 
- 64 -
E M B U S C A DA P RO S A P E R D I D A 
John Gardner1 é um exemplo de bom senso e equilíbrio: 
" Sobre o estilo, quanto menos se disser, melhor". 
Nas últimas décadas, a importância exagerada atribuída à 
palavra estilo levou a maioria das empresas jornalísticas e edi­
toras de livros e revistas do país a estabelecer para seu pessoal 
uma série de regras intransponíveis, quase sempre reunidas 
sob o título geral de "Manual de estilo". Por ironia, repre­
sentam um condicionamento do texto a padrões de escrita 
anônimos e pré-moldados - justamente o oposto do que a 
palavra estilo tradicionalmente sugere. 
Enfim: quanto menos se disser, melhor. Tudo isso soma­
do, caberia acrescentar que, para a Arte da Escrita, o estilo 
deve significar tão somente a capacidade de adequar a lin­
guagem às necessidades de expressão do autor ou às caracte­
rísticas do assunto abordado. 
O tom, a voz e a temperatura, combinados a uma es­
trutura bem construída, é que vão constituir o que se cha­
ma de estilo de um texto (ou de um autor) . Isso equivale a 
dizer que ele é apenas o resultado bem ou mal articulado 
das palavras que você escolher para produzir um texto que 
expresse a verdade com exatidão, clareza e elegância - e 
"acertar na mosca". 
1 Cf. A Arte da Ficção. Rio d e Janeiro,Editora Civil ização Brasileira, 1997. 
- 65 -
A R RU M A N D O A BA G A G E M . . . 
EXERCÍCIO: 
Escolha um episódio marcante de sua vida e o narre duas vezes: 
• De forma subjetiva, na primeira pessoa do singular. 
• De forma objetiva, na terceira pessoa do singular. 
Ainda a partir do mesmo episódio (para facilitar o aprendizado 
por comparação), narre-o agora em dois tons diametralmente opos­
tos. (Por exemplo: suave e agressivo; ou sério e engraçado, etc.) 
Agora, dê asas à imaginação e conte de novo a mesma h istória 
como se estivesse sendo escrita por dois a utores com estilos bem 
d iferentes (à sua l ivre escolha). 
- 66 -
E M BU S C A D A P R O S A P E R D I DA 
OS "IDIOMAS" DA 
LINGUAGEM HUMANA 
A variedade praticamente infinita que rema entre os 
homens - com suas formas diferenciadas de agir, pensar e 
(portanto) escrever - conduz muitas vezes à conclusão apres­
sada, e errônea, de que a informalidade e a ausência de regras 
constituem a única regra válida para a linguagem. 
Historicamente, o registro oral da linguagem precedeu 
seu equivalente escrito - e continua a preceder, dentro da tra­
jetória pessoal de cada um, que aprende a falar antes de saber 
escrever. Mas é preciso fazer a ressalva importante de que, em 
termos lógicos, o modelo formal precede suas variantes infor­
mais. A informalidade da linguagem representa, em certo sen­
tido, uma reação posterior à sua formalidade. Ser informal, no 
fim das contas, é contrariar (e "deformar") formas previamen­
te existentes. Afinal, por razões de natureza lógica, aquilo que 
não existe não pode ser deformado ou transgredido. 
Para as finalidades práticas da Arte da Escrita, tudo isso 
representa um convite ao rigor e à busca da excelência. 
Pois, ao contrário dos padrões informais exaustivamente 
- 69 -
U M A PA U S A P A R A R E F L E X Ã O . . . 
defendidos por certos gramáticos e estudiosos afins, escre­
ver é tarefa que inclui uma elevada responsabilidade - na 
medida em que nos conduz na direção oposta à do espon­
taneísmo e da coloquialidade cotidiana. 
FORMAL x INFORMAL 
Uma origem mais nobre 
Para emergir do caos originário, numa época em que 
ação e pensamento não iam muito além da satisfação de 
suas necessidades mais imediatas, os homens foram aos pou­
cos formalizando sua linguagem. A certa altura de sua tra­
jetória, a simples comunicação já não lhes era suficiente; 
para se diferenciarem dos cachorros e abelhas, por exemplo, 
desenvolveram uma linguagem nominal, ou formal, capaz de 
nomear os objetos, as pessoas, os lugares e as situações - e, 
sobretudo, oferecendo-lhe recursos para formalizar o rela­
cionamento entre os próprios homens, nos termos de um 
compromisso moral . Mais do que simples evolução, tratou­
-se de um verdadeiro salto civilizatório : o pensamento se 
tornou formal e explicitamente gramatical. 
É uma pena que os estudiosos do assunto não ressaltem 
ou valorizem essa origem mais nobre da linguagem humana, 
preferindo a versão vulgar de que a palavra foi, a princípio, 
coloquial, para só depois (e aos poucos) ir-se constituin­
do em forma convencional. Uma exceção especial nesse 
- 70 -
E M B U S C A DA P R O S A P E R D I D A 
universo teórico bem pouco animador é justamente o fi­
lósofo alemão Eugen Rosenstock-Huessy, citado no início 
deste livro. 1 Para ele, o problema principal desses estudos 
reside na indistinção teórica entre a linguagem meramente 
informativa e fática (que é, de certa forma, comum a muitas 
outras espécies animais) e aquela que tem a força "das tra­
gédias e dos grandes juramentos" . Observando as crianças 
para tentar explicar a origem da linguagem dos adultos , 
diz Huessy, eles parecem ignorar a verdade óbvia de que 
a criança não explica o homem - mas, pelo contrário, o 
adulto tem chances de explicar a criança . 
Esse equívoco, ou ilusão, está na raiz da crença moder­
na de que, no campo da linguagem, o uso precede a nor­
ma, esta última sendo apenas uma cristalização (para alguns, 
uma "castração") do potencial criativo e comunicativo da 
linguagem oral . Mas a linguagem humana (tal como este li­
vro a entende e defende) é muito mais do que um meio de 
comunicação : constitui, desde a origem, uma ferramenta for­
mal, que nada tem de "natural" ou "espontânea" . Nesse sen­
tido, pode-se afirmar, sem exagero, que a escrita depende 
de normas, assim como a língua é constituída, no essencial, 
por sua norma culta . Por isso, a Arte da Escrita depende da 
aceitação (e do bom uso) dessa realidade : de que a lingua­
gem humana (articulada e formalizada numa gramática e 
1 Eugen Rosen stock- H uessy, A Origem da Linguagem. Rio de Janeiro, Editora 
Record, 2002. 
- 7 1 -
U M A PA U SA PA R A R E F L E X Ã O . . . 
amparada num conjunto de regras morais) é a coisa menos 
natural do mundo. 
Certamente, do ponto de vista pragmático da Arte da 
Escrita, não existe pecado algum em combinar aspectos for­
mais e informais da linguagem, tirando deles os efeitos mais 
criativos, ou, pelo menos, mais adequados a cada situação. 
Mas nunca será demais repetir que acreditar e apostar numa 
origem mais nobre para a linguagem (do formal para o in­
formal, e não ao contrário) pode fazer toda a diferença: sig­
nifica, para a escrita, um investimento em conteúdos mais 
consistentes, em estruturas mais ricas e mais consolidadas, 
num fraseado mais bonito e sublime. Retornando a essas ori­
gens, a Arte da Escrita não regride, avança. 
ORAL x ESCRITO 
A palavra com e sem defesa 
Em termos históricos, a linguagem oral antecedeu a es­
crita, que surgiu por volta de 5000 a.C. , entre os povos da 
antiga região do Egito e da Mesopotâmia. Desde então, a 
linguagem humana tem sido ao mesmo tempo palavra oral e 
palavra "impressa"- ou seja, Verbo e Texto, Espírito e Letra -, 
com limites e potencialidades em cada uma dessas vertentes. 
Muitos estudiosos concordam num ponto: a incorpo­
ração do registro escrito representou uma sofisticação in­
telectual e moral, sobretudo após a passagem da pictografia 
- 72 -
E M B U S C A DA P R O S A P E R D I D A 
(egípcios) e da ideografia (chineses) para a escrita alfabética e 
fonética. Graças à escrita, as ciências e as artes tiveram gran­
de desenvolvimento - o que leva muita gente a considerar, 
apressadamente, a história da escrita como a própria história 
do pensamento humano. 
Nem todos, porém, viram neste "salto de qualidade" um 
fator efetivamente positivo. Já no Antigo Testamento, alguém 
lamenta que "a Letra mata", enquanto só "o Espírito vivifi­
ca". E em seu diálogo Fedro, dedicado não por acaso à justeza 
dos discursos, Platão põe na boca de Sócrates uma severa 
advertência quanto às limitações que a palavra escrita impôs 
à exposição e divulgação da Verdade. Para Sócrates/Platão, 
a escrita é um discurso restrito, limitado, porque silencioso : 
necessitaria da ajuda do autor, sendo incapaz de se defender 
sozinho. "A escrita", diz Sócrates, "é o mesmo que ler na 
areia e escrever no mar". 2 
Pelo menos na língua portuguesa praticada corrente­
mente no Brasil, a relação oral x escrito parece se confundir 
com (e se sobrepor a) o par de opostos informal x formal. 
Diferenças geográficas à parte, tem-se por aqui o (mau) cos­
tume de atribuir uma informalidade obrigatória à fala, numa 
simplificação de usos que muitas vezes se aproxima do vul­
gar. Nesse sentido, é mais comum que se fale, por exemplo, 
"Me dá um dinheiro !" , enquanto se reserva a forma "Dê-me 
2 Platão, "Fedro", in: Diálogos. São Paulo, Hemus Livraria Editora, 1981. 
- 73 -
U M A P A U S A PA R A R E F L E X Ã O . . . 
um dinheiro !" para o registro escrito da frase. Construções 
simplificadas e concordâncias extravagantes (de pessoa ou de 
número) costumam frequentar sem susto e sem problemas 
nossa linguagem falada. O problema, no entanto, começa 
quando essas estruturas coloquiais passam a ser vistas

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